Day: janeiro 23, 2023
PT aciona MPF contra Bolsonaro e Damares por suspeita de genocídio contra povo Yanomami
Brasil de Fato*
Neste domingo (22), deputados federais do PT protocolaram uma representação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, na Procuradoria-Geral da República (PGR) por suspeita de crime de genocídio contra os povos Yanomami.
Para os parlamentares, houve "ação" ou "omissão dolosa" do ex-presidente, da ex-ministra e dos ex-presidentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) – aos quais a representação também se estendeu – diante da destruição das áreas dos indígenas a partir de garimpo ilegal (leia aqui a íntegra do documento).
"Essa política de extermínio dos povos Yanomami e de outras comunidades indígenas, conduzida com galhardia e prazer pelo ex-presidente da República, já vinha sendo denunciada no país e no exterior, tendo sido inclusive, recentemente, objeto de documentário produzido por pesquisadores estrangeiros", diz um trecho da representação.
O Ministério da Saúde fala em aproximadamente 570 crianças mortas por contaminação de mercúrio, um dos rejeitos produzidos pelo garimpo, desnutrição e fome.
Na sexta-feira (20), o Ministério da Saúde decretou estado de emergência para "planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas" a fim de reverter o quadro de desassistência instalado na TI Yanomami.
Também foi instalado o Comitê de Coordenação Nacional para Enfrentamento à Desassistência Sanitária das Populações em Território Yanomami "para dar conta do problema de desnutrição, fome, saúde, muito grave nessa região", segundo o ministro Wellington Dias. O comitê terá duração de 90 dias e suporte das Forças Armadas e da Funai.
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato.
Morte de yanomami: garimpo é principal causa da crise e governo Bolsonaro foi omisso, diz ministra da Saúde
BBC News Brasil*
"Houve omissão em relação aos yanomami e outros povos", disse a ministra durante breve entrevista à BBC News Brasil, em Buenos Aires, capital da Argentina. Trindade acompanha a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que está no país para uma visita ao presidente argentino, Alberto Fernández, e para participar de VII Cúpula dos Chefes de Estado da Comunidade Estados Latinoamericanos e Caribenhos (Celac).
Na entrevista, Trindade disse que os yanomamis estão em situação de desassistência e que o garimpo ilegal de ouro na região é a principal causa da crise de saúde que afeta a etnia que, no Brasil, vive entre os estados do Amazonas e de Roraima.
No sábado (21/1), Lula e sua equipe foram a Roraima após fotos de indígenas visivelmente subnutridos viralizarem na internet.
Assim como Lula, Nísia Trindade também classificou a situação dos yanomami como um tipo de genocídio. O termo foi usado por Lula ao se referir ao caso no final de semana.
"Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão", afirmou.
Na entrevista, Nísia Trindade também afirmou que o debate para flexibilizar as regras para o aborto legalizado não será política do atual governo.
"Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Não será uma política do Ministério da Saúde", disse a ministra.
Atualmente, o aborto só é permitido no Brasil em três circunstâncias: em caso de estupro; quando a gestação oferece risco à saúde da mulher; e nos casos de fetos anencefálicos.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - O governo decretou situação de emergência em saúde por conta da situação dos indígenas yanomami. Que medidas concretas serão tomadas a partir de agora?
Nísia Trindade - Essas medidas de emergência sanitária são adotadas em situação de calamidade por questões de saúde, seja uma epidemia ou por uma situação de um desastre natural . Neste caso, nós caracterizamos esse episódio como uma situação de desassistência. Isso significa que essa população está sem o devido cuidado por parte do Sistema Único de Saúde (SUS) e isso acontece por várias questões. Grande parte da razão por tudo isso está na desorganização social provocada pela atividade do garimpo ilegal. Essa atividade gera contaminação dos rios e cria escavações que geram depósitos de água em que há proliferação de mosquitos. Com isso, há um aumento muito grande nos casos de malária.
BBC News Brasil - A situação dos yanomami já vinha crítica. Como ela virou uma crise para o governo?
Trindade - Pelo menos desde a transição de governo, eu já vinha acompanhando esses sinais. Nós tivemos uma reunião com lideranças yanomami e com lideranças políticas. Nos foi colocada, também, uma questão sobre a possibilidade de desvio de medicamentos. Mas o grande detonador foi verificar a morte das crianças. Tive vários apelos, antes mesmo de assumir o ministério, para tentar ver a situação do transporte aéreo [para remover pacientes a áreas com melhor infraestrutura de saúde]. Havia crianças que estavam em condições de muita fragilidade e que não conseguiam atendimento apropriado.
BBC News Brasil - Para o governo é claro que a causa dessa crise é o garimpo?
Trindade - Eu posso afirmar que sim, como em todo processo de causalidade, este é um fenômeno multicausal. Então nós precisamos dar mais assistência. Assumi há 21 dias e encontrei o funcionamento da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) muito pouco voltada para essas ações. Um exemplo é a casa que dá acolhimento aos indígenas em Boa Vista. Ficou evidente que ela está em más condições. O garimpo causa essa desorganização social e gerou problemas de segurança, dificultando o acesso das nossas equipes de saúde às regiões em que há doentes.
BBC News Brasil - O ex-presidente Jair Bolsonaro rebateu as críticas que vinha recebendo sobre a saúde dos yanomami e classificou o caso como uma "farsa da esquerda". Como a senhora responde a essa alegação?
Trindade - A crise é evidente. É uma crise sobre a qual estamos fazendo um diagnóstico profundo, mas ela se revela em números, 500 crianças mortas. Por isso falamos de desassistência. Isso não é farsa. Isso são fatos.
BBC News Brasil - Na sua avaliação, houve omissão do governo passado em relação aos yanomami?
Trindade - Houve omissão em relação aos yanomami e a outros povos indígenas. Tanto é assim que, ainda como presidente da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), eu pude acompanhar uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que apontou muitas falhas na proteção dos indígenas. Isso aconteceu não só com os yanomami, mas em outros povos e em relação à covid-19.
BBC News Brasil - O presidente Lula descreveu a situação de saúde dos yanomami como um "genocídio". A senhora acha que é caso de um genocídio?
Trindade - Eu vejo o abandono como uma forma de genocídio e essa população estava desassistida. O genocídio também pode ocorrer por omissão.
BBC News Brasil - Mudando de assunto, a senhora revogou uma portaria que alterou regra sobre os procedimentos para obtenção da interrupção de gravidez. Esse é um ponto muito sensível para a bancada evangélica. O governo teme retaliação por conta desse tipo de medida?
Trindade - Não há motivo para termos retaliação. Acho que uma retaliação em relação ao que eu fiz no Ministério da Saúde e ao que o governo do presidente Lula fez só ocorreria por uma falta de compreensão ou por uma visão distorcida dos fatos. O que nós fizemos foi respeitar o que a lei brasileira já define. Não há nenhuma flexibilização da legislação sobre o aborto. O que nós fizemos? Nós só alteramos a portaria que estava em vigor e que determinava que o médico teria que comunicar à autoridade policial a existência de uma busca pelo aborto por parte de uma mulher vítima de violência no Brasil.
BBC News Brasil - Parte do segmento evangélico afirma que, de alguma forma, a retirada dessa obrigação facilitaria o acesso ao aborto.
Trindade - Esse argumento é uma forma de não ver uma questão que é essencial: muitas vezes, as mulheres não fazem a denúncia porque é uma questão muito complexa para todas as pessoas, independentemente da religião. Muitas vezes, essa violência (sexual) é cometida no núcleo familiar. Isso cria uma dificuldade maior para essa mulher ou para essa menina e seus familiares. O que nós estamos fazendo é proteger a mulher, a menina e o próprio profissional de saúde.
BBC News Brasil - O atual governo foi e é apoiado por diversos movimentos que defendem uma ampliação das regras para o aborto. Nesta gestão, o Brasil vai caminhar para a flexibilização das condições em que o aborto é permitido?
Trindade - Esse debate só pode acontecer no âmbito da sociedade. Ele não será uma política do Ministério da Saúde. É um debate da sociedade, o Poder Legislativo. Não está definido no programa de governo do presidente Lula e os ministérios seguem esse programa.
BBC News Brasil - A senhora acha que a sociedade tem que debater este assunto?
Trindade - Eu acho que é um assunto que já está em debate. O que precisamos: dar espaço para as vozes em relação a esse tema; esclarecer; olhar pelo ângulo da saúde pública e; a sociedade tem que tomar suas definições. Sempre temos dito que a questão dos direitos reprodutivos e sexuais vai muito além da questão do aborto. Significa olhar para a saúde integral da mulher, protegê-la contra as violências, favorecê-la com projetos educacionais, etc.
Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.
Revista online | No ataque à democracia, cultura também é alvo da fúria bolsonarista
Henrique Brandão*, jornalista, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)
O dia 8 de janeiro se prenunciava um domingo tranquilo, o primeiro depois da emocionante, e carregada de simbolismo, posse de Lula. No entanto, pouco antes das 15 horas, uma horda de militantes de extrema direita, que havia saído do acampamento em frente ao Quartel General (QG) do Exército em Brasília, invadiu a Praça do Três Poderes e promoveu a mais perigosa e explícita tentativa de tomada do poder fora do marco constitucional estabelecido pela Constituição de 1988.
As palavras de ordens proferidas, a não aceitação do resultado da eleição, o pedido de estabelecimento de um governo militar-fascista, deixavam claras as intenções dos mais de 4.000 golpistas que se dirigiam ao coração da República, dispostos a vandalizar e quebrar tudo ao seu alcance.
Estava óbvio, conforme as imagens de TV eram transmitidas para o mundo inteiro, que o objetivo era criar o caos e gerar o terror. Não era, nunca foi, uma manifestação com intenções políticas pacíficas, como algumas lideranças da direita tentaram caracterizar o quebra-quebra instaurado nos prédios – e em seu entorno – que foram alvos dos ataques que os vandalizaram.
As invasões e depredações tinham alvos muito bem definidos. Não à toa, os prédios visados abrigam as sedes dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Essa separação entre os poderes, cada qual com suas atribuições, é a base da doutrina constitucional liberal na qual se assentam, hoje em dia, as nações do mundo Ocidental, inspirada na obra o Espírito das Leis (1748), de Montesquieu (1689-1755) e adotada pela primeira vez na Revolução Francesa (1789-99), que marcou o fim do Absolutismo na França.
As cenas registradas pelas emissoras de TV, pelas câmeras dos profissionais de imprensa (muitos foram agredidos e tiveram os equipamentos roubados), nos circuitos internos de segurança dos prédios invadidos e até pelos próprios manifestantes são lamentáveis.
Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online
Chamou a atenção, no rescaldo dos escombros, a depredação de obras de arte expostas nesses palácios. Quase nenhuma passou incólume pela cólera dos invasores. A cena de um bárbaro jogando ao chão um relógio de Balthazar Martino, do Século XVII, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI, é estarrecedora.
Outro invasor, em fúria, fez sete rasgos na tela As Mulatas (1962), de Di Cavalcanti (1897-1976), principal peça do Salão Nobre do Palácio do Planalto. A tela retrata bem a produção de Di Cavalcanti e traz em sua composição tema recorrente do grande pintor e desenhista, que tem a obra marcada por retratar personagens e figuras icônicas do povo brasileiro.
A escultura de Frans Krajcberg (1921-2017) Galhos e sombras também foi quebrada em diversos pontos. A obra se utiliza de galhos de madeira oriundos de queimadas, colhidos na Mata Atlântica, no Sul da Bahia. Outra escultura, O Flautista, de Bruno Giorgi (1905-1993), foi destruída.
Na Câmara dos Deputados, o alvo foi a linda estátua de Victor Brecheret (1894-1955), A Bailarina, produzida nos anos de 1920, que foi arrancada de seu pedestal.
No STF, vandalizaram o famoso monumento de Alfredo Ceschiatti (1918-1989), localizado em frente ao prédio do Poder Judiciário e que, ao longo do tempo, se transformou em um dos emblemas mais conhecidos de Brasília, por representar a imparcialidade da Justiça.
Não chega a ser surpresa a destruição de símbolos da cultura brasileira pela manada bolsonarista. Durante os quatro anos de seu nefasto reinado, o que imperou na área da cultura foi a tentativa de aniquilamento total do setor. A começar pelo chefe supremo da tropa, que acabou com o Ministério da Cultura (MinC), transformando-o em um apêndice inútil do Ministério do Turismo.
O secretário de Cultura de Bolsonaro no início de 2020, Roberto Alvim, personificou o modo de agir da extrema direita. Em vídeo nas redes sociais, imitou Goebbles, o ministro da Propaganda de Hitler, a quem é atribuída a célebre frase: “Quando ouço falar em cultura, saco o meu revólver”. Acabou demitido, por pressão da opinião pública.
Confira, a seguir, galeria:
Modernismo e nazismo jamais se bicaram. Basta se lembrar da exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst), promovida pelo regime nazista, em 1937. A exposição reuniu obras modernistas dos acervos de museus alemães e marcou o ápice da campanha do regime nazista contra a arte moderna, considerada artisticamente indesejável e moralmente prejudicial.
Não é mera coincidência, portanto, que a maioria das obras avariadas no putsch da extrema direita seja de artistas que participaram do modernismo brasileiro, em todas as suas formas de expressão, presentes nos prédios dos Três Poderes, a começar pela arquitetura, imortalizada no traço de Oscar Niemeyer, que sempre chamou artistas contemporâneos para compartilhar os espaços públicos com obras de suas lavras. Athos Bulcão, parceiro constante de Niemeyer, foi outro que teve obras vandalizadas. Esse atentado é também uma agressão à cultura brasileira. Tudo presente naqueles prédios públicos pertence ao povo brasileiro.
Que todos os envolvidos, no rigor da lei, sejam punidos, sem exceções. Os bagrinhos, os financiadores, os incentivadores e ideólogos da invasão. Civis, ricos ou pobres. Militares, de alta ou baixa patente.
A democracia sairá fortalecida. É o que espera o povo brasileiro.
Sobre o autor
*Henrique Brandão é jornalista.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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