Empresário tem a candidatura mais consistente fora da política e tem de tomar uma decisão
Entre a máxima de que há vida pensante fora do fisiologismo do Centrão e a constatação de que setenta por cento dos brasileiros não querem mais quatro anos do extremista Jair Bolsonaro, o tempo de tolerância concedido a Luciano Huck está se esgotando. Ele tem a mais consistente das candidaturas fora dos eixos da política partidária e está sendo forçado a se decidir, o que fará em meados do ano.
Não se trata de prazo da lei eleitoral, nem de atender às conveniências pessoais e profissionais do empresário. Mas de uma exigência imposta pelo cenário dinâmico. Huck, que parecia atravessar olimpicamente as preliminares de resistência, inclusive aos preconceitos, está diante da hora da verdade. Avança, em silêncio. Os movimentos políticos de fevereiro não levaram o potencial candidato a mudar sua estratégia. Nem mesmo o revés da submissão do DEM, partido com quem vinha se alinhando, a Bolsonaro.
Ele tem exposto aos colaboradores sua teoria dos três tempos. Há o tempo dos políticos, e os movimentos de hoje nele se encaixam. Há o tempo do jornalismo político, que precisa de definições para trabalhar suas análises. E há o tempo das ruas. Huck acredita estar no tempo certo.
Superou a fase de conhecer o Brasil, reunir as melhores pessoas para ter a melhor visão de cada área e construir, também em discreta ação, um projeto. Sem este, acredita, não poderá se apresentar.
Poucos possíveis candidatos desfrutaram desta regalia e a etapa passou, com sucesso.
A questão agora é transferir para a realidade política estas escolhas. Identificar as afinidades de partidos e líderes, aprofundar as conversas e fechar compromissos. Reúne-se com o PSB e o PSD, dois novos parceiros que se somaram a Podemos, Cidadania, PSDB, PCdoB. A ideia é estimular os “players” destas legendas, para usar um termo do vocabulário empresarial do futuro candidato.
A marca oposicionista essencial é quase um lema: “Quem achar que é Bolsonaro o presidente que o Brasil merece, está fora”.
A própria pandemia exclui o bolsonarismo de um projeto que acene com compromissos políticos racionais. E é a questão número um da agenda da desconstrução do negacionismo, obrigatória para quem vencer. Tal como o modelo Joe Biden, ao remover o entulho deixado por Donald Trump.
Bolsonaro retomou agora um arremedo de governo assinando uma série de medidas insanas que exigem supressão, ao mesmo tempo em que se inicia novo projeto. A vedete é o inoportuno pacote da liberação irresponsável de armas e munições, que as ruas podem definir como “fique em casa e tranque a porta”. Qualquer brasileiro será um atirador em potencial ou vítima provável. Por razões irrelevantes, inclusive nenhuma. Os amigos do rei ficam protegidos, haverá o excludente de ilicitude.
Para a saúde, mantém-se a crença de que o Brasil estará vacinado até o fim do ano, apesar de Bolsonaro. Uma premissa nos encontros preparatórios dos quais participa Huck. Há muito o que revogar nesta área e, também, a transpor nos escombros da Educação e do Meio Ambiente. Bem como muito a desfazer em matéria de constrangimentos nas relações internacionais.
Mas tarefa tão árdua quanto delicada é o necessário resgate das formas apropriadas do Estado de Direito, hoje desfigurado. A desmilitarização de áreas civis de governo é necessária tanto por razões de competência como para afastar temores de golpe. O Supremo, como se viu esta semana, já vem discutindo isto.
É inegável que a atual Presidência dá, a cada dia, mais espaço à expansão de medidas autoritárias e de culto à violência, de conflitos institucionais e desprezo pela vida. AI-5 não é só fechar o Congresso e o Supremo, embora isto esteja no horizonte da família presidencial. Muitos ‘AIs-5’ de Bolsonaro, como os citados, estão em vigor. Mas ele quer mais.