Carlos Pereira: Bolsonaro 2021: um político tradicional

Pandemia levará presidente a formar coalizão com o Centrão e a intensificar agenda conservadora de costumes.
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Pandemia levará presidente a formar coalizão com o Centrão e a intensificar agenda conservadora de costumes

O acontecimento de maior relevância política do ano de 2020 não foi propriamente um evento político, mas sanitário: a covid-19. A pandemia causada pelo novo coronavírus foi um choque exógeno tão devastador que, ao gerar medos e incertezas sem precedentes, produziu efeitos políticos de grande magnitude.

As três rodadas da pesquisa de opinião que desenvolvi ao longo do ano, em parceria com Amanda Medeiros e Frederico Bertholini e com o apoio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Estadão, mostrou que a pandemia alterou, de forma inequívoca, os eixos da polarização política no Brasil.

Por um lado, a ideologia política perdeu capacidade de explicar o comportamento das pessoas e suas próprias crenças. Ser de esquerda ou de direita deixou de ter importância diante do “medo da morte”. Por outro lado, os vínculos afetivos de pertencimento a um grupo (ou de aversão ao grupo rival) baseados em identidades valorativas de seus membros ganharam preponderância explicativa e passaram a nortear a principal clivagem política: aprovar ou rejeitar o governo do presidente Jair Bolsonaro.

Esta nova polarização se consolidou a partir de quatro reações de Bolsonaro em relação à pandemia: 1) minimização da gravidade e dos riscos de contágio da doença; 2) oposição às medidas de isolamento social; 3) valorização dos impactos negativos que as medidas de isolamento social trariam para a economia; e 4) oposição à obrigatoriedade da vacina.

Ficou evidente que um contingente não trivial de eleitores, incluindo muitos que votaram em Bolsonaro em 2018, passou a rejeitar o presidente da República. Esta rejeição foi diretamente proporcional à proximidade a pessoas que se contaminaram e desenvolveram a covid-19 com graus variados de gravidade. Quanto maior o “medo da morte”, maior a rejeição ao presidente, independentemente da ideologia ou da renda. Por outro lado, o grupo de eleitores que se conecta com Bolsonaro por meio de identidades conservadoras passou a aprovar ainda mais o presidente.

A Figura abaixo exemplifica claramente essa nova clivagem política. Embora a concordância com o isolamento social tenha perdido força ao longo das três rodadas da pesquisa, fica claro que quanto maior a rejeição a Bolsonaro, maior o apoio ao isolamento social e vice-versa.

Além de perder capital político com a gerência da pandemia, Bolsonaro assumiu uma atitude conflituosa com os outros Poderes, levando seu governo a sofrer várias derrotas no Legislativo e no Judiciário. As organizações de controle também aumentaram o cerco às atividades suspeitas de seus filhos, acusados de envolvimento com “rachadinhas”, com lavagem de dinheiro e com o crime organizado.

Para evitar que o fantasma do impeachment voltasse mais uma vez a rondar o Palácio do Planalto, o presidente, que se elegeu negando a política e os partidos, fez uma das maiores inflexões da história da República. Converteu-se às instituições do sistema político brasileiro ao se aproximar dos partidos do Centrão em busca de sobrevivência política. Moderou seu discurso belicoso e confrontacional e tem se engajado diretamente na eleição dos presidentes das duas casas legislativas.

Se Bolsonaro almeja governabilidade e competitividade eleitoral em 2022, é esperado que se comporte daqui para frente seguindo duas estratégias aparentemente contraditórias. Por um lado, o governo precisa garantir, com recompensas, que o Centrão continue a apoiá-lo. Daí ser esperada uma reforma ministerial ampla que acomode esses interesses. Na medida em que essa estratégia tende a enfraquecer o suporte político do seu “núcleo duro” de eleitores, precisará se engajar na defesa de uma agenda de costumes conservadora. Mesmo com o risco de vir a ser derrotada no Legislativo e no Judiciário, essa agenda de costumes cumpre o papel de alimentar e manter o engajamento das conexões identitárias com os que aprovam o seu governo.

*Cientista Político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)

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