Day: fevereiro 7, 2023

Imagem: Brian Britigan, no site Narratively

O abismo social e tecnológico da morte

Outras Palavras*

Não há injustiça mais assustadora – mais definitiva, mais irremediável – do que a desigualdade de expectativa de vida: uma forma de discriminação pela qual anos – e às vezes décadas – são roubados da maioria e dados a alguns poucos eleitos, com base apenas em sua riqueza e classe social.

De fato, a forma mais importante de “distanciamento social” imposta pela pandemia não era espacial, não era uma questão de metros. Foi a distância temporal entre ricos e pobres, entre aqueles que conseguiram escapar dos piores efeitos do vírus e aqueles cujas vidas foram abreviadas por ele. A modernidade estabeleceu um abismo biopolítico – um distanciamento social da morte – que foi ampliado e acentuado pela crise da covid-19. Isso foi demonstrado por um rosário de estudos em vários países. Por exemplo:

Nesta análise retrospectiva de 1.988.606 mortes na Califórnia durante 2015 a 2021, a expectativa de vida caiu de 81,4 anos em 2019 para 79,2 anos em 2020 e 78,37 anos em 2021. As diferenças de expectativa de vida entre os setores censitários nos percentis de renda mais altos e mais baixos aumentaram de 11,52 anos em 2019 para 14,67 anos em 2020 e 15,51 anos em 2021.

Muitas discussões políticas e científicas fundamentam-se em cálculos de expectativa de vida ao nascer. Mas, embora esse critério seja válido para as sociedades ocidentais modernas, onde a mortalidade infantil é quase irrelevante, ele é enganoso quando aplicado a outras regiões geográficas ou períodos históricos. Se a média de vida é de 70 anos, para compensar cada morte infantil outras sete pessoas devem viver até os 80. É por isso que a expectativa de vida é frequentemente calculada aos 40 ou 50 anos: um indicador historicamente mais confiável ao excluir a mortalidade infantil, bem como mortes em guerras e acidentes automobilísticos (mais frequentes entre os jovens) e mortes maternas no parto.

Aqui está a expectativa de vida aos 40 anos em relação à renda familiar nos Estados Unidos, conforme descrito em um estudo publicado por The Harvard Gazette em 2016:

Como você pode ver, a diferença entre o 1% mais rico e o 1% mais pobre é de pouco mais de 10 anos para as mulheres e 15 anos para os homens: “aproximadamente equivalente à diferença de expectativa de vida entre os Estados Unidos e o Sudão”. Para as mulheres, a diferença de 10 anos entre as mais ricas e as mais pobres é equivalente aos efeitos na saúde de uma vida inteira de tabagismo”.

Outro fenômeno notável, ao qual voltaremos mais adiante, é o fato de que o gráfico nunca achata, independentemente do nível de renda:

Embora os pesquisadores saibam há muito tempo que a expectativa de vida aumenta com a renda, Cutler e outros ficaram surpresos ao descobrir que essa tendência nunca se estabilizou: “Não há uma renda [acima] da qual uma elevação de renda não esteja associada a uma maior longevidade, e não há renda abaixo da qual uma menor renda não esteja associada a uma menor sobrevida”, disse ele. “Já se sabia que a expectativa de vida aumentava com a renda, por isso não somos os primeiros a mostrar isso, mas… todos pensavam que a dada altura se atingiria um platô, ou que haveria um platô no limite  inferior, mas não é esse o caso”.

A diferença entre a expectativa de vida de diferentes classes nem sempre foi tão abissal. Ele aumentou progressivamente nos últimos séculos, de modo que agora se tornou uma constante da civilização moderna. O abismo é claramente visível no gráfico abaixo, que mostra a expectativa de vida de 65 anos para os trabalhadores do sexo masculino, divididos em categorias de maiores e menores salários:

Podemos ver como, em 1912, os trabalhadores mais pobres podiam esperar viver até pouco menos de 80 anos, enquanto seus homólogos mais ricos podiam esperar viver um pouco mais. Em 1941, a margem dilata-se: os primeiros podiam esperar viver cerca de um ano mais do que em 1921, enquanto os segundos ganhavam mais seis anos inteiros (a esperança média de vida aumenta com a idade em que é calculada: aos 30 anos é superior à de nascimento, aos 50 é maior do que aos 30, e aos 65 é ainda maior, porque a cada passo você desconta todas as mortes ocorridas antes dessa idade e que contribuíram para a média original. Por isso, em 1912, a expectativa de vida da metade mais pobre da população de 65 anos quase chegou aos 80, enquanto a sua expectativa de vida ao nascer era de apenas 55 anos).

A imagem é ainda mais nítida se você dividir a sociedade não em duas, mas em cinco classes de renda diferentes. Esses gráficos, tirados de um estudo do Congresso dos EUA de 2006, mostram a expectativa média de vida crescendo fortemente para o quintil mais rico (20% da população) e aumentando pouco para os mais pobres:

Figura S-1: Expectativa de vida estimada e projetada aos 50 anos para homens nascidos em 1930 e 1960 por quintil de renda

Figura S-2: Expectativa de vida estimada e projetada aos 50 anos para mulheres nascidas em 1930 e 1960 por quintil de renda

Um olhar mais atento nos dá uma imagem surpreendente. Para os homens no quintil de renda mais baixa, os nascidos em 1930 poderiam esperar viver 26,6 anos aos 50 anos, enquanto os nascidos em 1960, após a Segunda Guerra Mundial, poderiam esperar viver 26,1 anos: ao contrário do que se imagina, meio ano a menos! O fenômeno era ainda mais acentuado para as mulheres mais pobres: as nascidas em 1930 aos 50 anos tinham em média 32,3 anos pela frente, enquanto as da geração seguinte tinham 28,3: quase quatro anos de vida a menos. Enquanto a vida em geral ia ficando mais longa, para as mulheres mais pobres estava ficando mais curta, e bastante.

A música muda para o quintil de renda mais alto: os nascidos em 1960 podem esperar viver 38,8 anos (ou seja, chegar a 88 anos e nove meses), 7,1 anos completos a mais do que seus predecessores nascidos em 1930, que tinham uma expectativa de vida de 31,7 anos. A mesma tendência é verdadeira para as mulheres ricas nascidas em 1960, que podem esperar viver 41,9 anos (ou seja, 91 anos e 10 meses), mais do que as mulheres ricas nascidas trinta anos antes, cuja expectativa de vida era de 36,2 anos, ou seja, 5,7 anos a menos: entre os duas gerações, enquanto para as mulheres pobres a expectativa de vida diminui, para as mulheres ricas aumenta.

Nos 30 anos entre 1930 e 1960, a diferença de renda aumentou assustadoramente. Enquanto entre os homens nascidos em 1930 os mais ricos viveram 5,1 anos a mais do que os mais pobres, para a geração nascida em 1960 a diferença aumentou para surpreendentes 12,7 anos. A diferença entre as mulheres era ainda mais pronunciada: enquanto para a geração de 1930 os mais ricos podiam esperar viver 4,0 anos a mais do que seus pares mais pobres, para a geração de 1960 a diferença aumentou para 13,6 anos.

Como usamos os dados segmentados sobre a renda familiar para estender essa análise ainda mais no tempo, devemos nos contentar com algumas pistas dispersas. Se tomarmos as dinastias dos nobres italianos durante a Renascença (os Estes, Gonzagas, Medici), descobrimos que os príncipes eram geralmente superados em sobrevida por seus artistas, chanceleres e cortesãos. Isto é incompreensível. Sem ciências médicas verdadeiramente eficazes e sistemas desenvolvidos de higiene (como esgotos e água encanada), não havia razão para os ricos viverem mais do que os pobres – e há fortes índices de que seus hábitos (comer demais, consumir álcool) os tornavam mais frágeis.

As primeiras grandes fraturas ocorreram justamente com a introdução de redes de esgoto e de água encanada, que saneavam as casas dos ricos, onde foram instaladas inicialmente. A mortalidade infantil diminuiu primeiro entre as classes mais abastadas. A dietética ensinava os ricos a se alimentar melhor e a praticar exercícios (daí a difusão do esporte: esforço físico cujo fim não era nem o lucro nem o sustento). E então, naturalmente, o fosso aumentou ainda mais com os avanços médicos do século XX. A medicina moderna – especialmente quando privatizada e dependente de regimes de seguro discriminatórios – tornou-se um acelerador da desigualdade.

Agora estamos vivendo o mundo descrito por Jean-Jacques Rousseau, onde a desigualdade é criada e depois aguçada pela civilização:

a origem da sociedade e da lei, que impôs novos grilhões aos pobres e deu novos poderes aos ricos; que destruiu irremediavelmente a liberdade natural, fixou para sempre a lei da propriedade e da desigualdade, converteu a usurpação marota em direito inalterável e, para a vantagem de alguns indivíduos ambiciosos, sujeitou toda a humanidade ao trabalho perpétuo, à escravidão e à miséria.

As artes e as ciências – ou seja, o “progresso” – não fazem nada além de exacerbar a desigualdade e a luta pela propriedade. Empobrecimento para os pobres, fortificação para os ricos. Como isso poderia deixar de prolongar a vida dos poderosos e encurtar (relativamente falando) a de seus súditos?

Claro, se as desigualdades na vida continuam a se multiplicar ano após ano, seria de se esperar o mesmo das desigualdades na morte. Os pesquisadores de Harvard mencionados acima ficaram chocados com o fato de que, nos Estados Unidos, a diferença entre expectativa de vida e renda não parecia se estabilizar, nem no topo nem na base da escala. Na França, no entanto, a curva achata, como mostra este gráfico:

Lá, como nos EUA, os dados de expectativa de vida ao nascer apresentam uma diferença marcante entre as classes: uma diferença de quase 13 anos para os homens e de mais de 8 anos para as mulheres. Mas, ao contrário dos EUA, a curva desacelera rapidamente, quase se estabilizando acima do limiar de € 2.500 por mês em receita líquida (excluídos impostos e previdência social). A receita bruta costuma ser aproximadamente o dobro deste valor, então é na casa de € 60 mil por ano de renda que se observa essa alteração, e a linha a tornar-se quase horizontal acima de uma renda líquida mensal de € 3.500.

A única explicação possível parece residir no fato de que o sistema de saúde público francês é mais fácil de navegar quanto mais alto for o nível de educação (com todos os diferenciais de renda e estilo de vida que isso implica):

Aqui, também, a curva achata-se visivelmente acima da marca dos €2 mil (podemos presumir que poucos dos que têm uma renda anual de €60 mil não tenham pelo menos completado o ensino secundário). Isso acontece apesar do fato de haver um fosso cada vez maior entre quem tem uma graduação e quem não tem (uma diferença de pouco menos de 3 anos para o mesmo grupo de renda de menos de €1.000 por mês, e quase 4,5 anos para quem tem renda líquida de €3.500). Resumindo, estudar rende quase três anos de vida. Talvez se as crianças soubessem disso, elas se esforçariam para obter notas melhores.

Até agora discutimos a vida em termos quantitativos e não qualitativos. Mas de que tipo de vida estamos falando? No Reino Unido, os pesquisadores desenvolveram métricas separadas para a expectativa de vida (vida útil) e a duração esperada de uma vida saudável (saúde). Aqui estão suas descobertas:

A “experiência de vida saudável”, concluem os pesquisadores,

Também aumentou ao longo do tempo, mas não tanto quanto a expectativa de vida, então mais anos são vividos tendo que lidar com problemas de saúde. Embora um homem na Inglaterra pudesse esperar viver 79,4 anos em 2018-2020, sua expectativa de vida saudável era, em média, de apenas 63,1 anos – ou seja, ele teria passado 16,3 desses anos (20%) com uma saúde “ruim”. Em 2018-2020, uma mulher na Inglaterra poderia esperar viver 83,1 anos, dos quais 19,3 anos (23%) seriam passados ​​com uma saúde “não boa”. E embora as mulheres vivam em média 3,7 anos a mais que os homens, a maior parte desse tempo (3 anos) é vivida tendo problemas de saúde.

Não só os pobres vivem vidas mais curtas que os ricos (cerca de 74 anos contra 84 para os homens; e 79 contra 86 para as mulheres). Desta existência mais curta, a maior parte é vivida com debilidade e enfermidade (para os homens, 26,6 anos contra 14; para as mulheres, 26,4 anos contra 15,8). O resultado é que os pobres desfrutam de 18 anos a menos de boa saúde.

Em um esforço para prolongar a duração da vida, então, prolongamos a duração da morte. Os donos da Terra – aqueles cujas fortunas excedem o PIB de vários estados-nação – perceberam isso claramente. O livro To Be a Machine [Ser uma máquina] (2017), de Mark O’Connell, documenta as fantasias infantis e frenéticas desses Senhores do Cosmos, que se esforçam para alcançar a imortalidade financiando o desenvolvimento de projetos de criopreservação, como Alcor Life Extension Foundation “no qual os clientes se inscrevem para serem congelados ao morrer na esperança não apenas de ressuscitação, mas de rejuvenescimento” –, bem como de pesquisas sobre tecnologia que permitiriam baixar o cérebro de alguém em um disco rígido ou nuvem, para reencarnar, talvez mesmo como um computador, com toda a memória intacta.

Na ausência de tais avanços tecnológicos, porém, os mestres do universo agora dedicaram recursos consideráveis ​​para materializar o objetivo mais mundano de prolongar suas vidas por alguns anos, ou talvez algumas décadas. Desde 2013, Jeff Bezos, Larry Page e cia. têm investido em empresas que desenvolvem medicamentos contra o envelhecimento:

Com apenas duas frases curtas postadas em seu blog pessoal em setembro de 2013, o cofundador do Google, Larry Page, revelou a Calico, uma “empresa de saúde e bem-estar” cujo foco é combater o envelhecimento. Quase um ano antes, ele persuadiu Arthur Levinson, a força motriz por trás da gigante da biotecnologia Genentech e presidente da Apple, a supervisionar o novo negócio e alocou US$ 1,5 bilhão em promessas de financiamento – metade do Google, o restante da AbbVie, a empresa farmacêutica.

Em 2022, a empresa de capital de risco Arc Venture Partner, Jeff Bezos e outro bilionário, Yuri Milner, investiram US$ 3 bilhões na Altos Lab, cuja missão autodeclarada é “restaurar a saúde e a resiliência das células por meio da programação de rejuvenescimento celular para reverter doenças, lesões e deficiências que podem ocorrer ao longo da vida”. Os bilionários do Vale do Silício acreditam que seu dinheiro pode permitir que eles não apenas vivam mais, mas vivam bem, preservando a perspectiva de imortalidade para seus descendentes.

Uma vez que isso seja alcançado, eles finalmente terão uma réplica à famosa observação de Max Weber em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1905). Para o sujeito pré-capitalista, ele escreve,

que alguém seja capaz de fazer disso o único propósito de sua vida de trabalho, afundar na sepultura sobrecarregado com uma grande carga material de dinheiro e bens, parece só ser explicável como o produto de um instinto perverso, a fome de ouro.

A isso, os senhores do universo responderão: “Não afundaremos em nenhuma sepultura!”

Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.


Limpa e sustentável, a energia solar é também uma fonte econômica, já que gera energia de forma autônoma © Zbynek Burival

Brasil tem capacidade de produção energética sem novas fronteiras exploratórias

WWF Brasil*

Com riqueza natural à disposição em um planeta que já exauriu sua capacidade poluente, o Brasil tem muitas condições de puxar o filão das nações que transformam sua matriz energética em uma com fontes renováveis.

“Temos matriz privilegiada em relação aos outros países. Temos de aproveitar essa vantagem para ser uma liderança mundial no controle das emissões de carbono”, afirma Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Ela investiria na criação de um cronograma para que a exploração petrolífera fosse substituída por fontes renováveis de energia, como a solar e a eólica. “Acredito que o governo deveria seguir essa linha desde já porque é uma decisão que tem uma perspectiva de médio e longo prazo, um planejamento que precisa ser feito na linha de descarbonização.”

O setor de energia, por sua vez, poderia aproveitar seu know-how para trazer as metas ambientais de maneira mais contundente, segundo Araújo, que enfatiza a necessidade do planejamento energético caminhar para uma descarbonização rápida. “Nós não temos mais tempo para gastar com a crise climática. A humanidade já esgotou seu orçamento de carbono e temos pouco disponível”, completa a especialista.

“A Petrobrás fez isso, mas nos últimos anos cessou e ficou exclusivamente em petróleo”, pondera Araújo. “Acho que [esse investimento em combustíveis verdes] tem de ser retomado e expandido para um Brasil descarbonizado." Segundo ela, o Brasil é o único entre as grandes economias globais em condições de chegar ao status de carbono negativo - quando sequestra mais carbono do que emite - até 2045.

Intenção de ampliar exploração de óleo

Logo após tomar posse como novo presidente-executivo da Petrobrás, Jean Paul Prates enviou, no último dia 26, mensagem aos funcionários reforçando o papel da estatal na descarbonização: “Mitigar a mudança do clima é uma demanda global necessária e urgente. O porte e a trajetória da Petrobras fazem com que ela ocupe um papel de grande impulsionadora da transição energética no Brasil. É nesse lugar que vejo a Petrobras”.

No entanto, o CEO da gigante do petróleo também disse pretender continuar explorando o mercado de petróleo e gás e querer abrir novas fronteiras exploratórias no país. Ele citou a Margem Equatorial Brasileira como uma área com “forte potencial”, tanto para combustíveis fósseis quanto energias renováveis. Essa área é uma ampla região litorânea, que abrange cinco bacias sedimentares, que vão do Rio Grande do Norte ao Amapá. Por estar em uma área que pode ter uma grande quantidade de petróleo e gás, a região também é nomeada pelo setor de petróleo como “o novo pré-sal”.

A exploração da área no Amapá estava prevista para começar no fim do ano passado, mas a atividade ainda depende de uma licença ambiental. Há grande preocupação por parte do Ministério Público Federal nos estados do Pará e Amapá, do Ibama, assim como de  ambientalistas acerca do elevado risco geológico e da sensibilidade socioambiental (haverá impacto para as comunidades locais e também para um sistema único de recifes de corais na costa Amazônica). Além disso, a diminuição de demanda causada pelos compromissos climáticos também é um dos são fatores que tornam a Margem Equatorial não competitiva perante campos do pré-sal.

Para Araújo, a Margem Equatorial teria de ser mapeada para exclusão de áreas sensíveis, salvando a alta biodiversidade e avaliando melhor esses sistemas. “O Brasil efetivamente ainda não estudou toda a biodiversidade existente em regiões como a Foz do Amazonas, e pela falta de estudo não entende ainda toda a riqueza dos recursos que estão numa região única”, afirma.

Margem Equatorial

A Margem Equatorial é considerada uma nova fronteira exploratória porque ainda não há um conhecimento profundo sobre a geologia da região, tendo sofrido poucas atividades de exploração. Para se ter uma ideia, apenas em 2016 foi descoberto um conjunto de corais na Foz do Amazonas com uma amplitude de 1 mil km de extensão por 40 km de largura. A área é equivalente ao tamanho do estado do Rio Grande do Norte.

Os corais são os maiores berçários da vida nos oceanos, com cerca de um quarto das espécies marinhas e 65% dos peixes de todo o mundo dependendo dos recifes para sobreviver. As algas presentes nos corais sequestram o dióxido de carbono e o depositam no fundo dos oceanos, enquanto produzem mais de 50% do oxigênio que respiramos.

Além dos recifes de corais, a Costa Norte brasileira também é formada majoritariamente por manguezais, um dos ecossistemas mais produtivos e biologicamente complexos do planeta. O Brasil perde apenas para Austrália e Indonésia entre os países com os maiores manguezais do mundo. Esse ecossistema sequestra quatro vezes mais carbono do que florestas tropicais, o que faz dele uma grande oportunidade sustentável para o país.

Texto publicado originalmente no WWWF Brasil.


Nas entrelinhas: Lula critica juros altos e escala crise com BC

Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense

Na cerimônia de posse de Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ontem, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a atacar a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, que manteve a taxa Selic em 13,75%, patamar em vigor desde agosto de 2022, frustrando a expectativa de parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e do próprio Lula, de que haveria uma redução de 0,25% para sinalizar a queda dos juros. Segundo o presidente, o Brasil tem uma “cultura” de juros altos que “não combina com a necessidade de crescimento” do país.

“É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que eles deram para a sociedade brasileira”, disparou. Quando Lula ataca publicamente a taxa de juros praticada pela autoridade monetária, está fritando o peixe com um olho no gato e outro na frigideira. O peixe é o presidente do BC, Roberto Campos Neto, cujo mandato vai até 2024; o gato é o mercado financeiro, sem trocadilho; e a frigideira, a opinião pública, principalmente os eleitores de Lula. A autonomia do banco é alvo de críticas do petista desde a campanha eleitoral, atacar os juros altos é uma narrativa de campanha de qualquer candidato de oposição, mas acontece que a eleição já passou.

Lula não confia em Campos Neto, que considera um quadro ideológico do bolsonarismo e grande responsável, juntamente com o ex-ministro da Economia, Paulo Guedes, pelas dificuldades que enfrentou com o mercado financeiro durante a campanha eleitoral. Os agentes econômicos e investidores não esconderam a preferência pela reeleição de Bolsonaro, não importa os riscos que isso significou — e o bolsonarismo ainda significa — para a democracia. Havia expectativa de que o ex-presidente faria um forte ajuste fiscal e avançaria no programa de venda das estatais, principalmente da Petrobras, caso fosse reeleito.

O problema de Lula é que Campos Neto tem mandato para presidir a autoridade monetária até 2024. Quase “imexível”, a independência do BC foi concretizada por lei em 2021, com objetivo de blindar a instituição de interferências políticas. Haddad tenta um meio caminho entre o desenvolvimentismo e a política social-liberal, porém, a política monetária é neoliberal. Esse conflito existiu em todos os governos, mas nunca num cenário de poder absoluto do BC sobre a fixação da taxa de juros.

Lula até argumenta que o ex-presidente do BC Henrique Meirelles, durante seu governo, teve autonomia, embora o banco não fosse independente. Meirelles foi e continua sendo um homem com um pé no mercado financeiro e outro na política. Haddad não tem um pé no mercado financeiro, nem Campos Neto na política. São dois bicudos que não vão se entender. O resultado será uma política econômica esquizofrênica, com o governo e o BC em rumos cruzados, ou seja, se ninguém mudar de rota, em algum momento, haverá um naufrágio.

Palanque

“Tem muita gente que fala: Pô, mas o presidente não pode falar isso’. Ora, se eu que fui eleito não puder falar, quem que eu vou querer que fale? O catador de material reciclável? Quem que eu vou querer que fale por mim? Não. Eu tenho que falar. Porque quando eu era presidente, eu era cobrado”, disse Lula. Essa narrativa corrobora as críticas de que o presidente não desceu do palanque. E não desceu mesmo: está montado numa bicicleta — se parar de pedalar, pode cair.

A independência do BC parte do princípio de que uma diretoria estável é capaz de resistir às pressões populistas, para fazer uma gestão técnica, focada no combate à inflação, sem interferências de natureza político-ideológica. Aprovada pelo Congresso, a lei foi sancionada por Bolsonaro em 2021 e aclamada no mercado financeiro e no mundo empresarial. Desde o Plano Real, com o economista Pedro Malan no Ministério da Fazenda, não havia uma política monetária tão blindada.

De janeiro de 2021 a agosto de 2022, a taxa de juros subiu 11 pontos percentuais. Essa foi, inclusive, uma das causas da derrota de Bolsonaro. A pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia, segundo os economistas, foram as principais causas da inflação. Mas não apenas, porque o chamado “teto de gastos” foi ultrapassado oito vezes durante o governo passado — a última com a PEC da Transição.

Para haver redução da taxa de jutos com consistência, é preciso melhorar o ambiente econômico, à deriva sem a nova âncora fiscal. Além disso, com a elevação dos juros nos Estados Unidos, a expectativa de inflação no Brasil também subiu, o que torna impeditiva a redução de juros, segundo a atual política monetária.

Ao que tudo indica, Lula está seguindo a mesma receita de Bolsonaro em relação à Petrobras, que foi obrigada a trocar de presidente e reduzir o preço dos combustíveis. A escala no confronto com Campos Neto, porém, esbarra no fato de que o BC é independente, ao contrário da Petrobras.

O duro constrangimento a que está sendo submetido por Lula pode levar Campos Neto à renúncia. Porém, se não o fizer, sua resiliência pode transformá-lo no líder da oposição à Lula nos meio empresarial, quiçá seu candidato a presidente da República. Daí narrativa populista de Lula.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-lula-critica-juros-altos-e-escala-crise-com-bc/