Day: março 7, 2023

Revista online | Editorial: O grande ausente

Confira opinião da revista Política Democrática online (52ª edição)

Após um início tormentoso de governo, a agenda política tende a retornar a um curso de relativa normalidade. Forma-se, aos poucos, um calendário de batalhas legislativas, nas quais o governo deverá jogar suas forças e recursos no propósito da aprovação das proposições, a efetivação concreta de sua agenda programática.

Por enquanto, o ponto culminante desse calendário em construção é a reforma tributária, em suas diversas etapas, que alguns pretendem, numa visão otimista, ver equacionada até o final do ano. Há motivos fortes para essa prioridade. As duas vertentes da proposta de reforma, a simplificação e transparência, de um lado, e a progressividade, de outro, são os atalhos para avançar, de forma rápida e eficiente, no coração das promessas de campanha do governo: prosperidade, inclusão e equidade. Afinal, o voto da maioria dos brasileiros pobres, nos dois turnos de 2022, veio carregado dessas expectativas.

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No caminho, contudo, estão os obstáculos de sempre. Partidos divididos, nomeações que não resultam em votos de deputados e senadores, tentativas de barganhas que beiram, às vezes podem mesmo exceder, os limites da razoabilidade e da moralidade pública.

Não é difícil antever o tamanho dos problemas políticos que podem se avolumar numa situação como essa. A sociedade permanece marcada pelas denúncias de corrupção que emergiram nos escândalos sucessivos conhecidos como mensalão e petrolão. Esse poderá vir a ser, portanto, o flanco vulnerável do governo e o caminho preferencial a ser seguido pela oposição bolsonarista, se encontrar condições para tanto.

Nas condições presentes, há dois caminhos para lidar com os problemas postos pela construção e manutenção de coalizões majoritárias governistas no Legislativo. O primeiro deles aposta nas qualidades de liderança e negociação do presidente da República e de seus operadores políticos. Esse caminho, a aposta na experiência, na sensibilidade política e na capacidade de diálogo, foi aquele anunciado pelo candidato Lula na campanha e seguido até agora.

No entanto, esse caminho é complexo, custoso, de resultados incertos. A qualquer momento, portanto, o segundo caminho poderá fazer novamente sua entrada no debate político, do qual é, até agora, o grande ausente. Trata-se de avançar na reforma política, ir além das medidas, exitosas até agora, tomadas para reduzir o número de partidos políticos com representação no Congresso Nacional.

Nesse caso, seria necessário debater o próprio sistema eleitoral, as desigualdades de representação dos brasileiros de diferentes estados, a responsabilidade dos representantes perante partidos e eleitores, toda uma pauta, enfim, que retorna, periodicamente, desde 1988, ao centro da agenda política do país.

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Elisa Castelo Branco

Anos de Chumbo: Elisa Branco, Uma Vida em Vermelho

João Teixeira (Colunista), em texto publicado originalmente no Jornal Contratempo

A formação da classe operária rural, os trabalhadores da agricultura dos anos 50, está na origem deste livro instigante, Elisa Branco, Uma Vida em Vermelho (Civilização Brasileira www.record.com.br), de autoria de Jorge Ferreira, doutor em História Social pela USP, da Universidade Federal Fluminense e de Juiz de Fora.

Ninguém melhor que Elisa Branco, “heroína da paz” e defensora dos direitos femininos, merecem nossas homenagens neste Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.

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A comunista Elisa Branco, Uma costureira de Barretos nascida em 1912, filha de uma família imigrante portuguesa comerciante, de classe média, entrou para a História de forma original:

Durante um desfile militar no dia 7 de Setembro de 1950, no Vale do Anhangabaú, a militante do PCB foi presa por abrir uma faixa – diante do presidente Eurico Gaspar Dutra e autoridades militares – contra o envio de soldados brasileiros à Guerra da Coreia (1950/53).

A campanha por sua libertação correu o mundo, Elisa Branco foi cantada em prosa e verso por Jorge Amado e Pablo Neruda, fazendo -a símbolo da resistência contra a opressão política.

“Os soldados, nossos filhos, não irão para a Coreia”.

A militante do PCB virou celebridade mundial entre os comunistas, ganhou o Prêmio Internacional Stálin (depois, Lênin) da Paz na União Soviética, e somente agora tem aspectos de sua vida revelados na magnífica obra de Jorge Ferreira.

A biografia de Elisa Branco confunde -se com a centenária história do Partido Comunista Brasileiro – Elisa foi prestista até o fim – e a formação da incipiente classe de trabalhadores rurais dos anos 50.

O marido de Elisa Branco, Norberto, trabalhava no Frigorífico Anglo, inglês, de Barretos.

A vida social e econômica da cidade girava em torno do agronegócio.

A operária militante da base comunista ingressou no Departamento Feminino do PCB, em 1946, na ditadura de Getúlio Vargas, chefiou a célula Leocádia Prestes, com o PCB atuando na legalidade.

O prestígio da União Soviética era reconhecido mundialmente pelo esforço do Exército Vermelho na derrocada do Exército alemão na Segunda Guerra Mundial (1939/45).

“Em Barretos, naquela época, só havia escola primária. O que eu sei devo grande parte ao meu Partido. Porque ser comunista é ter o saber. O Partido nos ensina e nos dá o saber porque não é uma doutrina vazia”.

Elisa Branco, mesmo sem ser dirigente sindical ou do Partido, desde sempre viveu sob a vigilância da polícia política.

“Nesta Região Policial, após a promulgação da Constituição, observou -se forte empenho nas atividades do Partido Comunista Brasileiro. Antes da promulgação da Constituição, o Partido Comunista estava proibido de fazer comícios e reunióes, pelo que as suas atividades reduziam-se a reuniões nas sedes de seus comitês. Após, porém, a promulgação da Constituição sendo -lhe concedida, intensificaram sua propaganda…”

“… obtiveram assim, grande impulso no seu quadro eleitoral. Assim é que em toda Região foram feitos 8 comícios, sendo 5 nesta cidade de Barretos”.

O relatório reservado da Delegacia Regional da Polícia de Barretos, de 8 de fevereiro de 1947, registrava, preocupado, o crescimento e a influência comunista no interior paúlista.

“Como em Barretos não tinha nada para a mulher trabalhar, na época ela só podia ser dona de casa” – relembrava Elisa Branco, destacada ativista da Federação das Mulheres, nos tempos em que colhia assinaturas na campanha pela paz, sentada numa banca montada na Praça do Patriarca.

“As campanhas pela paz não foram inventadas pela URSS, mas, sim, foram aproveitadas por ela já que traduziam o anseio de milhões de pessoas em todo o mundo” – o historiador Jaime Ribeiro ensina.

O protesto original da costureira comunista lhe valeu quatro anos de prisão e a glória internacional como defensora da paz e dos direitos das mulheres.

Vale a pena conhecer a vida da libertária Elisa Branco.

Palavras-chave: anos de chumbo; uma vida em vermelho.

*João Teixeira, jornalista e escritor, integra o Conselho Editorial do Jornal Contratempo.


Economia: moeda Real, dinheiro e calculadora | Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Revista online | Muito além da Selic

Henrique Mendes Dau*, economista, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição)

A recente animosidade entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, despertou um velho e mal resolvido debate na sociedade brasileira: o papel da taxa de juros. As principais instituições de excelência e os mais renomados economistas entendem que a política monetária tem efeito neutro sobre a economia no longo prazo. Ainda assim, há um ruidoso debate sobre o assunto. O objetivo deste artigo não é fazer uma defesa de qualquer uma das duas posições defendidas, nem mesmo opinar sobre as decisões de política monetária que observamos no Brasil de hoje. O intuito é chamar atenção para o fato de que esta discussão sobre política monetária é desnecessariamente barulhenta e estamos negligenciando discussões muito mais urgentes.

Essencialmente, a riqueza de um país é a soma da produtividade de cada indivíduo. A produtividade é uma função de muitas variáveis, como regras tributárias, qualificação da mão de obra e investimentos. A discussão sobre a taxa de juros é ambígua, pois juros menores estimulam investimentos, mas tendem a desvalorizar o câmbio e prejudicar a importação de bens intermediários, fundamentais para o desenvolvimento das atividades econômicas domésticas. Nos países desenvolvidos, observamos juros baixíssimos. Seria esse um argumento contra a elevação da Selic? Não, pois o fato de que os países ricos tendem a ter juros baixos não implica que sejam ricos por esse motivo. O Brasil tem inflação alta, e a elevação da Selic é o principal instrumento de contenção das pressões inflacionárias, que, dentre outros males, agrava a desigualdade e gera estagnação econômica. Entretanto, a apreciação cambial subsequente pode reduzir a competitividade das exportações nacionais.

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Fica evidente que todos os caminhos possíveis apresentam pesos e contrapesos, explicitando a complexidade do assunto. É claro que os bancos centrais utilizam sofisticados modelos econômicos para estimar os efeitos da política monetária e tomar decisões ótimas. Ainda assim, não é um exercício trivial e está sujeito a muitas imprecisões, além de envolver preferências subjetivas que podem gerar conflitos políticos. Diante das ambiguidades inerentes à política monetária, devemos nos concentrar em soluções estruturais para elevar a produtividade e combater a inflação. Como dito antes, a produtividade depende de fatores que vão além da taxa de juros. Precisamos lembrar que a economia é formada por indivíduos, os quais dedicam tempo para trabalhar. Se pagar impostos for uma tarefa árdua, tempo e energia que poderiam ser ocupados com atividades produtivas são desperdiçados com tarefas que não geram riqueza. Da mesma maneira, se a educação vai mal, os indivíduos produzem menos e assim por diante. Além disso, se a elevação da taxa de juros é um instrumento de combate à inflação, devemos buscar entender os motivos para que o país padeça desse mal e como resolvê-lo.

Os problemas econômicos do Brasil são de natureza estrutural e exigem reformas profundas em diversas áreas. Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é um dos países com maior complexidade tributária do mundo, o que além de desperdiçar tempo e recursos, leva à distorção dos preços relativos. Tornou-se corriqueiro para o Estado conceder benefícios tributários a grupos de interesse sob o pretexto de contribuir para o desenvolvimento de um determinado setor. Nesse processo, cria-se a sensação de que a atividade desonerada é mais atraente do que de fato é, induzindo os agentes a empreenderem de forma ineficiente e tornando o país mais pobre no longo prazo. 

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A complexidade tributária também é responsável pelo oceano de contencioso tributário e infindáveis disputas judiciais entre empresas e governo sobre a interpretação dos valores devidos, algo que afeta substancialmente a segurança jurídica brasileira. Com relação à educação, o Brasil não vai nada bem. Segundo dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), o país ocupa a 63ª posição em leitura, a 66ª em matemática e a 59ª em ciências, em um ranking com 77 países. Como consequência desse cenário, enquanto um trabalhador americano produz 74 dólares por hora trabalhada e um francês, 66 dólares, em 2020, a produtividade brasileira foi de 28 dólares. A irresponsabilidade fiscal agrava esse cenário. Gastos excessivos e medidas inconsequentes, como a PEC dos Precatórios, contribuem tanto para a elevação artificial da demanda, como para a desvalorização cambial, ambos causadores de inflação. Até mesmo políticas sociais mal calibradas podem prejudicar justamente os mais pobres, como é o caso do Auxílio Emergencial, cujo elevado valor levou a aumentos de preços nos locais onde havia maior concentração de beneficiários. 

A explicação para que os países desenvolvidos gozem de baixas taxas de juros está relacionada à instituições fortes, que não cedem a pressões de grupos de interesse, e à qualificação da mão de obra. Isso proporciona um ambiente fértil para a alocação eficiente de recursos em atividades econômicas altamente produtivas, exercidas por indivíduos qualificados. Além disso, o controle fiscal garante que não haja inflação, evitando a necessidade de taxas de juros que atrapalhem o surgimento de novos investimentos no país. O Brasil precisa de reformas em questões como a tributária, a fiscal e a educacional. Essas são as discussões que deveriam tomar as capas dos jornais e o debate público, em vez do excessivo debate sobre política monetária, que embora seja importante, certamente não é a solução para os nossos desafios.

Saiba mais sobre o autor

*Henrique Mendes Dau é economista pelo Insper, diretor executivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (52ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da revista.

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