O país pode esperar. O vírus agradece
Pois não foi que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária se esqueceu de passar no último sábado o e-mail que convocaria para o dia seguinte uma reunião sobre a falta de remédios necessários à intubação de pacientes vítimas da Covid-19?
Situação insólita, assim os mais tolerantes a definiriam. Quer algo mais insólito do que o país estar sem ministro da Saúde há 8 dias apesar de Bolsonaro ter anunciado a demissão do general Eduardo Pazuello e a entrada do médico Marcelo Queiroga?
A demissão não havia sido publicada até ontem no Diário Oficial, tampouco a nomeação do novo ministro. Oficialmente, Pazuello continua ministro da Saúde, à espera de ser substituído por Queiroga. Enquanto isso, o ministério parou.
É concebível que tal coisa aconteça em meio a uma pandemia que se aproxima do número de 300 mil mortos em menos de um ano? Pior: em meio a uma pandemia que se agrava, superando os picos que alcançou no ano passado? Neste governo, tudo é possível.
O presidente da República procura um novo cargo para oferecer ao general. Um cargo que lhe assegure foro especial para só ser processado pelo Supremo Tribunal Federal. Entregue ao sol e à chuva é que Pazuello não ficará para evitar o risco de ser preso.
Quem sabe, o presidente não cria um novo ministério só para abrigá-lo. Está pensando nisso, mas não é tão simples. Pode não ser um novo ministério com pesada carga de obrigações. Pazuello tem dificuldade de encarar várias tarefas ao mesmo tempo.
Se não der, talvez dê para alocar o general em algum cargo no exterior, como se fez com Abraham Weintraub, ex-ministro da Educação, promovido a diretor do Banco Mundial. Ele também fugiu do país para escapar de processos. Agora, ganha em dólares.
De alguma maneira, a demora na troca está sendo providencial para Queiroga. Os órgãos de inteligência do governo se esqueceram de pesquisar a fundo a vida do futuro ministro da Saúde, e ignoravam que ele era sócio de empresas na área médica.
Deve andar ocupado em transferir para terceiros sua parte nos negócios. O Ministério da Saúde pode ficar inativo enquanto tudo isso se resolve. Afinal, não é para morrer os que tiverem de morrer, como disse mais de uma vez o presidente da República?
Então não fará tanta diferença assim. Bolsonaro providenciou mais uma distração para que o tempo corra e o vírus avance: amanhã, reunirá os presidentes dos demais poderes da República e anunciará um pacto nacional de combate à pandemia.
Seria conveniente que desta vez não se esquecesse de transmitir o e-mail de convocação do encontro.
Vaidade, o pecado favorito do diabo e de Paulo Guedes
Ruim com ele, talvez pior sem…
Ao fundo, ouve-se a voz baixinha de Paulo Guedes, ministro da Economia, o ex-Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro: ”Sou a favor das vacinas. Quero me vacinar”. Como se isso o fortalecesse, de um lado, junto ao chamado mercado financeiro que acreditou em suas promessas não realizadas até aqui, e do outro, junto à maioria dos brasileiros que reprovam o governo do qual ele faz parte.
Tem uma cena memorável do filme “Advogado do Diabo”, estrelado por Al Pacino, que conta a história do diabo na pele de um bem-sucedido advogado de Nova Iorque. Depois de possuir e de perder a alma de um talentoso colega do interior, atraído por ele para defender suas causas, o diabo a recupera no final e comenta com malícia: “Ah, a vaidade, o meu pecado favorito”.
É o pecado da vaidade que justifica a permanência de Guedes no governo. Se estivesse no mercado, ganhando muito dinheiro como sempre fez por obra e graça do seu talento, sua posição seria mais confortável. Quem sabe não teria subscrito a carta de mais de 1.500 nomes de peso do país, entre empresários e economistas, que pedem ao governo mais vacina e mais respeito pelo Brasil.
Nada, na carta, contraria o que Guedes pensa. Em conversas reservadas a respeito, ele mesmo admite. Mas o ministro sofre do complexo de inferioridade de nunca ter sido chamado a servir aos governos passados, nem reconhecido por seus pares como acha que merecia. Criticou todos os planos econômicos que sem sua rubrica deram certo ou errado. O seu, sem dúvida, seria melhor.
Bolsonaro representou para Guedes a oportunidade de fazer parte da elite dos economistas do país e de poder pôr em prática suas ideias – mas aí deu ruim. O candidato não precisava de um iluminado para introduzi-lo no complexo e traiçoeiro mundo da economia. Bastava que fosse seu avalista junto aos donos do dinheiro. Uma vez eleito, Bolsonaro, tem feito o que quer.
Por que mesmo assim Guedes não pede para ir embora? Ah, a vaidade, o pecado favorito do diabo e dos homens que ele seduz! Ir embora para quê? Para que digam que fracassou? Guedes prefere dizer que sem ele a situação seria pior. O mercado começa a achar que talvez não fosse bem assim. Só ainda não o abandonou, nem a Bolsonaro, por medo da eventual volta de Lula ao poder.
Mas – quem sabe? -, Bolsonaro não se reelege? Quem sabe não se deixa governar por Guedes no segundo mandato? Vai que o país se recupere e que Bolsonaro faça seu sucessor… Lula não se elegeu, reelegeu-se, elegeu e reelegeu Dilma? É verdade que ela foi derrubada. Mas nem sempre a história se repete. Guedes, vacinado, vai recobrar o ânimo, acredite. Quanto às reformas…
Elas podem esperar.