Mais de 300 pessoas trocaram perdigotos na covidfest da vitória de Arthur Lira. Jair Bolsonaro e os filhos se refestelaram de comemorar nas redes sociais. O general Luiz Ramos teve um momento “vão ter de me engolir” pelo sucesso da articulação política da qual participou. Mas, passada a ressaca da eleição das Mesas do Congresso, a vida real bate à porta do governo e do Legislativo. E ela, sabemos, não anda nada festiva.
O primeiro para quem essa ficha caiu foi Paulo Guedes. Coube ao ministro da Economia ser o estraga-prazeres e lembrar um pequeno detalhe: o Orçamento de 2021 ainda não foi votado pelos senhores forrozeiros.
Sem essa providência básica, não há como falar em novo auxílio emergencial, a promessa mais repetida de Lira e Rodrigo Pacheco, levada pelos festeiros parlamentares às suas bases — as mesmas que eles ignoraram solenemente ao, no escurinho da urna, dar o controle das duas Casas do Parlamento a um presidente que já foi eleito internacionalmente como o pior do planeta no enfrentamento da pandemia.
Não foi só Guedes a jogar água no chope dos deputados e senadores. O novo presidente do Itaú, Milton Maluhy Filho, desafiou o coro dos contentes com os descalabros cometidos por Bolsonaro e Pazuello ao longo de um ano de transmissão descontrolada do novo coronavírus no Brasil, com mais de 225 mil vidas ceifadas, para dizer o óbvio: um atraso de seis meses no Programa Nacional de Imunização reduzirá à metade a previsão de crescimento de 4% para o PIB deste ano feita pelo banco.
O atraso já está dado. A vacinação acontece literalmente a conta-gotas, com doses contadas da CoronaVac, que Bolsonaro e Pazuello sabotaram enquanto puderam, e do imunizante de Oxford-AstraZeneca, em quantidade igualmente racionada.
Sem vacina e, portanto, sem retomada da economia, sem empregos e sem crescimento, o governo não terá outra saída a não ser reeditar alguma forma de auxílio emergencial, como pressiona o bloco de Lira — e teme Guedes.
Vem aí, portanto, um cabo de guerra no Congresso, que até ontem estava em festa, e o abraço da vitória do novo comando do Legislativo nos ocupantes do Planalto já é passado diante da pressão que vai começar.
De um lado, os parlamentares querem dar satisfação a seus eleitores a respeito de quando haverá vacina e de quando poderão retomar suas atividades, algo impossível com o ritmo de contágio e morte a que continuamos a assistir (e para que eventos irresponsáveis como a comemoração de Lira só contribuem).
De outro, os nobres congressistas querem ver entregues as emendas e os cargos prometidos. E também não há dinheiro suficiente para pagar essa fatura.
Diante de uma pauta assim congestionada pelas emergências da pandemia, da economia real e do fisiologismo, só os incautos da Faria Lima ainda podem acreditar que sairão dos escaninhos no curto prazo projetos como reforma tributária, reforma administrativa e privatizações.
Os financistas e empresários podem esperar sentados, como vêm fazendo enquanto assistem omissos e complacentes a Bolsonaro cometer crimes sucessivos contra a saúde pública e a democracia.
Também é muito etéreo e remoto traçar cenários para 2022 com base só no resultado do xadrez congressual, quando a vida nua e crua bate à porta dos políticos acompanhada pela sombra da morte. Quem me disse isso quando questionei a respeito do saldo da eleição das Mesas para a sucessão foi Ciro Gomes, que está acertadamente mais de olho nos indicadores do mundo real que nos conchavos entre um cada vez mais enfraquecido Bolsonaro e um Legislativo com apetite pantagruélico. Eis um encontro que nunca resulta bom para os governantes: o da fome dos políticos com a geladeira vazia do Orçamento e com a gritaria das ruas.