Presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República não pode simplesmente “matar no peito” e não agir
Merval Pereira / O Globo
O bom-mocismo do presidente Jair Bolsonaro tem a ver, sobretudo, com a proximidade do julgamento de alguns dos processos que podem atingi-lo e do encerramento da CPI da Covid, que discute internamente como encaminhar o relatório final de maneira que tenha consequências práticas. Há questões técnicas que podem obrigar a CPI a fazer dois ou três relatórios, cada um endereçado a um órgão próprio, como sugere o professor e jurista Aurélio Wander Bastos, que alertou a comissão de que não cabe ao Ministério Público Federal dar seguimento a acusações de crime de responsabilidade.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz, acha que o procurador-geral da República, Augusto Aras, não pode simplesmente “matar no peito” e não dar seguimento ao relatório, mas a legislação pode ajudá-lo a não acusar o presidente da República, como temem os membros da CPI. A Constituição brasileira, ao definir as competências da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), estabelece que ela tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, devendo suas conclusões, se for o caso, ser encaminhadas ao Ministério Público para que promova a responsabilidade civil ou criminal.
Ocorre, porém, como lembra Wander Bastos, que não cabe ao procurador-geral da República denunciar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) crime de responsabilidade do presidente da República, como também, por força da Constituição, fazer a denúncia desse, ou de qualquer outro crime, junto à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.
Ao Supremo, cabe apenas processar e julgar, nas infrações penais comuns, os crimes do presidente da República. Esse é, diz Wander Bastos, o dilema colocado para a CPI, porque, encaminhadas as conclusões ao Ministério Público, a Constituição não esclarece o destino dos crimes de responsabilidade apurados.
A denúncia da Procuradoria-Geral da República, nos casos de crime de responsabilidade do presidente da República, deveria ser enviada ao STF, mas a Constituição não prevê explicitamente a competência do Supremo para julgar crime de responsabilidade do presidente, admitindo apenas para julgamento seus crimes comuns.
A Constituição, ressalta Wander Bastos, também não reconhece a competência do Senado para julgar crimes de responsabilidade do presidente da República, até porque a acusação não terá sido admitida por dois terços da Câmara dos Deputados, como requer o texto constitucional. Wander Bastos analisa que a CPI está efetivamente diante de uma dificuldade legal, tendo em vista que a Lei de Impeachment fala em denúncia de crime de responsabilidade enquanto direito do cidadão, mas a Constituição não abre essa competência para comissões ou órgãos de direito coletivo, exceto se a denúncia na Câmara dos Deputados for promovida por cidadão presidente de órgão ou comissão. A denúncia teria de ser individualizada no senador Omar Aziz, presidente da CPI.
Por isso, o jurista Wander Bastos sugere que seja feito um relatório específico para o caso de crime de responsabilidade do presidente da República e outros dois, um sobre crimes comuns, que poderiam ser julgados pelo STF, e outro sobre crimes contra os direitos humanos. Em outra ponta, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) está disposto a julgar em outubro a chapa Bolsonaro-Mourão no processo que se refere aos disparos em massa pelo WhatsApp na campanha eleitoral de 2018.
Com as provas conexas do processo das fake news que corre no STF, a acusação será muito contundente. Não há, porém, expectativa de que o TSE casse a chapa. Todos os julgamentos de políticos e presidentes da República, assim como o impeachment, são políticos. Caso Bolsonaro se contenha até lá, não haverá clima político para que a chapa seja impugnada, nem para que fique inelegível. As revelações que sairão do julgamento, mesmo que o resultado final não seja a cassação, serão muito significativas da maneira como ele governa e de como chegou ao poder. E, politicamente, será muito ruim para ele.
Fonte: O Globo