Day: novembro 18, 2022
Fernando Abrucio: Alimentar o ódio é minar a nação
Democracia Política e Novo Reformismo*
A construção de nações foi uma das tarefas mais complexas da história da humanidade. O primeiro passo é estabelecer os limites territoriais dos países, algo ainda inacabado em parte do mundo, tendo muitas vezes a guerra como solução. Mas o aspecto mais complicado está na produção da identidade nacional. Constituir um povo que conviva com suas diferenças não é nada trivial. Mesmo sendo escandalosamente desigual, o Brasil conseguiu edificar uma sociedade razoavelmente tolerante, com espaços de convívio e respeito mútuo. Só que o ódio entre brasileiros tem sido alimentado cotidianamente. Isso pode afetar o destino de curto e longo prazo da nação.
O ódio social nunca foi uma bússola para construir civilizações. Nos casos mais extremos, produziu-se a barbárie. Assim foi na Alemanha nazista, com a perseguição de vários grupos sociais, especialmente os judeus, com 6 milhões de mortos. O Brasil atual está longe disso, mas o crescimento do neonazismo nas redes sociais e manifestações declaradamente nazistas em universidades e até em escolas particulares de educação básica revelam que há sementes totalitárias sendo plantadas em nossa nação.
Mas o ódio pode ter uma forma mais branda e duradoura, com divisões sociais marcadas pelo rechaço completo entre as forças políticas, transformando a atividade da política em um jogo de mágoas perpétuas. A Argentina tem trilhado essa história desde a Segunda Guerra Mundial, com períodos autoritários muito violentos e com momentos democráticos em que o diálogo tem pouco espaço entre os diferentes. O fato é que o desenvolvimento econômico e social argentino foi barrado por um grau de polarização que dificulta qualquer decisão que resulte da negociação e do respeito mútuo. Esse é o efeito Orloff que o Brasil mais deveria temer.
Nos últimos 15 anos, um novo ciclo internacional de ódio político foi constituído. Ele é a combinação do avanço de redes sociais propositadamente polarizadoras com o discurso da nova extrema direita, caracterizada pela defesa de valores tradicionais, pelo nacionalismo excludente (nem todos os integrantes da nação são legítimos) e pela crítica às instituições impulsionadas a partir do Iluminismo ocidental. Por meio desses dois elementos, construiu-se um movimento baseado na busca da destruição dos inimigos, como a mídia tradicional, os liberais globalistas, a esquerda em seus vários matizes, a ciência e os intelectuais, além de grupos sociais politicamente minoritários (mulheres, negros, LGBTQIA+ etc.), para citar os principais alvos, realizando uma hiperpolitização de todos os espaços da vida humana.
A hiperpolitização significa que nenhum espaço da vida humana pode estar alheio às ideias políticas que norteiam o grupo que se pretende dominante, ou melhor, que pretende eliminar todos os que não concordam com ele. É uma noção similar ao conceito de ideologia usado por Hannah Arendt para descrever os totalitarismos do século XX. Os filmes de Goebbels muitas vezes falavam da vida cotidiana, da higiene que a raça ariana deveria cultivar para se tornar superior. Hoje, a hiperpolitização não define apenas o que se deve fazer na seara política, mas como se comportar na esfera privada.
A política é a atividade mais nobre entre os seres humanos, como já pensavam os clássicos como Aristóteles e Maquiavel, porém, quando tudo vira política, há grandes chances de se criar uma sociedade incapaz de conversar na padaria, de tomar o mesmo ônibus, de se sentar numa mesma sala de aula, de entender que o direito de um termina quando afeta a liberdade do outro - evitar que uma pessoa doente atravesse uma estrada é matar o sentido de uma nação. Será que a Copa do Mundo nos trará a ideia de brasileiros, iguais na sua diferença, de volta?
É muito assustador quando uma sociedade começa a funcionar segundo uma divisão baseada no ódio ao outro, a quem pensa diferentemente ou tem uma origem social distinta. O clima social geral e em todas as organizações fica extremamente pesado. Haverá mais conflitos desnecessários, em algumas situações se chegará à violência, com a possibilidade da morte de um irmão ou irmã não de sangue, mas de identidade nacional. As escolas se tornarão menos suscetíveis ao aprendizado como resultado do diálogo e do compartilhamento de experiências diferentes. As empresas também sofrerão com esse processo de disseminação do ódio, provavelmente reduzindo sua produtividade, porque o sucesso organizacional depende bastante da combinação de talentos e visões de mundo diferentes.
Para exemplificar a que ponto se chegou o ódio alimentado pelo bolsonarismo, basta lembrar que o Brasil precisa do Nordeste para a construção de seu imaginário cultural e de seu sucesso econômico - experimente segregar os estados, e barreiras econômicas nascerão a seguir, perdendo-se mercado consumidor e capital humano. Os meninos da escola privada que trataram seus colegas de forma preconceituosa terão enormes dificuldades de conseguir empregos no futuro, pois as empresas estão demandando diversidade, e quem for contra isso terá menos espaço na economia do século XXI. Voltando à Copa do Mundo, tema que vai ser dominante nas próximas semanas, seria impossível ganhar qualquer um dos cinco títulos que temos se o atual modelo de ódio definisse as convocações.
Aqui vale diferenciar o conceito de pátria do sentido da palavra nação. Ficou na moda em certos círculos sociais se definir como patriota. Gostar da bandeira e do hino nacional unifica as pessoas de um país. Só que a palavra pátria tem a ver mais com o lado oficial do Estado nacional, e relaciona-se menos com o que profundamente liga as pessoas em uma determinada sociedade. A pátria pode ser evocada por ditadores, por gente que mata seus semelhantes em nome de objetivos políticos - muitos dos autoproclamados patriotas que estão nas ruas querem destruir seus inimigos, mesmo que sejam seus vizinhos que um dia os levaram ao hospital ou cuidaram de seus filhos quando estavam fora de casa.
A nacionalidade, ao contrário, vai além da estrutura institucional do poder. Ela está lá também, entretanto, sua principal característica é ser um sentimento profundo e de longo prazo de pertencimento a uma coletividade. A nação unifica sem que se produza a homogeneidade social. Em vez disso, deve garantir a unidade na diversidade, alimentando consensos e gerindo dissensos. O pertencimento a uma nação é a possibilidade de discordar e conviver, como quem torce para times diferentes, discute quem é a melhor equipe, xinga o juiz do jogo, mas ao final aceita as regras e acredita que o futebol só tem graça porque há adversários. O que seria do Corinthians sem o Palmeiras, e vice-versa?
O ódio político está minando os vínculos básicos da nação brasileira. Em termos coletivos e intertemporais, ninguém ganha com isso, a não ser grupos organizados para conquistar o poder por meio da violência política e social. O problema é que esse tipo de extremismo convenceu uma parcela relevante da sociedade brasileira que, inebriada pela hiperpolitização que parece dar respostas a todas as angústias da vida social, mobiliza-se cegamente para a destruição das bases mais amplas da coletividade, colocando em risco o seu presente e, sobretudo, o futuro de seus filhos e netos.
No curto prazo, é preciso construir espaços públicos de diálogo entre os diferentes, mostrando como é possível conviver com a divergência, negociar posições e até mudar de opinião. Claro que aqueles que cometeram crimes contra a democracia, segundo define a lei, podem ser punidos. Todavia, a maioria que está descontente com o resultado eleitoral e acredita nas teorias conspiratórias que são alimentadas pela hiperpolitização pode ser trazida de volta ao debate democrático com suas diferenças em relação ao presidente eleito.
Para isso, é preciso que as principais instituições sociais, como a mídia e a universidade, e o novo governo se guiem pela maior abertura possível para conversar e incorporar demandas de diferentes setores sociais. No caso da terceira gestão presidencial de Lula, ele terá que se vigiar constantemente para evitar o hegemonismo que por muitas vezes acomete o PT. A frente ampla é a única forma de salvar a nação da doença do ódio que cresce no país, e ela será feita de grandes decisões e de pequenos atos, como o relativo à discussão da presidência do BID, quando o petismo se esqueceu das lições recentes e atuou como no passado hegemonista.
A solução estrutural para evitar o crescimento do ódio político e social está na educação. É preciso fazer da diversidade a peça central do ensino, da creche à universidade. Há quase 30 anos formo alunos com ideias diferentes, e sempre estimulei o convívio e o aprendizado entre os divergentes. Já falhei na minha jornada pedagógica, como num episódio recente em que fui desrespeitoso com quem pensava diferentemente de mim. Talvez todos estejamos envoltos em muito ódio, quando precisamos de paciência e de empatia. Por essa razão, dedico este artigo a Danielle Klintowitz, falecida precocemente há algumas semanas. Ela foi minha orientanda e seu doutorado mostrava que uma política pública bem-sucedida depende de negociação e acordos entre os diferentes. E o que vale para ações governamentais, vale para a convivência de todas as pessoas da nossa nação.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
Texto publicado originalmente no Democracia Política e Novo Reformismo.
Eliziane Gama propõe a padronização de carregadores de celulares no País
A líder do Cidadania e da Bancada Feminina do Senado, Eliziane Gama (MA), apresentou projeto de lei (PL 2799/2022) que dispõe sobre a padronização de interface de carregamento de telefones móveis celulares e de dispositivos com funcionalidade de telecomunicações.
“A padronização dos carregadores de celulares e demais dispositivos eletrônicos de comunicação é necessária não só para a redução de custos ao consumidor, como para mitigar o lixo eletrônico”, afirma a senadora sobre o projeto, que acrescenta o dispositivo à legislação (Lei nº 9.472/1997) que trata da organização dos serviços de telecomunicações.
A proposta, de acordo com Eliziane Gama, tem o objetivo de fazer com que o Brasil se associe ao esforço mundial para adoção de uma solução tecnológica que agrega sustentabilidade ecológica, eficiência econômica e comodidade para os usuários.
Ela cita que essa padronização ocorreu na Europa, com a aprovação pelo Parlamento dos países do bloco econômico do projeto de lei obriga a comercialização de celulares compatíveis com um carregador de uso comum ou universal, no caso, a interface padrão USB tipo C.
O projeto de lei torna obrigatória a definição de um padrão único de carregadores de celular e demais dispositivos que contenham funcionalidade de telecomunicações, dentre eles tablets, notebooks e fones de ouvido sem fio.
“A padronização ficará a cargo da Agência Nacional de Telecomunicações, que somente poderá homologar aparelhos equipados com a interface universal de carregamento, com as condições e prazos para implantação do padrão único definidos em regulamento”, explica Eliziane Gama.
Texto publicado originalmente no Cidadania23.
Vítimas de tráfico humano relatam horrores: “Comia tripas e lesma”
Maria Eduarda Portela*, Metrópoles
Dois jovens de Ribeirão Pires, em São Paulo, relataram os horrores dos dias em que estiveram num cativeiro em Myanmar. Nathalia Munhoz e Patrick da Silva Palma de Lopes, ambos de 25 anos, foram vítimas de tráfico humano após aceitarem uma falsa promessa de emprego em Bangcoc, na Tailândia. A proposta era de um salário de US$ 1,5 mil por mês para trabalhar em um call center.
Os jovens apostaram todas as fichas em uma mudança para um dos países mais agitados do mundo. O problema é que o sonho se tornou um pesadelo. Ao desembarcarem em Bangcoc, na Tailândia, os jovens foram levados para Myanmar, país próximo, e obrigados a trabalhar em um esquema internacional de extorsão, em condições análogas à escravidão.
Os jovens conseguiram retornar para o Brasil na última quarta-feira (16/11). Nathalia Munhoz e os seus pais, Vanessa Aparecida Munhoz e Cristiano de Lima Munhoz, concederam uma entrevista ao Globo após quatro meses longe.
“Vivemos uma mistura de sentimentos durante a expectativa da chegada deles. Momentos de felicidade, nervosismo, angústia, choro. Ao vê-los e tocá-los, tudo isso foi desmoronando”, relatou Cristiano.
“Tanta coisa negativa, com o Natal chegando e minha filha do meio prestes a ter um bebê… imagina a minha situação. Quando desembarcaram, foi uma emoção só. Sensação de alívio, paz e gratidão a Deus. Eu ganhei um presente de Deus!”, contou o pai de Nathalia em entrevista.
Tudo começou quando Nathalia viu um anúncio de vaga de emprego no Instagram para trabalhar na Tailândia. A jovem se interessou ao perceber que se enquadrava no perfil descrito no post. O homem que divulgou a suposta vaga se apresentava como André.
Entretanto, sua família se mostrou contrária à decisão de ir para o outro lado do mundo em busca de um emprego.
“Não sei ao certo se o rapaz ela já conhecia ou não, mas ela me pediu opinião e eu fui contrário, não havia gostado da ideia, por algumas razões lógicas. Mas, por fim, ela aceitou a proposta e nos comunicou, dizendo que precisava trabalhar e sustentar as filhas dela. Mesmo contrariados, aceitamos”, conta Cristiano.
Após aceitar a vaga de emprego, Nathalia e o pai decidiram como ficaria a situação das duas filhas pequenas. Marina, de 5 anos, e Antônia Beatriz, de 4 anos, iriam ficar sob os cuidados do avô paterno.
“As pessoas que conduziriam eles até a empresa não falavam inglês ou português. Ao entrarem no carro, eles já se depararam com duas pessoas fortemente armadas com metralhadoras e fuzis. Com medo, minha filha postou um vídeo mostrando o entorno durante a chegada e, de relance, alguns dos caras. Já mostrou certa apreensão ali. Àquela altura, eu ainda tentei tranquilizá-la”, relata Cristiano.
Cativeiro
A jovem contou à reportagem que viajou durante dois dias de carro após desembarcar na capital da Tailândia até chegar a um local chamado KKparque, em Myanmar. Os prédios eram uma espécie de condomínio dominado e comandado pela milícia responsável pelo sequestro de Nathalia.
“Lá ela começou a situação inóspita que enfrentaria. Um ambiente hostil, agressivo, com duras horas de trabalho. E ela contou que eles eram ainda mais cruéis e agressivos com os asiáticos mantidos lá”, relata Cristiano. “Mas todos eram vigiados pelos rebeldes ou milicianos fortemente armados, que não deixavam ninguém sair do parque. Entravam e saíam apenas com a autorização do chefe da quadrilha”, lembra.
A vítima ainda está muito abalada, mas contou ao Globo sobre as condições de vida em que era mantida durante o cárcere. “Comia tripas, lesmas, dormi em chão duro, passei fome e frio”, conta Nathalia.
Além das condições precárias, as diferenças culturais relacionadas à alimentação eram difíceis para Nathalia. “Eles comem cobras, escorpiões, pato, rãs, muitos legumes, muito miojo. O café da manhã lá às vezes era miojo… a água que nos davam para beber era salobra”.
Apesar das condições precárias a que era submetida, os sequestradores autorizaram Nathalia a ficar com o seu telefone celular para realizar ligações rápidas, mas não poderia filmar nada. Durante estes telefonemas, a jovem conseguiu tranquilizar a sua família, até que em setembro ela passou a detalhar a situação em que vivia e pediu por meio de um áudio para que os seus parentes procurassem as autoridades policiais caso ela desaparecesse por dois dias ou mais.
Trabalho
Nathalia era obrigada a trabalhar até às 16h por dia e com apenas uma folga por mês. O trabalho criminoso tinha como objetivo extorquir criptomoedas de norte-americanos, em um golpe em que eles se passavam por mulheres interessadas por meio de um perfil falso.
“Ela e o Patrick começaram a passar mal, até mesmo por conta das alimentações, e em certas ocasiões ela deixava escapar que estaria vivendo um inferno e que queria vir embora. Muitas vezes ela deixou escapar que não via a hora de vir embora, que o lugar era horrível, que não tinha o que fazer. Nas raras folgas que tinha, não tinha o que fazer lá, além de dormir”, conta Cristiano.
A família do amigo de Nathalia também sequestrado, Patrick, foi a primeira a procurar as autoridades em busca dos jovens após ser informada das situações precárias em que os dois estavam.
“Entrei em contato com o Itamaraty e com a embaixada de Yangon. Depois da primeira reportagem, o grupo (de sequestrados) começou a se articular lá dentro, por intermédio do Patrick e da minha filha. Eles sofreram, mas os bandidos afastaram eles das atividades por 18 dias alegando que os soltariam. Cobraram um resgate de US$ 6 mil dólares, que a família do Patrick conseguiu levantar. Depois, disseram que não podiam libertá-los ainda porque tinham que esperar a chegada dos passaportes”, contou o pai de Nathalia.
“Mas não foi o que aconteceu. Os milicianos levaram eles e os soltaram em outro lugar, onde eles foram detidos em um distrito sob a alegação de estarem sem vistos. Foram presos por conta da irregularidade. Quando eles foram pegos pela imigração, começamos então a cobrar o Itamaraty e a embaixada. Depois de muita cobrança, foram soltos e mandados de volta ao Brasil”, relembra Cristiano.
Texto publicado originalmente no Metrópoles.
Desafios de Lula passam por garantir auxílios e aumentar salários
Gabriel Carriconde*, Brasil de Fato
Desde a eleição, o atual presidente e candidato derrotado Jair Bolsonaro sumiu e o país parece estar sem governo até 31 de dezembro. Até por isso, muito das especulações e do sobe-e-desce da economia vêm sendo atribuídos a falas do presidente eleito, Luiz inácio Lula da Silva. Numa disputa em que os chamados “mercados” e mesmo a imprensa corporativa pretendem enjaular o próximo presidente para que ele não faça mudanças na economia prometidas em campanha.
Num momento em que os truques de Bolsonaro para tentar ganhar a eleição já começam a dar com os burros n’água, com, por exemplo, alta nos preços, depois de uma deflação ocasionada pela tirada de impostos dos combustíveis dos estados. Além dos muitos furos no orçamento do ano que vem, enviado por Bolsonaro, que o novo governo vem tentando enfrentar desde já.
O discurso do presidente eleito contra a fome, no encontro com parlamentares aliados em Brasília, por exemplo, no último dia 10, foi usado nessa especulação, por conta de uma suposta flexibilidade fiscal e o rompimento do teto de gastos para garantir dinheiro para programas sociais.
“Qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro”, disse Lula. O discurso “assustou” o mercado especulativo e fez o índice Bovespa cair 3% e o dólar subir para R$ 5,32 em um dia.
Pressão
Para a economista Juliane Furno, o sistema financeiro, que vem especulando a respeito das decisões que Lula tomará na economia, irá cumprir um papel de pressão política. “O mercado vai fazer o que já fez em outros governos Lula, que é pressionar politicamente o governo. O que provavelmente eles irão defender é uma estabilidade nos preços, com controle da inflação e pressionar para um controle dos gastos do estado”, afirma.
O presidente eleito ainda não confirmou os nomes para comandar a economia e negocia com o Congresso um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) para garantir o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil em 2023. Os nomes de Pérsio Arida e André Lara Resende, mais liberais, e de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, mais ligados ao PT, formam o grupo de trabalho econômico no governo de transição.
Com a pluralidade de visões da equipe econômica de transição, reunindo nomes históricos ligados ao PSDB, caso de Lara Resende e Pérsio Arida, Furno reflete que algumas linhas deverão ser seguidas. “Temos dois nomes mais ligadas ao PT, o Pérsio Arida, que é mais liberal, e o Lara Resende, que é um crítico do teto de gastos. O que esse grupo irá desenhar em curto prazo é uma fuga do teto de gastos, em médio prazo é uma nova regra fiscal, que possibilite uma meta de gastos, e não só de contenção”, reflete.
Com o orçamento reduzido em diversas áreas sociais, como o Farmácia Popular, Auxílio Brasil, e até para a saúde, o desafio do futuro governo será garantir promessas de campanha como o aumento do salário mínimo e a recuperação de programas sociais, com um orçamento apertado, apresentado pelo governo Bolsonaro.
Estado de tragédia
Em entrevista para uma rádio de Curitiba, o deputado federal e membro do grupo do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ênio Verri, afirmou que o orçamento federal para 2023, elaborado pelo governo Bolsonaro, é trágico.
“O orçamento de 2023 está em estado de tragédia, teremos enormes desafios. Com o teto de gastos, está faltando, para atingirmos o mínimo necessário, 15 bilhões”, disse.
Verri ainda afirmou que a prioridade do novo governo será a manutenção do Auxílio Brasil, recuperar obras paradas e o retorno do Farmácia Popular. “O desafio que nós temos é garantir o Auxílio Brasil, garantir o aumento do salário mínimo, garantir os recursos para saúde, recuperar o Farmácia Popular e recuperar as obras paradas'', afirmou.
Entenda o que está em jogo agora
- Teto de gastos: Criado no governo Temer por uma emenda constitucional, o teto de gastos impede que o governo aumente seus gastos primários além da inflação por 20 anos desde a adoção da medida. Resumindo, não pode aumentar despesas com saúde, educação etc. É bom lembrar que a medida não impede o aumento das despesas com juros, o que beneficia os bancos e o tal “mercado”.
- Salário mínimo e auxílios: Nos últimos quatro anos, não houve aumento real do salário mínimo. Lula está tentando negociar com o Congresso medidas para voltar a dar aumento para o salário, além de garantir a continuidade do Bolsa Família e dos Auxílios Emergenciais maiores, que não têm recursos previstos no orçamento.
- Geração de empregos: Outro ponto importante, é conseguir recursos para programas como o Minha Casa Minha Vida para a geração de empregos no país. A queda na taxa de desemprego nos últimos meses está ligada principalmente ao crescimento do trabalho informal e com salários mais baixos.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Como as cabeçadas se tornaram uma das maiores preocupações do futebol
André Biernath*, BBC News Brasil
A primeira delas foi em 1958, quando era o capitão da Seleção Brasileira e ergueu pela primeira vez a taça da Copa do Mundo para o país.
A segunda ocorreu em 2014, quando a família decidiu doar o cérebro do ex-atleta para estudos científicos, logo após a morte dele.
No final da vida, Bellini desenvolveu sintomas típicos de demência, como esquecimentos frequentes e dificuldades de raciocínio.
A análise do órgão mostrou que, na verdade, ele foi acometido pela encefalopatia traumática crônica.
Essa condição afeta pessoas que sofreram pancadas repetidas na cabeça ao longo da vida — como é o caso de jogadores de futebol e boxeadores.
Ao lado de outros ex-esportistas, a história do capitão do primeiro título mundial brasileiro jogou luz e revelou o impacto que os esportes de contato podem ter na saúde do cérebro pelo resto da vida.
Mas, afinal, o que é a encefalopatia traumática crônica? E quais são os meios de evitar esse problema?
A questão está na frequência
A médica Roberta Diehl Rodriguez, do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), explica que essa doença passou a ser estudada mais a fundo recentemente, nos últimos 15 anos.
"E nós só conseguimos fazer o diagnóstico definitivo da encefalopatia traumática crônica depois que o indivíduo morre, por meio da análise do cérebro", diz.
Pelo que se sabe até o momento, o quadro pode se manifestar de diferentes maneiras.
Alguns apresentam sintomas parecidos ao do Alzheimer, como perda de memória e dificuldades para completar o raciocínio.
Em outros, porém, os incômodos se aproximam mais de quadros psiquiátricos, como o transtorno bipolar, em que ocorrem alterações de humor.
Há também casos descritos em que o paciente desenvolveu vícios fortes em apostas, álcool ou outras drogas.
"Os estudos mais recentes também nos mostram que, mais importante do que a quantidade ou a força das pancadas, um aspecto fundamental da doença é o intervalo entre os traumas", informa Rodriguez.
Ou seja: se o indivíduo tem um choque de cabeça e, poucos dias depois, passa por um acidente parecido, isso representaria um sinal de alerta maior.
Possivelmente, pancadas tão próximas não dão tempo de o cérebro se recuperar bem daquele primeiro impacto, o que piora ainda mais os efeitos que isso tem ao longo da vida.
É por isso, aliás, que atletas de algumas modalidades são mais propensos a sofrer com a tal da encefalopatia traumática crônica: a própria natureza da profissão os predispõe a levar pancadas no crânio.
Os primeiros dessa lista são os lutadores, já que a meta desse esporte está justamente em acertar a cabeça do adversário com socos e chutes — no passado, inclusive, a doença era conhecida como "demência pugilística", nome que caiu em desuso recentemente.
Grandes nomes do boxe, como Muhammad Ali e Éder Jofre, por exemplo, apresentaram problemas neurológicos no final da vida.
Jogadores de rúgbi e futebol americano também são mais propensos a desenvolver o problema, já que esses esportes são marcados por muitos choques e encontrões.
Por fim, os profissionais do futebol completam o grupo. Como cruzamentos e bolas aéreas são um recurso importante do esporte, as batidas de crânio são frequentes — e, como você vai entender mais adiante, têm se tornado mais comuns nas últimas décadas.
Cérebro em desalinho
Mas o que acontece na cabeça logo após a pancada?
Para entender esse mecanismo, é preciso conhecer antes uma proteína chamada TAU.
"Ela ajuda a manter a estrutura dos neurônios e auxilia no transporte de nutrientes entre uma célula e outra", resume Rodriguez.
Só que as pancadas repetidas parecem alterar um pouco desse balanço neuronal.
Quando ocorre o choque de cabeça, essa proteína se rompe e ocorre uma inflamação.
E aí entra o aspecto crônico das batidas. "Se outra pancada acontece logo depois, o cérebro não consegue se recuperar da primeira e aquela proteína começa a se depositar ali", diz a neurologista.
"Com o passar do tempo, esses agregados anormais de proteína TAU começam a prejudicar a passagem de informações e nutrientes nos neurônios", complementa.
E isso, ao longo de várias décadas, pode culminar em grandes dificuldades para o funcionamento adequado do cérebro.
Vale mencionar que esses mesmos emaranhados de proteína TAU são observados em outras enfermidades neurológicas, como o próprio Alzheimer.
Na encefalopatia traumática crônica, porém, é possível identificar um fator que está por trás do acúmulo dessa substância: as pancadas repetidas na cabeça.
Rodriguez conta que a USP possui um grande banco de cérebros, que são conservados para pesquisas científicas.
"Num estudo, eu avaliei 1.157 desses órgãos que pertenceram a pessoas que não tinham um histórico de atleta profissional."
"Desses, só encontramos a encefalopatia traumática crônica em sete homens", continua.
"Depois, consegui conversar com a família de um deles e descobri que o indivíduo era goleiro de um time amador, pelo qual disputava jogos no final de semana", revela.
O futebol mudou
O médico Jorge Pagura, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), avalia que o atual estilo de jogo de equipes e seleções faz com que os choques de cabeça se tornem cada vez mais comuns e perigosos.
"Antigamente, o futebol era mais disputado com os pés. Se você pegar qualquer vídeo de uma partida dos anos 1970, poderá conferir que os jogadores tinham espaço para trabalhar a jogada, com o adversário marcando a uma distância de um a três metrôs", descreve.
"Atualmente, você vê três ou quatro atletas disputando o mesmo pedaço do gramado", compara.
Segundo Pagura, o futebol "saiu da era dos grandes craques para entrar na época dos grandes atletas".
"Falamos de profissionais que são mais altos, mais fortes e que correm distâncias maiores", diz.
"Além disso, a bola aérea virou um artifício valioso. Hoje, muitos gols saem de cabeceios após cruzamentos na lateral ou na linha de escanteio", complementa.
Estamos diante, portanto, de um cenário que facilita ainda mais os encontrões de cabeça entre atletas adversários (ou até mesmo entre companheiros do mesmo time).
Prova disso são estudos realizados pela própria CBF, que monitoram as lesões mais comuns que ocorrem nas edições recentes do Campeonato Brasileiro.
Em 2019, a cabeça foi o segundo local do corpo com o maior número de machucados diagnosticados (em primeiro lugar, ficaram os músculos das coxas).
Para ter ideia, 14% de todas as lesões que ocorreram na competição afetaram o crânio dos atletas.
O que fazer?
Pagura entende que a conscientização sobre a encefalopatia traumática crônica no futebol tem aumentado.
"Hoje temos um protocolo bem definido e o atleta tem que ser substituído se o médico achar necessário após um trauma", aponta.
"Essas pancadas podem ser um verdadeiro inimigo oculto, porque em 80% das vezes não há alteração de consciência e o atleta acha que pode continuar no jogo", calcula.
Com o avanço do conhecimento sobre o quadro degenerativo, a tendência é que as próprias regras do jogo passem por mudanças.
Uma das primeiras alterações foi recentemente promovida pelo Conselho da Associação Internacional do Futebol (Ifab, na sigla em inglês).
Os representantes da entidade recomendaram que as cabeçadas intencionais na bola devem ser proibidas nas partidas que envolvam crianças com menos de 12 anos.
Nessa faixa etária, as jogadas aéreas serão paralisadas pelo juiz, que marcará uma falta para o time adversário.
Para Rodriguez, a medida faz sentido, até porque o cérebro ainda está numa fase de desenvolvimento nessa idade.
"Não se trata, claro, de demonizar o esporte ou proibir a prática do futebol, mas encontrar um meio termo para uma competição mais saudável e com menos riscos", pondera.
E, embora as cabeçadas sejam menos comuns entre atletas de final de semana e nos jogos amadores, Pagura recomenda que todos tomem os cuidados necessários para evitar traumas no crânio.
"Ao contrário das lesões que acometem os joelhos ou os tornozelos, em que muitas vezes é fácil notar o inchaço pela pele, o cérebro pode não dar muitos sinais imediatos de algum problema", compara.
"Se porventura você sofrer alguma pancada e ficar com dor de cabeça ou no pescoço, é importante procurar o pronto-socorro para ver se está tudo bem", conclui.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Qatar proíbe a venda de cerveja em estádios da Copa a dois dias da abertura
Alex Sabino e Luciano Trindade*, Folha de S. Paulo
A Fifa confirmou no início da tarde desta sexta-feira (18), horário do Qatar, que não será mais permitida a venda de cerveja dentro e nos arredores do estádio da Copa do Mundo. A decisão foi tomada pelo Comitê da Entrega e Legado, que organiza o Mundial. O torneio terá início neste domingo (20).
"Após discussões entre o país anfitrião e a Fifa, uma decisão foi tomada para focar a venda de bebidas alcoólicas na fan fest, outros destinos turísticos e pontos autorizados, removendo pontos de venda de cerveja dos perímetros da Copa do Mundo de 2022", disse a entidade.
Consultados sobre o impacto da medida no contrato de patrocínio e na receita da competição, Fifa e Budweiser não se pronunciaram até o momento.
A principal patrocinadora do Mundial é justamente a Budweiser, que venderia cerveja alcoólica dentro do perímetro das oito arenas, três horas antes e uma hora depois de cada jogo.
A fabricante de cerveja pagou US$ 75 milhões (R$ 405 milhões em valores atuais) para ser patrocinadora oficial do evento. A proibição da venda da bebida nos estádios representará um agravamento das tensões entre a entidade máxima do futebol e o país-sede.
Só a versão zero (sem álcool) da cerveja continuará disponível em todos os estádios
"As autoridades do país anfitrião e a FIFA continuarão a garantir que os estádios e áreas adjacentes proporcionem uma experiência agradável, respeitosa e agradável para todos os torcedores", afirmou a entidade máxima do futebol.
Ao final da nota, a Fifa fez um aceno à patrocinadora: "os organizadores do torneio agradecem a compreensão e apoio contínuo da AB InBev ao nosso compromisso conjunto de atender a todos durante a Copa do Mundo".
Desde o anúncio do Qatar como anfitrião da Copa, o tema bebida alcoólica era um problema. O contrato pelo direito de vender cervejas nos estádios é peça importante na engrenagem de milhões do Mundial. No Qatar negociar álcool não é crime, mas ser encontrado bêbado ou bebendo é, e o governo faz o possível para dificultar o consumo.
Durante a Copa, as bebidas podem ser encontradas em poucos bares, quase sempre dentro de hotéis. A reportagem da Folha encontrou um desses lugares.
Segundo o jornal The New York Times, a Budweiser recebeu ordem para posicionar suas tendas nos estádios em locais menos visíveis. A determinação teria vindo do xeque Jassim bin Hamad bin Khalifa al-Thani, irmão do emir do país.
De acordo com o site Expensivity, que calcula o valor das cervejas em diferentes nações, no Qatar está a mais cara do mundo. O governo aplica imposto de 100% na importação do produto. A medida foi apelidada de "taxa do pecado".
O único ponto de distribuição no país é controlado pela Qatar Distribution Company (QDC), uma companhia estatal que concentra todo o álcool importado no país (que não produz nada).
*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo
Lula 'toma posse' no exterior em meio a vácuo deixado por Bolsonaro
Laís Alegretti*, BCC News Brasil
Mais de 40 dias antes de assumir o Palácio do Planalto e com Jair Bolsonaro recolhido, Luiz Inácio Lula da Silva é tratado, na prática, como se já fosse presidente em compromissos no exterior e consegue atenção internacional com pauta ambiental.
Após participar da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP27), Lula tem encontros em Lisboa, nesta sexta-feira (18/11), com o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, e com o primeiro-ministro, António Costa. Na manhã de sábado (19/11), Lula tem previsto encontro com a comunidade brasileira no Instituto Universitário de Lisboa
Na COP27, no Egito, Lula teve encontros com autoridades de outros países e foi aguardado por um grande público internacional - o que levou a imprensa francesa, por exemplo, a dizer que o brasileiro foi recebido "como uma estrela de rock" (jornal econômico Les Echos) e a descrever que foi "acolhido com um imenso fervor" (Le Monde).
O diplomata Rubens Ricupero avalia que Lula tem dominado a agenda "um pouco pelo acerto dele, um pouco pela omissão de Bolsonaro".
"Para todos os efeitos, é como se (Lula) já fosse presidente, até porque o outro esvaziou. Nunca vi isso antes, é como se não tivesse mais presidente, há não sei quantos dias. A agenda (de Bolsonaro) está completamente abandonada", disse o ex-embaixador e ex-ministro à BBC News Brasil ao comentar a viagem de Lula.
O silêncio de Bolsonaro e a escassez de compromissos oficiais vêm sendo destacados na imprensa brasileira. Além de poucos compromissos na agenda em Brasília e de um ritmo baixo de postagens no Twitter, Bolsonaro também não participou da cúpula do G20, na Indonésia.
'Legitimidade reforçada'
Ricupero diz que o fato de Lula ter conseguido imprimir um tratamento de presidente no exterior antes da posse "reforça a legitimidade em um momento em que aqui há um movimento muito grande de pessoas que contestam as eleições", em referência aos protestos de parte dos apoiadores de Bolsonaro.
O diplomata considera que Lula acertou no momento da viagem, no início do período de transição. Agora, ele diz, "o calendário tende a favorecer o Lula", já que há a Copa do Mundo e as festas de fim de ano até a posse.
"Com a Copa do Mundo, eu acho que boa parte desse sentimento de mobilização política (contra as eleições) vai abrandar. Terminando a Copa do Mundo, entra nas festas de Natal. Aí Ano Novo e posse, e é outra história", diz. "O momento mais crucial era agora."
Ao deixar o Brasil no início do governo de transição, Lula também se distancia, em certa medida, da disputa por espaço entre partidos aliados na formação do novo governo.
Ricupero, que já foi ministro do Meio Ambiente e da Fazenda lembra, ao mencionar viagens de Tancredo Neves e de Juscelino Kubitschek em momentos semelhantes, que "esse período de transição no Brasil é sempre muito carregado de risco, porque há muita intriga, além da chateação dos pedidos de todo tipo, porque todo mundo cai em cima do presidente".
O destaque negativo ficou para a carona que Lula pegou, para chegar ao Egito, no jato do empresário José Seripieri Filho, fundador da Qualicorp e dono da QSaúde, que chegou a ser preso em 2020 em operação que investigava supostas irregularidades na campanha de José Serra (PSDB-SP) ao Senado, em 2014.
"Eles deveriam ter calculado que cairia mal. Não creio que terá desdobramentos maiores, mas foi um descuido", diz Ricupero.
Ao lembrar que viagens de Tancredo foram feitas em aviões comerciais, Ricupero pondera que "naquela época não havia ameaça à segurança que há hoje" e diz que, no atual contexto, "também seria penoso pegar um avião comercial e ser vítima de manifestações de bolsonaristas, como essas contra os ministros do supremo em Nova York".
O diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington, diz que não há problema jurídico na carona de Lula no avião particular. "Há um problema ético aí, se você quiser. Um problema ético de você aceitar um oferecimento de um empresário para viajar num avião privado."
Barbosa destaca problemas de segurança em uma eventual viagem em voo comercial e diz que, idealmente, o presidente eleito teria se deslocado de carona em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) que tivesse viajado para o Egito.
Lula em Portugal
Ao noticiar a previsão de visita de Lula a Portugal, a imprensa portuguesa destacou que Bolsonaro nunca esteve no país enquanto presidente e que, no Brasil, cancelou um encontro com Marcelo Rebelo de Sousa em julho deste ano porque o português encontraria Lula.
O jornal Expresso escreveu que a visita de Lula "marca uma nova etapa das relações luso-brasileiras, que tinham sido objeto de um distanciamento institucional durante a Presidência de Jair Bolsonaro". O jornal Público disse que há "carga simbólica" na visita de Lula "por decorrer no ano do bicentenário da independência brasileira e por acontecer meses depois de Bolsonaro ter rejeitado receber o chefe de Estado português".
A visita do presidente português ao Brasil no 7 de setembro deste ano, que marcou o bicentenário, também é lembrada.
Rubens Barbosa diz que houve uma "desconsideração" com o presidente português no desfile. "Ele estava ao lado do presidente, o presidente não falava com ele, entrou o cara da Havan (Luciano Hang), ficou no meio... Isso foi uma coisa, diplomaticamente, muito ruim".
Ricupero já havia declarado que considera que o tratamento dado ao presidente de Portugal no governo Bolsonaro foi "inqualificável" e voltou a defender uma reparação.
"Os portugueses fizeram tudo o que nós pedimos, mandaram até aquela coisa do coração de Dom Pedro 1º, com aquele aspecto um pouco lúgubre... Colaboraram em tudo para que se pudesse comemorar o bicentenário, que acabou sendo um fracasso por culpa nossa, não deles".
Ricupero diz que "os portugueses foram maltratados". "Quando houve o 7 de Setembro, ele (Bolsonaro) deixou o presidente Portugal ao lado dele no palanque, mas não deu atenção nenhuma. E fez um tipo de discurso completamente fora do espírito da celebração", diz o diplomata.
E a falta de uma visita de Bolsonaro aos portugueses?
Para Rubens Barbosa, a ausência de uma visita de Bolsonaro a Portugal diz mais sobre a política externa do governo Bolsonaro em geral do que sobre a relação entre os dois países em si.
"Bolsonaro não visitou quase país nenhum, não tem nada de discriminação contra Portugal. Ele tem uma política externa muito complicada", disse. "A relação com Portugal é muito intensa e eu acho que o Lula, passando por lá, vai retomar essa tradição de contato estreito entre os dois países."
Lula na COP27: meio ambiente e a atenção internacional
A atenção internacional que Lula conseguiu logo após sua eleição também tem a ver com o tema central da viagem, já que a pauta ambiental é o maior interesse internacional no Brasil, devido principalmente à Amazônia.
"Lula foi para uma conferência que é, nesse momento, a mais importante da agenda internacional e na qual o Brasil é relevante", destaca Ricupero.
Na COP27, Lula disse que "não medirá esforços para zerar o desmatamento de nossos biomas até 2030" e afirmou que todos os crimes ambientais vão ser combatidos "sem trégua". Ele também propôs que a COP de 2025 ocorra na Amazônia.
Ricupero, que conta ter se filiado à Rede Sustentabilidade, diz que a pauta ambiental "deveria dominar grande parte da política externa" do novo governo Lula. "Tem outros aspectos da política externa do PT que são mais controversos - por exemplo, ele vai ter em algum momento que se posicionar em relação à Nicarágua, Cuba e Venezuela. No passado, sempre teve simpatia ideológica do PT (a governos desses países) e eu não sei o que ele vai fazer", disse.
"(A pauta ambiental) é um assunto que pode render enormes retornos ao Brasil a curto prazo, sem muito custo. O custo que tem é interno, de enfrentar os grileiros, mineradores, garimpeiros ou os madeireiros. De qualquer forma, ele é obrigado a enfrentar, porque são todas atividades criminosas, ilegais", diz.
*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil
Enem e Copa do Mundo provocam mudança no dia da Consciência Negra
Igor Carvalho*, Brasil de Fato
Por conta da abertura da Copa do Mundo e da segunda prova do Enem, que acontecem na tarde deste domingo (20), o movimento negro decidiu mudar o horário da 19ª Marcha da Consciência Negra de São Paulo. A manifestação terá início às 10h, no MASP, na Avenida Paulista. Em outros anos, o evento ocorreu às 17h.
Sob o mote "Por um Brasil e uma São Paulo com democracia e sem racismo", o movimento pretende lembrar a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas para Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Importante estarmos na rua. Temos que celebrar a queda do governo de Bolsonaro, nós derrubamos Bolsonaro, a força do movimento negro impôs uma derrota ao genocida. Agora, é nos juntarmos nas ruas e nos organizarmos para o próximo período", afirmou Douglas Belchior, fundador da Uneafro. Ele acompanha a delegação da Coalizão Negra por Direitos que está no Egito participando da COP27.
Além de lembrar a vitória de Lula, o movimento negro também protestará contra a retirada de câmeras dos policiais militares, medida anunciada ainda em campanha pelo governador eleito do estado, o fluminense Tarcísio de Freitas (PL).
"Agora, em São Paulo temos um herdeiro do bolsonarismo, que é Tarcísio de Freitas, próximo governador, que já fala em tirar as câmeras dos policiais, medida que comprovadamente derruba a letalidade policial e, por consequência, garante a vida do nosso povo. Nenhum recuo agora, vamos para a rua", convocou Belchior.
Movimento negro paulista cobrará Tarcísio de Freitas por câmeras em policiais / Foto: Divulgação
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato. Título editado
Revista online | Um revolucionário cordial em revista
Daniel Costa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Entre as efemérides lembradas em 2022 está a criação do Partido Comunista do Brasil, e no bojo deste acontecimento a Fundação Astrojildo Pereira (FAP), em parceria com a Boitempo, promoveu a reedição da obra do militante, que, animado pelos ecos da Revolução Russa, fundaria em 1922 o PCB. Astrojildo Pereira publicou cinco livros - esgotados há anos -, são eles: Crítica Impura; Formação do PCB; Interpretações; Machado de Assis e URSS Itália Brasil. Ele foi, segundo Dainis Karepovs, "um homem de paixões e convicções inquebrantáveis e duradouras". A reedição de sua obra possibilita às novas gerações desvendar os caminhos trilhados por aquele que pode ser considerado o pioneiro na defesa da construção de uma esquerda democrática.
O professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Gilberto Maringoni classifica Astrojildo como um homem "antidogmático e antissectário por essência”. “Astrojildo bateu-se sempre por uma política radical e ampla para os comunistas", acrescentou. A tarefa a qual se impôs pode ser vista como uma das hipóteses para o apagamento, por parte de setores da esquerda, de sua produção intelectual e relevância para a construção do movimento comunista no país.
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Crítica Impura, o último trabalho publicado por Astrojildo, foi editado em 1963. Como afirma o jornalista Paulo Roberto Pires, a obra "é um livro datado - e nisso está sua qualidade -", reunindo 49 ensaios publicados entre as décadas de 1930 e 1960. Além de trazer questões candentes a seu tempo, oferece ao leitor reflexões acerca da obra de autores como Eça de Queiroz e José Lins do Rego. Dividida em três partes: ensaios e notas de leitura; testemunhos sobre a nova China e cultura e sociedade, a publicação mostra a versatilidade daquele que foi muito além de um dirigente político. A edição conta com o prefácio assinado pela jornalista Josélia Aguiar e ensaio escrito pelo filósofo Leandro Konder, em anexo.
Formação do PCB, lançado originalmente em razão da comemoração dos 40 anos de fundação do partido, foi seu penúltimo livro. Procurando criar uma narrativa histórica das origens do comunismo no país, é o trabalho do autor que mais ganhou reedições. Partindo de artigos e notas publicadas na imprensa, documentos pessoais e a própria memória, Astrojildo aborda as lutas operárias ocorridas nos últimos anos do século XIX e a criação das bases que culminaram na fundação do PCB. Segundo José Antonio Segatto, a reedição do livro, "no momento em que se comemora o centenário de fundação do partido do qual Astrojildo Pereira foi o principal protagonista de sua criação, além de ser uma homenagem mais que justificável, recoloca a questão histórico-política da luta pela emancipação das classes subalternas, num país iníquo ao extremo, com os direitos de cidadania constantemente aviltados e com uma democracia contingente e restrita".
Sem medo de cometer o pecado capital dos historiadores, ou seja, ser anacrônico, podemos constatar que boa parte das batalhas travadas por Astrojildo no alvorecer do século XX seguem atuais. Além do prefácio assinado por Segatto, a edição conta com importante escrito de Astrojildo em anexo, publicado em 1918. O texto A Revolução Russa e a imprensa questiona o tratamento dado pela imprensa aos acontecimentos referentes à Revolução Russa.
Confira, a seguir, galeria de imagens:
Interpretações, talvez, seja o trabalho menos conhecido de Astrojildo, mesmo com alguns dos textos aparecendo em outras coletâneas ao longo dos anos. Dividido em três partes, Romances brasileiros; História política e social e Guerra e após-guerra, o livro traz, nas palavras de Pedro Meira Monteiro, "a sensibilidade aguda de um crítico que mergulha nos textos, buscando a malha tensa do social, em suas contradições mais fundamentais".
Percorrendo a obra de Machado de Assis, Lima Barreto e Graciliano Ramos, Astrojildo ainda discutirá o papel desempenhado por Rui Barbosa no processo que culminaria na abolição da escravidão. O prefácio da edição é assinado pelo professor Flávio Aguiar, e apresenta, como anexo, o ensaio intitulado "Meu amigo Astrojildo Pereira", escrito por Nelson Werneck Sodré e publicado em 1990, e "As tarefas da inteligência", de Florestan Fernandes, publicado em 1945, ainda sob o calor da publicação da primeira edição do livro.
Machado de Assis, um dos trabalhos mais conhecidos de Astrojildo, teve sua primeira edição em 1959. Desde então, ganhou nova edição em 1990 e outra, em 2008, quando foi comemorado o centenário do bruxo do Cosme Velho. Reunindo estudos publicados em revistas e jornais, o livro pode ser colocado na prateleira dedicada às grandes obras que procuraram discutir a formação da nossa identidade. A riqueza está no pioneirismo de sua análise, pois, por meio da lente do intelectual comunista, Machado de Assis deixou de ser visto como alguém indiferente ao Brasil do século XIX, e sim um escritor que realizou pertinente críticas às desigualdades e contradições da sociedade em sua época. A edição traz prefácio de José Paulo Netto e, como anexos, textos de Euclides da Cunha, Rui Facó e Otto Maria Carpeaux, além de Machado de Assis é nosso, é do povo, de Astrojildo, publicado em 1938, por ocasião dos 30 anos do falecimento de Machado de Assis.
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URSS Itália Brasil, seu livro de estréia, foi lançado em 1935. Reunindo textos publicados entre 1929 e 1934, a obra buscava difundir o ideário comunista pelo país. É dividido em três partes, cada uma dedicada aos países que dão título à publicação. A edição conta com prefácio de Marly Vianna e apresentação de Heitor Ferreira Lima.
Por fim, destaco a reedição da biografia escrita pelo historiador Martin Cezar Feijó, O revolucionário cordial: Astrojildo Pereira e as origens de uma política cultural mostra as várias faces de Astrojildo, do militante político ao intelectual amante dos livros e da literatura. Segundo Feijó, sua obra pode ser vista como uma "reflexão sobre um revolucionário que soube ser cordial num contexto de brutalidade".
Com a publicação das obras de Astrojildo Pereira e da biografia escrita por Feijó, o público passa a ter acesso ao pensamento daquele que foi "um revolucionário cordial à frente de seu tempo, tempo este sombrio, pouco dado a cordialidades". No momento em que a sociedade passa a ter esperança na reconstrução da democracia, pensar como e com Astrojildo pavimenta o caminho para a construção de uma esquerda plural e democrática.
Sobre o autor
*Daniel Costa é historiador pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e desenvolve pesquisa acerca da corrupção na América portuguesa ao longo do século XVIII.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de novembro de 2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Nas entrelinhas: A transição de Lula parece a Democracia Corinthiana
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Uma das páginas mais interessantes da história do futebol brasileiro foi o surgimento da Democracia Corinthiana na década de 1980, um movimento que marcou a história do Timão paulista e representou, àquela época, o engajamento de um clube de futebol na luta pela redemocratização do país, com a participação dos craques do time, principalmente Sócrates, Wladimir, Casagrande e Zenon, na campanha das Diretas, Já.
Internamente, o futebol do Corinthians passou a ser administrado de forma revolucionária, num modelo de autogestão no qual todas as decisões importantes do dia a dia, inclusive contratações e escalações, eram tomadas por toda a equipe, na base do “cada cabeça um voto”, do roupeiro do time ao técnico Mário Travaglini. O sociólogo Adilson Monteiro Alves, diretor de futebol do clube na época, foi o pai dessa criança. O filho dele, Duílio Monteiro Alves, ocupa o mesmo cargo atualmente e pode ser candidato à Presidência do clube.
Em sintonia com a conjuntura política, com um time muito competitivo, a Democracia Corinthiana conquistou as simpatias dos torcedores em todo o país e empolgou a “Fiel”, sua grande torcida, principalmente por ter conquistado o Paulistão, em 1982 e 1983. Entretanto, quando Sócrates se transferiu para o Fiorentina, na Itália, começou a se esvaziar. O craque cumprira a promessa de que deixaria o país se a Emenda Dante de Oliveira, que restabeleceria as eleições diretas para presidente da República, não fosse aprovada.
O nome “Democracia Corinthiana” foi cunhado pelo publicitário Washington Olivetto, que também criou uma marca inspirada na tipologia da Coca-Cola. Ela foi estampada na camisa alvinegra em algumas partidas, assim como as frases “Diretas, Já” e “Eu quero votar para presidente”. Com a perda de seu principal líder dentro e fora do campo, os fracassos em campo e a derrota de Adilson Monteiro nas eleições para a Presidência do clube em 1985, a Democracia Corinthiana deixou de existir.
A equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, coordenada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, parece a Democracia Corinthiana. A impressão é de que ainda não existe um estado-maior do futuro governo Lula, que deveria ser o núcleo central da transição. Tem muita gente falando e agindo de forma descoordenada, o que passa a má impressão de a equipe estar mergulhada numa disputa interna pelos ministérios, o que gera insegurança no mercado e frustra expectativas dos agentes econômicos.
Bumba meu boi
A bagunça maior é na equipe de transição na área econômica, na qual já está evidente uma disputa entre seus integrantes. Ontem, houve uma manifestação pública dos economistas Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan, que advertiram Lula de que a responsabilidade fiscal será avalista do sucesso de seu terceiro mandato. A síntese da carta aberta dos três economistas é essa. Na sequência, no final da tarde de ontem, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega renunciou à participação na equipe.
Legalmente, a equipe de transição coordenada por Geraldo Alckmin tem 14 pessoas nomeadas, de um total de 50 cargos previstos em lei, com remuneração. Entretanto, a equipe já conta com 31 grupos temáticos, cada um empenhado em ter o seu o próprio ministério, e mais de 300 pessoas indicadas para esses grupos de trabalho, a maioria por representação política dos partidos que apoiaram Lula no primeiro e no segundo turnos da eleição, e não necessariamente pela qualificação e experiência técnica de cada um. O critério para formação desse time não parece ser construir a passagem segura de comando na administração, sem interrupção de seu funcionamento, principalmente nas atividades-fim. Tem muita gente falando e jogando para a arquibancada, e não para a equipe.
É preciso um freio de arrumação na transição, não somente na área econômica, na qual o próprio presidente Lula vem dando declarações que miram seus eleitores, mas confronta os agentes econômicos, o que provoca alta do dólar, queda do valor de ações na Bovespa e expectativas negativas de investidores. É quase uma autossabotagem. Ao mesmo tempo em que manda sinais positivos para os parceiros internacionais na questão ambiental, anula seu próprio desempenho com declarações desastrosas sobre a economia.
Não tem para onde correr. Se não quer tumultuar o começo de seu mandato, fazendo o jogo que o presidente Jair Bolsonaro gostaria que fizesse, para melar a transição, Lula precisa anunciar o nome do seu ministro da Fazenda e começar a tratar da montagem de seu ministério, porque a administração pública é uma estrutura complexa e hierarquizada, que não funciona na base do bumba meu boi, com todo respeito pelas nossas tradições populares.