Comandantes em geral defendem voto impresso, mas não endossam suposta ameaça às eleições
Na operação de ocupação do agônico governo Jair Bolsonaro pelas forças do centrão, os militares novamente pagaram o preço de ter apadrinhado o capitão reformado do Exército em 2018 e integrado sua administração de forma ostensiva.
O episódio no qual o ministro Walter Braga Netto (Defesa) foi apontado como mentor de uma ameaça de golpe contra as eleições de 2022 é apenas o primeiro salvo no conflito que se seguirá, com o centrão buscando desalojar os militares da miríade de cargos que amealharam no governo federal.
Foi um movimento ao mesmo tempo sofisticado, por envolver alguns fatos reais, e tosco, pelo explícito de seu objetivo.
Ninguém, seja dentro das Forças Armadas, no governo ou no Congresso, tem dúvida de que Braga Netto é hoje um dos mais bolsonaristas ministros de Bolsonaro.
Que ele defenda o tal voto auditável por impressão, não é novidade. Praticamente toda a cúpula militar brasileira o faz em conversas reservadas.
Fazer dessa defesa, inadequada porque afinal de contas ele é ministro que cuida de militares e não de área política, uma ameaça de suspensão do pleito do ano que vem é outra coisa. Mesmo que o relato apresentado pelo jornal O Estado de S. Paulo seja fidedigno, não haveria tropas disponíveis para tal intento.
Ao menos neste momento, já que no Brasil até o passado é incerto, na frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Só o fato de haver a discussão sobre o papel institucional das Forças já diz muito do estado em que o país está e obriga monitoramento atento.
O vazamento da versão traz elementos verdadeiros. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), esteve de fato com Bolsonaro e disse que não toparia aventuras antidemocráticas —esta Folha mesmo o reportou.
Mas o contexto era posterior à fala do presidente ameaçando as eleições, feita em público na semana retrasada. Disse Lira que iria até a uma derrota no ano que vem, mas só isso.
O mundo político caiu em cima de Bolsonaro, que aquiesceu por um momento, acelerando inclusive o processo de mudança no governo em nome de uma sobrevivência mínima visando a campanha de 2022.
Braga Netto não disfarçou seu intento na nota que publicou, onde novamente arrogou às Forças Armadas poderes constitucionais inexistentes, como a tutela sobre a “liberdade dos brasileiros”. O ministro é incorrigível, como sua nota ameaçando a CPI da Covid já provara, reforçando a imagem de tigre de papel de seus comandados.
Alguns oficiais-generais ouvidos nesta quinta (22) voltaram a se queixar do ministro, naturalmente sob reserva. Consideram que o texto que editou para negar ter feito ameaças a Lira poderia dispensar a defesa da suposta vontade legítima dos brasileiros pelo voto impresso.
Leite derramado, o substrato da confusão é duplo. Bolsonaro ganhou vapor para sua decadente campanha pela mudança legal que não irá ocorrer, e que muitos temem ser a semente para uma reação anárquica caso seja derrotado nas urnas em 2022.
E o centrão, quem diria, ganha a pecha de defensor da democracia acossada ao mesmo tempo em que arrebenta as porteiras do governo que estaria ameaçando as instituições.
De quebra, o plano supõe que os militares sob fogo irão bater em retirada, deixando sob as ordens do derrotado general Luiz Eduardo Ramos as casamatas (e as mamatas, para ficar na terminologia presidencial) para os novos inquilinos.
Para um governo altamente militarizado, a impressão que fica é que, neste primeiro assalto, os fardados tomaram uma surra do antigo inimigo —que, diga-se de passagem, deixou tal condição desde pelo menos meados do ano passado, quando o namoro ora consumado começou.
Seja como for, foi uma primeira batalha. A guerra continua, com impactos institucionais ainda imprevisíveis, ainda mais com um comandante supremo notável em sua instabilidade.