Senador deixa o posto após dois anos visto como habilidoso ao construir pontes com oposição e situação
Renato Machado, Folha de S. Paulo
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), encerra nesta semana seu período de comando da Casa, quando passou de um parlamentar relativamente desconhecido a um político poderoso, que se mostrou bom articulador e ganhou respeito de governo e oposição.
Por outro lado, é criticado por não encarnar a “renovação” que sua candidatura instigou, há dois anos. E também teve uma posição em relação ao Palácio do Planalto que dividiu opiniões: para alguns se mostrou um “pacificador”, enquanto senadores mais críticos preferem expressões como “office boy de luxo” de Jair Bolsonaro (sem partido).
Alcolumbre foi eleito em fevereiro de 2019, revertendo o favoritismo de Renan Calheiros (MDB-AL), que queria se tornar presidente pela quinta vez. A eleição para a presidência do Senado tornou-se então um embate entre a nova e a velha política.
Os dois anos da presidência de Alcolumbre coincidem com o início da gestão Bolsonaro, período de turbulência institucional e da pandemia do novo coronavírus.
Enquanto o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se tornou um crítico frequente do presidente, Alcolumbre foi mais reservado.
As poucas manifestações que bateram de frente com o Planalto se deram no início da pandemia, quando considerou “grave” o pronunciamento de Bolsonaro em que atacou as medidas de isolamento social. Também divulgou nota afirmando ser “inconsequente” promover aglomerações, após a participação do presidente em manifestação.
“Se ele fosse ficar com um balde de gasolina, iria acabar incendiando tudo. Então ele foi um pacificador”, afirmou Otto Alencar (PSD-BA), líder da bancada no Senado.
Crítico mais feroz do presidente da Casa, o senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO), por sua vez, disse que a posição de Alcolumbre frente ao Palácio do Planalto foi de submissão, comprometendo a independência do Senado.
“Ele [Alcolumbre] foi aceitando tudo. A relação dele com o presidente era só falar ‘sim’, era um office boy de luxo”, afirmou Kajuru.
Alcolumbre defende sua atuação, afirmando que respeita as críticas, embora ressalte que trabalhou com “altivez, respeito, independência e equilíbrio entre os Poderes da República”, segundo nota de sua assessoria de imprensa.
Se a relação com o Planalto divide opiniões, Alcolumbre conseguiu construir reputação dentro do Senado, construindo alianças com situação e oposição.
Prova disso é a articulação para a candidatura de seu apadrinhado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que reuniu no mesmo bloco dez bancadas, colocando no mesmo lado o presidente Bolsonaro e o PT.
Senadores próximos ressaltam sua habilidade política para “construir pontes”.
“O presidente atendeu pautas de interesse do governo e da oposição. Para nós, foi positiva a possibilidade de ter pautas de interesse dos trabalhadores”, afirmou o líder do PT, senador Rogério Carvalho (PT-SE), apontado como próximo a Alcolumbre.
Carvalho citou como exemplos as medidas provisórias que tramitaram durante a pandemia, como a que resultou na redução da jornada de trabalho e cancelamento de contratos, para evitar demissões.
Outros senadores, por outro lado, afirmam que a popularidade de Alcoumbre se deve ao aumento de privilégios.
“Ele conseguiu aumentar ainda mais os privilégios dessa capitania, aumentou os gastos, as contratações”, afirmou Kajuru.
Lasier Martins (Podemos-RS) também citou a distribuição de emendas de relator, usada para ampliar o seu leque de alianças e rachar algumas bancadas oposicionistas. O parlamentar destacou emendas obtidas para estados e municípios, que não foram divididas com todos os senadores.
“Houve uma seleção discriminatória. E dessa forma ele estava pavimentando o caminho para a sua recondução, se não fosse o STF [Supremo Tribunal Federal]”, afirmou.
O senador se referiu à decisão do Supremo, em dezembro, que barrou a reeleição dos presidentes das Casas Legislativas em uma mesma legislatura. Alcolumbre considerava como certa a possibilidade de disputar a reeleição.
Lasier Martins é integrante do grupo Muda Senado, que se mostrou fundamental para a eleição do senador amapaense, mas depois afirmou ter sido traído.
O grupo defende pautas anticorrupção, como a condenação em segunda instância, a instauração de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) e a abertura de processo de impeachment contra ministros do STF.
O grupo afirmou que perdeu espaço no diálogo com a presidência do Senado, vendo sua pauta ser preterida. Alcolumbre também não abriu nenhuma CPI e, no último mês de sua gestão, arquivou 38 petições para impeachment de autoridades do Judiciário, a maior parte delas de ministros do STF.
Em outra crítica, o presidente é acusado de blindar Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), no caso das “rachadinhas”. O Conselho de Ética não abriu processo contra o filho 01 de Bolsonaro, assim como não o fez contra Chico Rodrigues (DEM-RR), então vice-líder do governo no Senado, flagrado com dinheiro em sua cueca.
Alcolumbre, por outro lado, é exaltado por dar procedimento aos trabalhos legislativos durante a pandemia do novo coronavírus, adotando o sistema remoto de sessões.
Os aliados lembram a aprovação rápida de medidas de enfrentamento à pandemia ou para estimular a economia, como o orçamento de guerra, auxílio emergencial aos trabalhadores informais e a liberação de recursos para vacinas contra a Covid-19.
Por outro lado, não houve o funcionamento das comissões e portanto Alcolumbre ganhou “superpoderes”, levando matérias direto para a votação em plenário, escolhendo os relatores de sua preferência.
De saída da presidência do Senado, Alcolumbre vinha afirmando que queria ser vice-presidente da Casa, mas as articulações para atrair o MDB envolvem esse posto.
Se continuar na Casa, deve ficar então com a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça). Outra possibilidade é se tornar ministro do governo, no Desenvolvimento Regional ou na Secretaria de Governo.