É zero a probabilidade de a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro produzir uma solução estrutural e aplicável aos demais estados. Na prática, trata-se de uma mega UPP, a ocupação do território por forças da ordem ainda prestigiadas (as Forças Armadas) para pacificar uma situação de conflito que produz desgaste para as autoridades.
Mas não se deve subestimar o efeito político positivo de uma momentânea descompressão. Será inteligente por parte do crime organizado um recuo, recomendado quando na guerra assimétrica a correlação de forças é decisivamente desfavorável. Uma maneira de produzir paz é exibir músculos suficientes para provocar o esperado efeito-dissuasão. Está nos manuais.
Além disso, as autoridades não precisam de estratégias que perdurem para todo o sempre, precisam apenas de algo que reduza a turbulência daqui até a eleição. A intervenção na segurança do Rio é uma espécie de “Plano Cruzado” da segurança. Se mudar algo para melhor no curto e no médio prazos, terá cumprido os objetivos. As primeiras coisas primeiro, diz o ditado.
Mas talvez o aspecto mais interessante da iniciativa seja a mudança de ambiente para as narrativas. Se a inabilitação eleitoral (só) de Lula mais o baixo crescimento da economia mais a reforma da previdência mais a impopularidade presidencial vinham sendo um meio quase ideal para a esquerda, a inoculação da segurança no centro da pauta dá um gás e tanto para a direita.
Todas as pesquisas mostram que a maioria do eleitorado concorda com a esquerda nos assuntos da economia, do tamanho do estado e na maneira de buscar a melhora dos serviços públicos. E a maioria do eleitorado concorda com a direita nos temas do enfrentamento da criminalidade e das políticas de segurança pública, e nas medidas para proteger o cidadão comum contra os bandidos.
Até porque é histórica a incapacidade de a esquerda enfrentar o debate da segurança. A tese “mais justiça social significa automaticamente menos crime” não resiste à realidade. Nos governos do PT o Nordeste cresceu e distribuiu renda como nunca. E nos governos do PT a criminalidade no Nordeste cresceu como nunca, com exceções que apenas confirmam a regra.
Eis por que a intervenção no Rio seja possivelmente a primeira chacoalhada num cenário antes coagulado. Lula e a esquerda vinham defendendo bem seu mercado eleitoral colocando no centro da agenda temas em que a população pende para a esquerda. Mas como a esquerda e o PT atravessariam uma campanha eleitoral em que a segurança pública estivesse no foco?
É previsível que a oposição denuncie a incapacidade de essas medidas enfrentarem e resolverem estruturalmente os desafios na segurança. Mas essa é uma colheita para o futuro. Se esse futuro chegar antes da eleição, por a intervenção ter falhado redondamente, o cenário será um. Se, assim como no Cruzado, a coisa sobreviver até a urna, o cenário será outro.
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As Forças Armadas acabam de ser convidadas para uma dança que não desejavam mas não têm como recusar. É emblemático que o general responsável pela intervenção no Rio vá se reportar diretamente ao presidente da República. A esta altura os fardados devem estar quebrando a cabeça em busca de uma estratégia de saída.
Militar não entra na guerra sem alguma ideia de como sair dela. A vitória total, com a eliminação do crime dentro das fronteiras do Rio, é uma impossibilidade. Por isso, o desejável será conseguir sair em ordem em algum momento e devolver o abacaxi ao poder civil. A eleição, num cenário otimista, pode facilitar por trazer um novo personagem, zerado.
Até porque, convenhamos, criar um ambiente em que as Forças Armadas possam lá na frente recuar em ordem interessa a todos os atores que contam no teatro de operações. Todos sem exceção.
* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação