Day: novembro 14, 2022
Revista online | Bardo: A viagem de Iñárritu
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (49ª edição: novembro/2022)
Um filme que tem como subtítulo “falsa crônica de algumas verdades” já nos deixa intrigados e de sobreaviso para o que vamos ver desfilar na tela. Realidade? Ficção? Surrealismo? Realismo mágico? Bardo tem um pouco de cada, já que o mexicano Alejandro González Iñárritu misturou tudo e nos presenteou com essa maravilha de filme.
Uma história nada convencional, que nos leva diretamente ao âmago do diretor, ao esconderijo de seus traumas e de suas angústias, representado aqui pelo personagem Silverio Gacho (Daniel Giménez Cacho), um documentarista mexicano que volta à sua terra natal depois de quase 20 anos morando nos Estados Unidos. Um cidadão ilustre de seu país, mesmo que tenha decidido abandoná-lo. Ou, quem sabe, justamente por isso…
A história se passa em um limbo que permite a Silverio ver de longe sua própria vida, fazendo um mea culpa e, ao mesmo tempo, tentando identificar acertos. Um estado mental que faz refletir sobre decisões tomadas, lutos vividos, cicatrizes deixadas e feridas não curadas dessa caminhada sem guia que é a vida. Aliás, esse limbo explica o título do filme, já que “bardo”, no budismo, significa um estado intermediário entre a morte e o renascimento.
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Bardo é um filme nostálgico, melancólico, além de ser uma bela reflexão sobre imigração, deslocamento, pertencimento, sobre sentir-se deslocado, às vezes, tresloucado, fora de lugar. Sobre estar nesse não-lugar de ser estrangeiro, de ser muito mexicano para ser americano e muito americano para ser mexicano.
Para colocar tudo isso na tela, Iñarritú recorre ao onírico, aos símbolos, às metáforas, percorrendo elementos de sua própria filmografia, o que, para olhos atentos, não será difícil de identificar. Há pistas bem claras, como os planos aéreos do deserto que separa México dos EUA e que é palco para uma das cenas mais fortes de Babel (2006). Ou os estupendos planos gerais rodados em 65mm como os vistos em O Regresso (2015). Ou, ainda, os fantásticos planos-sequências que perseguem o protagonista em um caminho quase labiríntico, claustrofóbico, assim como acontece em Birdman (2014).
No entanto, apesar da maestria com que conduz essa obra grandiosa (e cara) que é Bardo, o diretor mexicano tem sido alvo de muitas críticas por parte de especialistas, que o acusam de arrogante, narcisista e de haver realizado ali uma pseudo autocrítica. Isso porque o que está em questão em seu longa é uma imigração privilegiada, que não teve que atravessar nenhum deserto, nem quaisquer águas bravias. Ou seja, uma expatriação voluntária que lhe permitiu ver o país de cima, da classe executiva, e que o fez aterrissar em solo seguro, protegido por um visto migratório, com a sempre liberdade de poder voltar.
Certamente, sua mudança para a terra de Tio Sam não tem nada a ver com a de seus tantos compatriotas que arriscam o que têm e que não têm para realizar o american dream. Nem por isso os questionamentos de Bardo são menos valiosos. O que Iñarritu coloca sobre a mesa em sua autoficção, como ele mesmo descreve o filme, é algo interessante de ser pensado e discutido. Uma história fantástica, que se distancia dos classicismos cinematográficos e que se dispõe a mostrar as contradições e idiossincrasias da elite mexicana – também chamada de Whitexicans –, da qual ele faz parte. Classe que sofre uma crise existencial constante por estar tão perto dos EUA, mas, ao mesmo tempo, tão distante de seus costumes e mentalidade. Crise também por se saberem roubados pelos gringos no passado, mas cientes de que, hoje, muito de sua economia funciona com base nos investimentos (ou exploração) das tantas indústrias americanas ali instaladas. Ou, ainda, nas tantas remessas de dinheiro feitas por aqueles que conseguiram atravessar a fronteira e “vencer na vida”.
Confira, a seguir, galeria:
Bardo, com seu humor ácido e sua direção de arte excepcional, é finalmente uma grande crítica à alta sociedade mexicana, conseguindo, ao mesmo tempo, atingir em cheio imigrantes ou expatriados de outras nacionalidades, que terminam por identificar-se com aquelas angústias e sentimentos de não-pertencimento, de traição à pátria, de abandono e, ainda, de uma colonização não cicatrizada.
Apesar de suas quase 3 horas de duração, Bardo flui bem, conduzindo o espectador de maneira quase hipnótica pelos labirintos da cabeça (e do país) desse grande diretor que já nos presenteou com obras extraordinárias como Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003) e que agora nos mostra que a memória não é feita apenas de verdades.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíca.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de novembro/2022 (49ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Artigo: A transição, o social e o fiscal
BENITO SALOMÃO - Doutor em economia pelo PPGE/Universidade Federal de Uberlândia (MG)
Diante da transição em curso, o governo eleito sinaliza suas prioridades, deixando claro, no meu entendimento de forma acertada, que vai recuperar a agenda social abandonada na última década. O Brasil empobreceu nos últimos anos e as camadas posicionadas na base do estrato social sofrem mais com isso, por vias de privações de itens básicos de cidadania como alimentação e vestuário. Portanto, a agenda de readequar o aos seus critérios originais de focalização e contrapartidas, somado ao fortalecimento do salário mínimo, são extremamente bem-vindas. Outras pautas, igualmente importantes, como a recuperação da ciência e tecnologia deveriam estar entre essas prioridades.
A agenda social de Lula, no entanto, passa por um desafio não trivial. Seus programas exigem recursos públicos escassos e vão, certamente, ser confrontados em algum período com a restrição fiscal do Estado. De forma que o problema que a equipe de transição enfrenta não é puramente o de redesenhar políticas públicas a fim de torná-las mais progressivas, mas sim de fazer isso respeitando a sustentabilidade fiscal de longo prazo.
A boa notícia é que essas pautas não são inconciliáveis se bem desenhadas e anunciadas adequadamente ao público. O Auxílio Brasil, tal qual foi concebido pelo governo atual, tinha problemas de focalização, isso tornava o programa relativamente caro e pouco efetivo no seu objetivo principal de mitigar a pobreza. O salário mínimo, por sua vez, indexa um conjunto relevante de rubricas do orçamento, como, por exemplo, a previdência social. Achatar em termos reais o salário mínimo nos últimos anos foi uma estratégia de segurar o crescimento compulsório das despesas públicas, particularmente as obrigatórias. Evidentemente que o represamento do salário mínimo é uma tentativa injusta de jogar o custo do ajuste fiscal nos ombros dos pobres.
Artigo publicado originalmente no Correio Braziliense.
Festival de Brasília do Cinema Brasileiro começa nesta segunda-feira (14); confira programação
G1 DF
O 55º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, considerado o mais longevo do país, começa nesta segunda-feira (14) e vai até o dia 20 de novembro. Ao todo, são 42 filmes selecionados, entre curtas e longas-metragens (veja quais são ao final da reportagem). As sessões acontecem todos os dias, até 19 de novembro, às 20h30.
Além das mostras competitivas, duas mostras paralelas de longas-metragens, sessões hors-concours e sessões ao homenageado da edição, Jorge Bodanzky, fazem parte da programação. Oficinas e debatem também foram anunciados.
- Veja aqui os detalhes da programação
" A edição de 2022 está focada no retorno ao ambiente de exibições presenciais e na reconstrução de políticas do audiovisual brasileiro", diz a organização do festival.
Mostra Brasília
Cena do filme Capitão Astúcia, participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
Entre os longas da Mostra Competitiva Nacional foram selecionadas duas produções do Distrito Federal, feito inédito na história do festival:
- "Mato seco em chamas", de Adirley Queirós e Joana Pimenta, é uma obra futurista que explora os impactos da presença da extrema-direita em ambientes de favela;
- "Rumo", de Bruno Victor e Marcus Azevedo, fala sobre a trajetória de implementação das cotas raciais em universidades brasileiras.
Também foram selecionados quatro longas e oito curtas-metragens produzidos no Distrito Federal para disputar os 13 troféus Candango e os R$ 240 mil em prêmios concedidos pela Câmara Legislativa do DF, incluindo R$ 100 mil para o melhor longa e R$ 30 mil para o melhor curta, pelo júri oficial.
Na categoria júri popular, o longa vencedor receberá R$ 40 mil e o curta ficará com R$ 10 mil.
Filmes selecionados
Cena do Filme 'Espumas ao Vento', participante da Mostra Nacional — Foto: Reprodução
Mostra Competitiva Nacional – Longas
- Mato seco em chamas (DF): direção de Adirley Queirós e Joana Pimenta
- Espumas ao vento (PE): direção de Taciano Valério
- Rumo (DF): direção de Bruno Victor e Marcus Azevedo
- Mandado (RJ): direção de João Paulo Reys e Brenda Melo Moraes
- Canção ao longe (MG): direção de Clarissa Campolina
- A invenção do outro (SP/AM): direção de Bruno Jorge
Mostra Competitiva Nacional – Curtas
- Big bang (MG/RN): direção de Carlos Segundo
- Ave Maria (RJ): direção de Pê Moreira
- Nossos passos seguirão os seus… (RJ): direção de Uilton Oliveira
- Anticena (DF): direção de Tom Motta e Marisa Arraes
- Calunga maior (PB): direção de Thiago Costa
- Sethico (PE): direção de Wagner Montenegro
- Escasso (RJ): direção: Encruza – Clara Anastácia e Gabriela Gaia Meirelles
- São Marino (SP): direção de Leide Jacob
- Capuchinhos (PE): direção de Victor Laet
- Nem o mar tem tanta água (PB): direção de Mayara Valentim
- Um tempo para mim (RS): direção de Paola Mallmann de Oliveira
- Lugar de Ladson (SP): direção de Rogério Borges
Mostra Brasília – Longas
Cena do filme 'O Pastor e o Guerrilheiro', participante da Mostra Brasília — Foto: Reprodução
- Capitão Astúcia: direção de Filipe Gontijo
- Profissão livreiro: direção de Pedro Lacerda
- Afeminadas: direção de Wesley Godim
- O pastor e o guerrilheiro: direção de José Eduardo Belmonte
Mostra Brasília – Curtas
- Desamor: direção de Herlon Kremer
- Super-Heróis: direção de Rafael de Andrade
- Plutão não é tão longe daqui: direção de Augusto Borges e Nathalya Brum
- Manual da pós-verdade: direção de Thiago Foresti
- Tá tudo bem: direção de Carolina Monte Rosa
- Virada de jogo: direção de Juliana Corso
- Levante pela Terra: direção de Marcelo Cuhexê
- Reviver: direção de Vinícius Schuenquer
Sessões especiais
Cena do filme 'Quando a Coisa Vira a Outra' — Foto: Reprodução
- Quando a coisa vira outra (DF): direção de Marcio de Andrade
- Diálogos com Ruth de Souza (SP): direção de Juliana Vicente
Mostra Reexistências
- O cangaceiro da moviola (MG/RJ): direção: de Luís Rocha Melo
- Não é a primeira vez que lutamos pelo nosso amor (RJ): direção de Luis Carlos de Alencar
- Uýra – A retomada da floresta (AM): direção de Juliana Curi
- Cordelina (PB): direção de Jaime Guimarães
Mostra Festival dos Festivais
- A filha do palhaço (CE): direção de Pedro Diógenes
- Três tigres tristes (SP): direção de Gustavo Vinagre
- Fogaréu (GO): direção de Flávia Neves
Homenagem Jorge Bodanzky
- Distopia utopia: direção de Jorge Bodanzky
- Compasso de espera: direção de Antunes FIlho
- Amazônia, a nova Minamata? direção de Jorge Bodanzky
Matéria publicada originalmente no G1
Brutalidade da eleição brasileira como artigo de exportação?
Alexander Busch | DW Brasil
As eleições no Brasil detiveram por enquanto a crescente tendência de erosão das democracias no Ocidente. Esse é um sinal importante vindo do quinto maior país do mundo. Apesar da campanha eleitoral brutal, dos campos adversários irreconciliáveis e das muitas tentativas de declarar de antemão a invalidade das eleições, as instituições democráticas do Brasil resistiram. Logo após o fechamento das urnas, o resultado da eleição já era conhecido. Em comparação: nas eleições de meio de mandato nos EUA, o resultado final só deve ser conhecido dias depois.
No Brasil, logo após a divulgação dos resultados, os líderes da Câmara dos Deputados, do Senado e do Supremo Tribunal Federal declararam que a eleição ocorreu de forma limpa e que não havia motivos para contestar o resultado. Os militares se comportaram de forma neutra. Ao mesmo tempo, as burocracias e os políticos de Brasília começaram tranquilamente a se preparar para a transferência de poder.
Mesmo que os radicalizados apoiadores de Bolsonaro continuem acreditando em fraude eleitoral, os políticos eleitos do campo bolsonarista não os levam tão a sério. Inúmeros apoiadores influentes do presidente derrotado, dos setores político, econômico e social – mesmo as eminências pardas evangélicas – pediram o fim dos protestos.
Mesmo que a transição de poder até 1º de janeiro de 2023 ainda possa ser acidentada, a democracia brasileira provou ser dinâmica. A guinada à direita que ocorreu na sociedade brasileira nos últimos anos agora também chegou ao Congresso e às instituições.
Material de estudo para política, Justiça e imprensa
Diferente do que pode ser observado em algumas democracias ao redor do mundo – na Europa, por exemplo – o sistema político do Brasil está se mostrando integrador. Novos protagonistas têm a chance de ganhar o controle do poder político por meio de eleições democráticas. A democracia brasileira mostra uma permeabilidade que não muitos sistemas possuem.
No entanto, essa eleição me preocupa: temo que estrategistas eleitorais da nova direita em todo o mundo olhem de perto a campanha eleitoral de 2022 no Brasil – para copiá-la no futuro. O uso das mídias sociais tanto pela equipe de campanha de Bolsonaro quanto pela de Lula atingiu um novo nível de agressividade e brutalidade, inimaginável pouco tempo atrás.
Sobretudo os 28 dias que antecederam o segundo turno mostraram um uso assustador de fake news nas mídias sociais difícil de imaginar na Europa e nos EUA. As autoridades eleitorais tentaram aplicar as lições das últimas eleições. O Judiciário agiu com mais rapidez e veemência do que até pouco atrás se esperaria. Nas últimas semanas, no entanto, mostrou-se parcialmente impotente nas reações à campanha eleitoral suja.
Todos os partidos tradicionais europeus, os órgãos judiciais relevantes e a mídia não só da Europa como também da América Latina devem estudar cuidadosamente as estratégias de campanha das últimas semanas no Brasil. É previsível que as próximas eleições também sejam brutais em outros Estados democráticos.
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Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Artigo publicado originalmente no DW Brasil
Governador bolsonarista: Lula não é de direita ou esquerda, é do povo
Tácio Lorran | Metrópoles
Enviado especial à Sharm El-Sheikh – Governadores da Amazônia que declararam apoio à reeleição de Jair Bolsonaro (PL) indicaram estar dispostos a trabalhar junto ao novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reduzir o desmatamento ilegal na região. Eles ponderam, contudo, que políticas do agronegócio não podem ser deixadas de lado.
O governador do Acre, Gladson Cameli (PP), afirmou que Lula não é presidente de esquerda ou de direita, mas, sim, do povo brasileiro.
“A eleição acabou. Desci do palanque e estou pronto para ajudar no que for necessário. Temos as políticas ambientais e as políticas do agronegócio”, afirmou Cameli, nesta segunda-feira (14/11), durante a 27º edição da Conferência das Partes das Nações Unidas (COP27), realizada em Sharm el-Sheikh, no Egito.
Por sua vez, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), pontuou que quando alguém se elege para um cargo público, a Constituição e a legalidade passam a ser a grande baliza.
“A eleição terminou. Quando eu ganhei a eleição, 15 prefeitos me apoiaram. Nesta reeleição, eu tive apoio de 140 prefeitos. Espero que daqui a um tempo o presidente Lula possa ter o apoio de todos – vai ser um sinal de que ele vai governar para todos e não somente para aqueles que o elegeram”, acrescentou Mendes.
Ambos os governadores declaram apoio a Bolsonaro nas últimas eleições.
O consórcio interestadual da Amazônia Legal tem um hub próprio na COP27. Nesta quarta-feira (16/11) o espaço terá a presença do Lula, que receberá uma carta dos governadores da região. O documento está em fase de finalização.
“Essa carta vai trazer, em linhas gerais, uma proposta de uma visão que possa representar esse novo momento que o Brasil vai viver, mas, acima de tudo, que possa garantir o respeito à Amazônia e a todos nós que vivemos naquela parte do país. Preservar nós queremos, mas queremos também que o povo da Amazônia possa tero direito de continuar crescento e se desenvolvendo”, disse o governador do Mato Grosso.
*O repórter viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade (ICS)
Matéria publicada originalmente no Metrópoles