Luiz Carlos Azedo: Por que somos assim?

Nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições, por causa das eleições proporcionais e regionais.
Foto: Reprodução/Google/Tarsila do Amaral
Foto: Reprodução/Google/Tarsila do Amaral

Nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições, por causa das eleições proporcionais e regionais

Ao contrário do que aparenta a política brasileira, na qual a “transa” substituiu os projetos, o Brasil é fruto das ideias. Elas antecederam o Estado e a nação, antes mesmo do descobrimento. E não há nenhum momento relevante da nossa história que não tenha resultado de um projeto ambicioso ou mesmo de um devaneio. Brasília, por exemplo. A crise que estamos vivendo na política brasileira é resultado da falta de ideias? Ou será fruto de um ajuste de contas entre uma espécie de novo “americanismo”, emergente no Judiciário, e o velho “iberismo” predominante no Executivo e no Legislativo?

Pode ser que sim. Mas a crise, indiscutivelmente, é coadjuvada por fenômenos que modificaram a face do Brasil e sua relação com o mundo. A urbanização acelerada e a globalização, respectivamente, ocorreram sem que o país estivesse preparado política e culturalmente para isso. Ao mesmo tempo em que transitaram da taipa para a alvenaria, as favelas e periferias são sendo plugadas pela revolução tecnológica em curso, na qual a velocidade da comunicação e das inovações entre em choque com velhas estruturas e instituições.

O livro Brasil, brasileiros. Por que somos assim? (Editora Verbena/Fundação Astrojildo Pereira), uma coletânea de artigos e ensaios organizada por Cristovam Buarque, Francisco Almeida e Zander Navarro, lança luzes sobre o momento que vivemos. Reúne textos de Alberto Aggio, Augusto de Franco, Bolívar Lamounier, Cristovam Buarque, Flávio R. Kothe, John W Garrison II, José de Souza Martins, Loreley Garcia, Lourdes Sola, Luís Mir, Marco Aurélio Nogueira, Marcus André Mello, Mécio Pereira Gomes, Paulo Cesar Nascimento, Socorro Ferraz e próprio Zander Navarro.

Esse grupo de historiadores, cientistas políticos e antropólogos realiza um esforço de interpretação da crise atual, na qual se registra um “deficit brutal de consenso e inteligência crítica”, nas palavras de Nogueira. Será que o brasileiro “perdeu a guerra para si mesmo”, como afirma Flávio Kothe, ao ressaltar que fomos incapazes de pôr para funcionar o nosso aparelho de estado e a economia? Talvez uma das chaves para compreensão de tudo isso esteja na evolução do nosso pensamento político.

O professor Francisco Weffort, em seu livro Formação do pensamento político brasileiro, destaca: primeiro, nos primórdios da colonização a meados do Império, nossos intelectuais e as elites não reconheciam a existência do povo como um ator do processo; segundo, a emergência tardia do Estado, que somente ocorre a partir da chegada de dom João VI e da Independência; terceiro, uma forte herança medieval, que mistura os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos da nossa realidade. Não é à toa que as marcas registradas do nosso “iberismo” são o patrimonialismo e o “sebastianismo”.

Longas transições
Foi apenas na Segunda República, a partir dos anos 1920 e 1930, que resolvemos as velhas dúvidas sobre a existência do povo e da sociedade. Três séculos de colônia, um século de Império e meio século de república agrária antecederam 50 anos de modernização, industrialização, urbanização, expansão da educação e criação das universidades aceleradas. Para isso, foram decisivas ideias de homens como Antônio Vieira, José Bonifácio, Joaquim Nabuco, Euclides da Cunha, Oliveira Viana, Gilberto Freyre, Caio Prado Junior, Hélio Jaguaribe e Roberto Campos. Sem eles, não teríamos as instituições políticas que deram sustentação a tudo isso, com todas as suas vicissitudes, nem políticos que ainda hoje influenciam o comportamento da nossa elite política, como Marques de Paraná, Rio Branco, Rui Barbosa, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves.

É preciso lançar um olhar para a história para compreender as mudanças no Brasil. A abolição da escravatura foi um ciclo longo, da proibição do tráfico (1850) à Lei Áurea (1888). Se desconsiderarmos a abertura de Ernesto Geisel, em 1974, a recente transição à democracia começou com a anistia, em 1979, e somente se completou com a eleição de Collor de Mello (1989). Todas as rupturas modernizantes no Brasil, porém, se deram de forma golpista e autoritária (1989, 1930, 1964).

Por causa das regras das eleições proporcionais, nada indica que a renovação dos nossos costumes políticos ocorrerá com a implosão dos atuais partidos ou seu colapso nas eleições; se houver um estouro de boiada, será em eleições majoritárias, seja para presidente da República, ou seja em alguns estados. A presença das redes sociais é um terreno em que predominam pensamentos radicais e as fake news, como nos revela a excelente série de reportagens de Leonardo Cavalcanti, editor de Política do Correio.

Esses e outros temas serão objeto de um debate imperdível entre o senador Cristovam Buarque (PPS-DF), ex-governador de Brasília, um dos autores citados, e o professor de História Contemporânea Francisco José Barbosa, da Universidade de Brasília, na próxima terça-feira, a partir das 18h30, com mediação do jornalista Francisco Almeida. Local: auditório da Biblioteca Salomão Malina, no Conic (em frente à Praça Vermelha), no Setor de Diversões Norte, em Brasília. Haverá sessão de autógrafos.

 

 

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