O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas
Um ideólogo em busca de um argumento não hesita nem em fazer pacto com o diabo. Durante décadas, a direita “laissez-faire” apontava a Suécia como uma espécie de capeta estatizado. O país, afinal, era o paradigma das social-democracias europeias, caracterizadas por governos grandes, por vezes intrusivos, altas cargas tributárias e generosos programas sociais cheios de regulações.
Depois da Covid-19, tudo mudou. A Suécia, muito por causa da influência e do prestígio de seu epidemiologista-chefe, Anders Tegnell, decidiu tomar um caminho diferente do da maioria dos vizinhos. Não determinou nenhum isolamento obrigatório, e quase todas as atividades foram mantidas. Apenas recomendou que todos fossem responsáveis. Foi o que bastou para que essa direita que flerta com o negacionismo esquecesse as críticas e abraçasse a Suécia como a nova terra dos livres, onde ninguém precisa usar máscaras e todos podem se aglomerar.
É claro que nenhuma dessas visões caricaturais retratava bem os suecos, que nunca se enxergaram nem como criptocomunistas nem como homens da terra de Marlboro. Eles apoiaram a estratégia de Tegnell enquanto acreditavam que ela funcionava, mas, sensíveis às evidências, não se recusaram a modificá-la quando confrontados com a segunda onda.
Os suecos ainda mantêm uma posição relaxada na comparação com outros países, mas aprovaram mudanças na lei que agora permite punições a negócios e pessoas que não seguirem as instruções do governo. A máscara passa a ser obrigatória, em algumas situações.
E o que as evidências dizem sobre a estratégia sueca? Com 101 mortes por cem mil habitantes, o país se saiu melhor do que outras nações europeias como o Reino Unido (135) ou a Espanha (115), mas bem pior do que outros nórdicos como a Dinamarca (31), a Finlândia (11) e a Noruega (10). O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas.