Lula e Bolsonaro voltam seus discursos para os preços dos combustíveis
Malu Gaspar / O Globo
Enquanto parte do país oscilava entre o estarrecimento com as revelações do caso Prevent Senior e a irritação com as cenas patéticas do depoimento de Luciano Hang, os dois principais postulantes à Presidência da República em 2022 passaram bem longe da CPI da Covid e voltaram suas baterias para a alta dos combustíveis.
Jair Bolsonaro põe a culpa no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quer que o Congresso aprove uma lei estabelecendo alíquota fixa e uniforme em todo o país para o imposto, que hoje varia de estado para estado.
“Peço a Deus para que ilumine os parlamentares durante a semana para que aprovem esse projeto na Câmara e depois no Senado. Esse é o problema do dia”, afirmou o presidente num palanque do Nordeste.
Estava com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que fez coro. “O Brasil não pode tolerar gasolina a quase R$ 7 e o gás a R$ 120”.
Lula recorreu à parábola do gringo que leva as nossas riquezas. “O que está acontecendo é que a Petrobras está acumulando verba para pagar acionista americano”, disse a uma rádio de Cuiabá.
Para o petista, “só teria explicação subordinar o preço nacional ao internacional se o Brasil fosse importador de petróleo, mas o Brasil é autossuficiente”.
Tanto Lula quanto Bolsonaro sabem estar oferecendo soluções simplistas para um problema complexo. O presidente da República vem há meses tentando emplacar a narrativa de que, por estar ligada a um imposto estadual, a alta dos combustíveis é culpa dos governadores. Não tem tido sucesso. Primeiro porque, embora o ICMS realmente seja pesado (varia em torno dos 30%), ele não aumenta há anos.
Além disso, o imposto é parte do valor do produto e varia de acordo com ele. Portanto, mesmo que fosse reduzido a zero, o que é virtualmente impossível, os preços continuariam aumentando de acordo com a cotação do barril de petróleo e com o câmbio.
Lula, como ex-presidente, está cansado de saber que 57,8% dos dividendos da Petrobras ficam com brasileiros, incluindo pequenos poupadores que usaram seu Fundo de Garantia para investir na empresa. E que, do total, 36,7% vão para os cofres da própria União. Lula sabe também que há diversas razões para que a fórmula de preços da Petrobras seja ancorada no dólar.
Uma é que a moeda americana é a referência para todas as transações do mercado de petróleo no mundo. Outra: embora seja autossuficiente em volumes, a empresa ainda importa grandes quantidades de petróleo leve e outros derivados do petróleo para produzir os combustíveis entregues ao consumidor final, pagando o preço internacional, em dólar. Sempre que vende abaixo do valor de mercado, toma prejuízo.
Da última vez que ignorou essa equação, no governo Dilma Rousseff, a Petrobras acumulou um rombo de US$ 40 bilhões — uma das razões por que teve de ir tomando empréstimos até chegar à maior dívida corporativa do planeta e ao status de companhia à beira da falência. Quem pagou a conta, obviamente, fomos nós, contribuintes e maiores acionistas da empresa.
Lula e Bolsonaro decidiram falar do assunto porque suas sondagens indicaram que esse é o tema que mais afeta o debate eleitoral no momento. Pesquisas internas de consultorias privadas mostram que a aprovação de Bolsonaro vem caindo significativamente em regiões onde ele costumava ter bases firmes, como Sul e Centro-Oeste, justamente por causa da inflação dos combustíveis e da energia.
Soluções de palanque e fórmulas gastas não resolverão o problema. Lembremos que o próprio Bolsonaro trocou o presidente da Petrobras no início do ano, zerou os impostos federais sobre o diesel e o gás e prometeu outras tantas providências — como uma bolsa-caminhoneiro — que nunca foram adotadas.
Se voltamos ao mesmo ponto, agora, é porque esse nó, assim como tantos outros que precisamos desatar, demanda políticas públicas consequentes e de longo prazo, que certamente trarão algum sacrifício e que, por isso mesmo, têm de ser fruto de um debate amplo e responsável. Mudanças profundas nos modais de transporte e na configuração das grandes cidades, investimento em transporte de massa e em tecnologia são planos possíveis.
Mas nada disso tem feito parte do debate público. Estamos presos a um longo dia da marmota, com políticos que repetem sempre as mesmas propostas inócuas, enquanto problemas cruciais se arrastam indefinidamente. Nada está tão ruim que não possa piorar, disse outro dia o presidente Bolsonaro. Vendo a forma como os dois principais candidatos à Presidência da República tratam questões vitais para o país, só é possível concordar.