O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), é, acima de tudo, um competidor. Nunca foi um homem da composição política e provavelmente nunca será. Assim conseguiu se tornar prefeito de São Paulo, governador do Estado e agora candidato do PSDB à presidência: com embate duro contra colegas de partido, rupturas com aliados, enfrentamento com adversários.
Em processo de eleições internas, mobilização é a palavra chave. Quem tem cadastro atualizado, organização, equipe para chegar até a base, leva vantagem. E Doria tem expertise no assunto.
Ele ignora os caciques e vai direto à base. Não é à toa que os mestres em composição construíram as regras das prévias de modo a estabelecer travas na entrada hostil de Doria em currais eleitorais alheios. Criaram um complexo sistema com cinco grupos de eleitores, divididos em quatro colégios eleitorais, de forma a realçar o peso da cúpula.
O problema é que esta circunstância faz com que seus triunfos a cada batalha não sejam regeneradores. Pode ser que ele consiga unir o partido agora, mas isto não necessariamente irá acontecer. Chama a atenção o fato do derrotado governador gaúcho Eduardo Leite ter desejado boa sorte ao paulista, mas não proclamado em som claro e alto o seu apoio. Para se viabilizar como candidato presidencial, ainda há um longo caminho para Doria.
Mesmo políticos que são potenciais apoiadores de seus projetos de poder observam o estilo solitário de Doria. Tome-se como exemplo a questão da vacina.
A vacina é a vitrine que Doria tem a oferecer ao Brasil. É a grande marca e o grande símbolo de sua gestão. Talvez seja ainda mais valorizada pelo eleitor com um possível recrudescimento da pandemia. No momento, a preocupação com a doença está em baixa, mas isso pode mudar, e mudar rápido.
O governador de São Paulo teve o extraordinário mérito de fazer uma aposta na ciência e, com sua ação, garantir o início da vacinação contra a covid-19 no país em janeiro. Mas o fez sem sócios. Não buscou uma ação colegiada com outros governadores e não dividiu o brilho de sua ação com prefeitos que estiveram na linha de frente dos conflitos decorrentes das ações de isolamento social e de vacinação que marcaram 2021.
É consensual no Brasil a percepção de que toda a engrenagem se pôs a mover graças ao protagonismo do governador paulista, que ainda no fim do ano passado colocou uma risca de giz e estabeleceu que começaria a vacinar em janeiro, a não ser que fosse impedido pela Anvisa. Mas o prefeito de uma grande capital brasileira deixa claro que Doria não estava sozinho nesta cruzada.
Não deixa de surpreender o fato de a vacina não ter lhe proporcionado ganhos de popularidade até agora. A narrativa a favor do tucano é muito poderosa.
Quantas pessoas a mais teriam perdido a vida se Doria, por exemplo, tivesse resolvido competir com o presidente Jair Bolsonaro na distribuição de kits covid para tratamento precoce?
É difícil pensar em algum argumento mais transversal e óbvio do que esse para sensibilizar o eleitor do país a ver com simpatia as pretensões presidenciais do tucano, do Oiapoque ao Chuí.
Não é apenas a elite política que torce o nariz para Doria. Ele é um político com alta rejeição dentro e fora de São Paulo. E por quê?
Um dos fatores é paradoxal, porque é ao mesmo tempo trunfo e estigma. Desde 1930, portanto há mais de noventa anos, apenas um governador de São Paulo chegou à presidência pouco depois de deixar o cargo: Jânio Quadros, em 1961. Não é um acaso e a coincidência não existe no processo histórico.
Em países grandes, como Brasil, Estados Unidos e Argentina, há um pendor natural tanto do eleitor comum quanto da classe política para que não se coloque o poder político e o econômico nas mesmas mãos. Uma espécie de reação federativa.
Por outro lado, o peso de São Paulo por si só poderá ser decisivo em 2022. Será difícil a viabilização ao ex-ministro Sergio Moro (Podemos) ou ao ex-governador Ciro Gomes (PDT) — hoje os dois nomes mais bem colocados nas pesquisas fora da polarização Lula-Bolsonaro — se não tiverem base em São Paulo. Hoje, eles não têm. Quem tem mais capacidade de construir essa base no Estado que representa 22% do eleitorado nacional é quem governa o Estado atualmente.
Esse é um fator estrutural, em relação ao qual há pouco que Doria possa fazer. Mas há outros que podem ser debitados diretamente em sua conta. A autossuficiência assusta. Basta lembrar uma das frases de seu discurso de posse no Palácio dos Bandeirantes.
“O Palácio dos Bandeirantes, a partir de agora, será o Palácio do Trabalho e os que aqui vierem, venham com propostas de trabalho, com propostas honestas, decentes, inovadoras. Não vamos aqui fazer a romaria para cafezinho, água, chá ou cadeira. Aqui será um ambiente do trabalho. Tenho dito e repetido aos secretários, não quero romaria de prefeitos e prefeitas, quero soluções para prefeituras”. É o tom de um enérgico CEO, não de quem precisa escutar, pactuar, ceder para obter um ganho lá na frente, conciliar interesses divergentes e legítimos.
Um parlamentar paulista correligionário de Doria pensa que houve um erro de “timing” na economia. Doria teria levado muito longe o arrocho nas contas públicas para montar um caixa de investimentos no fim do ano. E, claro, como aconteceu com todos os governadores, o fechamento do comércio cobrou seu preço na popularidade.
Essas dificuldades não impressionam muito o governador, ou ao menos ele não deixa transparecer. Doria parte da premissa de que a eleição de 2022 será um duelo de múltiplas rejeições, entre políticos marcadamente agressivos, como Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes. Quando Doria diz que a terceira via na realidade é a melhor via, o que está querendo é desqualificar as outras duas. Para Doria, o centro não é espaço para convergência ou meio-termo, e sim um ponto de concentração das rejeições aos polos. Quem melhor souber manejar o tacape ganha mais pontos.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/noticia/2021/11/27/anlise-joo-competidor.ghtml