A partir de hoje, o foro de prerrogativa de função, ou mais popularmente o foro privilegiado, será diferente de como o conhecemos, abrangendo cerca de 55 mil pessoas em cargos públicos. Embora trate apenas da questão de parlamentares federais, isto é, deputados e senadores, o ministro Gilmar Mendes, o único que falta votar, chamou a atenção para o fato de que a limitação do foro aos crimes cometidos “durante o mandato e em função dele” — proposta do relator, ministro Luís Roberto Barroso — acabará tendo de ser estendida aos demais detentores desse tipo de foro.
Isso acontecerá, no mínimo, com a aprovação de um projeto de emenda constitucional que já foi aprovado no Senado e está no momento na Câmara, que não pode aprová-lo durante a vigência da intervenção na Segurança Pública do Rio. Pelo projeto do Congresso, apenas os presidentes da República, de Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal terão foro privilegiado, e todos os demais serão julgados na Justiça comum.
Com 10 a 0 no plenário do STF, tudo indica que hoje a discussão ficará entre a proposta do ministro Luís Roberto Barroso — o foro no cargo e em razão do cargo —, que amplia o alcance do fim do foro em relação aos deputados e senadores sem prescrição temporal, e a do ministro Alexandre de Moraes, que já teve o apoio de Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que fixa a diplomação dos parlamentares como o início do foro privilegiado para qualquer crime cometido durante o mandato. Os demais crimes, anteriores ao mandato, poderiam ser julgados.
Resta saber se a chamada “gangorra processual” será interrompida, pois a cada vez que um parlamentar é eleito ou nomeado para qualquer cargo que tenha foro privilegiado, o processo volta à estaca zero, saindo da Justiça comum para o STF.
Toffoli alegou que a definição do que seja crime cometido “em função do mandato” é muito subjetiva, e o Supremo, em vez de se ver desafogado dos processos criminais, terá que definir, caso a caso, quem pode ter foro privilegiado.
Mais uma vez o estudo sobre o tema da Fundação Getulio Vargas do Rio (FGV) foi criticado. Ele mostra que no Supremo Tribunal Federal (STF), uma das cortes que julga os que possuem foro privilegiado, de 404 ações penais concluídas entre 2011 e março de 2016, 276 (68%) prescreveram ou foram repassadas para instâncias inferiores porque a autoridade deixou o cargo.
A condenação ocorreu em apenas 0,74% dos casos. O ministro Lewandowski alegou que os processos penais representam apenas 5% das ações que o Supremo julga, e por isso não são representativos de uma suposta “lentidão do STF” que levaria à impunidade.
Dias Toffoli chegou a indignar-se em seu voto, dizendo que acusar o Supremo de favorecer a impunidade é uma crítica indevida aos ministros de plenários anteriores. Ao contrário de estar acusando o STF de negligência, o ministro Luís Roberto Barroso está chamando a atenção para a necessidade de uma atitude proativa antes que o Supremo seja soterrado por centenas de processos envolvendo políticos com foro especial por prerrogativa de função.
O processo sobre o senador Renan Calheiros, em que ele é acusado de peculato por ter usado dinheiro de uma empreiteira para pagar pensão alimentícia para uma filha fora do casamento, é exemplar da lentidão que favorece os que têm foro privilegiado. Os acontecimentos abordados pela Procuradoria-Geral da República ocorreram entre 2004 e 2007, e o processo ficou na PGR até 2013.
Lewandowski lembrou que a maioria dos processos demora devido a diligências na Polícia Federal ou na PGR. Outros ministros, como Gilmar Mendes, chamam a atenção para o fato de que é muito fácil abrir um inquérito, o difícil é encerrá-lo. Criticou a qualidade do trabalho que chega ao STF para julgar, e lembrou que em muitos casos é impossível condenar porque as provas, depois de anos de investigação, não são aproveitáveis ou conclusivas. Ou seja, não é o STF só que é culpado pelo atraso dos processos. O STF é juiz, e não busca as provas.