Day: novembro 23, 2022
PL atende Bolsonaro e tenta reverter resultado eleitoral
Made for minds*
O PL, partido de Jair Bolsonaro, protocolou nesta terça-feira (22/11) uma petição no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que pede a anulação dos votos registrados em 279 mil urnas usadas no segundo turno da eleição, no qual o presidente foi derrotado por Luiz Inácio Lula da Silva.
A iniciativa é a mais recente tentativa de Bolsonaro para lançar dúvidas sobre o sistema de votação e buscar, de alguma forma, questionar o resultado do pleito, no qual ele se tornou o primeiro presidente brasileiro a perder uma disputa à reeleição.
A ação argumenta que essas 279 mil urnas fabricadas antes de 2020 têm um mesmo número de série registrado no log, um arquivo gerados por cada equipamento, e apresentavam "desconformidades irreparáveis de mau funcionamento", o que impediria a sua correta fiscalização, uma alegação rejeitada pelo TSE e por especialistas.
Marcos Simplício, professor de Engenharia da Computação da Escola Politécnica da USP e vice-coordenador do convênio USP-TSE que analisa a segurança do sistema de votação, afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que, além do número de série, há pelo menos outros três conjuntos de dados identificadores de uma urna: o código de identificação, os dados de zona, local, município e seção, e o código de identificação de carga da urna.
"É como se você tivesse três documentos: o RG, o CPF e um registro no INSS, mas você não tivesse esse INSS em mãos. Isso não compromete a sua identificação porque eu consigo dizer quem você é a partir do seu RG e do seu CPF", disse ele ao jornal.
As urnas questionadas pelo PL representam 59% dos equipamentos usados nestas eleições. Se os votos depositados nelas no segundo turno fossem anulados, Bolsonaro ficaria com 51,05% dos votos válidos, segundo o pedido, e seria reeleito.
A ação não pede que os votos registrados no primeiro turno nas mesmas urnas sejam anulados. Os equipamentos questionados pelo PL também já foram usados em pleitos anteriores.
O PL cita em seu pedido uma auditoria feita pelo Instituto Voto Legal (IVL), contratado pelo partido, que aponta que as urnas fabricadas antes de 2020 apontam um número idêntico nos arquivos gerados por elas com o registro dos votos.
O Ministério da Defesa, instrumentalizado por Bolsonaro ao longo do ano para também lançar dúvidas sobre as urnas eletrônicas, entregou no início de novembro seu relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral e não indicou nenhum indício de fraude.
O TSE e observadores eleitorais internacionais reconheceram a lisura do processo eleitoral, e o governo Bolsonaro já deu início à transição para a equipe do presidente eleito Lula.
Apoiadores radicais de Bolsonaro, no entanto, seguem mobilizados em frente a quartéis militares e em algumas rodovias na esperança de reverter o resultado das eleições.
Nesta semana, também veio à tona um áudio do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes, no qual ele relata a conhecidos do agronegócio que "está acontecendo um movimento muito forte nas casernas" brasileiras, com "desenlace" que seria, segundo ele, imprevisível.
Moraes questiona PL sobre votos no 1º turno
Após o recebimento da petição, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou que as urnas eletrônicas mencionadas foram usadas no primeiro turno das eleições, e deu 24 horas para que o PL inclua também o pedido para que a anulação atinja ambos os turnos da eleição, sob pena de indeferimento da ação.
Ao fazer isso, Moraes coloca o PL em uma saia justa, pois foi o partido que elegeu neste ano a maior bancada de deputados federais da próxima legislatura da Câmara, além de oito senadores.
Segundo apuração do jornal O Globo, o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, relatou ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que confia nas urnas eletrônicas, mas vinha sofrendo pressão do presidente e do setor bolsonarista da sigla a encaminhar a representação ao TSE.
Texto publicado originalmente em Made for minds.
Revista online | Sobre saúvas e saúde
Mauricio Vianna*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
No romance Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de 1928, Mario de Andrade enuncia uma das frases mais conhecidas do livro: “Pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”.
Passado quase um século, as saúvas continuam a assolar os campos nacionais, agora controladas por pesticidas que envenenam nossa comida, rios e agricultores, assim como na administração pública.
Se no presente possuímos um poderoso arsenal de recursos terapêuticos, preventivos e gerenciais, além de um volume de conhecimento científico incomparavelmente maior que no início do século passado, ainda vale a máxima da pouca saúde e das muitas saúvas.
Na metáfora de Andrade, nossa saúva contemporânea são os negacionistas, propagandistas e prescritores de drogas e tecnologias milagrosas sem evidência científica e os arautos do regressivo movimento antivacina, que transbordaram do tecido social e inundaram a administração da saúde pública, nunca tão politizada quanto atualmente.
Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online
Há que se fazer a distinção entre políticas de saúde e política na saúde. Sobrou política na saúde ao lado da total ausência de política de saúde.
Vivemos, no último quadriênio, um “terraplanismo” no campo da saúde pública, mesmo após 500 anos da revolução científica e 250 anos de fabuloso acúmulo de conhecimento médico. Agora testemunhamos perplexos uma volta ao passado.
Se o setor aeroespacial segue observando as premissas científicas dos últimos 500 anos, o mesmo não ocorreu com a administração da saúde recentemente.
Os terraplanistas são hoje, no máximo, um grupo de excêntricos análogos aos ufólogos, sem, contudo, comandar o setor aeroespacial, pois, do contrário, nenhum avião decolaria, e nossos satélites de comunicação e meteorológicos já não estariam em órbita. Já na saúde, seus equivalentes produziram por ação/inação a morte evitável de centenas de milhares de brasileiros e seguem tragicamente atuando.
Veja, abaixo, galeria de imagens de profissionais atuando contra a covid-19:
Agora, diante da ameaça da nova variante da Ômicron BQ.1, que já causou sérios problemas nos EUA, Ásia e Europa, o comando da saúde no Brasil parece estar indiferente e “naturalizando” o incontável número de casos, cujo fator de replicação já se encontra superior a 1. Significa que cada infectado é capaz de contaminar mais de uma pessoa, o que torna esta nova onda uma ameaça real, pela possibilidade de dano individual decorrente da chance de covid longa e pelo impacto que irá causar sobre o já precário e desorganizado sistema de saúde nos próximos meses.
Existem estudos demonstrando que, em face do “escape vacinal” da subvariante BQ.1, cada nova reinfecção duplica o risco de morte e triplica o de hospitalização, principalmente, pela incidência de efeitos adversos que aumentam com as sucessivas infecções.
As autoridades de saúde assistem indiferentes à escalada da nova onda após desmontar o exitoso e internacionalmente reconhecido Programa Nacional de Imunização (PNI), protelar o pedido de vacinas bivalentes que conferem proteção contra a subvariante e desmobilizar o comitê de especialistas. As conquistas civilizatórias da nossa reforma sanitária foram sistematicamente atacadas em uma “operação de guerra” a ponto de estarmos sob a ameaça do retorno de doenças preveníveis por vacina há muito controladas e/ou erradicadas no país.
Hoje instituições como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Butantan, qualificadas para fabricação das vacinas de segunda geração, eficazes no combate a BQ.1, ainda não receberam o apoio necessário para início da produção, tampouco foram solicitadas as vacinas já previstas nos contratos de aquisição, como o da Pfizer.
Injustificavelmente, apenas bebês com comorbidades com idade a partir de 6 meses até crianças de 2 anos estão qualificadas para receber vacinas, e crianças de 3 a 4 anos estão descobertas, pois a CoronaVac não tem sido entregue. Os maiores de 60 anos, cuja proteção do último reforço já não é adequada, estão excluídos do radar das autoridades.
Imperturbáveis, nossas saúvas assistem à escalada dos casos da Ômicron BQ.1. Com o país registrando uma média móvel de 80 óbitos diários por covid e uma variação positiva de mais de 76%, em tendência de alta, e cerca de 20.907 casos diários, em média, com incremento de 132% em relação a duas semanas anteriores, as autoridades seguem sem implementar sequer campanhas de informação sobre a retomada do uso de máscaras, cuidados de higiene e prudência nas interações sociais.
Diante da falta de orientação e ações dos responsáveis pela saúde pública, o país mergulha em um cenário de profunda incerteza em relação às próximas semanas e meses, quando deveríamos estar com o programa de vacinação para o ano que vem já estabelecido.
Fomos dolorosamente atingidos pela pandemia nos últimos três anos e, sem que nossas feridas estejam cicatrizadas, enfrentaremos um “rebote” epidêmico para o qual não há justificativa para não estarmos preparados. Há muito o que se fazer no próximo ano sobre os escombros da destruição que as saúvas empreenderam em nosso sistema de saúde pública.
Os brasileiros hoje experimentam o sentimento que Fernando Pessoa descreveu no Livro do Desassossego: “Minha vida é como se me batessem com ela.”
Sobre autor
*Mauricio Vianna é médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em psiquiatria pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Também é formado em administração e finanças públicas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e em políticas públicas e governo pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) da Universidade Cândido Mendes (UCAM). Possui, ainda, MBA pelo Coppead, Instituto de Pós-Graduação em Administração da UFRJ e mestrado em História das Ciências e Epistemologia, pela mesma instituição de ensino.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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A guerra após nove meses, segundo Chomsky
Outras Palavras*
Noam Chomsky em entrevista a C.J. Polychroniou, no Other News | Tradução: Maurício Ayer
A guerra da Rússia na Ucrânia se prolongou por quase nove meses, e agora escala a níveis altamente letais. Putin tem como alvo a infraestrutura de energia da Ucrânia e pôs em pauta repetidamente o fantasma das armas nucleares. Os ucranianos, por outro lado, continuam acreditando que podem derrotar os russos no campo de batalha e até retomar a Crimeia. De fato, a guerra na Ucrânia não tem fim à vista. Como Noam Chomsky aponta nesta entrevista, a escalada do conflito colocou as alternativas diplomáticas ainda mais em segundo plano.
Chomsky é professor emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT e professor laureado de linguística e catedrático Agnese Nelms Haury no Programa de Meio Ambiente e Justiça Social da Universidade do Arizona. Um dos estudiosos mais citados do mundo e um intelectual público considerado por milhões de pessoas como um patrimônio nacional e internacional, Chomsky publicou mais de 150 livros em linguística, pensamento político e social, economia política, estudos de mídia, política externa dos EUA. Seus livros mais recentes são The Secrets of Words (com Andrea Moro; MIT Press, 2022); A retirada: Iraque, Líbia, Afeganistão e a fragilidade do poder dos EUA (com Vijay Prashad; The New Press, 2022); e The Precipice: Neoliberalism, the Pandemic and the Urgent Need for Social Change (com C.J. Polychroniou; Haymarket Books, 2021).
C.J. Polychroniou – Noam, a guerra na Ucrânia se aproxima da marca do nono mês e, em vez de um arrefecimento, caminha para uma “escalada sem controle”. Na verdade, está se tornando uma guerra sem fim, já que a Rússia tem alvejado a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificado seus ataques na região leste do país, enquanto os ucranianos continuam pedindo mais e mais armas do Ocidente, acreditando que têm a capacidade de derrotar a Rússia no campo de batalha. Como as coisas estão na conjuntura atual, a diplomacia pode acabar com a guerra? De fato, como é possível desescalar uma guerra quando o nível de intensidade é tão alto e os lados em confronto parecem incapazes de chegar a uma decisão sobre as questões sobre as quais eles têm conflito? Por exemplo, a Rússia nunca aceitará reverter as fronteiras para a posição que estavam antes de 24 de fevereiro, quando a invasão foi lançada.
Noam Chomsky – Tragédia anunciada. Vamos fazer uma breve retrospectiva do que discutimos ao longo de meses.
Antes da invasão de Putin, havia alternativas baseadas geralmente nos acordos de Minsk, que poderiam ter evitado o crime. Há um debate não resolvido sobre se a Ucrânia aceitou esses acordos. Pelo menos verbalmente, a Rússia parece ter feito isso até pouco antes da invasão. Os EUA os rejeitaram em favor da integração da Ucrânia ao comando militar da OTAN (ou seja, dos EUA), recusando-se também a levar em consideração quaisquer preocupações de segurança russas, conforme já foi admitido. Esses movimentos foram acelerados sob Biden. Poderia a diplomacia ter conseguido evitar a tragédia? Só havia uma maneira de descobrir: tentar. Essa possibilidade foi ignorada.
Putin rejeitou os esforços do presidente francês Macron, até quase o último minuto, de oferecer uma alternativa viável à agressão. Rejeitou-os no final com desprezo – um tiro no pé de si próprio e da Rússia, pois colocou a Europa no bolso de Washington, o que era seu maior sonho. Ao crime de agressão somava-se o crime de tolice, do seu ponto de vista.
As negociações Ucrânia-Rússia ocorreram sob os auspícios da Turquia em março-abril. Falharam. Os EUA e o Reino Unido se opuseram. Devido à falta de investigação, o que é parte do menosprezo geral da diplomacia nos círculos tradicionais, não sabemos até que ponto essa oposição foi um fator para o colapso das negociações.
Washington inicialmente esperava que a Rússia conquistasse a Ucrânia em poucos dias e estava preparando um governo no exílio. Analistas militares ficaram surpresos com a incompetência militar russa, a notável resistência ucraniana e o fato de a Rússia não ter seguido o esperado modelo de guerra dos EUA e Reino Unido (também o modelo seguido por Israel na indefesa Faixa de Gaza): atacar direto na jugular, usando armas convencionais para destruir comunicações, transporte, energia, o que quer que mantenha a sociedade funcionando.
Com a escalada do conflito, as opções de diplomacia diminuíram. No mínimo, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia, barrando assim o caminho para a diplomacia.
Os EUA então tomaram uma decisão fatídica: continuar a guerra para enfraquecer severamente a Rússia, evitando assim as negociações e fazendo uma aposta medonha: que o destino de Putin seria fazer as malas e escapar da derrota para o esquecimento, se não pior, e que não usaria as armas convencionais que, como todos sabem, ele tinha com capacidade para destruir a Ucrânia.
Se os ucranianos querem arriscar a aposta, isso é problema deles. O papel dos EUA é problema nosso.
Agora Putin avançou para a escalada que fora prevista, “visando a infraestrutura de energia da Ucrânia nas últimas semanas e intensificando seus ataques na região leste do país”. A escalada de Putin igualando-se ao modelo celebrizado pelos EUA-Reino Unido-Israel foi condenada com razão por sua brutalidade – condenada justamente por aqueles que aceitam os “originais” com pouca ou nenhuma objeção, e cuja aposta medonha deu as bases para essa escalada, tal como foi amplamente advertido. Não haverá responsabilização, embora algumas lições possam ter sido aprendidas.
Enquanto os apelos liberais, mesmo muito moderados, para que se considerasse uma saída diplomática dando apoio total à Ucrânia foram imediatamente submetidos a uma torrente de difamação, e muitas vezes apagados com medo, as vozes do mainstream que clamam por diplomacia foram poupadas desse tratamento, incluindo vozes da principal revista do establishment, a Foreign Affairs. Pode ser que as preocupações a respeito de uma guerra destrutiva, com consequências potencialmente cada vez mais sinistras, estejam chegando aos “falcões” neocons que parecem estar conduzindo a política externa de Biden. É o que parecem indicar algumas de suas declarações recentes.
Muito possivelmente eles também estão ouvindo outras vozes. Enquanto as corporações de energia e militares dos EUA estão rindo à toa, olhando as contas no banco, a Europa está sendo duramente castigada pelo corte de suprimentos russos e pelas sanções iniciadas pelos EUA. Isso é particularmente verdadeiro para o complexo industrial alemão que é a base da economia europeia. Permanece uma questão em aberto se os líderes europeus estarão dispostos a monitorar o declínio econômico da Europa e o aumento da subordinação aos EUA, e se suas populações vão tolerar tais consequências da adesão às demandas dos EUA.
O golpe mais dramático para a economia europeia é a perda do gás russo barato, agora parcialmente substituído por suprimentos americanos muito mais caros (aumentando também a poluição em trânsito e na distribuição). Isso, porém, não é tudo. Os suprimentos russos de minerais desempenham um papel essencial na economia industrial da Europa, incluindo os esforços para mudar para energia renovável.
O futuro do abastecimento de gás para a Europa foi prejudicado severamente – talvez permanentemente – com a sabotagem dos gasodutos Nord Stream que ligam a Rússia e a Alemanha através do Mar Báltico. Este é um grande golpe para os dois países. Foi recebido com entusiasmo pelos Estados Unidos, que vinham tentando há anos barrar esse projeto. O secretário de Estado [Antony] Blinken descreveu a destruição dos oleodutos como “uma tremenda oportunidade para remover de uma vez por todas a dependência da energia russa e, assim, tirar das mãos de Vladimir Putin a belicização da energia como meio de avançar em seus desígnios imperiais.”
Os fortes esforços dos EUA para bloquear o Nord Stream precederam em muito a crise na Ucrânia e as atuais narrativas febris sobre os desígnios imperiais de longo prazo de Putin. Eles remontam aos dias em que Bush II olhava nos olhos de Putin e percebia que sua alma era boa.
O presidente Biden informou à Alemanha que se a Rússia invadisse a Ucrânia, “então não haverá mais Nord Stream 2. Vamos colocar um fim nisso”.
Essa sabotagem, um dos eventos mais importantes dos últimos meses, foi rapidamente despachada para a obscuridade. Alemanha, Dinamarca e Suécia conduziram investigações sobre a sabotagem em suas águas próximas, mas mantêm silêncio sobre os resultados. Há um país que certamente tinha capacidade e motivo para destruir os oleodutos. Isso não pode ser mencionado na sociedade polida. Então vamos deixar por isso mesmo.
Ainda há uma oportunidade para o tipo de esforço diplomático que as vozes do establishment estão pedindo? Não podemos ter certeza. Com a escalada do conflito, as opções diplomáticas diminuíram. No mínimo, como mencionado, os EUA poderiam retirar sua insistência em sustentar a guerra para enfraquecer a Rússia. Uma posição mais forte é a das citadas vozes do establishment: pedem que opções diplomáticas sejam exploradas antes que os horrores se tornem ainda piores, não apenas para a Ucrânia, mas muito além.
As autoridades ucranianas afirmam que têm uma estratégia para retomar a Crimeia porque foi anexada ilegalmente por Moscou em 2014. Anúncios semelhantes foram feitos antes mesmo da invasão da Ucrânia pela Rússia. Embora nenhum estrategista militar acredite que a Ucrânia esteja em posição de retomar a Crimeia, isso não seria mais uma evidência de que não há um fim à vista para a guerra Rússia-Ucrânia? Não é esta outra razão pela qual as armas ATACMS de longo alcance que a Ucrânia diz precisar não devem ser entregues a eles?
A administração Biden e o Pentágono tiveram o cuidado de limitar o fluxo maciço de armas àqueles tipos que provavelmente não conduziriam a uma guerra OTAN-Rússia, que seria efetivamente terminal para todos. Se esses assuntos delicados podem ser mantidos sob controle, ninguém pode ter certeza. Mais uma razão para tentar acabar com os horrores o mais rápido possível.
A China alertou a Rússia contra ameaças de usar armas nucleares na guerra contra a Ucrânia. Seria esse um sinal de que Pequim pode estar pensando em se distanciar das aventuras militares de Putin na Ucrânia? Em ambos os casos, indica que há limites para a amizade entre China e Rússia, não é?
Há poucas evidências, que eu saiba, de que a China esteja se distanciando da Rússia. Ao contrário, parece que suas relações estão se estreitando em oposição comum ao entrincheiramento de um mundo unipolar dirigido pelos Estados Unidos, sentimentos compartilhados na maior parte do mundo. A China certamente se opõe ao uso de armas nucleares, assim como qualquer um que ainda tenha um pingo de sanidade. E como quase todo o mundo, quer uma solução rápida para o conflito.
Deveria ser uma grande preocupação o fato de que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada.
As conversas sobre armas nucleares têm ocorrido principalmente no Ocidente. A Rússia reiterou a posição universal dos Estados nucleares: que eles podem recorrer a armas nucleares em caso de ameaça à sobrevivência. Essa posição tornou-se mais perigosa quando Putin anexou partes da Ucrânia, estendendo a doutrina universal a um território mais amplo.
Não é bem verdade que a doutrina é universal. Os EUA têm uma posição muito mais extrema, enquadrada antes da invasão da Ucrânia, mas anunciada apenas recentemente: uma nova estratégia nuclear que a Associação de Controle de Armas descreveu como “uma expansão significativa da missão original dessas armas, ou seja, dissuadir ameaças existenciais contra os Estados Unidos.”
A expansão significativa é explicada pelo almirante Charles Richard, chefe do Comando Estratégico dos EUA (STRATCOM). Sob a recém-anunciada Revisão da Postura Nuclear, as armas nucleares fornecem o “espaço de manobra” necessário para os Estados Unidos “projetar estrategicamente o poder militar convencional”. A dissuasão nuclear é, portanto, uma cobertura para operações militares convencionais em todo o mundo, impedindo outros de interferir nas operações militares convencionais dos EUA. As armas nucleares, portanto, “impedem todos os países, o tempo todo” de interferir nas ações dos EUA, continuou o almirante Richard.
Stephen Young, representante sênior de Washington na Union of Concerned Scientists (União de Cientistas Preocupados), descreveu a nova Revisão da Postura Nuclear como “um documento aterrorizante [que] não apenas mantém o mundo em um caminho de risco nuclear crescente, mas aumenta esse risco”, já intoleravelmente alto, “de muitas maneiras”.
Uma avaliação justa
A imprensa mal noticiou a Revisão da Postura Nuclear, descrevendo-a como não sendo uma grande mudança. Por acaso eles estão certos, mas por razões que evidentemente eles desconhecem. Como o comandante do STRATCOM, Richard, sem dúvida, poderia informá-los, essa tem sido a política dos EUA desde 1995, quando foi elaborada em um documento do STRATCOM intitulado “Fundamentos da Dissuasão Pós-Guerra Fria”. Sob Clinton, as armas nucleares devem estar constantemente disponíveis porque “lançam uma sombra” sobre o uso convencional da força, impedindo outros de interferir. Como disse Daniel Ellsberg, as armas nucleares são usadas constantemente, assim como uma arma é usada em um assalto, mesmo que não seja disparada.
O documento do STRATCOM de 1995 pede ainda que os EUA projetem uma “persona nacional” de “irracionalidade e vingança”, com alguns elementos “fora de controle”. Isso vai assustar aqueles que podem ter pensar em interferir. É a “doutrina do louco”, que foi atribuída a Nixon com base em poucas evidências, mas que agora aparece em um documento oficial.
Tudo isso está dentro da estrutura da doutrina abrangente de Clinton de que os EUA devem estar prontos para recorrer à força multilateralmente se pudermos, unilateralmente se precisarmos, para garantir “acesso livre a mercados-chave, suprimentos de energia e recursos estratégicos”.
É verdade, então, que a nova doutrina não é muito nova, embora os americanos desconheçam os fatos – não por causa da censura. Os documentos são públicos há décadas e citados na literatura crítica, que é mantida à margem.
Deveria ser uma grande preocupação que a conversa sobre a guerra nuclear esteja sendo cogitada casualmente como uma possibilidade a ser considerada. Não é. Definitivamente não é.
*Texto publicado originalmente no site Outras Palavras
O que se sabe de atirador que matou 7 pessoas em supermercado nos EUA
BBC News Brasil*
Um tiroteio matou sete pessoas — incluindo o próprio atirador — na noite de terça-feira (22/11) em um supermercado da rede Walmart em Chesapeake, no Estado americano da Virgínia, informou a polícia.
Acredita-se que o próprio gerente da loja abriu fogo, depois apontou a arma para si mesmo e se matou.
A conta oficial da cidade de Chesapeake escreveu no Twitter que "a polícia confirma um incidente com atirador com mortes no Walmart".
Ainda não se sabe o motivo do ataque, que aconteceu às 22h12 de terça-feira do horário local (0h12 no horário de Brasília).
O porta-voz do departamento de polícia de Chesapeake, Leo Kosinski, disse que o tiroteio teria acontecido dentro da loja e que o suspeito agiu sozinho.
A rede Walmart afirmou estar "chocada com este trágico evento" e que está "trabalhando em estreita colaboração com as autoridades".
A expectativa é de que a polícia Chesapeake divulgue mais informações sobre o avanço das investigações na manhã desta quarta-feira.
Fotos postadas nas redes sociais mostram uma forte presença policial no local. Um vídeo publicado na internet mostra uma pessoa que seria testemunha do incidente — vestindo uniforme do Walmart — descrevendo o que aconteceu.
O homem conta que havia saído da sala dos funcionários da loja, na qual um gerente entrou e abriu fogo.
"Infelizmente, perdemos alguns de nossos colaboradores", ele acrescentou, esclarecendo que não sabia quantos de seus colegas haviam sido baleados.
Um porta-voz do Sentara Norfolk General Hospital foi citado pela rede de televisão local WAVY-TV dizendo que cinco vítimas do ataque estavam sendo atendidas lá.
Uma mulher contou à WAVY-TV que seu irmão, um funcionário de 20 anos do supermercado, foi baleado apenas 10 minutos depois de chegar para trabalhar.
Ela disse que o irmão tinha conseguido falar com parentes e enviar mensagens de texto — o que, segundo ela, era "reconfortante".
Outra mulher, chamada Joetta Jeffery, contou à rede americana CNN que sua mãe estava dentro do prédio quando o ataque aconteceu e tinha conseguido enviar mensagens de texto.
Jeffrey afirmou que a mãe não estava ferida, mas estava em estado de choque.
Mark Warner, senador democrata pela Virgínia, tuitou que estava "mal com as notícias de mais um massacre".
A senadora do Estado L. Louise Lucas, também democrata, acrescentou que estava "completamente desolada".
"Não vou descansar até encontrarmos as soluções para acabar com essa epidemia de violência armada em nosso país", escreveu no Twitter.
O ataque da noite de terça-feira aconteceu apenas alguns dias depois que um homem armado abriu fogo em uma boate LGBT no Estado do Colorado, matando cinco pessoas e ferindo outras 17.
Em 2019, um ataque a tiros em uma loja da rede Walmart na cidade de El Paso, no Texas, deixou 23 mortos.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Favelas em bairros caros sofrem até 3 vezes mais com incêndios, mostra estudo em São Paulo
Thais Carrança*, BCC News Brasil
"A gente estava dormindo, com as crianças. Começamos a acordar no meio do fogo e foi aquele desespero. Eu tirando minha filha que tem sete meses, é uma bebezinha. Nós começamos a gritar, não deu tempo de tirar nossas coisas. Perdi o botijão de gás, roupa da minha filha, fralda."
O relato é de Vitoria, então moradora da Favela do Cimento, localizada na Mooca, zona leste de São Paulo. Foi colhido pelo portal Brasil de Fato em março de 2019.
"Foram lá, aproveitaram que estávamos dormindo e tocaram fogo no barraco da gente."
Em dezembro daquele mesmo ano, outra reportagem, do jornal Agora, relatava o destino do terreno: "Praças com jardins, canteiros e um pequeno parquinho ocupam o lugar que antes era a favela do Cimento, na Mooca (zona leste), que pegou fogo em março, um dia antes da reintegração de posse, e onde moravam ao menos 50 famílias."
O caso da Favela do Cimento não é isolado. Frequentemente, após incêndios em favelas nos grandes centros urbanos brasileiros, moradores levantam suspeitas de que o fogo teria sido provocado de forma criminosa, para forçar a remoção das famílias pobres do local.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada na Câmara dos Vereadores de São Paulo em 2012 chegou a investigar o tema, mas foi encerrada sem consenso, apontando em seu relatório final fatores como "baixa umidade, falta de chuva, sobrecarga de energia em instalações precárias, uso de botijões de gás e de madeira nas construções" como causadores dos incêndios recorrentes.
Diante desse cenário, o economista Rafael Pucci decidiu investigar em seu doutorado no Insper se há fundamentos econômicos para a hipótese de que parte dos incêndios em favelas pode estar relacionada à pressão da especulação imobiliária em áreas valorizadas.
Usando mapas detalhados das favelas da Prefeitura de São Paulo, dados de incêndios do Corpo de Bombeiros e estimando o valor da terra a partir da base de cálculo do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) do município, o economista encontra que os incêndios são até três vezes mais frequentes em favelas localizadas em bairros com propriedades de maior valor.
Ainda segundo o estudo, os incêndios afetam mais favelas em terrenos privados do que em áreas públicas. E os incêndios em áreas valorizadas tendem a ser muito mais destrutivos do que nas demais regiões.
Mesmo controlando para fatores estruturais, como densidade populacional, acesso a eletrodomésticos e condições de infraestrutura — que poderiam justificar uma maior incidência de incêndios acidentais —, os resultados se mostram consistentes, destaca o pesquisador.
"A importância do estudo é apontar para o fato de que esses incêndios estão atingindo muito mais algumas favelas do que outras. E que isso pode ter uma relação com direitos de propriedade e com disputa pela terra", afirma Pucci, em entrevista à BBC News Brasil.
"Dado que isso gera tantos problemas para quem vive nessas favelas, o poder público precisa tomar uma iniciativa e ser mais ativo em tentar entender o que está acontecendo de verdade, e propor soluções que busquem evitar que isso aconteça mais vezes."
Procurada, a Prefeitura de São Paulo não comentou os resultados do estudo, mas destacou suas políticas para habitação e atendimento a famílias que vivem em áreas de risco. Segundo a prefeitura, existem atualmente 1.744 favelas mapeadas na capital paulista e são estimados 399 mil domicílios nesses locais.
A BBC News Brasil também procurou Ricardo Teixeira, vereador licenciado e atualmente secretário Municipal de Mobilidade e Trânsito de São Paulo, que presidiu a CPI dos Incêndios em Favelas na Câmara Municipal em 2012.
"De acordo com os depoimentos ouvidos pelos vereadores, na época em 2012, inúmeros fatores foram responsáveis pelos incêndios em favelas. Podemos destacar os problemas climáticos e elétricos como os principais. Em relação a incêndios criminosos por conta de uma possível especulação imobiliária, não tivemos nenhuma comprovação de que isso possa ter acontecido", disse Teixeira, em nota.
"Em 2012, pelo pouco tempo transcorrido, os vereadores membros da CPI não tiveram tempo de aprofundar o relatório e eu deixei claro ao final dos trabalhos que na legislatura seguinte fosse aprofundado o assunto, como fez o estudo do Insper", completou o vereador licenciado.
Favela Praia do Pinto, 1969
As suspeitas de motivação econômica para os incêndios em favela no Brasil são tão antigas quanto os próprios incêndios.
Segundo Pucci, o primeiro incêndio em favela de que se tem registro no país aconteceu em 1969, na favela Praia do Pinto, localizada no bairro nobre do Leblon, no Rio de Janeiro.
"Seu despejo foi incluído num grande programa federal que removeu cerca de 175 mil pessoas de 62 favelas da cidade à época. O governo pretendia destinar a área para novas avenidas e habitações de classe média e alta, mas o processo de despejo começou de forma vagarosa em março de 1969, enfrentando resistência dos moradores das favelas", lembra Pucci, no estudo.
"Em maio, milhares de pessoas ainda aguardavam ser realocadas para projetos habitacionais recém-construídos em outras regiões do Rio de Janeiro, quando um incêndio irrompeu durante a noite, destruindo 1 mil moradias e deixando 5 mil pessoas na rua."
A resposta do governo foi acelerar os despejos e a realocação dos favelados. Os moradores alegavam à época que o incêndio havia sido intencional, servindo convenientemente ao propósito da operação de despejo, relata o pesquisador.
Jornais da época, no entanto, relatam que o fogo teria começado a partir de fagulhas provenientes da queima de tábuas atrás do campo do Flamengo, clube vizinho ao local da favela.
Mais de meio século depois desse caso emblemático, os incêndios em favelas continuam sendo frequentes. Conforme o estudo do Insper, cerca de 800 incêndios destruíram mais de 5 mil moradias em favelas entre 2010 e 2017 na cidade de São Paulo.
Além de tirar a vida de moradores de favela e deixá-los sem suas casas e posses, esses incêndios geram custos ao poder público com moradia temporária e ajuda financeira às famílias atingidas, observa o economista.
Ao desalojar pessoas vulneráveis, sem alternativa de lugar para ir, os incêndios também acabam resultando no surgimento de novas favelas, ainda mais precárias.
Conflito pela terra nas cidades
Rafael Pucci conta que iniciou sua pesquisa em 2016, ano em que, somente até julho, a cidade de São Paulo contabilizou 100 incêndios em favelas. Quatro anos antes, em 2012, uma CPI na Câmara dos Vereadores, com objetivo de apurar as causas e responsabilidades pela recorrência dos incêndios em favelas, também havia colocado o tema em evidência.
"Por conta desse contexto, havia essa hipótese de que os incêndios poderiam ser criminosos, para remover as favelas. Uma parte do meu trabalho então foi tentar entender, do ponto de vista teórico, se isso fazia sentido", diz o economista.
Pucci explica porque relaciona a questão dos incêndios em favela com os conflitos pela terra no campo.
"No campo, vemos conflitos violentos que ocorrem por conta de disputa da terra e isso está relacionado com problemas de direito de propriedade — a terra nem sempre tem um dono muito claro, ou às vezes tem, mas tem a questão do usucapião. Então existe isso no campo e, nas cidades, em princípio, a questão das favelas tem os mesmos elementos", afirma.
Segundo dados do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo, cerca de 30% dos 198 incêndios em favelas registrados em São Paulo entre 2001 e 2003 teriam origem em ação humana intencional, conforme estudo de 2010 da pesquisadora Ana Paula Bruno (FEA-USP), citado pelo pesquisador do Insper.
No entanto, dados do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) levantados pelo economista sugerem que menos de 7% dos casos de incêndios ocorridos em favelas entre 2011 e 2017 chegaram a julgamento.
"Há uma dificuldade de achar a causa dos incêndios porque, quando as favelas pegam fogo, o fogo costuma se alastrar muito rápido", diz Pucci, lembrando que as favelas são compostas de muitos materiais combustíveis, por serem muitas vezes construídas com madeira.
"Esses incêndios costumam tomar grandes proporções, o que torna mais difícil entender exatamente onde começou. Por consequência, isso dificulta o trabalho de perícia e de identificar potenciais culpados", afirma o pesquisador, para quem esses são alguns dos fatores por trás do baixo número de casos levados a julgamento.
Como o estudo foi feito
Em seu estudo, Pucci opta por analisar especificamente os incêndios na cidade de São Paulo.
Isso por uma questão de disponibilidade de dados e pelo padrão de distribuição das favelas no município, heterogêneo entre vizinhanças com valor da terra distintos e diferentes níveis de gentrificação — expressão usada para o processo de transformação urbana que "expulsa" moradores de baixa renda das vizinhanças, para transformá-las em áreas mais valorizadas.
Com base em dados da prefeitura, o economista mapeia 1.727 favelas de São Paulo, observadas entre 2006 e 2018.
O pesquisador cruza esses dados com informações de todos os incêndios registrados em São Paulo pelo Corpo de Bombeiros do Estado entre 2011 e 2016, e com reportagens publicadas na imprensa sobre incêndios em favelas na capital paulista.
Assim, Pucci consegue mapear os incêndios ocorridos em favelas (551 no total neste período) e também aqueles registrados em outros locais (1.231), que servem como grupo de controle.
Por fim, o pesquisador combina esses dados com o valor da terra, calculado a partir dos valores estimados das propriedades formais do município na base do IPTU, cobrado pela Prefeitura.
O que ele encontra é uma concentração desproporcional de incêndios nas favelas localizadas em vizinhanças com valor estimado da terra mais alto.
"O principal resultado é que, de fato, favelas que têm preço inferido mais alto do terreno parecem ter um número de incêndios maior do que aquele que seria explicado por fatores estruturais. Ou seja, tem um número ali que está acima do que se esperaria se fosse só acidente", diz Pucci.
"É importante deixar claro que, com esse estudo, eu não consigo afirmar nada em termos de intencionalidade. Não é um estudo de criminalística. Mas ele mostra um aspecto peculiar na distribuição desses incêndios."
No estudo, o pesquisador do Insper busca controlar a causa dos incêndios para outras hipóteses, como a de que eles poderiam estar relacionados a uma maior densidade populacional dessas favelas localizadas em terrenos mais valorizados; maior acesso a eletrodomésticos, que poderiam sofrer falhas, provocando incêndios; ou à estrutura mais precária dessas comunidades.
Usando dados do Censo de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de geografia e Estatística), Pucci mapeia o acesso a infraestrutura e a densidade habitacional nas favelas. Ele observa, no entanto, que a distribuição desses fatores é bem mais uniforme entre as diferentes faixas de valor da terra, do que a distribuição dos incêndios.
"Isso sugere que a frequência anormal de incêndios em favelas nos maiores decis de valor das propriedades não são simplesmente uma consequência mecânica de maior acesso à eletricidade, pior infraestrutura e maior densidade", escreve o pesquisador.
Para além de endereçar a questão do direito de propriedade em favelas, Pucci avalia, a partir do resultado de seu estudo, que o poder público deve agir de forma a evitar nova ocupações irregulares.
"É preciso tornar o acesso à moradia formal mais fácil para as pessoas que acabam morando em favela. Diminuir o custo da moradia formal e tomar outras medidas que façam com que as pessoas não tenham que ocupar essas áreas e se expor a esses riscos", afirma.
"É necessário tornar mais acessível a moradia em grandes cidades como São Paulo."
O que diz a Prefeitura de São Paulo
A BBC News Brasil questionou a Prefeitura de São Paulo sobre como ela avalia os resultados do estudo do Insper, que sugerem que os incêndios em favelas podem estar relacionados ao processo de especulação imobiliária no município.
A prefeitura não respondeu a esse questionamento.
A gestão municipal, no entanto, informou que "de 2017 até o momento, mais de 33 mil famílias que viviam em áreas de risco foram beneficiadas com obras de urbanização com a implantação de redes de água e de coleta de esgoto, contenção e estabilização de encostas, criação de áreas de lazer, pavimentação e abertura de ruas e vielas, entre outras intervenções".
Outras 6 mil famílias recebem auxílio aluguel até o atendimento habitacional definitivo. Ainda segundo a prefeitura, 19,5 mil moradias foram entregues entre 2017 e 2022 em parceria com os governos estadual e federal, e outras 13 mil estão em obras.
A gestão de Ricardo Nunes (DEM) diz ainda que recentemente publicou edital para compra de 45 mil unidades habitacionais, com investimento de R$ 8 bilhões, com objetivo de zerar o banco de famílias que recebem atualmente auxílio-aluguel.
Também citou a criação do programa habitacional Pode Entrar, com previsão para produzir 14 mil moradias até 2024 em parceria com 71 entidades.
A prefeitura não respondeu sobre suas políticas para prevenção de incêndios em favelas, mas sobre o atendimento às famílias atingidas informou que "as equipes da Coordenação de Pronto Atendimento Social (CPAS) realizam atendimentos a emergências em toda a cidade mediante acionamento da Defesa Civil do Município".
"As equipes ofertam encaminhamentos para os serviços de acolhimento da rede socioassistencial da prefeitura, distribuem itens de primeira necessidade e realizam os cadastros das pessoas atingidas, que são repassados aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) da região da ocorrência, para que possam acompanhá-los e se possível incluí-los em benefícios sociais."
*Texto publicado originalmente no site BBB News Brasil
Fiocruz: Brasil não vacina 95% das crianças contra difteria, tétano e coqueluche desde 2013
Juliana Passos e Caroline Oliveira*, Brasil de Fato
Desde 2013, o Brasil não atinge a meta de vacinar 95% das crianças menores de um ano com a tríplice bacteriana (DTP), que protege contra difteria, tétano e coqueluche, segundo o levantamento VAX*SIM, um estudo do Observa Infância, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), feito com base nos dados do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc).
O recorde negativo ocorreu em 2019, quando apenas 73% da população-alvo foi vacinada com a DTP. No ano passado, o índice subiu somente para 75%, a segunda menor taxa desde 1996.
"A queda na cobertura da DTP acende um alerta para o retorno de casos graves das doenças contra as quais a vacina protege, que podem levar a óbitos. Dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) apontam que, entre 2012 e 2021, 28 crianças entre seis meses e três anos morreram de coqueluche no Brasil. Já o tétano matou outras três, enquanto a difteria fez cinco vítimas nessa faixa etária no período analisado", aponta a pesquisadora Patricia Boccolini, coordenadora do Observa Infância.
Covid-19
A baixa cobertura vacinal não fica restrita à tríplice bacteriana. O índice de vacinação da covid-19 em crianças também está abaixo do necessário, segundo dados do Vacinômetro Covid-19 (Ministério da Saúde) levantados pelo Observa Infância.
Depois de quatro meses da aprovação do uso emergencial da CoronaVac em crianças de 3 e 4 anos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), somente 5,5% do público-alvo tomou as duas doses do imunizante. Em 7 de novembro de 2022, 323.965 tomaram as duas doses do imunizante. O público-alvo, no entanto, é de 5,9 milhões de crianças.
"O atraso na vacinação infantil contra a covid-19 é preocupante, uma vez que, até junho de 2022, o Brasil registrava uma média de 2 mortes diárias por Covid-19 entre crianças menores de 5 anos. Desde a aprovação da Pfizer pediátrica pela Anvisa, em 16 de setembro, 26 crianças menores de 5 anos já morreram em decorrência da doença, o equivalente a dois óbitos a cada três dias", afirma Boccolini.
Escassez de vacinas e desinformação
A pesquisadora afirma que a baixa cobertura vacinal tem uma série de causas. Uma delas é a ausência da percepção dos riscos inerentes às doenças, depois que o cenário de crianças doentes ficou distante da realidade brasileira.
"A gente não vê mais crianças com sequelas, por exemplo, da poliomielite ou de alguma outra doença imunoprevenível. Isso dá muitas vezes uma falsa sensação aos pais que não há mais perigo, que não precisa mais vacinar suas crianças. Isso, na verdade, é fruto das altas coberturas vacinais ao longo das últimas décadas que pôde gerar esse cenário. Porém, é um cenário que pode mudar caso a gente continue observando essa queda nas coberturas", afirma a pesquisadora.
Boccolini lembra que o Brasil voltou a registrar casos de sarampo a partir de 2018, quando foram contabilizadas 9.325 infecções. No ano seguinte, o país perdeu a certificação de "país livre do vírus do sarampo", entregue em 2016 pela Organização Panamericana de Saúde (Opas). No mesmo ano foram registrados 20.901 casos da doença.
A cobertura de vacinação contra sarampo, caxumba e rubéola no Brasil caiu de 93,1%, em 2019, para 71,49% em 2021, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Em 2022, até março, foram 14 infectados e 98 casos suspeitos, segundo os Dados do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde. Em 2020 foram confirmados 8.448 casos e, em 2021, 668 casos.
Outro fator é a disseminação de desinformação acerca das vacinas. Boccolini afirma que "a falta de campanhas do governo está atrelada às fake news, porque a campanha pela vacinação deve ser constante. Não só em época da vacinação. É importante uma campanha ininterrupta, sempre esclarecendo para população quais são os perigos de reintrodução de determinadas doenças erradicadas, quais as sequelas que podem gerar e quaisquer outras dúvidas".
A esta inanição do governo federal, Boccolini associa a compra insuficiente de vacinas por parte do Ministério da Saúde e o cenário de dependência internacional. "Quando a gente olha para a vacinação infantil contra a covid-19, aí de fato a gente pode afirmar que não há compra suficiente de vacinas por parte do Ministério da Saúde".
Na semana passada, a Fundação Municipal de Saúde (FMS) da cidade de Tubarão, em Santa Catarina, por exemplo, informou que não há mais doses da CoronaVac disponíveis para crianças de 3 a 4 anos. De acordo com a pasta, a previsão de chegada de novas doses é apenas para o ano que vem, e o envio depende do Ministério da Saúde.
A pesquisadora também lembra que a suspensão das atividades da única fábrica brasileira da vacina BCG, utilizada na prevenção da tuberculose, em 2016, está provocando a escassez dos imunizantes contra a doença. Desde então, o Ministério da Saúde passou a realizar a importação da vacina de fornecedores da Índia, mas com dificuldades de logística.
Em nota enviada à BBC News Brasil em maio deste ano, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que "a fábrica da Fundação Athaulpho de Paiva (FAP) localizada no bairro de São Cristóvão (RJ) se encontra paralisada pela empresa para a realização de ajustes e correções decorrentes da última inspeção sanitária".
Ainda segundo a Anvisa, "a fabricação não pode ser retomada até que os ajustes necessários sejam concluídos e, novamente, a fábrica seja inspecionada para se verificar a efetividade das correções". Uma outra fábrica começou a ser construída 1989, mas ainda não foi inaugurada.
Em abril, o Ministério da Saúde informou às secretarias estaduais que o repasse de imunizantes diminuiria de 1,2 milhão de doses por mês para 500 mil doses mensais até pelo menos novembro, "dada a disponibilidade limitada da vacina BCG no estoque nacional em razão de dificuldades na aquisição deste imunobiológico".
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: Quando a história se repete como um factoide irresponsável
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
As melhores reportagens políticas sobre momentos decisivos da história muitas vezes estão nos livros e não, necessariamente, nos jornais e revistas da época. É o caso, por exemplo, de Renúncia de Jânio — um depoimento, do jornalista Carlos Castello Branco, que foi referência do jornalismo político para minha geração por suas colunas durante o regime militar, no antigo Jornal do Brasil, apesar da censura prévia imposta pelo Ato Institucional nº 5. O livro mostra como uma intriga envolvendo o presidente da República e o governador carioca Carlos Lacerda, nos bastidores do Palácio do Planalto, deu início à crise política que levou Jânio Quadros à renúncia. Seus desdobramentos resultaram em 20 anos de ditadura.
Outra obra desse naipe é Cinco dias em Londres, de John Lukacs, que narra os bastidores do Gabinete de Guerra britânico, de 24 ao dia 28 de maio de 1940, quando Winston Churchill travou uma dura luta política com o Lorde Halifax para convencer seus integrantes a não fazerem um acordo de paz com Hitler. A resistência de Winston Churchill a um acordo da Inglaterra com a Alemanha evitou um desastre. O livro conta em detalhes a entrega do cargo a Churchill por Neville Chamberlain e revela a desconfiança do governo inglês, do presidente norte-americano Franklin Roosevelt e do próprio povo inglês, além da imprensa e dos aliados em relação a Churchill, homem confiável, íntegro e respeitado, porém alcoólatra e um pouco velho para o desafio da guerra.
Entretanto, a melhor reportagem política já escrita talvez seja o 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Publicado em 1852, o texto descreve um golpe de Estado recém-ocorrido na França. Carlos Luís Napoleão Bonaparte, eleito presidente do país em 1848, resolveu impor uma ditadura três anos depois. Essa repetição de Napoleões no poder levou Marx a cunhar uma frase famosa, muito repetida pelos políticos, às vezes sem saber quem é seu verdadeiro autor: “Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
O título do livro é inspirado no golpe de estado de Napoleão Bonaparte, em 9 de novembro de 1799, com o qual se tornou cônsul da França, antes de se autoproclamar imperador. No calendário da Revolução Francesa de 1789, essa data correspondia ao dia 18 do mês de brumário. Marx mostra que o golpe dado por Napoleão III era apenas uma cópia daquele que fora dado antes por seu tio. A data escolhida para o golpe foi 2 de dezembro de 1851, aniversário de 47 anos da coroação de seu tio como imperador da França. Nessa obra, Marx conclui que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.
Farsa ou tragédia
Ontem, o PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, entrou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com um pedido de verificação extraordinária do resultado do segundo turno das eleições. Pediu a invalidação dos votos de mais de 250 mil urnas, com base no relatório elaborado por uma consultoria privada, que alega que as urnas anteriores ao modelo 2020, cerca de 60% do total utilizado nas eleições, têm um número de série único, quando, na opinião da consultoria, deveriam apresentar um número individualizado, porque somente assim, afirma o relatório, seria possível fazer uma auditagem. O presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, de pronto pediu ao PL que aditasse ao requerimento o pedido de invalidação também dos votos do primeiro turno, que utilizaram as mesmas urnas, no prazo de 24 horas.
É óbvio que o pedido do PL faz parte de uma estratégia do presidente Jair Bolsonaro para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva que incentiva os protestos contra o resultado da eleição e a favor de intervenção militar para se manter no poder. O pedido não tem a menor chance de ser aceito pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal, apenas cria um factoide político que serve para a agitação golpista de extrema-direita à porta dos quartéis. O relatório é uma farsa montada para tumultuar a transição. Além disso, serve de cortina de fumaça para o estelionato eleitoral praticado pelo atual governo, cujo rombo nas contas públicas está colocando em risco o funcionamento dos serviços básicos da administração federal, da vacinação à emissão de passaportes.
O relatório é uma farsa, como foi o Plano Cohen, um relatório de inteligência segundo o qual os comunistas pretenderiam tomar o poder, incendiar prédios públicos, promover fuzilamentos, greve geral, saques e desordem. O documento circulou pelos quarteis em 1937 e serviu de pretexto para Getúlio Vargas dar um golpe de estado e permanecer no poder. O Plano Cohen foi arquitetado pelo então capitão Olímpio Mourão Filho, organizador das milícias da Ação Integralista Brasileira e lotado no setor de inteligência do Estado-Maior do Exército. No dia 1º de outubro, a Câmara Federal aprovaria, por 138 votos a 52, a implantação do estado de guerra. No dia 10 de novembro, Getúlio anunciaria ao país e ao mundo a instituição do Estado Novo. Só em 1945 os brasileiros saberiam que o Plano Cohen não havia passado de uma grosseira falsificação. Mourão Filho, promovido a general, anos mais tarde, deflagraria o golpe militar de 1964.
"Situação caótica": Randolfe diz que falta verba para proteção de pessoas em áreas de risco
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse, nesta terça-feira (22), que a Defesa Civil está com o orçamento escasso para 2023, primeiro ano da gestão Lula (PT), e que falta dinheiro para ações relacionadas ao socorro da população que vive em áreas de risco no país.
De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 8,2 milhões de brasileiros moram em locais do tipo e é comum esse segmento precisar de iniciativas emergenciais por parte dos governos durante o período de chuvas, que ocorre especialmente a partir de janeiro em diferentes pontos do país.
"Para se ter ideia da gravidade da situação, para as eventualidades de acionamento da Defesa Civil em janeiro, nós não temos nenhuma dotação orçamentária. Para não se dizer que não se tem nenhuma, a dotação da Defesa Civil para contenção de encostas é de R$ 2 milhões. Eu acho que R$ 2 milhões são insuficientes para uma enchente em uma cidade do interior do país", exemplificou Randolfe.
O parlamentar integra o Grupo Técnico (GT) de Desenvolvimento Regional que atua no processo de transição, núcleo que reúne nomes como o do senador eleito Camilo Santana (PT-CE), do senador Otto Alencar (PSD-BA) e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
A equipe se reuniu pela primeira vez nesta terça, em Brasília (DF), com o ministro do Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro, Daniel Ferreira, e trouxe à tona a preocupação dos aliados de Lula com o que Randolfe chamou de "situação caótica e dramática" na pasta.
"O primeiro cenário que encontramos no ministério é um cenário que inspira muitos cuidados. Pela situação orçamentária que nós temos na atualidade, em janeiro, a União não terá capacidade nenhuma de investimento na área de desenvolvimento regional. Os recursos orçamentários do ministério estão todos desfragmentados", disse, ao acrescentar que o problema está relacionado ao chamado "orçamento secreto" da gestão Bolsonaro, também conhecido como emendas do relator ou RP-9.
Randolfe destacou que a forma como o governo do ex-capitão decidiu manusear os recursos mostra uma "ausência de sintonia" em relação à execução orçamentária nessa área. "Ao passo que tem quase R$ 2 bilhões destinados à Codevasf, por outro lado, falta dinheiro para ser investido em contenção de encostas, em obras da Defesa Civil. E, como todos sabem, [por conta das] emergências, nós precisaremos ter uma atuação já em janeiro deste [próximo] ano por conta das chuvas de verão e da iminência dessa situação."
Ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foi entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político e hoje é alvo de investigações da Polícia Federal (PF) por conta de acusações de fraude em licitação pública.
Realocação
Randolfe afirmou que a situação atual do MDR amplia a necessidade de diálogo da equipe de Lula com o parlamento em torno da realocação de verbas na administração federal. O grupo trabalha atualmente no sentido de tentar emplacar a "PEC da Transição" junto ao Congresso Nacional. O foco do presidente eleito neste momento é a obtenção de apoio político para a aprovação do texto, que deve dar ao novo governo condição para custeio de algumas ações.
"Nós temos para a Habitação algo em torno de R$ 18 milhões. Não tem mais política habitacional no Estado brasileiro neste momento. Precisamos ter redirecionamento de recursos para política habitacional, precisamos voltar a construir casas. Nós estamos com muito dinheiro para as necessidades parlamentares individuais e estamos com ausência de dinheiro para as necessidades discricionárias do Estado brasileiro", acrescentou Randolfe.
O parlamentar destacou que o cenário tem maior gravidade pelo fato de Bolsonaro ter desmontado uma série de políticas públicas e também os fundos constitucionais. Estes últimos são fontes geralmente estáveis de verbas utilizadas para investimento no desenvolvimento das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. "A situação orçamentária é grave. É um quadro que inspira muita atenção", disse Randolfe.
O deputado distrital Leandro Grass (PV), que integra o mesmo GT do senador na equipe de transição, acredita que a equipe de Lula conseguirá remanejar recursos para garantir uma injeção de verbas nas áreas mais sensíveis do MDR, como é o caso dos investimentos do segmento de habitação.
"São pontos de alerta, mas também não são pontos irreversíveis. Acho que é mais uma questão de inteligência orçamentária e planejamento para que, no momento em que for reordenada a estrutura ministerial, a gente saiba o que vai para onde".
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato