A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas
Como era previsível, multiplicam-se os relatos de casos de pessoas que estariam furando a fila da vacina. Não há dúvida de que desrespeitar a ordem de prioridades constitui grave violação ética e, em algumas situações, se houver a participação de autoridades, pode caracterizar também irregularidade administrativa e até delito, mas é preciso cuidado para não transformar o justo sentimento de indignação numa caça às bruxas.Uma parte considerável das “furadas” que vêm sendo descritas se deve mais à falta de detalhamento dos grupos prioritários do que a uma intenção deliberada de passar outros para trás.
“Profissionais de saúde que atuam na linha de frente” pode parecer uma descrição precisa, mas ainda deixa muita margem a dúvidas. O dermatologista que trabalha em consultório particular e passa visita uma vez por semana na UTI está ou não na linha de frente?
Outra fonte de ruídos tem a ver com a forma de alocação das doses.
Um hospital que tenha recebido biofármacos para cobrir 50% de seu pessoal vacinará funcionários administrativos antes de uma instituição que tenha obtido imunizantes para apenas 5% ter terminado de inocular os profissionais das UTIs e pronto-socorros. Dá par ver aí uma ineficiência, mas não um crime.
Nossos pressupostos também podem ser um problema. Parece absurdo um médico que esteja em home office receber a vacina antes de alguém que lide diretamente com o vírus. Mas e se a imunização permitir que esse profissional, talvez um intensivista experiente, volte a atuar na linha de frente? Aí teríamos uma vacina muito bem aplicada. Sem dispor de toda a informação, é arriscado tirar conclusões.
A vacinação será um processo longo, difícil e sujeito a falhas. Haverá, também, sacanagens. Mas, até prova em contrário, é psiquicamente mais saudável imaginar que a maioria das pessoas se comportará de forma decente, esperando a sua vez.