O decreto está restrito à competência do presidente Temer ou realmente viola os princípios da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal?
O indulto de Natal concedido pelo presidente Michel Temer, que ampliou os benefícios para presos que cumpriram pelo menos um quinto da pena, e sua suspensão parcial pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, puseram o Executivo e o Judiciário em rota de colisão. Com o agravante de que foram decisões solitárias, contra e a favor da Operação Lava-Jato, que trouxeram a crise ética para o centro do noticiário político novamente. Atribuição do presidente da República, esse benefício não trata das saídas temporárias de presos, é um perdão de pena, concedido todos os anos.
A presidente do Supremo aceitou os questionamentos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que na quarta-feira havia protocolado ação no STF para suspender os efeitos do decreto natalino que reduziu o tempo de cumprimento das penas a condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça. A decisão de Temer havia provocado forte reação dos integrantes da força-tarefa da Lava-Jato. Agora, caberá ao ministro Roberto Barroso, relator do caso, apreciar a liminar e encaminhar o assunto ao plenário do Supremo, em fevereiro.
Cármem Lúcia foi dura na crítica ao decreto de Temer: “Indulto não é nem pode ser instrumento de impunidade”. Segundo a ministra, “não é prêmio ao criminoso nem tolerância ao crime. Nem pode ser ato de benemerência ou complacência com o delito, mas perdão ao que, tendo-o praticado e por ele respondido em parte, pode voltar a reconciliar-se com a ordem jurídica posta”. O indulto de Natal teria o objetivo de beneficiar políticos e outros condenados pela Lava-Jato que estão cumprindo pena, o que gerou forte reação do Ministério Público Federal.
No ano passado, as regras de concessão do benefício já haviam sido flexibilizadas por Temer, ao beneficiar com o perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Neste ano, Temer não definiu um período máximo de condenação para que o detento obtenha o perdão presidencial, ampliando o raio de alcance do indulto. Além disso, o decreto do presidente da República reduziu para um quinto o tempo de cumprimento da pena para presos não reincidentes, que estavam nesta situação no Natal.
A polêmica jurídica é sobre a natureza do decreto, se ele está restrito à competência do presidente da República ou realmente viola os princípios da separação de poderes, da individualização da pena e da proibição, prevista na Constituição, de o Poder Executivo legislar sobre direito penal. Esse é o questionamento que acabará no plenário do Supremo, no pressuposto de que se trata de matéria constitucional.
Lava-Jato
Segundo a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se Temer tivesse poder absoluto sobre o indulto, “aniquilaria as condenações criminais, subordinaria o Poder Judiciário, restabeleceria o arbítrio e extinguiria os mais basilares princípios que constituem a República Constitucional Brasileira.” Um dos pontos mais criticados por ela foi o perdão das multas aplicadas aos réus nos crimes de colarinho branco; outro, a redução das penas, pois uma pessoa condenada a 8 anos e 1 mês de prisão não ficaria sequer um ano presa.
O decreto de Temer teve repercussão negativa na opinião pública, mas foi bem recebido nos meios políticos e em parcela do mundo jurídico que questionam a atuação do Ministério Público Federal. Na prática, a decisão está em linha com a ala do Supremo Tribunal Federal liderada pelo ministro Gilmar Mendes, que vem questionando duramente a atuação dos procuradores federais e dos juízes de primeira instância que atuam na Lava-Jato.
Conduções coercitivas, prisões preventivas, longas condenações, até mesmo as delações premiadas, tudo vem sendo criticado pelo ministro e as grandes bancas de advocacia que defendem os réus da Lava-Jato. Além disso, o Supremo Tribunal Federal está muito dividido. A decisão de ontem de Cármem Lúcia, por exemplo, não tem nenhuma garantia de que será referendada em plenário.