A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot — que amarga os últimos dias no cargo tendo que se explicar sobre a dupla militância do ex-procurador Marcelo Miller no caso da JBS —, mudou o foco das denúncias do presidente Michel Temer para os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, denunciados ontem pelo Ministério Público Federal por obstrução da Justiça. Na véspera, Janot havia denunciado os petistas por formação de organização criminosa no escândalo da Petrobras. A nova denúncia se refere à nomeação de Lula por Dilma para a Casa Civil do governo, antes de seu afastamento da Presidência. À época, a decisão foi suspensa por liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Também foi denunciado o ex-ministro Aloizio Mercadante, que telefonou para o senador cassado Delcídio do Amaral, supostamente para evitar a delação premiada de Delcídio.
Mas o tempo fechou mesmo para o ex-presidente Lula foi em Curitiba. O ex-ministro Antônio Palocci, em depoimento ao juiz federal Sérgio Moro, disse que o Instituto Lula recebeu R$ 4 milhões da Odebrecht e que havia uma espécie de “pacto de sangue” entre o PT e os donos da empreiteira, que previa o pagamento de R$ 300 milhões ao partido. “O Paulo Okamotto me pediu para que eu ajudasse ele a cobrir o final de ano do instituto, que faltava recurso. Acho que foi meio para o final de 2013, começo de 2014. Ele tinha um buraco nas contas, me pediu para arrumar recursos. Eu fui ao Marcelo Odebrecht. Eu ia viajar para o exterior, ele disse que precisava com muita urgência. A ideia dele era que eu procurasse várias empresas. Eu disse: ‘Não posso, vou procurar só o Marcelo’. Pedi R$ 4 milhões”, revelou Palocci. Ele disse que os R$ 4 milhões foram dados a Lula em espécie.
Segundo Palocci, Lula sabia da compra de um terreno para o Instituto Lula e de um imóvel vizinho ao apartamento do ex-presidente, em São Bernardo do Campo: “Eu voltei a falar com ele sobre o prédio do instituto. Falei da minha conversa com o Bumlai e falei: ‘Eu não gostaria que fizesse desse jeito. Se o senhor está fazendo um instituto para receber doações e fazer sua atividade, não sei por que procurar agora um terreno. Não tem problema nenhum receber uma doação da Odebrecht, mas que seja formal ou que, pelo menos, seja revestida de formalidade’”.
A defesa de Lula apontou contradições no depoimento e disse que Palocci fez “acusações falsas e sem provas” porque está preso e sob pressão, enquanto negocia acordo de delação premiada com o MPF. O Instituto Lula também rechaçou as acusações: “O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma que jamais cometeu qualquer ilícito nem antes, nem durante, nem depois de exercer dois mandatos de presidente da República eleito pela população brasileira”.
Berlinda
A mudança de foco da Operação Lava-Jato para Lula e Dilma não tirou o procurador-geral Rodrigo Janot da berlinda em que se encontra por causa da atuação de Marcelo Miller, que era um de seus homens de confiança e havia se exonerado do MPF para ingressar como sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi, Watanabe, responsável pela assistência jurídica ao Grupo JBS. A comunicação de seu afastamento, entretanto, somente se tornou pública às vésperas do vazamento da gravação mantida entre Joesley Batista e o opresidente Michel Temer. Na época, a OAB-RJ chegou a abrir um processo de avaliação de conduta, mas foi acusada de haver instaurado o procedimento disciplinar para tumultuar o trabalho da Operação Lava-Jato. A Emenda Constitucional Nº 45/2004 estendeu aos membros do Ministério Público os mesmos três anos de quarentena impostos a ex-magistrados para que voltassem a advogar.
No Supremo Tribunal Federal (STF), a gravação da conversa do empresário Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud, da JBS, causaram indignação. Os ministros Luiz Fux, Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, porém, defenderam a validade das provas que os executivos entregaram na delação, mesmo que os benefícios obtidos por eles venham a ser anulados com uma eventual rescisão do acordo de colaboração, cuja revisão foi pedida por Janot. Fux chegou a pedir a prisão dos dois delatores. “Acho que eles ludibriaram a Procuradoria, degradaram a imagem do Brasil no plano internacional, atentaram contra a dignidade da Justiça, mostraram a arrogância dos criminosos de colarinho branco. Então, eu acho que a primeira providência que tem de ser tomada é prender eles”, disse.
A situação política de Janot, porém, se fragilizou. Está sendo frontalmente atacado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, e sofre um bombardeio severo no Congresso, onde foi pedida a abertura de uma CPI para investigar a delação premiada da JBS. O presidente Michel Temer, que chegou de viagem pela manhã, trabalhou o dia inteiro e comandou a reação governista. Ontem mesmo, a defesa do Temer pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que uma eventual nova denúncia contra ele seja suspensa até que as investigações sobre a primeira denúncia sejam concluídas. “Parte dos fatos ora noticiados denota a completa invalidade da prova produzida no bojo das delações, seja porque foi ratificada a arguição de suspeição do procurador-geral da República para atuar à frente dos casos que envolvam o chefe da nação”, diz o pedido, que acusa Janot de parcialidade e questiona o envolvimento de Miller nas negociações do acordo.