O Orçamento criou um nó cego para o governo. O ministro Paulo Guedes disse que não há briga. Há sim. Briga entre os poderes e dentro do governo. Entre os técnicos e a ala política. O Ministério Público de Contas quer que o TCU alerte o governo preventivamente de que a sanção pode representar crime de responsabilidade fiscal. O parecer do TCU deve sair amanhã. Paulo Guedes na live para um banco disse que se o Orçamento for deixado como está as contas podem ser reprovadas no ano que vem e “alguém” terá a “capacidade de atingir a candidatura presidencial”. O assunto é técnico mas aperta todos os botões políticos, do relacionamento com o Congresso e da sustentação do governo.
Quem olhar o Brasil de fora deve achar que esse é o menor dos problemas. Vários jornais do mundo têm publicado nos últimos dias matérias mostrando o desempenho desastroso do governo brasileiro na gestão da crise. Os dados são eloquentes em provar que o Brasil se tornou em termos de média móvel o pior caso do mundo.
Quem ouvisse o ministro da Economia ontem, falando a banqueiros, poderia considerar que o Brasil está em outro mundo. O Brasil, segundo ele, criou “680 mil empregos formais” e pode ter criado muito mais “do cara que vende churrasquinho e água na praia”. Onde exatamente andam os ministros do governo Bolsonaro? Em que planeta? O ministro Marcelo Queiroga, da Saúde, disse que “a ordem é evitar o lockdown”. Essa solução só deve ser usada quando? O que é mais grave do que ser o país onde mais se morre por Covid-19, não haver mais vagas de UTI, emergências não atenderem em hospitais privados, faltar oxigênio e estar perto do esgotamento dos remédios necessários para intubação?
No meio dessa trágica situação do Brasil na área da saúde, foi dado um nó orçamentário que reflete a incompetência do governo em negociar um acordo político, em unificar a linguagem entre os vários ministérios, em cumprir os acordos que faz.
A solução técnica recomendada é vetar todo o RP9, as emendas do relator. Integralmente. E depois, num PLN, recompor as despesas obrigatórias que foram cortadas da previdência e outros benefícios sociais. E teria que cortar também nos investimentos que foram elevados no Ministério do Desenvolvimento Regional e no de Infraestrutura. São os gastos que o próprio presidente quer manter porque acha que assim terá palanque de inaugurações.
Na visão de Paulo Guedes, explicada na live da XP, um dos problemas é que “os parâmetros estavam superados”. Bom, estavam mesmo defasados e por isso o governo deveria ter enviado uma emenda modificativa. “Era mais rápido mandar o relatório bimestral”, explicou o ministro. Isso é um detalhe técnico, mas que fez toda a diferença e mostra o erro do ministro. O relatório bimestral tem que ser enviado ao fim de março. De fato, ele veio mostrando um rombo de R$ 17,6 bi. O problema é que a emenda modificativa tinha condições de ter sido enviada muito antes. Afinal, desde o começo de janeiro já se sabia que a inflação havia sido de 5,2%, e não de 2,09%, e que o salário mínimo era R$ 1.100. Portanto, todas as despesas afetadas pelo salário mínimo tinham aumentado. Esses parâmetros errados explicam uma parte da confusão. Mas depois disso o relator fez outras negociações com o governo que acabaram ampliando ainda mais as despesas.
Vetar todas as emendas do relator seria uma declaração de guerra. Culpar o Congresso está deixando muita gente irritada no parlamento e ontem o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que o texto foi “feito a quatro, seis ou oito mãos” e que o ministro Paulo Guedes acompanhou pari passu.
O mundo nos olha com espanto. O influente jornal “Financial Times” — e ele não foi o único — fez uma matéria extensa no último fim de semana sobre a piora da pandemia no Brasil. O país é visto como um risco à saúde mundial, por ter deixado o vírus fugir ao controle. No título, o “FT” afirma que Bolsonaro está “mais isolado do que nunca” e é descrito como “um dos maiores céticos da pandemia no mundo”. Conta todos aqueles episódios bizarros e diz que ele luta para manter viva sua chance de reeleição. Esse é o quadro dramático vivido pelo Brasil. No meio de tudo isso, o Orçamento é uma confusão a mais. E nada trivial.