Bolsonaro não conseguiu ampliar sua base de sustentação e aumentou ainda mais seu isolamento político
Dos meses do ano, agosto sempre foi, em termos políticos, o mais lembrado em razão de inúmeros acontecimentos, invariavelmente disruptivos, como o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954. Setembro jamais havia ganho, na memória coletiva, tamanho protagonismo com o mesmo teor. Mas este último mês de setembro foi bem diferente e mexeu com nossos nervos, fez palpitar corações e desafiou os mais competentes cérebros da análise política. O que setembro nos revelou?
Reconhecidamente, estivemos no limiar de uma grave ruptura institucional que poderia pôr a pique nossa jovem democracia. E o grande responsável por isso foi o presidente da República, Jair Bolsonaro, pela confrontação destrutiva que estimulou e conduziu contra as instituições da República, notadamente o Supremo Tribunal Federal (STF). Bolsonaro projetou e participou, no Dia da Independência, de atos antidemocráticos de massa em Brasília e São Paulo com o claro objetivo de confrontar o Poder Judiciário, rompendo o equilibro da República. Se essa ação produzisse os efeitos esperados a favor do presidente, estaria dado o sinal para o golpe de Estado.
Mas não foi o que aconteceu. A tentativa de golpe não prosperou. Os militares recolheram-se, depois da cerimônia oficial em Brasília, e as Polícias Militares dos Estados, controladas pelos governadores, mantiveram-se em suas funções ordinárias, garantindo a ordem.
Detalhadamente preparadas nas duas cidades mencionadas e também no Rio de Janeiro, Bolsonaro conseguiu mobilizar efetivamente milhares de pessoas. Obteve, nesse curso, o apoio de parte do empresariado e da militância de suas redes sociais. No entanto, as principais forças políticas do país não deram respaldo à escalada golpista comandada pelo presidente. Muito ao contrário, partidos políticos que relutavam em fazer oposição direta ao governo passaram a falar abertamente em impeachment. O principal setor social que havia declarado apoio, os caminhoneiros, dividiu-se. Vocalizando uma retórica exaltada, parte dele ainda tentou uma “greve” nos dias sucessivos, desestimulada pelo próprio presidente da República.
O golpe fracassou, dentre outras razões, porque Bolsonaro não conseguiu adesão suficiente para levá-lo a efeito. Quer porque o suposto braço armado do dispositivo golpista recuou ou efetivamente não se compôs, quer porque a mobilização de massas não correspondeu às expectativas. Ficou a impressão de uma radicalização despropositada e irresponsável; e, por fim, de um recuo amedrontado diante da ameaça real de abertura do processo de impeachment.
De toda forma, o episódio revela que Bolsonaro não conseguiu ir além dos apoiadores de sempre, e o recuo do presidente, com a Carta à Nação, deixou parte de seus apoiadores bastante insatisfeitos. O resultado é cristalino: Bolsonaro não conseguiu ampliar sua base de sustentação e aumentou ainda mais seu isolamento político. Poucos dias depois, pesquisas de opinião sancionaram essa avaliação. A imensa maioria da população brasileira repudiou a iniciativa do presidente em se antagonizar abertamente com as instituições da República, quase levando a uma ruptura institucional.
Ainda que com equalização diversa em cada um dos atores, foi a sociedade política, em representação delegada da sociedade civil, que agiu de maneira célere e responsável para estancar o dispositivo golpista, antes, durante e especialmente depois do 7 de setembro. Noticia a imprensa que, nos dias seguintes, produziu-se uma espécie de “concertação” entre atores representativos e diferenciados (STF e governadores, inclusos), mais militares de alta patente, todos preocupados em montar um dispositivo antigolpe capaz de atuar constitucionalmente contra Bolsonaro caso ele queira impedir a realização das eleições de 2022, não reconhecer os resultados ou tentar se antepor à posse do eleito em janeiro do ano seguinte[1]. Como se pode ver, a democracia brasileira aderiu oportunamente à campanha do “setembro amarelo”, mês dedicado ao combate ao suicídio.
“Mau soldado”, na definição do General Ernesto Geisel, setembro reiterou que Bolsonaro é péssimo articulador político e um presidente ainda pior. Se havia alguma inclinação analítica em compreender seu governo como “bonapartista”, o comportamento dos militares foi esclarecedor. Bolsonaro é um líder de espírito fascista incapaz de dar solidez e consequência a seu próprio movimento. É um iliberal que tem adotado ações corrosivas contra a democracia, desde o início do mandato, por meio de estratégias erráticas de “guerra de movimento” e “guerra de posição” sucessivas e superpostas.
Setembro termina com a desastrosa viagem a Nova York na qual Bolsonaro e a delegação brasileira apenas exercitaram o antidecoro, mentiram e despreocupadamente espalharam o vírus da Covid-19 pelos salões das Nações Unidas. Por aqui, felizmente, as instituições da democracia parecem ter resistido à fronda reacionária comandada pelo presidente. Qualquer projeção positiva do nosso futuro vai depender de uma compreensão consequente do que se passou neste setembro.
[1] NOBLAT, Ricardo. “Operação antigolpe já foi deflagrada para conter Bolsonaro”. Metropole, 20.09.2021; https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/operacao-antigolpe-ja-foi-deflagrada-para-conter-bolsonaro.
*Alberto Aggio é historiador, professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e responsável pelo Blog Horizontes Democráticos.