Apesar de o momento aconselhar prudência, dada a dificuldade de ser atingida a meta fiscal, Palácio permite despesas para garantir votos a favor do presidente
Corria o ano de 2013 quando a presidente Dilma Rousseff admitiu que, em eleição, se faz “o diabo” para vencer. No ano seguinte, ela praticaria o que disse, e terminaria impedida de continuar no Planalto, por crime de responsabilidade no campo fiscal.
Essa mesma ausência de limites no jogo da política tem sido vista em ações do governo Michel Temer, a fim de evitar que a Câmara conceda licença para o presidente ser processado no Supremo, conforme denúncia da Procuradoria-Geral da República, por corrupção passiva.
Se Dilma e equipe fizeram “o diabo” nas contas públicas, com artifícios nunca vistos, Temer e equipe usam velhos instrumentos de cooptação, usados, reconheça-se, também por petistas e tucanos, os polos opostos da política de hoje em dia. Nem por isso deixa de ser um recurso deplorável.
Reportagem do GLOBO, no domingo, revelou que, nas duas semanas anteriores à votação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o Planalto liberou R$ 15,3 bilhões, entre programas e emendas parlamentares. No próprio domingo, o governo rebateu, alegando, em síntese, que são gastos legais, anteriormente previstos.
Pode ser, mas o dolo está na oportunidade da liberação. É cristalina a intenção do Planalto de conseguir, em troca, apoio de deputados. Na CCJ, deu certo. Agora, haverá o enfrentamento decisivo — nesta denúncia —, no plenário, dia 2 de agosto, uma quarta. Quanto custará?
O fluxo de dinheiro para atender a emendas de deputados foi de grande generosidade: nessas duas semanas anteriores à vitória de Temer na CCJ, liberou-se R$ 1,9 bilhão, praticamente o mesmo que tudo que se destinou a elas de janeiro ao início de junho, conforme levantamento feito pelo deputado Alessandro Molon (Rede-RJ). Meio ano em duas semanas.
Um aspecto diabólico dessa gastança, no sentido dado por Dilma, é que ela acontece enquanto a equipe econômica tenta encontrar formas de ser atingida a meta fiscal do ano, um déficit de R$ 139 bilhões. Como o ritmo de recuperação da economia é baixo, aquém do estimado, as receitas não aumentam. E as despesas continuam a subir, puxadas pela Previdência, cuja reforma espera a evolução da crise política.
Mesmo com todas essas dificuldades fiscais, o governo faz “o diabo” por meio de gastos fora de hora. E ainda analisa a possibilidade de aumentar impostos — um sacrilégio, neste momento de reação ainda tímida do setor produtivo.
E não se diga que não há margem para cortes em despesas de custeio. Como registra o economista Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, em artigo no GLOBO, persiste um número excessivo de ministérios, com quase 20 mil cargos especiais (DAS). Ao todo, há 99 mil servidores com essas gratificações.
Como costuma acontecer, a tendência é repassar-se o problema para o contribuinte, ainda obrigado a pagar a conta criada pelo fisiologismo do Planalto, em defesa de Temer.
Editorial O Globo