Já são 180 mil vidas perdidas para a COVID-19 em terras brasileiras. 2020, o ano que quase não existiu, aproxima-se do final. A genial divisão gregoriana do calendário tem o condão de industrializar a esperança, como decifrou Drummond. Miramos o futuro, enxergamos um novo ano: certamente será melhor. A esperança é o motor do desenvolvimento humano. Mas sabemos que o destino não é roteiro de teatro previamente estabelecido. As circunstâncias históricas impõem limites, mas não somos seres passivos, escravos dos desígnios do inevitável. O futuro depende de nossas escolhas, da bússola que nos orienta, da capacidade de agir e transformar a realidade.
No Brasil, vivemos a segunda onda da pandemia. O número de casos e mortes voltou a crescer. A sólida articulação interfederativa, ponto forte do SUS, foi perdida. O Ministério da Saúde renunciou à coordenação nacional do sistema. O embate com estados e municípios virou uma constante. Até hoje não temos um protocolo clínico nacional. O plano nacional de imunização não veio à tona. A polêmica sobre as vacinas seria cômica se não fosse trágica. E, ao invés de agilizar a importação de seringas, refrigeradores de alta potência e vacinas, o governo zera a alíquota do imposto de importação de pistolas e revólveres.
Além do desafio sanitário, resta o nebuloso cenário social e econômico para 2021. O desemprego bateu acima dos 14% envolvendo 13,5 milhões de brasileiros. Sem falar nos milhões de desalentados. A retomada não será fácil dados o recuo do cenário internacional derivado da segunda onda da pandemia, a fragilidade fiscal brasileira e a volta da ameaça inflacionária.
Também neste front, parece que estamos sem rumo e bússola. A ação da política econômica é errática. Nunca o Ministro Paulo Guedes esteve tão distante do Congresso. O Palácio do Planalto não compra a agenda de mudanças, reformas e ajustes necessários. O Congresso tem produzido importantes mudanças microeconômicas como as votações recentes dos novos marcos regulatórios dos setores de saneamento, gás e petróleo, navegação de cabotagem e da independência do Banco Central. Mas, do ponto de vista das reformas estruturais macroeconômicas estamos devagar quase parando. As reformas tributária, administrativa e a PEC emergencial foram empurradas para 2021, com viés de baixa no grau de mobilização em seu favor. As privatizações descansam em berço esplêndido, paradas. Sequer o Orçamento Geral da União, mais do que nunca necessário para dar transparência no tocante à responsabilidade fiscal, será votado. Estamos qual um pescador tranquilo, otimista e alienado, deitado dormindo em sua jangada em meio a um maremoto.
Boa parte do imobilismo presente se deve ao efeito anestésico do pacote de ampliação de gastos excepcionais para combater os efeitos da pandemia. Ninguém duvida que era necessário. O mundo inteiro fez. Foi hora de todo liberal neoclássico vestir o jaleco keynesiano. Mas a bolha de consumo gerada em 2020 e o aumento de despesas públicas são insustentáveis. Foram bancados com um extraordinário aumento da dívida. Bilhões de reais de despesas presentes a serem pagas pelas gerações futuras.
Tudo o que não precisamos é de uma bússola quebrada, uma anestesia alienante e um imobilismo paquidérmico. Precisamos de clareza, rumo, liderança e ação.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)