Condenação de Derek Chauvin ensina que apenas justiça nos salvará da morte
Pare e escute o sopro de esperança que está no ar; chama-se justiça. “Nunca esqueça que justiça é como o amor se apresenta em público”, nos ensina um dos grandes oradores negros vivos nos EUA, Cornel West. Justiça não é revanche, é a qualidade de despir a barbaridade de seu manto de autoridade e mostrar que o policial, no caso Derek Chauvin, está nu. Nu de razão, nu de poder legal, nu de respeito pelo próximo, nu da humanidade que partilhamos.
Nesta terça-feira (20), Chauvin, quem num ato de frieza macabra espremeu seu joelho no pescoço de George Floyd por longos nove minutos em maio de 2020, foi condenado por três crimes num veredicto unânime, como a lei determina. Chauvin foi condenado por “second-degree unintentional murder”(homicídio não premeditado, mas praticado com malícia criminosa de matar durante uma lesão corporal grave), por “third-degree murder”(ato perigoso sem consideração pela vida humana) e por “second-degree manslaughter” (homicídio culposo por negligência).
As penas máximas são respectivamente 40, 25 e 10 anos. Por lei, devemos aguardar o sentenciamento por parte do juiz para determinar as penas exatas que Chauvin deverá cumprir, o que acontecerá nas próximas semanas. Com razão, a acusação alega que pesam contra o ex-policial algumas circunstâncias que podem agravar a pena: ato ter sido realizado na presença de crianças, com “crueldade peculiar” e com abuso de sua “posição de autoridade”. A favor de Chauvin recai o fato de ele não ter formalmente histórico criminal.
O aspecto graficamente brutal das imagens do assassinato de Floyd pesou para a sua condenação. Durante o julgamento de Derek Chauvin, que durou três semanas, emergiram novas cenas das câmeras corporais dos policiais que mostram Floyd implorando por sua vida. “Por favor, não atirem em mim. Acabei de perder minha mãe”, implorou no dia 25 de maio de 2020. Ele diz que “fará tudo o que [os policiais] disserem”.
A defesa alegou que policiamento pode parecer violento, mas é necessário, que Floyd faleceu por complicações de saúde e uso de drogas, e que os transeuntes ameaçaram os policiais. Estas três teses da defesa caíram por terra, em especial pelas dezenas de testemunhas ouvidas, inclusive o chefe da polícia local que desacreditou Chauvin. Sua conduta não corresponde com o treinamento recebido, afirmou. O veredicto de Derek Chauvin, assim, nos ensina a separar policiamento de vandalismo policial e assassinato.
Quando os jurados entraram para confirmar o veredicto, os jurados não estavam sós. Ao seu lado estavam as multidões de negros e brancos que marcharam nas ruas dos EUA e de várias partes do mundo por justiça. Ao seu lado estava a família de Rodney King, que foi vítima de brutalidade policial em Los Angeles em 1992. Ao seu lado estavam todos que lutam por justiça num país que conta para si a história de ser a maior democracia do mundo, uma democracia que já pendurou negros em árvores. Ao lado dos jurados, estávamos todos nós, vivos ou mortos, brancos e negros, que lutamos por justiça.
Não tratemos o caso de George Floyd como episódico. O racismo é perverso posto que, ao menos, se revela horrendo e cotidiano. Durante as três semanas de julgamento de Chauvin, outros dois casos de violência policial ocorreram. Adam Toledo foi morto em Chicago mesmo tendo levantado as mãos para o policial, e Daunte Wright, 20, foi baleado a menos de 20 km de onde Floyd foi assassinado.
Casos de violência policial nos EUA nos ensinam que policiamento brutal ocorre ou na guerra às drogas ineficaz ou no policiamento de banalidades. Floyd foi acusado de usar nota falsa numa loja de conveniência. Breonna Taylor estava dentro de sua casa em Louisville, em março de 2020, quando foi morta pela polícia. Eric Garner vendia cigarro na rua quando foi sufocado pela polícia em Nova York. Michael Brown estaria indo para a casa de sua vó, quando foi alvejado por policiais em Ferguson.
Desde a morte de Floyd, mudanças ocorreram. Um grande número de departamentos policiais proibiu medidas de estrangulamento como tática policial. Uma lei, nomeada Lei George Floyd, passou na Câmara e, com o veredicto, deve andar no Senado. A lei diminui a imunidade legal dos policiais, expande o banco de dados sobre má conduta policial, aumenta a supervisão federal no tema, proíbe técnicas violentas como a que causou a morte de Floyd e torna ilegal perfilhamento racial.
E o Brasil? Polícias brasileiras mataram seis vezes mais do que a dos EUA, só o RJ matou mais do que a polícia americana inteira. Enquanto celebramos que Derek Chauvin foi condenado, lembremos que a investigação do caso de João Pedro, 14, morto antes de Floyd está parada, e que contra Evaldo dos Santos foram disparados 257 tiros por militares —e nenhum deles foi julgado ainda.
Lembremos as palavras da abolicionista americana do século 19, Sarah Moore Grimké. No Brasil e nos EUA, pós-veredicto, o que se pede é que a polícia tire o joelho de nossos pescoços.
*Thiago Amparo é advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos e coordenador do núcleo de justiça racial e direito na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.