O Estado de S. Paulo: Ajuste fiscal e crescimento econômico

Os números não deixam muito espaço para criatividade. A política tem seu tempo, mas a economia também.
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Os números não deixam muito espaço para criatividade. A política tem seu tempo, mas a economia também

Felipe Salto e Josué Pellegrini

Os dados sinalizam melhora da economia. Considere a média dos três meses encerrados em fevereiro, em relação à média do trimestre concluído em novembro. A produção industrial sobe 2,0%; o IBC-Br (prévia do PIB), 1,0%; o comércio, 0,7%; e os empregos, estacionados, mas com demissões caindo a 0,4%. Para sustentar a recuperação será preciso redobrar o cuidado com as contas públicas. Essa é a prioridade, conforme diagnóstico da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal. Qual o tamanho do ajuste requerido? O cumprimento da Emenda Constitucional n.º 95, de 2016, que define a inflação do ano anterior como teto para o aumento dos gastos federais a cada ano, impõe queda nessas despesas dos atuais 19,5% para 15,2% do PIB até 2030.

Neste cenário, a dívida pública bruta subirá dos atuais 75,1% para 86,6% do PIB, em 2023, mas cairá paulatinamente nos anos seguintes. Sem o referido ajuste, a dívida manterá a tendência atual de crescimento (estava em 51,5%, ao fim de 2013), o que, em certo momento, trará dúvidas a respeito da solvência do setor público. Os financiadores da dívida perceberão risco crescente associado ao cumprimento das obrigações do governo e, assim, exigirão juros cada vez mais elevados para financiar os déficits e refinanciar a dívida vincenda.

Além de evitar a degradação do ambiente econômico, o ajuste pode apoiar ainda um círculo virtuoso de relações macroeconômicas: o corte de gastos reduz a pressão sobre a demanda da economia vis-à-vis a oferta de bens e serviços, ajudando a controlar os preços médios do País. Neste cenário, os juros diminuem, o que incentiva o direcionamento do crédito para investimento e consumo. As taxas de juros mais baixas facilitam também o controle da expansão da dívida pública, como proporção do PIB, ao diminuir o resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros devidos) requerido para estabilizá-la. Para exemplificar, a redução da Selic, de 14,25% ao ano, em setembro de 2016, para os atuais 6,5%, representa economia com juros brutos de quase 3% do PIB, em 12 meses.

Ajustes fiscais se processam por meio de aumento de receitas ou corte de gastos públicos. No Brasil, a experiência mostra que a primeira alternativa tem sido a preferida. Por isso, o País caracteriza-se por elevadas receitas e despesas públicas em relação ao PIB, comparativamente ao que se observa em países em estágio similar de desenvolvimento econômico.

A ênfase agora precisa recair sobre os gastos. Mas o ajuste não poderá vir simplesmente do corte de despesas discricionárias, pois a margem nessa área vem diminuindo ano a ano. A principal vítima dessa estratégia são os investimentos federais, que despencaram 30%, em 2017. Por isso, é hora de rever programas ineficientes; reduzir desonerações tributárias que não geram impacto social e econômico; reformular a administração pública; e batalhar pela reforma nos gastos obrigatórios. Só em renúncias fiscais, o governo federal deixou de arrecadar 4,2% do PIB, em 2017. Com pessoal, incluindo inativos, outros 4,3% do PIB em gastos, enquanto a Previdência acresce mais 8,5% do PIB na conta.

Do lado da arrecadação, a receita extraordinária poderá ajudar, mas não na dimensão observada em 2017. A receita impulsionada pela recuperação da economia deverá ser o fator preponderante, o que já vem ocorrendo, em certa medida. O que precisa ser evitado é concentrar o reequilíbrio fiscal em medidas tributárias, um balde de água fria sobre o crescimento econômico, em um país com carga tributária muito elevada.

Os números não deixam muito espaço para criatividade. A política tem seu tempo, mas a economia também. O ajuste fiscal definirá a rota do País entre dois caminhos: o círculo virtuoso, com ajuste fiscal e crescimento econômico; ou o vicioso, do desequilíbrio fiscal e estagnação, para dizer o mínimo.

Felipe Salto é diretor executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Federal
Josué Pellegrini é Consultor Legislativo do Senado Federal e Analista da IFI

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