Invasão russa embaralha esquerda e direita e dá ‘nó ideológico’ em bolsonaristas

Nos grupos de Telegram e nos perfis bolsonaristas nas redes sociais, onde geralmente dominam os discursos prontos a favor ou contra alguma ideia, usuários vacilam em assumir quem é o certo da história
Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR

Guilherme Caetano / O Globo

SÃO PAULO — Após o bombardeio russo sobre o território ucraniano na madrugada da quinta-feira, diversos atores políticos no Brasil e no exterior começaram a se manifestar — e tomar lado — sobre a guerra. Mas em meio à hesitação do presidente Jair Bolsonaro em se posicionar, diferentemente de seus pares, bolsonaristas e grupos de direita radical demonstram confusão sobre de qual lado ficar.

Nos grupos de Telegram e nos perfis bolsonaristas nas redes sociais, onde geralmente dominam os discursos prontos a favor ou contra alguma ideia, usuários vacilam em assumir quem é o certo da história. “Entre Biden e Putin, eu fico com Trump e Bolsonaro”, resumiu a militante bolsonarista com 186 mil seguidores no Twitter. No aplicativo de troca de mensagens, após uma quinta-feira sem predominância de narrativas, começam a circulam mensagens a favor de cada um dos lados. Há usuários chamando os Estados Unidos de “principal instigador do conflito”, enquanto outros defendem a expulsão de membros a favor de Putin desses grupos.

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Paulo Eneas, editor de um dos principais sites pró-Bolsonaro, chamou Putin de “ditador”, posição que tem sido assumida pelos olavistas. O bolsonarista Paulo Figueiredo, comentarista da Jovem Pan, associou Biden a uma “criança” e criticou o Partido Democrata, alinhado aos fãs do ex-presidente Donald Trump no Brasil. A família Bolsonaro tem evitado tocar no assunto. Eduardo Bolsonaro se limitou a compartilhar em suas redes uma nota oficial do governo federal que “apela à suspensão imediata das hostilidades” sem condenar o bombardeio.

Parte da dubiedade se associa ao fato de a própria Ucrânia ter se tornado referência para alguns grupos de extrema-direita no Brasil. Em 2020, no auge dos acampamentos e atos pró-Bolsonaro em Brasília e outras capitais pelo país, a bandeira ucraniana era frequentemente vista entre os manifestantes.

Figuras como a militante Sara Winter, que foi presa por organizar protestos antidemocráticos, diziam querer “ucranizar o Brasil”, já que o país europeu era tomado como exemplo por bolsonaristas pela forma como a extrema-direita conseguiu se organizar e agir politicamente. O termo se popularizou entre apoiadores de Bolsonaro. O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), base do governo na Câmara, publicou em seu Twitter em abril de 2020: “Está na hora de ucranizar o Brasil! Quem sabe o que foi feito por lá, entenderá”.

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Um grupo chamado “Ucraniza Brasil” ficou acampado por alguns dias no vão do Masp, em São Paulo, em 2021, antes de ser retirado pela polícia. A partir de então, passou a se organizar num grupo homônimo de 5 mil pessoas no Telegram, onde simpatizantes compartilham discursos extremistas e teorias conspiracionistas.

Nos últimos dias, esses usuários passaram a acompanhar os relatos do brasileiro Alex Silva, que participou dos atos antidemocráticos de 2020 ostentando uma bandeira da Ucrânia e chegou a ser visto como uma liderança no processo de “ucranizar” o Brasil. Silva tem enviado vídeos e informações diariamente da Ucrânia, onde ele diz trabalhar em uma academia de tiro e táticas militares.

Além das principais democracias ocidentais, estão ao lado da Ucrânia nesta guerra também partidos de extrema-direita europeus. É o caso de Jaroslaw Kaczynski, líder do partido ultraconservador Lei e Justiça (PiS), e Viktor Órban, primeiro-ministro da Hungria e líder do Fidesz. Mas, por outro lado, para embaralhar ainda mais o assunto, há também figuras odiadas pelos bolsonaristas como os presidentes Joe Biden (Estados Unidos) e Emmanuel Macron (França) — o que torna o apoio desses grupos à situação ucraniana menos categórico.

Em apoio a Vladimir Putin — ou pelo menos um esquivamento em condenar o bombardeio sem ressalvas — há outros nomes da extrema-direita, como Steve Bannon, ex-estrategista da campanha de Trump, e o próprio ex-presidente americano. Bolsonaro se encontrou com Putin em Moscou dias atrás, ocasião em que demonstrou “solidariedade” à Rússia. Após o bombardeio, o presidente preferiu se esquivar do assunto em discursos e conversas com apoiadores. 

Perfil do PT do Senado posta sobre crise na Ucrânia e depois apaga publicação
Perfil do PT do Senado posta sobre crise na Ucrânia e depois apaga publicação | Reprodução/Twitter

Mas desse lado também está parte da esquerda. O perfil do PT no Senado, por exemplo, fez uma publicação controversa no Twitter na quinta-feira: disse condenar “a política de longo prazo dos EUA de agressão à Rússia e de contínua expansão da OTAN em direção às fronteiras russas”. Pouco após ser publicado, o tuíte foi deletado da rede social, e uma nova nota condenando os ataques foi publicada.

Manuela D’Avila (PCdoB), candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad na eleição de 2018, após pedir paz ao conflito, chamou as preocupações da Rússia de “legítimas” e criticou “o cerco da OTAN às fronteiras russas”. Já o PCO (Partido da Causa Operária), legenda de extrema-esquerda, declarou “apoio total à ação da Rússia na Ucrânia”.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/sonar-a-escuta-das-redes/post/conflito-entre-russia-e-ucrania-embaralha-esquerda-e-direita-e-da-no-ideologico-em-bolsonaristas.html

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