Adriana Mendes / O Globo
BRASÍLIA — O relator da PEC da Segunda Instância, deputado Fábio Trad (PSD-MS), retirou seu parecer da comissão especial formada para analisar o tema depois que o Centrão, que é contra a proposta, substituiu grande parte dos integrantes do colegiado nas últimas 24 horas. É a terceira vez só neste mês que a leitura do texto é adiada. Trad pediu que seja marcada uma outra data para discussão da proposta.
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— Vendo um cenário que não mais existe, porque com quem eu trabalhei não mais estou vendo nenhum deles presentes por causa dessa mudança repentina de quase 17 membros, eu retiro meu relatório e solicito que adie para outra oportunidade, para que meu relatório não vá para o matadouro — disse Trad.
O relator justificou que aceita debater com quem tem conhecimento do tema, mas não com aqueles “escolhidos para rejeitarem” a proposta. Ele afirmou que a retirada do relatório é uma homenagem para o “amadurecimento do Legislativo”.
Além dos 17 novos integrantes, houve também movimentações de outros dois deputados que trocaram de titular para suplente, totalizando 19 alterações. A comissão tem 34 de deputados titulares e suplentes.
Deputados favoráveis ao projeto avaliam que a proposta tinha maioria para ser aprovada. Na abertura da reunião, o autor do projeto, deputado Alex Manente (Cidadania-SP) defendeu que fosse marcada uma reunião com os novos membros para discutir o relatório. A proposta define que o trânsito em julgado — momento em que, segundo a Constituição, o condenado criminalmente é considerado culpado e começa a cumprir pena — acontece após a segunda instância.
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O relator da PEC definiu um marco temporal. A proposta passaria a valer a partir de sua promulgação. Para a prisão ocorrer após a condenação em segunda instância, o projeto acaba com os recursos extraordinário e especial ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). O relatório expande também essa alteração também para o Tribunal Superior do Trabalho (TST) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com a retirada do relatório, o presidente da comissão, Aliel Machado (PSB-PR), disse que o debate não seria reaberto, que por questão regimental quando o relator retira o texto “perde-se o objeto”.
— Eu vou procurar o presidente da Casa (Arthur Lira) e a secretaria-geral da Mesa, também me reunirei com o deputado Fábio Trad e Alex Manente para que em conjunto a gente encontre uma alternativa e dê andamento aos trabalhos – disse Machado, no encerramento da reunião.
Na semana passada, Machado argumentou que a leitura do relatório havia sido adiada a pedido de Lira, que queria mais tempo para buscar um acordo com as lideranças partidárias.
O Centrão, que é contra a proposta, alterou vários congressistas que integravam a comissão nas últimas 24 horas. O deputado Pastor Gil (PL-MA) foi substituído por Júnior Mano (PL-CE); João Campos (Republicanos-GO) e Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) deram lugar a Gilberto Abramo (Republicanos- MG) e Milton Vieira (Republicanos -SP) para titulares; para suplentes foram indicados Hugo Motta (Republicanos-PB) e Vinicius Carvalho (Republicanos-SP) . Já o PP indicou Cacá Leão (PP-BA) e Fausto Pinato (PP-SP) para titulares.
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Também foram registradas outras mudanças, o deputado Rodrigo Coelho (PODE-SC) passou a ser suplente, Gilberto Nascimento (PSC-SP) deixou de ser membro, e os deputados Aluisio Mendes (PSC- MA) e Bosco Costa (PL- SE) passaram a ser titulares.
Outros partidos também contrários à PEC fizeram alterações no colegiado. O PT indicou Paulo Teixeira, que estava como suplente para titular; o DEM tirou Arthur Oliveira Maia (BA) e Pedro Lupion (PR) e colocando Fernando Coelho Filho (PE) e Arthur Oliveira Maia (BA); Daniel Trzeciak (PSDB -RS) e Mariana Carvalho (PSDB-RO) saíram para para dar lugar ao deputado Paulo Abi-ackel (PSDB-MG) e Daniel Trzeciak (PSDB-RS) para suplente.
O PSB trocou Mauro Nazif (PSB-RO) por Milton Coelho (PSB- PE) para suplente da comissão. O Solidariedade indicou Ottaci Nascimento (RR) para titular. O PDT passou a ter Mário Heringer (PDT-MG) para suplente.
Manobra
Integrantes da comissão classificaram a manobra como “um golpe” e se solidarizaram com o relator. Parlamentares também cobraram mudanças no regimento da Câmara para que não ocorram mais mudanças de última hora na composição dos colegiados.
— O regimento da Câmara precisa ser modernizado. Não podemos conviver com esse tipo de chicana no regimento. Não podemos aceitar. É um tapa na cara da sociedade brasileira – disse o deputado Sanderson (PSL-RS).
— Não estou de acordo, acho um absurdo mesmo, é um deboche (…) estamos em um ambiente de conveniência, em busca de protagonismo e para ter protagonismo tem que ser bajulador ou fazer determinadas composições até em troca de emendas no orçamento — afirmou o deputado Paulo Ramos (PDT-RJ).
Supremo
A PEC foi apresentada em 2019, logo após o Supremo Tribunal Federal (STF) ter decidido que o cumprimento da pena ocorre somente após o trânsito em julgado, modificando pela terceira vez em uma década a jurisprudência sobre o tema. A proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em 2019, e desde então estava parada.
Análise da segunda instância no STF:
2009 – No julgamento de um habeas corpus de uma pessoa condenada por tentativa de homicídio, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por sete votos a quatro, que um réu só poderia ser preso após o esgotamento de todos os recursos judiciais disponíveis — o chamado “trânsito em julgado”. Desde a promulgação da Constituição de 1988, a Corte não havia se debruçado sobre o tema, que remete ao artigo 5º da Carta, que trata da presunção de inocência. Aquele julgamento contou com votos de quatro ministros que ainda estavam na Corte na análise mais recente sobre a prisão em segunda instância, em 2019: Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Apenas Gilmar mudou de posição neste período.
2016 – No julgamento de outro habeas corpus, desta vez de um réu acusado de roubo, o Supremo — com metade de sua composição modificada — mudou o entendimento e passou a permitir a prisão após condenação em segunda instância, mesmo que ainda houvesse possibilidade de recurso a Cortes superiores. O placar foi de novo 7 a 4, desta vez pela antecipação da execução da pena. Além de Marco Aurélio, Celso de Mello e Lewandowski, a ministra Rosa Weber votou pela necessidade de trânsito em julgado. Gilmar, que votou pela prisão em segunda instância, justificou sua nova posição citando sistemas jurídicos de países europeus, que apresentam menos instâncias recursais.
2019 – O STF concluiu, em novembro daquele ano, as votações de duas ADCs (Ação Declaratória de Constitucionalidade) sobre o artigo do Código Penal que prevê prisões apenas em flagrante delito ou com trânsito em julgado. Por seis votos a cinco, a Corte voltou a rejeitar a prisão em segunda instância. Gilmar explicou o novo voto citando que a decisão de 2016 havia aberto uma “possibilidade” de antecipar a pena, que vinha sendo confundida com “obrigatoriedade”. Também mudou de posição o ministro Dias Toffoli, que havia votado pela prisão em segunda instância em 2016, e justificou que a nova ação estabeleceu tese mais ampla.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/centrao-manobra-contra-pec-da-segunda-instancia-relator-retira-parecer-25310659