Na visão do Itamaraty, a participação do País na organização impõe-se por força da realidade
O cenário internacional durante a minha gestão à frente do Itamaraty tem sido marcado por desafios importantes para a governança do sistema internacional e, consequentemente, para a definição de prioridades e rumos da política externa brasileira. Vivenciamos um período de crescente questionamento acerca da capacidade das instituições internacionais criadas no pós-guerra de refletirem os interesses dos países e de expressarem consensos internacionais, tendo em vista a maior diferenciação entre os países e a geometria variável das coalizões.
O Brasil está atento a esse movimento. Uma das prioridades da minha gestão na Chancelaria tem sido justamente buscar adequar e dinamizar a inserção internacional do Brasil, de modo que os interesses do País se vejam assegurados nesse novo contexto.
Nem todos os organismos internacionais se têm mostrado capazes de se adaptar a esta nova realidade. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido bem-sucedida nesse esforço. De clube fechado, reunindo países homogêneos com problemas e interesses comuns, a organização passou a tratar cada vez mais de temas de interesse geral, que estão no centro da agenda internacional em transformação, consolidando-se como plataforma de diálogo e articulação, com projeção e influência globais. Para isso incorporou países em desenvolvimento e criou mecanismos de articulação com países não membros, tornando-se um dos apoios mais regulares do G-20 e ativa participante nas discussões metodológicas sobre a Agenda 2030.
A agenda atual da OCDE abarca temas variados, como educação, saúde, emprego, previdência social, economia digital, responsabilidade fiscal, governança pública, inovação tecnológica e crescimento sustentável. Para 2018 suas prioridades abrangem políticas de inclusão social, desenvolvimento urbano sustentável, infraestrutura de transportes, migração, impacto do envelhecimento das populações e internet das coisas, para mencionar algumas.
Além disso, a forma como a OCDE trabalha – a partir de estudos e evidências empíricas que servem de base para debates informados entre os responsáveis em cada país pela condução de políticas públicas, com vista à identificação e disseminação de boas práticas – faz a influência da organização ser crescente entre membros e não membros. As recomendações e decisões da organização não raro se tornam, na prática, padrão internacional.
Nesse contexto, a participação do Brasil na OCDE, na perspectiva do Itamaraty, impõe-se por força da realidade. Principismos à parte, não convém ao Brasil alijar-se do debate de temas seminais que influenciam negociações internacionais e debates internos sobre a gestão de políticas públicas.
A presença nas atividades da OCDE vem ocorrendo continuamente, ao longo de diferentes governos, há mais de 20 anos. O Brasil participa hoje, regularmente, de mais de 20 instâncias da organização em nível de comitê e de um número enorme de instâncias subordinadas. Vários órgãos públicos brasileiros estão engajados nesses trabalhos. O Brasil é considerado um parceiro estratégico da OCDE (key partner) e pactuou com a organização, em 2015, um acordo de cooperação, indicando interesse em aprofundar ainda mais a parceria.
A decisão do presidente Michel Temer de solicitar a acessão do Brasil à OCDE foi uma consequência natural da contínua presença do nosso país na organização. E deverá acelerar a nossa atuação, tendo em vista que praticamente todos os temas que deverão pautar a agenda internacional e os debates internos no Brasil nos próximos anos estarão sendo discutidos na OCDE. A acessão do Brasil, nesse contexto, terá o mérito de conferir maior coerência e consistência à participação brasileira, enquanto permite que possamos melhor influenciar esses debates.
Com o objetivo de buscar iniciativa e eficácia nas diferentes instâncias da OCDE, o presidente Temer designou, a meu pedido, o embaixador Carlos Márcio Cozendey – que tem reconhecida experiência em negociações econômicas internacionais – como delegado junto a organizações internacionais econômicas com sede em Paris. O embaixador Cozendey trabalhará sob minha orientação com uma pequena equipe a partir da Embaixada do Brasil em Paris e com a indispensável colaboração de diversas áreas do governo federal.
Em particular, registro a dedicação com que a Casa Civil, o Ministério da Fazenda, o Banco Central, o Ministério do Planejamento e a Secretaria de Assuntos Estratégicos têm participado do núcleo de coordenação do processo de acessão.
A OCDE tem no momento sob exame a candidatura de seis países que desejam iniciar seu processo de acessão. O Brasil cumpre todos os critérios definidos pelos membros e tem um longo e intenso histórico de participação nas atividades da organização. O País já se comprometeu com 36 das recomendações e decisões da organização e solicitou a acessão a mais de 70 outros instrumentos, por considerar que sua legislação e suas políticas coincidem com eles. É considerado key partner e tem muito a aportar à OCDE.
Na óptica do Itamaraty, a discussão sobre a entrada ou não do País na OCDE nunca se apresentou como uma questão de ser ou não membro de um “clube de ricos”, como se costuma qualificar, errônea e anacronicamente, essa instituição. Sempre se tratou, e continua se tratando, de colocar o Brasil, no tempo e na forma certos, no centro dos processos decisórios internacionais relevantes, de modo a melhor posicionar o País para a defesa de seus interesses e reforçar sua própria agenda de reformas. A identidade do Brasil com isso não se altera, reafirma-se.
* Aloysio Nunes Ferreira é senador licenciado, é ministro das Relações Exteriores