Ele não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política
Rodrigo Maia não foi mau presidente da Câmara. Melhor nos últimos dois anos que no biênio anterior, em que vislumbrou nas flechadas de Janot contra Temer a chance de chegar à Presidência da República. Terá amadurecido. Não que precisasse crescer muito. Mais provável sendo que tenha se beneficiado ante a pequenez média dos pares; assim como Mandetta — um Oswaldo Cruz diante do general Pazuello. O estadismo possível no Brasil pazuellizado de Bolsonaro: o por contraste.
Entre o início de 2019 e o fevereiro próximo, Maia terá gerido a pior composição da história do Parlamento, em que a renovação bolsonarista plantou volume sem precedente de desqualificados e delinquentes. Seu maior mérito consistiu mesmo em se ter investido como agente político, trabalhando por meio da política, num período em que a criminalização da política tornou-se grande eleitora. Dessa forma — com respeitável consciência institucional — conseguiu edificar o orçamento de guerra e planear o chão para o auxílio emergencial, sem o qual o país teria se convertido em caos.
Maia não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política — que cultivou como instrumento para administrar um Parlamento infiltrado por roedores da democracia representativa. Terá, entretanto, na última hora, posto em xeque seu algum legado, ao projetar o próprio futuro num atentado contra a Constituição: o que lhe garantiria o direito de se reeleger.
Tinha um reino, acreditou que, via Supremo, continuaria a ter — e optou por dividir para imperar. Só que perdeu o reino e ficou com a divisão. Deu chance a Arthur Lira; e madeira aos cupins. Avaliou que, desde um lugar de poder, autorizado à reeleição (mas afirmando não a querer), poderia estimular vários candidatos dentro de seu grupo — apostando num impasse de que ascenderia como solução pacificadora. Negligenciou a tessitura política por meio da qual lideraria — com segurança — a escolha do sucessor. Botou todas as fichas no golpe encomendado por Alcolumbre. Viu a Corte constitucional trair o prometido. E passou a ter de pelejar para que o que era seu não derretesse em anarquia.
O café esfriou. O poder se foi. No instante em que o STF lhe disse não: foi-se. Daí que não mais exista um “grupo de Maia”. Existiria, antes, se tivesse admitido o limite imposto pela lei. Existiria, depois, se a blitz contra a Constituição tivesse prosperado. Não prosperou. Melhor assim. Porque não há Lira ou qualquer outro bolsonarista de aluguel que legitime gambiarra em nome do equilíbrio republicano. E porque não será difícil — na política, com política — derrotar Lira.
Derrotá-lo passa mesmo, necessariamente, pela dissolução da ideia de “grupo de Maia”. Derrotá-lo — o candidato do personalista Bolsonaro — passa pela impessoalidade; por comunicar que se reage, de modo suprapartidário, ao que seria explícita tentativa de o governo interferir para comandar a Câmara. O texto é bom. É preciso trabalhar, porém. Sai de cena o “grupo de Maia”. Mas não Rodrigo Maia.
Sai de cena o “grupo de Maia”, já substituído por um pela independência do Parlamento, mobilizado, diferenças à parte, contra o domínio do Legislativo pelo Planalto. Foi essa a abordagem que costurou o bloco de 11 partidos. Uma rede que abarcaria 281 deputados. Sabe-se, no entanto, que a adesão de siglas não significa que os votos de seus integrantes acompanhem o movimento. Sabe-se também que o governo desdobrou o mapa de cargos para comerciar apoios a Lira. Fala-se num mercado de 500 crachás para que Bolsonaro seja senhor da Câmara. E quem tem ministérios a ofertar nunca será carta fora do baralho — tanto mais em eleição secreta.
O Planalto age. Sua ação ostensiva, contudo, é também a alavanca para o seu revés. Um Parlamento comprado pelo governo — à luz do dia — em troca de apoio a um candidato a presidente da Câmara é prato cheio para a campanha de oposição a Lira. Na verdade, oposição a Bolsonaro.
O bloco pela independência do Legislativo agrega-se por uma bandeira. Fácil de apregoar e altamente competitiva. A ver, como ressalva, se a escolha do nome a encarnar o pacto — é Baleia Rossi, mas poderia ser qualquer outro — será capaz de sustentar a coesão do conjunto. Não se trata de preocupação supérflua. Afinal, a escolha, tendo havido postulantes, significa que houve derrotados; logo, frustrações a pacificar.
Comenta-se que o Planalto quer o Parlamento para desdobrar a tal agenda de costumes. É falso. Isso virou secundário. A base social de Bolsonaro lhe será fiel mesmo não tendo atendidas suas demandas, digamos, culturais. A eleição de Lira é decisiva para o governo porque escancararia a porta para o pleno exercício do populismo econômico que, ao mesmo tempo, amarra a sociedade protetora com o Centrão e robustece a musculatura de Bolsonaro para 2022.
A derradeira avaliação da presidência de Maia dependerá de seu erro não lhe botar esse ônus na conta.