Fevereiro de 2015. Cerca de nove meses antes do início do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, estavam mais do que dados os sinais da polarização em gestação e que há anos trava o jogo político. Aquele evento no Rio de Janeiro, agendado para ser um ato em defesa da administração petista e a gestão do partido à frente da Petrobras, seria lembrado até hoje por produtores rurais que justificam a decisão de aderir ao projeto político do presidente Jair Bolsonaro e já entraram no radar das siglas de centro.
Havia tensão no ar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegara ao local depois que militantes petistas e oposicionistas já haviam trocado sopapos. A polícia precisou ser acionada.
“Em vez de ficarmos chorando, vamos defender o que é nosso. Defender a Petrobras é defender a democracia e defender a democracia é defender a continuidade do desenvolvimento social neste país”, discursou Lula, convocando os aliados a saírem pelas ruas. Aplausos na plateia.
Entre os presentes, pouco importava a proposital confusão entre a defesa de uma empresa estatal que sofrera um verdadeiro saque e o desagravo a um governo em derrocada. Sabia-se que Dilma não chegaria ao último dia de mandato. Mas, para Lula e seus aliados, era necessário, antes de tudo, manter a militância vigilante.
Ao concluir sua fala, o petista deu a senha para aqueles que precisavam de um motivo para radicalizar do outro lado: “Quero paz e democracia. Mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também. Sobretudo quando o João Pedro Stédile colocar o exército dele do nosso lado”.
Era uma óbvia referência ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à sua capacidade de mobilização no campo ou na cidade. O MST sempre esteve onde o PT ou outros movimentos sociais precisaram de uma forcinha para aumentar o número de participantes em manifestações.
Àquela altura, não estava claro até onde iria chegar o esgarçamento das relações partidárias, quem emergiria para vencer o pleito de 2018 e de que lado se posicionariam os atores políticos dali em diante. Ficou patente, contudo, que o agronegócio teria que procurar alternativas, embora Lula tenha colocado em seu próprio ministério Roberto Rodrigues, uma unanimidade no setor.
Decidiu-se, então, adubar a campanha do deputado Jair Bolsonaro. Os dois grupos passaram a caminhar lado a lado. Só deixarão de marchar juntos novamente em 2022, se uma força de centro conseguir atrair o setor agropecuário para fortalecer uma terceira via.
Depois de eleito, o presidente até achou que poderia governar se aproveitando dessa proximidade. Sua ideia era driblar os partidos e falar diretamente com as bancadas temáticas do Parlamento, entre as quais se destaca justamente a frente parlamentar do agronegócio. Não conseguiu, para a satisfação do Centrão, mas mesmo assim nunca deixou de patrocinar as pautas de interesse do segmento.
Neste mês, por exemplo, duas propostas defendidas pela bancada ruralista passaram a tramitar de forma mais rápida. A Câmara dos Deputados deve aprovar em breve um novo marco regulatório para o licenciamento ambiental. Outro projeto em discussão versa sobre regularização fundiária, bandeira comum entre produtores rurais e autoridades do governo que citam essa medida como panaceia para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia.
Além dos programas conduzidos pelo Ministério da Agricultura, com o Ministério da Infraestrutura Bolsonaro tem buscado dar um empurrão em diversas obras voltadas ao escoamento da produção. Ao Ministério do Desenvolvimento Regional, cabe acelerar a entrega dos empreendimentos relacionados à irrigação.
A Caixa Econômica Federal deve passar a atuar com mais intensidade no setor, onde o Banco do Brasil já é uma referência. Uma das apostas do governo é assegurar oferta de crédito para a construção de silos. Essa medida daria um conveniente apoio ao produtor de menor porte.
Também se tenta destravar os debates internos sobre o próximo Plano Safra, o qual tende a ter seu desenho concluído ainda neste mês. Restrições orçamentárias devem limitar o seu alcance.
A política de flexibilização do acesso a armas e munições também atende ao homem do campo, mas nada se compara ao que se observa em relação à atual debilidade do MST. A escassez de notícias de novas invasões realizadas pelo movimento se tornou um grande trunfo de Bolsonaro. O presidente já incorporou esse fato ao seu discurso. Isso inevitavelmente estará presente na campanha à reeleição.
A redução desse tipo de ocorrência e a alta do preço das commodities estreitam a cada dia a relação dos produtores rurais com o atual ocupante do Palácio do Planalto. Essa conjunção de fatores parece fazê-los esquecer que em praticamente toda semana algum representante do governo federal, se não o próprio presidente da República, protagoniza algum desaforo em direção à China, principal cliente do setor.
Um ato nacional está sendo preparado para o dia 15 e basta percorrer de carro o país para se ter outras evidências dessa parceria. São muitas as placas publicitárias instaladas às margens das estradas por associações rurais locais. Todas em apoio ao presidente.
Se o Ministério Público não tomar alguma atitude para retirar esses anúncios em razão da proximidade do período eleitoral, dificilmente alguma legenda formalizará pedido na Justiça para que a prática seja considerada campanha antecipada. Restaria aos partidos uma saída que buscasse criar conexões diretas com essa parcela da população, como a escolha de um vice originário do agronegócio para a composição de uma chapa alternativa às que serão encabeçadas por Lula e Bolsonaro. É isso o que lideranças políticas de Brasília pensam quando falam de um vice ideal para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se o mineiro decidir mesmo deixar o DEM e filiar-se ao PSD para concorrer a Presidência da República
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/centro-entra-na-briga-pelo-agro-eleitor.ghtml