Day: janeiro 18, 2023
Os caminhos para uma reforma tributária justa
Outras Palavras*
A reforma tributária tem ocupado as atenções políticas há, pelo menos, 25 anos. Parece haver consenso quanto a sua necessidade. No entanto, sempre que o assunto ganha alguma relevância no cenário político, esse suposto consenso se desmancha, pois nem todos os que defendem a reforma comungam das mesmas motivações. Não é diferente, neste momento, com debates sobre programas para um governo de corte democrático e popular.
Para muitos, inclusive para nós, o problema central do sistema tributário é o seu caráter regressivo, cujas principais consequências relacionam-se ao aprofundamento das desigualdades de natureza econômica e social. Mas como traduzir mais precisamente essa regressividade do sistema tributário? Trata-se da sua característica de beneficiar os mais ricos pela débil tributação das altas rendas e das grandes riquezas e “transferir o fardo dos impostos”, como afirmou Chomsky, aos mais pobres. No caso brasileiro, esta transferência é mais visível na hipertrofia da carga tributária sobre o consumo.
Para outros, o único problema a ser corrigido se refere à complexidade do sistema tributário. São, estes, os conhecidos defensores de uma reforma restrita à tributação sobre o consumo, designada “simplificação tributária”, a ser supostamente resolvida pela unificação de praticamente todos os tributos indiretos, das competências municipal, estadual e federal, incluídas várias contribuições sociais, num único imposto sobre o valor agregado (IVA).
Lideram esse bloco, as grandes corporações que industrializam ou importam produtos considerados supérfluos, atualmente submetidos ao critério da seletividade e, portanto, à incidência de alíquotas mais gravosas do IPI e do ICMS, e em alguns casos, do PIS/Cofins não cumulativo, pois, certamente, seriam as maiores beneficiadas por uma reforma desse tipo. As instituições financeiras igualmente demonstram enorme disposição para tal mudança, com o objetivo de abolir a possibilidade da incidência de alíquotas maiores da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. E a mesma lógica de interesses serve às empresas que, a depender da atividade econômica exercida, podem vir a ser submetidas a alíquotas maiores de qualquer uma das contribuições sociais existentes, possibilidade contemplada pelo §9º do Artigo 195 da Constituição Federal. Associam-se aos partidários da reforma restrita à tributação indireta, aqueles que defendem o esvaziamento do Estado Social e o fim das contribuições sociais, espécie de tributo cuja essência é a vinculação de sua arrecadação ao financiamento de políticas de seguridade.
O debate no campo popular
Interessa-nos, aqui, discutir as posições do primeiro bloco, formado pelos que atuam no campo popular e democrático. Entre nós, manifesta-se uma concordância fundamental sobre a necessidade de modificações estruturais no sentido de deslocar parte da tributação indireta incidente sobre as mercadorias e os serviços, para a imposição direta sobre as altas rendas e as grandes riquezas, mas, em outro sentido, uma divergência preocupante tem se destacado, sobre qual é a prioridade da reforma e, consequentemente, por onde começar.
A divergência aparece no debate em formulações sutis como, por exemplo, “Não basta simplificar, é preciso tributar mais a renda e o patrimônio”, que acabam por conferir à reforma dos tributos indiretos as qualidades de ser imprescindível e prioritária, ainda que seja ressalvada a necessidade de atribuir maior progressividade aos tributos diretos. As distintas visões também estão presentes na discussão sobre o alcance da reforma tributária no futuro próximo: ampla, abrangendo a tributação sobre o consumo e começando por aí, ou centrada na renda e patrimônio, pelo menos no primeiro momento.
Parece haver consenso, entre os que defendem uma reforma no sentido da progressividade, sobre cada componente do sistema tributário poder ser melhorado. Os tributos sobre a renda, tanto das pessoas físicas, como das pessoas jurídicas, deveriam ser modificados para adotar a capacidade contributiva, de fato, como o critério mais relevante e para elevar sua participação na arrecadação nacional total. Da mesma forma, deveria ser reforçado o papel dos tributos patrimoniais, principalmente, por meio da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, há tempos, previsto na Constituição Federal, mas, até hoje, sem a maioria política para ser implementado.
Os tributos sobre o consumo também deveriam sofrer modificações, com vistas a reduzir seu peso na arrecadação total e racionalizar sua forma de incidência, corrigindo características como o tributo por dentro da base de cálculo e sua cobrança na origem. Os tributos com natureza extrafiscal, como o IPI, os incidentes sobre o comércio exterior, o IOF e a Cide deveriam estar alinhados a um programa de desenvolvimento nacional e de sustentabilidade ambiental. Além disso, as mudanças tecnológicas e as consequentes mudanças ocorridas no mundo do trabalho, assim como a atuação no plano global das grandes corporações, vêm colocando desafios importantes para a tributação, exigindo a busca de novas fontes para o financiamento da proteção social.
No entanto, sabe-se que qualquer reforma ampla tende a potencializar resistências políticas, muitas delas, justas, sob a ótica das lutas sociais. As propostas de reformas dos tributos indiretos, em particular, fazem emergir conflitos e disputas internas ao empresariado e entre os entes federativos, provocam desgaste junto à parcela importante dos prefeitos e governadores, além de resultar na legítima oposição dos movimentos populares que lutam pela preservação e alargamento das políticas de proteção social, como demonstraram as propostas de reforma tributárias tentadas desde meados da década de 1990. Tais propostas não apenas alteram a distribuição da carga tributária entre os diversos setores econômicos, repercussão que sempre merece um bom debate, mas, afetam sobremaneira a autonomia dos estados e municípios e agridem o financiamento da Seguridade Social previsto na Constituição Federal de 1988.
Em partes, para avançar
Ainda que seja possível projetar a configuração geral de um sistema tributário socialmente justo, funcional para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade ambiental, sua implementação efetiva terá maiores chances de êxito se os projetos forem tratados separadamente, priorizando-se, inicialmente, aqueles cuja natureza afeta os problemas centrais do sistema e, ao mesmo tempo, está em sintonia com a maior parte dos setores organizados da sociedade, os aliados do financiamento progressivo das políticas públicas.
A reforma tributária silenciosa realizada no Brasil entre 1995 e 2002 iniciou-se por mudanças estruturais no Imposto de Renda. A reforma progressiva deve se iniciar também por aí, mas seguindo o sentido inverso. Está muito evidente que a criação de mecanismos como a isenção dos lucros e dividendos distribuídos e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio, promovidas pela Lei nº 9.249/95, resultaram na desidratação substancial do IR em seus aspectos arrecadatório e distributivo. Os mais ricos pagam proporcionalmente muito menos do que os mais pobres.
Quanto à tributação corporativa, o fato de a maior parte das pessoas jurídicas não tributarem o lucro, mas sim frações da receita bruta, faz com que também o Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) acabem onerando muito mais o consumo do que o resultado obtido pela atividade econômica. Em 2019, por exemplo, somente 3,05% das pessoas jurídicas registradas no país eram tributadas pela modalidade do Lucro Real. As demais são todas tributadas pelo Lucro Presumido (16,68%) ou pelo Simples (80,26%)1. Mesmo para as pessoas jurídicas tributadas pelo regime de Lucro Real, há um enorme conjunto de possíveis ajustes que reduzem substancialmente as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL em relação ao lucro líquido da atividade – o resultado efetivo no período –, tornando a alíquota efetiva bem inferior à alíquota nominal. Estas PJ, embora submetidas a uma alíquota maior da CSLL, que, somada ao IRPJ, totalizaria uma alíquota nominal de 45%, na realidade estiveram sujeitas a uma alíquota efetiva de apenas 14,3% entre 2010 e 20192. É absolutamente falsa, portanto, a afirmação sobre as pessoas jurídicas serem excessivamente tributadas no Brasil, como os economistas liberais querem nos fazer crer.
Evidentemente, não se afasta a necessidade de aperfeiçoamento da tributação da renda das empresas, mas o caminho segue em outra direção. É importante reduzir as possibilidades de tributação de um lucro fictício, como ocorre atualmente, por meio da sistemática de lucro presumido e de outras formas de diminuição da base de cálculo do IR e da CSLL. Um bom objetivo é aproximar, o máximo possível, a base de cálculo desses tributos do lucro líquido efetivamente obtido pela atividade empresarial no período considerado.
Outro fator relevante da regressividade é a ausência injustificável da cobrança do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), previsto na Constituição de 1988 e até hoje não implementado, mesmo diante do quadro dramático que vivemos no país, de profunda desigualdade social e de uma brutal concentração de renda e riquezas.
A solução para imprimir progressividade efetiva ao IR e instituir o IGF independe de modificações constitucionais e pode ser encaminhada pela aprovação de Leis ordinárias e complementares. Sem corrigir as distorções no Imposto de Renda e sem implementar o IGF, fica muito difícil, senão, impossível, avançar no sentido da justiça fiscal e pavimentar o caminho para o desenvolvimento nacional, inclusivo, com redistribuição de renda e riqueza.
Prioridade das mudanças na esfera de competência da União
Quase 70% de toda a arrecadação tributária se refere a tributos de competência da União, os quais abrangem todas as bases de incidência (renda, patrimônio e consumo). Tanto a redução da regressividade, quanto o alinhamento do sistema tributário às políticas de desenvolvimento, de redistribuição e voltadas à sustentabilidade ambiental podem ser implementadas por meio de medidas no âmbito das competências tributárias federais. As propostas de eliminação das distorções na legislação do IR e de implementação do IGF apresentam grande capacidade de aumento da arrecadação e, em contrapartida, permitirão viabilizar a gradativa redução da carga impositiva sobre as rendas mais baixas e sobre o consumo de mercadorias e serviços, por meio da correção da tabela de incidência do IRPF e da diminuição das alíquotas da Cofins e do PIS, aliviando o peso dos tributos sobre boa parte dos assalariados e dos consumidores de baixa e média renda.
Primeiro: reafirmar os fundamentos tributários da Constituição Cidadã!
Boa parte dos problemas identificados podem ser caracterizados como desvios dos marcos do sistema tributário previsto na Constituição Federal de 1988. A isenção dos lucros e dividendos distribuídos pelas empresas e a possibilidade de dedução dos juros sobre o capital próprio são os mecanismos mais graves e evidentes da ruptura entre o Imposto de Renda e os princípios e critérios constitucionais que o deveriam guiar. A isonomia de tratamento entre os contribuintes foi violada e o princípio da capacidade contributiva, desrespeitado. Além disso, ao isentar também o lucro remetido ao exterior, a legislação infraconstitucional promoveu um benefício indevido ao destinatário dos lucros, como também aos países onde estes residem, na medida em que a quase totalidade destes tributam os lucros recebidos pelos sócios e acionistas das empresas estrangeiras. O que deixamos de cobrar aqui, os países de residência cobrarão por lá.
Segundo: impulsionar o avanço da progressividade
É preciso atuar, ainda, na redução dos tributos que incidem sobre o consumo, e que, portanto, afetam mais a renda da população pobres. A tributação das empresas deve incidir preferencialmente sobre o resultado líquido e menos sobre o faturamento ou sobre a receita bruta. Para tanto, parte das contribuições sociais pode migrar para bases de incidência direta. O PIS e a Cofins, por incidirem sobre o faturamento, podem ter suas alíquotas reduzidas, o que reduziria o peso da tributação sobre o consumo e ao mesmo tempo diminuiria os custos de produção.
A compensação da redução na arrecadação das contribuições de natureza regressiva pode ser obtida pela criação de uma Contribuição Social sobre as Altas Rendas das Pessoas Físicas (CSAR), com incidência progressiva, uma vez que incidiria apenas sobre parcelas de rendimentos excedentes a R$ 60 mil mensais. Essa medida exige uma alteração constitucional.
Terceiro: alinhar a tributação à política de desenvolvimento econômico
A progressividade na tributação em geral é, por si só, um fator favorável à atividade econômica, na medida em que os mais pobres, sendo menos tributados, teriam aumentada sua capacidade de consumo, o que amplia a demanda agregada. A elevação da tributação sobre as altas rendas e sobre as grandes riquezas amplia a capacidade do Estado para a promoção de políticas públicas, comprovadamente, um forte fator de estímulo à atividade econômica. Afinal, o gasto público se transforma imediatamente em receita privada.
Para o bom alinhamento da tributação à política econômica pretendida, no entanto, cabe acrescentar a maior utilização dos instrumentos extrafiscais da tributação. O Imposto de Exportação pode ser aplicado sobre as exportações de commodities em períodos de sobrevalorização no mercado internacional, como forma de o Estado reter parcela do resultado da atividade num Fundo de Desenvolvimento industrial voltado à criação de cadeias produtivas e ampliação das já existentes.
A orientação na alocação dos recursos privados pode ser obtida pelo uso do princípio da seletividade do IPI ou pela criação de Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Assim, é possível estabelecer uma política de sustentabilidade ambiental, utilizando esses instrumentos. A interferência do Estado na política monetária pode ser obtida pela definição das alíquotas do IOF.
Tão importante quanto a definição de um modelo de sistema tributário ideal para o país, considerando o estágio de desenvolvimento em que se encontra e ao qual se pretende chegar, é a definição da estratégia de como avançar na construção deste modelo. Assim, neste artigo, procuramos apontar uma proposta de caminho para implementação das propostas de modificações da legislação tributária com maior capacidade de alteração estrutural progressiva do sistema tributário, com baixo nível de dificuldade técnica legislativa, com enorme potencial de adesão popular e com menor volume de resistências.
Em síntese, entendemos que a reforma politicamente viável e socialmente desejável deva se iniciar pelos tributos da União, primeiramente com correções da tributação sobre a renda (IRPF, IRPJ e CSLL), incluindo a instituição do IGF, seguida por ajustes na tributação sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI e Cide) de forma a reduzir a regressividade do sistema. E somente a partir dessa nova configuração da tributação federal é que se partiria para uma reforma dos tributos dos entes subnacionais, com uma ampla discussão do pacto federativo.
Texto publicado originalmente no portal Outras Palavras.
Nas entrelinhas: Zema, Leite e Tarcísio já disputam a liderança da direita
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense*
O ex-presidente Jair Bolsonaro não morreu, mas a possibilidade de que venha a se tornar inelegível, em razão de seu envolvimento na tentativa de golpe contra a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, precipitou uma corrida entre os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB); e de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). Cada um, ao seu estilo, busca liderança das forças conservadoras do país para a formação de uma nova direita, mais moderada e comprometida com a democracia.
Essas são as peças que estão se movendo no tabuleiro, no lusco-fusco do isolamento da extrema direita, num ambiente político em que a polarização Bolsonaro versus Lula se mantém na base do “hay gobierno, soy contra”. A expressão criada pelos anarquistas espanhóis é a tradução popular de uma filosofia que vê todas as formas de autoridade governamental como desnecessárias e indesejáveis. Uma utopia irrealizável, o anarquismo defende uma sociedade baseada em cooperação voluntária e livre associação de indivíduos e grupos. No Brasil, o bolsonarismo incorporou a violência anárquica como forma de luta.
O bolsonarismo cresceu no bojo do sentimento antigovernista das manifestações de junho de 2013, contra o governo Dilma Rousseff, que desaguaram no impeachment da presidente da República e, depois, em 2018, na eleição de Jair Bolsonaro. Existe na classe média, principalmente entre profissionais liberais e empreendedores, um sentimento do tipo “hay gobierno, soy contra”, por causa dos impostos, da má qualidade dos serviços públicos e da ojeriza à política e aos políticos por causa da corrupção. De certa forma, Bolsonaro conseguiu capturar esse sentimento, somando esses setores a uma base eleitoral reacionária, até então formada por corporações que integram o “partido da ordem”, e conservadora, alicerçada nos evangélicos e na defesa da família unicelular patriarcal.
Como Jair Bolsonaro, Romeu Zema foi catapultado ao governo de Minas pelo tsunami eleitoral de 2018. Reeleito no primeiro turno, apoiou Bolsonaro no segundo turno e, agora, está assumindo o protagonismo na oposição ao governo Lula e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com ataques ao ministro da Justiça, Flávio Dino, que responsabiliza pelo vandalismo na Praça dos Três Poderes, acusando-o de omissão, e ao ministro Alexandre de Moraes, pelo afastamento do governador de Brasília, Ibaneis Rocha, que considera arbitrário e inconstitucional. Minas Gerais é um estado decisivo nas eleições presidenciais; no segundo mandato, é natural que Zema tenha pretensões de se tornar presidente da República. Saiu na frente na disputa pela liderança da oposição conservadora.
Polarização e terceira via
De certa forma, Lula aceitou a polarização com Zema. O ministro da Justiça, Flávio Dino, que é senador eleito e ex-governador do Maranhão, não rebateria o governador mineiro com a dureza que o fez sem autorização do presidente da República. “Me espanta que o governador Zema tente vestir a roupa do Bolsonaro. Não cabe nele… É preciso que ele tenha algum amigo sincero que diga a ele… Primeiro, porque Minas Gerais é a terra de Tiradentes, de Tancredo Neves, é a terra da democracia… Então, não é possível que um governador, de modo vil, se alinhe à extrema direita para proteger terrorista. Fica feio…”
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também reeleito, é outro que já está se lançando ao pleito de 2026. É uma novidade na política brasileira. Defende uma agenda econômica neoliberal, mas esse conservadorismo não se traduz em pauta dos costumes, quando nada porque Leite é gay assumido, num estado de grande tradição machista. A estratégia de Leite é a formação de um grande partido de direita moderada, a partir da ampliação da federação do PSDB com o Cidadania, somando-se ao Podemos, que acaba de incorporar o PSC, na esperança de viabilizar uma nova “terceira via”.
Supostamente, isso possibilitaria tomar a bandeira da ética de Bolsonaro, para disputar a liderança moral da sociedade. Leite tem dois problemas: somente venceu as eleições com apoio do PT, que negociou sua neutralidade; e não terá amplo respaldo dos bolsonaristas. Além disso, só há um precedente de presidente gaúcho eleito pelo voto direto, Getúlio Vargas, em 1950, mesmo assim depois de ter governado o Brasil por 15 anos como ditador. Entretanto, precisa de apoio federal para fazer um bom segundo mandato.
A maior vitória de Bolsonaro em 2022 foi a eleição do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, seu ex-ministro da Infraestrutura, quebrando a longeva hegemonia tucana. O Palácio dos Bandeirantes tradicionalmente é o ponto de decolagem de candidatos a presidente da República, por ser o estado mais rico e mais populoso, com quase um terço do eleitorado. Sua candidatura atropelou o ex-governador Rodrigo Garcia (PSDB), que contava com amplo apoio político para se reeleger e operou fortemente para remover a candidatura presidencial de seu antecessor, João Doria (PSDB), e assim não confrontar o eleitorado bolsonarista.
Tarcísio é um player das eleições de 2026, mas somente será candidato à Presidência se Bolsonaro ficar inelegível e lhe apoiar, o que não é o mais provável. De todos os pretendentes, é o que mais representa os interesses do empresariado paulista, mas isso também não garante a eleição de ninguém, haja vista o fracasso eleitoral dos ex-governadores Orestes Quércia (MDB), José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (então no PSDB) em disputas presidenciais. Tarcísio é o que tem a maior sombra de futuro: pode concorrer à reeleição e somente disputar a Presidência em 2030.
Revista online | O protagonismo indígena e o Ministério dos Povos Indígenas
Marcos Terena*, escritor indígena, especial para a revista Política Democrática online (51ª edição: janeiro/2023)
O chamado protagonismo indígena não pode ser tratado como ação de um partido político, de um governo ou de uma organização indígena apenas.
Ao longo do tempo, a grande caminhada indígena para afirmar sua soberania e dignidade começou, talvez, naquele dia em que Caramuru, o português Borba Gato, chegou com um litro de aguardente e ameaçou queimar as águas dos rios, caso não lhe fosse mostrado onde encontrar as pedras preciosas.
Não se deve desconsiderar as formas de vida, a inteligência, a economia sustentável e os mistérios espirituais indígenas e suas relações com a Mãe Terra em cada bioma.
Durante todo o processo colonizador, em que mais de mil povos ancestrais desapareceram, a aplicação da meia verdade tornou-se uma moeda corrente, inclusive para justificar a instituição do paternalismo, da dominação e da falsa ideia do enriquecimento fácil, como o arrendamento territorial.
Veja todos os artigos da edição 50 da revista Política Democrática online
No final dos anos 1970, os chefes indígenas de vários povos e regiões passaram a conhecer os caminhos do poder de Brasília e a observar como eram e ainda são invisíveis aos olhos do poder público, do Judiciário, do Legislativo e do próprio Executivo.
É preciso recordar que as questões indígenas eram tratadas como casos de segurança nacional e, recentemente, como casos de polícia.
No entanto, o protagonismo indígena nunca parou de avançar. Aquele protagonismo tribal ou comunitário da dignidade, da inteligência e da coragem que mostra os chefes Mario Juruna e Celestino Xavante sempre renasce e está vivo na nova geração a partir do conceito “posso ser o que você é, sem deixar de ser quem sou!”.
São sementes históricas marcantes das quais não se deve esquecer, especialmente pelos jovens indígenas que acessaram a universidade por sistemas de cotas articuladas e negociadas pelo mesmo protagonismo indígena.
No ano de 1992, com a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, os povos indígenas se uniram para mostrar que “caminhamos em direção ao futuro, nos rastros de nossos antepassados”. Dessa forma, o fogo sagrado do bem viver foi aceso para recordar o valor ancestral do vínculo com a Mãe Terra e os compromissos com todos.
O movimento indígena, nos últimos anos, vem criando as condições possíveis para construir uma política indigenista dentro do sistema governamental. Afinal, as regras de afirmação já estão postas na Constituição Federal ou no cenário internacional, como na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ou na Declaração da ONU sobre os direitos indígenas.
Depois, surgiram jovens indígenas que passaram a dominar a linguagem dos grandes debates internacionais após a RIO 92 e a COP 8, eventos realizados no Brasil sobre meio ambiente e diversidade biológica. Seguiram essas agendas os debates na COP 27, no Egito, e na COP 15, em Ottawa, agora sob a roupagem de mudanças climáticas e proteção à biodiversidade e conhecimentos indígenas.
A realidade brasileira indígena, devido a essa gama de articulações, de certa forma, encurralou o sistema governamental ao mostrar essas credenciais, como ocorreu no encontro com o presidente Lula e a primeira dama Janja, no Egito, apresentando a fatura por programas e compromissos factíveis com a realidade dos mais de 300 povos e 240 línguas, por exemplo. Além do Ministério dos Povos Indígenas, também houve proposta para criação de uma Universidade Intercultural e até de um centro de pesquisa e proteção à saúde indígena, com a novidade de ser coordenada pelo próprio protagonismo indígena.
O Ministério dos Povos Indígenas chegou, e Lula, em ação inédita, assinou o ato que o torna parte da história, ao nomear a primeira ministra indígena, a deputada Sonia Guajajara, eleita por São Paulo.
Veja, abaixo, galeria:
Mesmo com a assinatura desse ato, não podemos pensar que isso signifique a solução de todos os problemas dos mais de 500 anos de invasão e as demandas da modernidade, mas, sim, a responsabilidade do presidente do Brasil no cenário nacional e internacional de contribuir com a pavimentação desse caminho que não é indígena. Isto porque os inimigos dos indígenas existem e se organizam sob o manto da democracia parlamentar.
Mais uma vez, os povos indígenas, com direito a quase 15% do território nacional onde está a resposta para o bem viver mundial, contribuem novamente para o resgate da afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da credibilidade internacional. O país é megadiverso.
O protagonismo indígena independente do governo. Deve estar organizado para o bom combate, como a demarcação territorial e a gestão das terras indígenas, e ter como estímulo a mensagem do chefe Sepeti Arajú: “Esta terra tem dono!”
Sobre o autor
*Marcos Terena é escritor indígena, fundador do primeiro movimento indígena, da tradição Xumono e articulador dos direitos indígenas.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Confira charge de JCaesar sobre prisão
Sobre o autor
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2023 (51ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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