O ministro do Supremo Tribunal Federal José Dias Toffoli deu 10 dias a Jair Bolsonaro e os presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, para enviar explicações sobre a ampliação de uma nova modalidade de desembolso das emendas parlamentares, as chamadas transferências especiais.
Os três foram notificados na última sexta-feira, como consequência de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Partido Novo e que foi distribuída para Toffoli. O Novo é crítico do instrumento de repasse. Jair Bolsonaro não era citado inicialmente na ação, mas Toffoli decidiu incluí-lo.
As transferências especiais foram criadas em 2019 pelo Congresso. São chamadas de “cheque em branco” porque, ao contrário do que acontece com os recursos enviados para estados e municípios por meio de emendas regulares, no caso delas não é preciso dizer em quê os recursos serão aplicados nem prestar contas aos órgãos federais de controle de seu uso.
Basta o parlamentar indicar o nome da cidade que deve receber o dinheiro, e os recursos caem direto na conta da prefeitura, que também não precisa dizer o que fará com ele.
Criadas no final de 2019 com o propósito de facilitar o repasse da verba federal, em geral lento e burocrático, as transferências na prática criaram uma exceção à regra, adotada em toda a administração pública, pela qual o dinheiro para obras ou programas custeados com dinheiro da União é repassado a estados e prefeituras pelos ministérios ligados à aplicação das verbas e seu uso é fiscalizado pela Caixa.
Elas foram estabelecidas por uma emenda constitucional que permitiu aos parlamentares repassar até metade de sua cota de emendas individuais por depósito direto. Em 2021, isso representará cerca de R$ 8 milhões por parlamentar.
Conforme mostrou a coluna, essa verba ajudou a irrigar prefeituras comandadas por parentes de deputados no ano passado e contribuiu para a sua reeleição. Dos cinco municípios que mais receberam transferências especiais em 2020, em três o dinheiro foi repassado por um parlamentar que é parente do gestor local. Todos foram reeleitos.
Embora o mecanismo tenha sido criticado desde o início por órgãos de controle federais, por reduzir a possibilidade de fiscalização, no Orçamento de 2021, o relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias, Irajá Abreu (PSD-TO) decidiu estender, por conta própria, o uso do “cheque em branco” para as emendas coletivas de bancada, envolvendo uma fatia bem maior dos repasses federais: R$ 7,3 bilhões neste ano.
Pela regra, as emendas de bancada servem para custear projetos maiores e são decididas de maneira coletiva entre os parlamentares de cada unidade federativa. Ao aplicar a elas o mesmo tratamento das emendas individuais, corre-se o risco de ampliar o uso de verba para atender a interesses paroquiais dos parlamentares em seus redutos eleitorais e deixar à míngua projetos mais relevantes.
O texto de Irajá Abreu foi vetado por Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelos congressistas no meio da votação do Orçamento de 2021, em 17 de março.
Para não atrasar ainda mais o Orçamento, que só acabou sendo votado no fim daquele mês, os líderes do governo no Congresso firmaram um acordo com parlamentares para que deixassem a conversão das emendas de bancada em transferências especiais para depois da sanção do texto orçamentário, o que ocorreu na semana passada.
Na ação impetrada no Supremo, o Partido Novo pede a revogação do “cheque em branco”. O partido alega que a ampliação do uso das transferências promovida por Irajá Abreu é inconstitucional pois trata as emendas individuais e as de bancada, diferenciadas na lei, de maneira uniforme.
Os advogados do partido pedem ainda que a decisão seja proferida liminarmente, ou seja, rapidamente, uma vez que a aplicação das transferências especiais nas emendas de bancada está valendo e pode ser feita a qualquer momento. Somando-se o valor já autorizado a ser desembolsado neste ano em transferências especiais ao volume que desejam os parlamentares, o valor total do “cheque em branco” pode chegar a R$ 9,3 bilhões neste ano.
“Trata-se, portanto, de caso de extrema urgência, a fim de evitar a reorientação das emendas parlamentares de bancada rumo a um tipo de execução que não tem base constitucional”, afirma o Novo, em sua petição.
Após o prazo de 10 dias para esclarecimentos, Toffoli quer ouvir também a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da União antes de proferir sua decisão.