Política contracíclica de 2009 e 2010 não trouxe os resultados esperados
Por muito tempo acreditei que a política contracíclica fiscal e parafiscal praticada entre 2009 e 2010 no Brasil tinha sido bem-sucedida. Houve excessos, mas o resultado em geral teria sido positivo.
Hoje penso diferente. Acho que, se não tivéssemos feito nenhuma política contracíclica fiscal e parafiscal, teria sido melhor.
E o motivo é que a ausência desse tipo de política contracíclica teria produzido forte queda da inflação, o que permitiria um ciclo sustentável de queda da taxa de juros -forma mais eficiente de política contracíclica em economias com juros reais e inflação elevados.
Uma forma de avaliar a política contracíclica realizada no biênio 2009-2010 é comparar o desempenho econômico do Brasil com nossos pares, os países da América Latina excluindo o Brasil, grupo que chamarei de AL-ex.
Entre 1985 e 1994, o crescimento da AL-ex foi de 3%, ante 2,8% do Brasil. De 1995 até 2002, foi de 2,1%, ante 2,4% para o Brasil; e de 2003 até 2008, de 5%, ante 4,2% para o Brasil. Com exceção do período FHC, rodamos um pouco abaixo da AL-ex, mas próximos.
No biênio 2009-2010, a AL-ex andou a um ritmo anual de 1,6%, enquanto o Brasil cresceu 3,6% em média. Esses números sugerem que a política contracíclica que praticamos no biênio foi bem-sucedida. No entanto, quando olhamos um período um pouco mais longo, entre 2009 e 2014, a AL-ex cresceu 2,9% na média anual, comparado a 2,6% do Brasil.
Ou seja, com todo o ativismo observado entre 2009 e 2014, nosso desempenho foi pior do que o de nossos pares. A comparação é ainda pior, pois no final de 2014 o Brasil tinha acumulado desequilíbrios que comprometeram ainda mais o crescimento posterior.
Senão, vejamos. O Brasil registrava, no final de 2014, inflação de 6,5% e com forte inércia, pois a média da inflação entre 2010-2014 fora de 6,1%; represamento dos preços administrados de 20%, o que viria a adicionar cinco pontos percentuais na inflação (de um ano); e deficit externo de 4,5% do PIB, o que viria a requerer ajuste do câmbio, novamente com efeitos inflacionários; além de um deficit primário, somente da União, de 1% do PIB.
O ativismo não compensa. Rapidamente chega uma conta bem salgada.
Há uma crença – principalmente entre economistas heterodoxos brasileiros – de que o ativismo fiscal é autofinanciável. Isto é, que o ganho de crescimento promovido pelo aumento do gasto público é tão intenso que, no médio prazo, o ativismo fiscal produz redução da relação dívida-PIB: a elevação da dívida pública que financia o ativismo fiscal é mais do que compensada pelo crescimento econômico adicional.
Os professores J. Bradford DeLong, da Universidade de Berkeley, e Lawrence H. Summers, da Universidade Harvard, no artigo “Fiscal Policy in a Depressed Economy”, publicado no Brookings Papers on Economic Activity, no fascículo da primavera de 2012, derivaram a condição para que o ativismo fiscal seja autofinanciável.
O leitor curioso pode conferir a expressão matemática número (7) à página 239. Em economias de juros reais elevados, não há a menor possibilidade de a condição ser atendida: não há no Brasil expansão fiscal autofinanciável.
Se alguém discordar e conseguir provar o contrário, terá em mãos um excelente trabalho acadêmico, que com certeza será publicado em um “top journal” (isto é, no seleto grupo das melhores revistas acadêmicas de economia do mundo).
O desafio está lançado.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.