Thiago Prado / O Globo
RIO – Na disputa pelo apoio de lideranças evangélicas na eleição do ano que vem, a esquerda enxerga um caminho em uma das mais relevantes alas da Assembleia de Deus: o Ministério de Madureira, comandado pelo bispo Manoel Ferreira, e que ainda hoje, publicamente, se diz alinhado ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
São dois os movimentos recentes de Ferreira que indicam a abertura de diálogo com a oposição ao Planalto: em setembro, o bispo esteve com o ex-presidente Lula no sítio do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano, hoje o mais influente petista no cenário fluminense.
Três meses depois do encontro que Ferreira jurou ser apenas de cortesia, um novo gesto. Há duas semanas, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), pré-candidato ao governo do Rio, foi recebido por centenas de bispos e pastores em culto do Ministério de Madureira no Rio. Freixo conseguiu ser recebido em Madureira graças a Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, advogado de Samuel Ferreira, filho do bispo Manoel.
Samuel Ferreira ficou vinculado aos governos do PT após seu nome aparecer em dois momentos da Operação Lava-Jato: tornou-se investigado por suspeita de ceder uma conta bancária da igreja para o ex-deputado Eduardo Cunha receber subornos de contratos na Petrobras; e foi citado na delação premiada da JBS como beneficiário de repasses irregulares para o ex-ministro Antonio Palocci. Em ambos os casos, o filho do bispo Manoel Ferreira nega ter participado de atos ilegais.
Samuel Ferreira é o grande nome por trás do mandato do deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica. Além de defender as pautas governistas, Cezinha esteve em motociatas e até mesmo no ato do 7 de setembro de Bolsonaro em São Paulo, quando o presidente desferiu ataques contra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Crise na bancada
Cezinha está no epicentro de uma crise que envolve duas alas da Assembleia de Deus, o seu Ministério de Madureira e a Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia, o líder evangélico mais próximo a Bolsonaro. No início do ano, Cezinha foi eleito para comandar a bancada evangélica após um acordo com o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM), ligado a Malafaia — um presidiria o grupo em 2021, e o outro, em 2022. Cezinha, contudo, quer ficar mais um ano no posto, e Samuel Ferreira já deixou a intenção clara no culto que celebrou a ida do ministro André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Malafaia tem levado a Bolsonaro informações sobre as articulações do Ministério de Madureira com Lula e Freixo, embora ainda não tenha se manifestado publicamente a respeito do tema. O que o líder da Vitória em Cristo fez recentemente foi brigar em público com Cezinha de Madureira sobre dois projetos em tramitação no Congresso: o da liberação dos jogos de azar e o que isenta as igrejas da cobrança de IPTU nos imóveis que aluga. Malafaia acusou o deputado de fazer um acordo condicionando a aprovação de um projeto ao outro sem que houvesse entendimento com as lideranças evangélicas.
Entre 2019 e 2020, a disputa por poder dentro da Assembleia de Deus esteve pacificada. No biênio, tanto Sóstenes quanto Cezinha retiraram suas candidaturas pelo comando da Frente Parlamentar para eleger por aclamação o pastor Silas Câmara (Republicanos), representante da Assembleia de Deus em Belém, a mais relevante denominação da região norte do país.