Há uma disputa aberta no meio jurídico para a definição dos parâmetros legais que devem ser seguidos nesse novo mundo que se abriu depois da Operação Lava-Jato, onde não há mais blindagem de autoridades ou corruptores do colarinho branco. Diversas associações de classe de advogados se mobilizam para pressionar o Supremo a mudar sua jurisprudência sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Coincidentemente, quando se aproxima do ex-presidente Lula a decretação do início do cumprimento da pena a que foi condenado pelo TRF-4.
Apesar de todas as evidências em contrário, a esquerda quer vender a narrativa de que as punições são direcionadas aos seus líderes, e cada vez que um político como o presidente do PMDB, Romero Jucá, vira réu no Supremo Tribunal Federal (STF), mais fraca fica essa versão.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, por exemplo, depois de autorizar a investigação contra o presidente Michel Temer, recorreu da decisão do ministro Gilmar Mendes que proibiu em liminar concedida em dezembro do ano passado, a pedido do PT, a condução coercitiva de investigados para interrogatório em todo o país.
O partido alegou que a condução coercitiva afronta a liberdade individual e a garantia de não autoincriminação, asseguradas na Constituição. Para a procuradoria-geral da República, a condução coercitiva não fere os direitos constitucionais fundamentais e insere-se no “devido processo legal constitucional, ao garantir ao Estado o cumprimento do seu dever de prestar a atividade de investigação e instrução processual penal de forma efetiva e no tempo razoável”.
Há uma clara divergência sobre o que seja estado de direito, e é dentro dessa perspectiva que se discute também a autorização da prisão após condenação em segunda instância, que deverá levar à cadeia nos próximos dias o ex-presidente Lula. Os “garantistas” como Gilmar Mendes se batem contra medidas que chamam de “populistas”.
Mas os ministros que seguem direção oposta, como Luís Roberto Barroso, procuram avançar em decisões que reforcem a tendência de combate à corrupção em progresso nas diversas instâncias da Justiça. Como a intervenção de Barroso no indulto de fim de ano, tradicionalmente concedido pelos presidentes da República.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, já havia suspendido parte do indulto, a pedido da procuradora-geral, por considerar que houve abuso de poder da Presidência da República ao abrandar as condições para indultar presos, e agora o ministro Barroso, atendendo ao reclamo da Justiça do Rio, liberou o indulto excluindo os crimes de corrupção. Para o ex-presidente do STF Ayres Brito, o indulto nos termos originais era um incentivo à prática do crime.
Os embates persistem em diversas frentes. As pressões são diversas, mas dificilmente o STF colocará o tema da segunda instância em julgamento antes da definição do TRF-4 sobre os recursos da defesa de Lula contra sua condenação. A presidente Carmén Lúcia, que disse ontem com todas as letras que não se curva a pressões, não colocou o caso nas pautas de março e abril.
O ministro Ricardo Lewandowski, um dos que defende a mudança da jurisprudência, não só não pretende levar o tema à mesa, forçando uma nova definição da pauta, como pediu ontem que fossem retirados dois habeas corpus de sua relatoria, que poderiam ser utilizados para forçar uma nova decisão do plenário.
Muitos veem nessa mudança de comportamento de Lewandowski — ele chegou a anunciar que os habeas corpus pendentes deveriam ir juntos à pauta para unificar a jurisprudência — a certeza de que não há mais nada a fazer para impedir a prisão de Lula. Os dois casos de sua relatoria seriam fracos e poderiam, ao contrário, reafirmar a maioria a favor da prisão depois da condenação em segunda instância.
Também o presidente Temer se vê às voltas com decisões que quebram antigos paradigmas que protegiam os mandatários. A investigação autorizada pela Procuradoria-Geral da República, e consequente quebra de sigilos do presidente e de seus assessores como Rodrigo Rocha Loures, autorizada pelo ministro Luís Roberto Barroso, levou a investigação para dentro do Palácio do Planalto.
Nada de anormal se verificarmos que nos Estados Unidos, a maior democracia do mundo, o presidente Trump está sendo investigado por possíveis interferências da Rússia a seu favor durante a campanha eleitoral, assim como o foram os ex-presidentes Bill Clinton e Richard Nixon.