O ciclo de vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano corresponde a uma marcha.
A primeira dá a partida do carro. Que vai pegando velocidade nos primeiros meses, quando o governante examina as condições dos espaços, fazendo o mesmo diagnóstico do motorista, testando o ambiente, olhando para a frente e para os lados.
Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, correspondendo ao segundo ano da administração, quando os governantes praticamente começam a governar, depois de sanear (???) a estrutura e colocar a casa em ordem.
A terceira marcha é a da velocidade mais alta, com estabilidade e o carro avançando bem. A administração, de modo equivalente, usa esse tempo para abrir uma bateria de obras.
Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ultrapassagens, queima etapas, faz tudo que for possível para chegar ao final do caminho.
A cada etapa, o administrador tenta pincelar sua imagem. Ao sentar na cadeira, a imagem mais parece a do rapaz que comprou seu primeiro carro. O governante ingressa num universo de fantasias. Pensa no que poderá realizar, escolhe a equipe, e verifica como deverá usar o poder da caneta.
Sabe que poderá usar a força do cargo, testa a capacidade de mandar, solicitar, nomear, “desnomear”, receber atenção. Começa a construir sua Identidade, que abriga o conceito que deseja para ser conhecido pela comunidade (nacional, estadual, municipal).
O governante assume uma feição de magistrado, ouvindo muito, aceitando conselhos, reservando para si as decisões finais. Torna-se, de certo modo, cúmplice dos interlocutores.
O despachante
A segunda imagem mais parece a do despachante. Passa a atender um sem número de pessoas por dia, assina pilhas de papéis, enquanto a burocracia começa a prendê-lo com reuniões, articulações, contatos com as organizações da sociedade. Dorme contando carneirinhos, aliás, os pedintes – políticos da base, lideranças, setores – que entram e saem do gabinete, na verdade um salão de despachos.
A terceira imagem é a do artesão-obreiro. Cansado da rotina dos papéis, é aconselhado a ouvir mais a população, sair do confinamento de suas sedes, visitar canteiros de obras, pôr bonés na cabeça, sujar-se de poeira, visitar cidades, dar incertas em hospitais, despachar nas ruas.
Não faz muito tempo, um prefeito de uma capital de Estado sulino despachava sob uma árvore, sentado num banquinho e cercado do povo. (Fazia parte da imagem que queria projetar a ideia de se identificar com o clima das ruas e gente ao redor).
Nesse momento, os governos passam a ser reconhecidos com a marca registrada por meio de placas, frases de efeito e logomarcas. Fotos de governantes papados de suor (amostra do obreirismo faraônico) inundavam as redações para transmitir a imagem de uma administração transformada em canteiro de obras.
Claro, esse era um flagrante mais comum no passado. Em tempos de euforia econômica, cofres cheios, população bem atendida em serviços.
A quarta imagem e última imagem da administração se assemelha a de César, imperador romano.
Queixo apontando para a testa do interlocutor, rodeado de áulicos, que lhe fazem elogios e dão versões sempre positivas de sua administração, o governante ordena maior volume de propaganda na mídia e expansão da articulação política. A circunferência das barrigas também se avoluma com a proliferação de eventos gastronômicos. E haja churrasco.
Essa é a fase áulica e festiva, quando os encontros sociais invadem noites, sob a conversa frouxa de grupos mais chegados. Mas o povo só aparece se os eventos são públicos, como festas de padroeira.
O governante capricha na articulação política com o objetivo de aplainar o caminho com vistas à reeleição.
A partilha
As imagens dos mandatários passam a expressar o próprio ciclo da vida da administração. Da simplicidade da primeira fase, a uma certa arrogância da última fase, elas retratam a incultura política do País. De inquilinos dos espaços públicos, acabam sendo vistos como proprietários de feudos.
A coisa pública (res publica) se transforma em extensão de espaço particular. A falta de preparo torna o governante refém de pequenos grupos que se formam nos vãos do poder. Ocorrem partilhas de áreas, com distribuição de cargos, benesses e posições.
Os programas de assistência social se transformam em moeda de troca do fisiologismo. “Aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da administração”. Mas o verniz cosmético não consegue limpar os entulhos que se acumulam nas vias das administrações em tempos de crise.
Esse é o dilema. Praticamente o mapa da administração pública no país exibe, nesse final de outubro, borrões e manchas. Quase nenhum governante consegue mostrar administração aprovada com louvor pelas populações. Municípios e Estados estão à beira da falência. Os serviços públicos são uma calamidade. Salários do funcionalismo estão atrasados em Estados e municípios. Portanto, os governantes passam a ser alvo da indignação geral.
A parte mais sensível do corpo – o estômago – é frontalmente atingida quando salários atrasam. Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governante)? Pois bem, a recíproca é verdadeira.
A campanha eleitoral de 2018 estará, portanto, sujeita às intempéries, esse monte de desajustes, inação, serviços desqualificados, salários atrasados etc. Mesmo assim, por falta de opção serão reeleitos administradores ruins e com imagem negativa. Mas a renovação será bastante acentuada, principalmente se ao eleitorado for oferecida a opção por perfis que expressem o conceito de limpeza, honestidade, seriedade, compromisso e experiência.
Esses meses de final de semestre – que se aproximam da quarta marcha dos governos – serão importantes para tomar o pulso das comunidades. Se a temperatura ultrapassar os 40 graus, será difícil baixar a febre. Até porque não haverá grana para comprar os remédios.
* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter