Desde meados de maio, em seguida à divulgação da reunião do presidente Temer com o empresário Joesley Batista, em circunstâncias nada republicanas, no Palácio do Jaburu, vivemos um período de descolamento entre a política e a economia.
Apesar do agravamento da crise política e de o presidente ter que gastar seus cartuchos políticos para defender seu mandato e, portanto, de o espaço para seguir com a tramitação da reforma da Previdência ter se estreitado, a economia prosseguiu em sua trajetória de recuperação. O câmbio e o risco-país se mantiveram contidos.
Dois fatores explicam a calma do mercado em meio ao crescimento insustentável da dívida pública.
Primeiro, uma surpresa desinflacionária na economia americana. A inflação roda hoje por lá a uma taxa um ponto percentual abaixo do que se previa para 2017 no fim do ano passado. A redução generalizada dos juros americanos, em razão da queda da inflação, nos deu tempo.
Segundo, uma forte surpresa desinflacionária no Brasil. Em agosto de 2016, eu esperava que o IPCA fecharia 2017 em 5,5%. Hoje, meu número é de 3,2%. Erro de 2,3 pontos percentuais. Uma parcela importante do erro deveu-se à desinflação de serviços maior do que se esperava.
A surpresa desinflacionária sugere que o BC poderá praticar juros por alguns trimestres inferiores ao que imaginávamos no final de 2016.
Essas duas surpresas positivas, que levam a menores juros, permitiram que o agravamento da crise política em meados de maio não contaminasse os mercados.
Aparentemente a janela representada por esse descolamento entre a política e a economia está se fechando.
Por um lado, a economia americana tem crescido mais do que se imaginava. Crescimento acima de 3% ao ano nos segundo e terceiro trimestres e o acompanhamento da atividade no quarto trimestre indicam nova expansão acima de 3%. Será a primeira vez, desde a crise de setembro de 2008, que a economia dos Estados Unidos cresce nesse ritmo por tantos trimestres. Estamos nos aproximando do momento em que os juros internacionais caminharão para o terreno positivo, mesmo que baixos.
Por outro lado, as medidas de inflação no Brasil sugerem que o processo de desinflação pode estar se aproximando de seu final e que, daqui para a frente, os juros irão, não se sabe quando, iniciar um ciclo de subida (após o BC terminar o atual ciclo de queda com mais um ou dois cortes na taxa de juros).
É nesse contexto que uma frustração com a reforma da Previdência pode acelerar um processo que esteve adormecido desde maio. A dívida pública nesse período continuou sua elevação. No próximo ano e nos subsequentes a alta persistirá.
O problema é que, quando for o momento de iniciar um novo ciclo de subida da taxa de juros, o endividamento estará muito elevado. Se não tivermos aprovado um conjunto de reformas –a previdenciária é de longe a mais importante–, estaremos na situação conhecida por dominância fiscal. Não haverá opção à política monetária além de aceitar inflação. Retomaremos nossa caminhada em direção aos anos 1980.
Trata-se de uma situação dramática. Quando olhamos os diversos atores, todos têm suas razões. É perfeitamente compreensível que os políticos, às vésperas de um processo eleitoral, não desejem tratar de pauta tão espinhosa. Os interesses individuais dos deputados podem nos jogar no abismo inflacionário.