Day: outubro 27, 2022
Revista online | Veja lista de autores da edição 48 (outubro/2022)
*Cristovam Buarque é autor do artigo E agora, Darcy?. Foi reitor da Universidade de Brasília (UnB) de 1985 a 1989. Foi governador do Distrito Federal de 1995 a 1998 e eleito senador pelo DF em 2002. Atuou como ministro da Educação de 2003 a 2004, no primeiro mandato de Lula. Foi reeleito em 2010 para o Senado pelo DF, com mandato até 2018.
*Wanessa Sabbath é autora do artigo Quilombos Urbanos: Identidade, resistência e patrimônio. É cantora, compositora, atriz e fundadora da Casa amarela quilombo, ocupação cultural que visa abrir espaço à cultura afro-brasileira integrando as periferias ao centro da cidade utilizando a arte como transformador social.
*Eduardo Rocha é autor do artigo Mercado informal e a recuperação fiscal. É economista pela Universidade Mackenzie, com pós-graduação em Economia do Trabalho pela Unicamp.
*Raquel Nascimento Dias é autora do artigo Cotas de gênero na política: como avançar para garantir a participação das mulheres. É ativista social e Gestora Pública. Atualmente Secretária de Desenvolvimento Econômico e Turismo do Município de Cascavel/Ceará e Diretora Pedagógica e de Articulação Social da Plataforma Àwúre Educa e Membra do Comitê Técnico do GT Povos Tradicionais do MPT.
*Lilia Lustosa é autora do artigo Um tsunami chamado Godard. É crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
*André Lima é autor do artigo Luz (Verde) no fim do túnel? É advogado, ex-secretário de Meio Ambiente do Distrito Federal, colunista do Congresso em Foco e coordenador do projeto Radar Clima e Sustentabilidade, do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).
*Bazileu Margarido é autor do artigo Luz (Verde) no fim do túnel? É engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama, entre 2007-2008, secretário de Fazenda de São Carlos, São Paulo, em 2001 e 2002 e chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007.
*Delmo Arguelhes é autor do artigo A economia política dos corpos. É doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), com estágio pós-doutoral em estudos estratégicos na Universidade Federal Fluminense (UFF). É pesquisador associado sênior do Núcleo de Estudos Avançados do Instituto de Estudos Estratégicos (NEA/INEST) da UFF. Autor do livro Sob o céu das Valquírias: as concepções de honra e heroísmo dos pilotos de caça na Grande Guerra (1914-18).
Roberto Freire é o entrevistado especial da revista de outubro Roberto Freire: “Votar em Lula é salvar a democracia”. É presidente nacional do Cidadania, advogado, ex-senador, ex-deputado federal e foi candidato a presidente da República em 1989 pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB).
Paulo César Nascimento é o autor do artigo A identidade imperial russa e a guerra na Ucrânia. É cientista político, formado pela Universidade de Brasília (UnB).
*Leone Campos de Sousa é a autora do artigo A identidade imperial russa e a guerra na Ucrânia. É socióloga, graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
*A Fundação Astrojildo Pereira detém os direito do editorial da revista de outubro (edição 48): As três frentes do segundo turno
* JCaesar é o autor da Charge sobre propaganda eleitoral. É pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online
Revista online | A identidade imperial russa e a guerra na Ucrânia
Paulo César Nascimento e Leone Campos de Sousa*, especial para a revista Política Democrática online (48ª edição: outubro/2022)
“Tudo que cessa de crescer começa a apodrecer”, assinalou, certa vez, Catarina II, imperatriz da Rússia de 1761 a 1796, referindo-se à necessidade de seu país expandir-se constantemente de forma a garantir seu status de potência entre as nações europeias. Essa aspiração tem sua origem em Pedro I, que a antecedeu em quatro décadas, e prossegue, por vias tortuosas, até a atual Rússia pós-soviética de Vladimir Putin, influenciando inclusive sua fatídica decisão de invadir a Ucrânia.
Para sustentar a ambição russa de aumentar a influência e o poder do czarismo, Pedro e Catarina tinham tanto que competir com os países que então representavam o Ocidente desenvolvido – Inglaterra, Holanda, Alemanha e França –, quanto copiá-los em certos aspectos. Para tal, procuraram transformar a velha Rússia oriental, dotando-a de infraestrutura moderna. Racionalizaram sua enorme burocracia, incentivaram a ciência e, através do fortalecimento do exército, ampliaram as fronteiras do império por meio de várias conquistas militares. Um ponto muito importante dessas mudanças foi a transferência da capital de Moscou para São Petersburgo, cidade construída por Pedro I com o intuito de ser a “janela para a Europa” da Rússia.
Esse processo de modernização, contudo, nunca incorporou o iluminismo europeu, nem muito menos as instituições democráticas que se desenvolviam na parte ocidental do velho continente. Os sucessivos czares construíram extensas ferrovias, dotaram seus exércitos da mais moderna artilharia e formaram técnicos e especialistas no exterior; no entanto, não reformaram a monarquia autocrática absolutista, que permaneceu sem grandes alterações até à Revolução de 1917.
Essa característica da Rússia – desenvolver-se para competir com as potências europeias, mantendo ao mesmo tempo a tradição autocrática de governo –, refletia na verdade uma ambiguidade da identidade nacional do país, visível na intelligentsia russa. Parte dela, ressentida pelo atraso cultural e político da Rússia vis-à-vis o Ocidente, enaltecia elementos da sua cultura autóctone, como a enigmática “alma eslava”, a “simplicidade” do muzhik – o camponês russo –, assim como a espiritualidade do povo, representada pela igreja ortodoxa. Veneravam as tradições eslavas e, ao mesmo tempo, criticavam o materialismo e o racionalismo ocidentais, bem como a falta de humanidade e transcendência nas sociedades europeias.
Uma outra parte dos intelectuais russos, ao contrário, tomavam o Ocidente como modelo a ser seguido pela Rússia, para que esta pudesse progredir e entrar no mapa mundial como a potência que suas dimensões territoriais, recursos naturais e milenar civilização exigiam. Lamentavam a autocracia czarista, o atraso social e a falta de liberdades democráticas do país. Sua visão do Ocidente, no entanto, muitas vezes pecava por ingenuidade, como se fosse possível transferir mecanicamente para a Rússia as condições que propiciaram o progresso dos países europeus. Aliás, tal ingenuidade parece ser uma constante entre os “ocidentalistas” russos.
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Por óbvio, as posições pró e contra o Ocidente nunca apareciam de forma cristalina, nem suas fronteiras eram rigidamente delimitadas. Era comum intelectuais russos mudarem de visão ao longo da vida, relutando sobre o que a Rússia deveria ser. O escritor e publicista do século XVIII, Denis Ivanovich Fonvisin, resumiu assim o drama russo: “Como poderemos remediar os dois preconceitos contraditórios e muito danosos: o primeiro, que tudo o que temos é horrível, enquanto nos países estrangeiros tudo é bom; e o segundo, que nos países estrangeiros tudo é terrível, e conosco tudo é bom?”. Já no plano simbólico, nada atesta melhor essa dubiedade da identidade nacional russa do que a iconografia imperial da águia bicéfala, com uma cabeça apontando para o Oriente e outra para o Ocidente.
A revolução russa de 1917 não alterou significativamente o quadro da identidade nacional russa, mas deu a ela nova roupagem, além de ter conciliado, pelo menos temporariamente, seus aspectos mais contraditórios. O marxismo popularizou-se entre a intelligentsia russa, a partir da segunda metade do século XIX, justamente porque atendia tanto os sonhos da escatologia eslavófila, que previa que a Rússia se tornaria uma “terceira Roma”, como as aspirações dos ocidentalistas, para quem a ciência do materialismo histórico desenvolvida por Marx apontava para a necessidade de uma revolução socialista que tiraria a Rússia de seu atraso histórico.
A Rússia, a partir de 1917, colocou-se dessa forma como foco irradiador de uma nova era histórica da humanidade. Dalí em diante, seriam os russos, com sua revolução, que iriam mostrar os novos caminhos de desenvolvimento ao Ocidente. É certo que no bolchevismo havia certos elementos que lembravam a busca dos eslavófilos por raízes próprias. Afinal de contas, Lenin rompeu com a socialdemocracia europeia, formando um tipo de partido centralizado até então inexistente entre os marxistas, além de adaptar o marxismo às condições russas, ao saltar a etapa democrático-burguesa pregada pela teoria e avançar direto para o socialismo.
Estas considerações à parte, Lenin e os bolcheviques mantiveram uma firme perspectiva internacionalista. A revolução russa deveria servir como uma faísca irradiadora das revoluções nos países ocidentais, sem as quais a Rússia soviética teria muito mais dificuldades em construir plenamente uma sociedade socialista. O Ocidente, contudo, não respondeu ao apelo revolucionário, deixando a Rússia isolada entre as nações capitalistas. Essa conjuntura minou a perspectiva internacionalista do partido comunista, que sob o comando de Stalin, nos anos vinte do século passado, desenvolveu a teoria do “socialismo em um só país”, segundo a qual a Rússia, já sob o manto da União Soviética, seria capaz não somente de construir o socialismo sem ajuda do Ocidente, como ainda de desempenhar, para os revolucionários de todo mundo, o papel de “pedra-de-toque” do movimento comunista.
Posteriormente, a espetacular vitória sobre o nazismo na Segunda Guerra Mundial elevou ainda mais o status da URSS, que atingiu, junto com os EUA, a condição de superpotência, realizando dessa forma o velho sonho dos profetas da eslavofilia, já que Moscou se tornou finalmente uma “terceira Roma”, ultrapassando, em termos de poder, influência e grandeza, a Roma dos latinos e a Constantinopla do Império Bizantino.
Somente ancorando nossa análise na sociologia weberiana, que enfatiza a importância dos valores e da motivação dos atores na orientação da ação social, somos capazes de compreender como a velha Rússia dos czares, atrasada e camponesa, pôde dar esse gigantesco passo em poucas décadas. A revolução de 1917 elevou a Rússia a este patamar grandioso não tanto por causa da doutrina marxista ou da economia socialista, mas porque soube canalizar, impulsionar e dar um sentido novo à milenar aspiração russa ao status de uma civilização ímpar na história da humanidade.
Ainda assim, a URSS continuava sendo um gigante de pés de barro. Alcançou paridade em ogivas nucleares e força militar com os Estados Unidos, mas continuava atrás dos países ocidentais em termos de instituições políticas democráticas, condições sociais e dignidade humana. A elite soviética pós-stalinista sabia disso, assim como a classe média urbana, sempre ávidas por produtos de consumo das economias capitalistas e informação sobre o Ocidente. Por fim, o inacreditável custo humano do empreendimento socialista, a estagnação econômica e a falta de liberdades elementares – civis, políticas, e de expressão artística – acabaram por minar a legitimidade do regime soviético.
Foi nesse contexto de crise e estagnação que ocorreu, com a Perestroika lançada por Mikhail Gorbachev, em 1986, uma significativa mudança da visão da elite dirigente em relação ao Ocidente, que pode ser atestada no apelo do governante soviético à construção de uma “casa comum europeia”. Mais que um modus vivendi pacífico com o Ocidente, a Rússia buscava ser parte integrante da civilização europeia. Mesmo o desmoronamento da União Soviética não alterou esta aspiração, ao contrário, até incentivou-a. Os primeiros anos da Rússia pós-soviética, ainda sob a liderança de Boris Yeltsin, foram marcados por um intenso sentimento pró-ocidental entre as elites urbanas do país. Parecia que, livre das amarras da União Soviética, e de volta ao convívio com as democracias ocidentais, a Rússia poderia ingressar em um período ilimitado de progresso político, econômico e social.
Como se sabe, nada disso aconteceu. Ao invés de construir uma economia de mercado avançada e gerar riqueza social, a Rússia enveredou pelo caminho de um capitalismo selvagem e corrupto, passando a conviver com desigualdades sociais nunca existentes no regime socialista anterior. Para humilhação do país, sua influência internacional diminuiu tanto que foi obrigada a engolir a expansão da OTAN na área de influência da antiga URSS. Os Estados Unidos, por sua vez, foi paulatinamente entregando a enfraquecida Rússia à própria sorte, na medida em que voltava sua atenção para enfrentar o crescente poderio da China.
Confira entrevista: Roberto Freire: “Votar em Lula é salvar a democracia”
Este novo contexto levou a percepção do Ocidente na Rússia passar de simpatia para animosidade aberta. Forças políticas nacionalistas cresceram entre o eleitorado russo. Já em 1993, o partido liberal-democrático de Vladimir Zhirinovsky (ultranacionalista, apesar do nome) saiu o grande vencedor das eleições legislativas. O próprio partido comunista russo, reorganizado por Guennady Ziuganov após o colapso da URSS, renasceu das cinzas, adotando uma plataforma política com marcado tom nacionalista. A elite mais liberal de economistas e políticos, muito influente nos anos de transição da URSS para a Rússia pós-soviética, praticamente desapareceu do mapa político.
No tocante à política externa, a Rússia buscou reaver sua hegemonia na região que denomina de “exterior próximo”, a antiga área de influência da URSS. Em 1991, por iniciativa de Moscou, foi criada a Comunidade de Estados Independentes, composta de 11 ex-repúblicas soviéticas, e, no ano seguinte, a Organização de Segurança Coletiva com Armênia, Belarus, Cazaquistão e outros Estados da antiga Ásia Central soviética. A nova assertividade da Rússia foi demonstrada também quando o governo russo reprimiu militarmente a tentativa de independência da Chechênia, uma república islâmica da federação russa, em um conflito que se arrastou de 1994 a 1996.
É preciso assinalar que os ziguezagues na identidade nacional russa, ora aproximando-se do modelo ocidental, ora rejeitando-o, não obedecem a qualquer lei histórica ou ciclos inevitáveis. Uma variedade múltipla de fatores – econômicos, sociais e políticos – atuam em sinergia para empurrar a Rússia para um lado ou outro. A classe ou o estrato da sociedade de onde a elite governante russa é proveniente, seu grau de cosmopolitismo e o nível cultural que detém, também exercem influência na formação da sua visão sobre o que a Rússia deveria ser.
Além disso, o contexto internacional oferece seus próprios incentivos, diferentes em cada época, para a liderança russa se aproximar ou se afastar do mundo ocidental. Toda essa gama de fatores não impede o historiador, em retrospectiva, de reconstituir a trajetória que levou a uma ou outra opção, mas torna mais difícil ao analista político prever as tendências do futuro. Não se pode esperar, igualmente, que uma mudança em favor ou contra o que se percebe como “perspectiva ocidental” traga consequências imediatas para o rumo da política do país, devido aos múltiplos constrangimentos internos e externos que limitam os governantes russos.
Em linhas muito gerais, o que se pode afirmar é que, sempre que a Rússia se inclina para o Ocidente, se aproxima de ideais de liberdade, justiça e modernidade; e, por outro lado, toda a vez que o país vai buscar sua identidade no que entende como sendo suas fontes autóctones tradicionais, a tendência à autocracia se fortalece, até porque, em sua história, a Rússia desconheceu o iluminismo e não teve experiências significativas com a democracia.
Quando Putin então assume o poder em 1999, a Rússia já havia abandonado a perspectiva de seguir o modelo de sociedade dos países desenvolvidos do Ocidente, e buscava, através de um crescente sentimento nacionalista, reerguer-se enquanto nação. Putin reorganizou a economia do país, obtendo grande crescimento econômico em seu primeiro governo (1999-2008), em larga medida graças à alta de preços de petróleo e gás, além de fortalecer as forças armadas e elevar o nível de vida da população. Com isso, manteve altos índices de popularidade durante todo o seu mandato.
Quem ouve as constantes diatribes proferidas atualmente pelo governante russo contra os Estados Unidos e a União Europeia, pode ter a impressão de que Putin representa a fina flor da tradição antiocidental eslavófila do país. Mas na verdade, como grande parte da elite russa do século XIX até os tempos atuais, ele foi durante algum tempo ambivalente a respeito do que a Rússia deveria ser em termos identitários. A formação em direito pela Universidade de Leningrado, uma das melhores do país, e a carreira como agente de inteligência da URSS com anos de trabalho na Alemanha Oriental (DDR), ampliaram seus horizontes intelectuais e com isso seu espírito crítico.
Quando ocorreu a tentativa de golpe contra Gorbachev, em agosto de 1991, Putin renunciou ao cargo de tenente-coronel na KGB, declarando naquela ocasião: “Assim que o golpe começou, eu imediatamente decidi de que lado estava”. Atitude surpreendente, haja vista o apoio que a KGB havia dado aos golpistas. Já sobre o regime soviético, quando foi eleito presidente em 2000 ele declarou em seu “Manifesto do Milênio”:
“O comunismo e o poder dos soviéticos não fizeram da Rússia um país próspero, com uma sociedade em desenvolvimento dinâmico e um povo livre. O comunismo demonstrou vividamente a sua inaptidão para um autodesenvolvimento sólido, condenando o nosso país a um atraso constante em relação aos países economicamente avançados. Foi um caminho para um beco sem saída, que está longe da corrente dominante da civilização”.
Ou seja, fica claro aqui o rechaço de Putin à experiência soviética porque esta afastou a Rússia da “corrente dominante da civilização” – a civilização dos países desenvolvidos do Ocidente que, àquela época, estava na sua mente como modelo a ser seguido.
Não menos intrigante é a conversa que teve lugar em 2015, entre o cineasta norte-americano Oliver Stone e Putin, em que este revelou que “décadas atrás”, em uma das visitas de Bill Clinton a Moscou, teria dito “meio a sério, meio como piada” que “provavelmente a Rússia deveria pensar em se juntar à OTAN”. Piada ou não, o fato é que já havia sido assinado, em 1997, o “Ato Fundador OTAN-Rússia”, acordo com o intuito de aproximar a Rússia e o bloco militar em assuntos envolvendo segurança mútua. E em 2002, já com Putin ocupando o Kremlin, formou-se um “Conselho OTAN-Rússia” no qual o país chegou até a ganhar um assento permanente na sede do Bloco, em Bruxelas.
Mas na medida em que consolidava seu poder, Putin foi percebendo os ventos nacionalistas que sopravam na Rússia, e incentivou-os ainda mais, esquecendo sua antiga consideração com a civilização ocidental. Para essa empreitada, recorreu à Igreja ortodoxa russa, que se tornou a maior propagadora dos “valores tradicionais russos”. É da boca do Patriarca de Moscou, Kiril I, seu fiel aliado, que saem os mais veementes ataques à cultura e ao modo de vida ocidentais. O influente filósofo e nacionalista russo Aleksandr Dugin, considerado por muitos como o “guru de Putin”, também contribuiu para a disseminação de ideais antiocidentais, pregando a fundação de um “império euroasiático” com Rússia e China, para se opor à hegemonia do mundo ocidental.
Como era de se esperar, a defesa dos “valores tradicionais” da Rússia por Putin veio pari passu com o aumento de sua disposição autocrática. Ele modificou a constituição do país para se perpetuar no poder, alternando os cargos de presidente e primeiro-ministro, controlou os governadores e a mídia, e reprimiu a oposição liberal, prendendo, exilando ou envenenando seus desafetos e opositores. Por outro lado, a frustração de boa parte da sociedade com o que era percebido como tentativas dos EUA e seus aliados europeus de diminuir e humilhar a Rússia fez Putin endurecer ainda mais sua política externa. Uma série de acontecimentos deteriorou a relação entre a Rússia e o Ocidente, especialmente na área de segurança. A já mencionada expansão da OTAN foi um deles. Dos anos 90 em diante, a OTAN foi aceitando novos membros, sendo quatorze deles, em um total de trinta, ex-repúblicas soviéticas e países na órbita de influência da antiga URSS.
É preciso considerar, entretanto, que aqueles países não entraram na OTAN à força, mas procuraram o bloco militar justamente pela percepção de que a Rússia poderia ameaçar sua segurança. Contribuíram para isso a guerra que o governo russo moveu contra a Chechênia e seu apoio a favor de separatistas pró-Rússia na Geórgia. Por outro lado, o bombardeio da Sérvia – tradicional aliado da Rússia – pela OTAN em 1999, durante a guerra civil na ex-Iugoslávia, assim como a invasão do Iraque pelos EUA e Reino Unido, em 2003, acirraram a desconfiança no Ocidente por parte da Rússia.
Nenhum fator, contudo, perturbou mais a Rússia do que a situação na Ucrânia. Tornando-se um Estado independente após o colapso da URSS, a Ucrânia procurou inicialmente resolver suas pendências com Moscou. A desnuclearização do país foi uma dessas controvérsias, já que Kiev herdou grandes estoques de armas atômicas da URSS, mas um acordo com a Rússia, em 1992, possibilitou a devolução das ogivas nucleares aos militares russos. Outra disputa surgiu em torno das bases da Frota russa do Mar Negro, mas esse problema também foi superado, pelo menos temporariamente, com as negociações que levaram, em 1997, ao Tratado de Partição, que permitiu à Rússia arrendar as bases navais em Sebastopol, ao mesmo tempo em que era reconhecida pelos dois lados a inviolabilidade das fronteiras existentes. Outros tratados resolveram disputas relacionadas com o fornecimento de energia por oleodutos e gasodutos através do território ucraniano, dívidas de Kiev com Moscou, e outros problemas menores. A entrada da Ucrânia na Comunidade de Estados Independentes, nos anos 1990, possibilitou parcerias comerciais entre os dois países e as relações entre a Ucrânia e a Rússia melhoraram.
Na medida, contudo, em que o sentimento antiocidental foi crescendo na Rússia, o governo de Putin passou a exercer pressão, inclusive militar, sobre qualquer orientação pró-ocidental na área de seu “exterior próximo”, como o mencionado apoio militar da Rússia aos separatistas de certas regiões da Geórgia, em 2008, como castigo pela inclinação pró-europeia do governo daquele país. Os ucranianos passaram a se perguntar se o mesmo não poderia ocorrer com a Ucrânia, se a Rússia resolvesse apoiar o movimento separatista de russos étnicos na região ucraniana do Donbass. A Ucrânia, que já havia pedido entrada na OTAN, em janeiro daquele ano, passou a mostrar uma gradual inclinação ao ocidente, apesar de o presidente à época, Victor Yushchenko (2005-2010), ter assegurado a Putin que o pedido de entrada de seu país no bloco militar ocidental não era uma atitude contra a Rússia. Os russos desconfiavam de Yushchenko, a quem consideravam muito pró-ocidental, mas, de qualquer forma, França e Alemanha se opuseram à entrada da Ucrânia no bloco, porque isso seria cruzar uma linha vermelha com a Rússia, e o fato é que, desde 2008, a Ucrânia está esperando sua admissão, a qual até nossos dias nunca entrou na pauta da OTAN, mesmo após a invasão do país pelas forças russas.
Apesar dos altos e baixos que marcaram as relações entre Rússia e Ucrânia desde o fim da URSS, os problemas foram contornados até 2014, quando uma revolta popular derrubou Viktor Yanukovitch (2010-2014), que havia sido eleito em 2010 e era considerado o presidente mais pró-russo que a Ucrânia teve desde sua independência. Com as promessas de não-adesão do país à OTAN e a adoção do russo como um dos idiomas oficiais da Ucrânia, Yanukovitch granjeou simpatias no Kremlin, o que teve como consequência uma significativa melhora nas relações entre os dois países. Mas o presidente ucraniano, pragmático, não deixava de enxergar as vantagens econômicas que uma aproximação com a União Europeia poderia trazer, e passou a elaborar planos para um tratado de livre comércio com o bloco europeu, o que irritou o governo russo. Moscou passou a ameaçar adotar sanções econômicas contra a Ucrânia, e a pressão russa acabou por fazer Yanukovitch desistir do acordo com a União Europeia. O cancelamento do tratado, porém, levou a uma revolta popular que fez o presidente renunciar e se exilar em Moscou.
A Rússia retaliou anexando a Crimeia, em fevereiro de 2014, e passou a apoiar militarmente os separatistas de etnia russa da região do Donbass, que formaram as autodeclaradas repúblicas de Donetsk e Luhansk, dando início a um conflito com o exército ucraniano que perdura até hoje. No dia 1º de março daquele mesmo ano, o parlamento russo autorizou Putin a usar força militar na Ucrânia. As negociações entre Rússia, Ucrânia e as repúblicas autônomas, que tiveram lugar em Minsk, em 2014 e 2015, não lograram um cessar-fogo nem um desenho institucional que mantivesse as repúblicas separatistas, com certa autonomia, dentro da Ucrânia.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, seguida em setembro do mesmo ano pela anexação de Donetsk, Luhansk, Zaporozhye e Kherson, regiões do leste do país povoadas por russos étnicos, deteriorou de vez a relação com o Ocidente. É possível que uma causa mais imediata da agressão russa tenha sido o declínio da economia do país, nos últimos anos, que vinha abalando a popularidade de Putin. É muito comum líderes políticos insuflarem aventuras externas para desviar a atenção de problemas internos e recuperar apoio popular. Ainda assim, é difícil imaginar uma ação dessa magnitude sem um forte sentimento antiocidental na Rússia.
É preciso destacar, entretanto, certas características específicas do nacionalismo russo atual que podem ter acirrado o conflito. Ao contrário do que alguns analistas apressados têm argumentado, Putin não está almejando reconstruir o império soviético, apesar de ter classificado o colapso da URSS como “a maior catástrofe do século XX”. O nacionalismo que ele incentiva, e a restauração da Rússia que almeja, possuem na verdade mais em comum com o antigo império czarista do que com os tempos soviéticos. Na antiga URSS, o Ocidente era percebido como sinônimo de capitalismo, e as divergências entre ambos se baseavam fundamentalmente em sistemas econômicos diferentes. Atualmente, Ocidente significa aos olhos russos uma civilização com valores antagônicos à própria identidade e tradição russas. Além disso, o nacionalismo russo camuflado da época socialista não possuía o caráter étnico e grão-russo chauvinista da época atual, que era característico do império czarista, denominado por Lenin de “prisão dos povos”.
Em artigo divulgado sete meses antes da agressão à Ucrânia, Putin revela esse nacionalismo étnico grão-russo. Ele relembra a origem comum dos povos da Ucrânia, Rússia e Belarus, que se remonta à Rússia de Kiev (Rus de Kiev) do século IX, para argumentar que as tribos eslavas eram unidas pela mesma língua, tradições culturais, laços econômicos e fé ortodoxa. A seguir, descreve como, a partir de 1654, o território ucraniano passou a fazer parte da Coroa russa em troca de proteção aos seus habitantes. Putin, entretanto, esconde outras influências que partes substantivas da Ucrânia sofreram, e que deixaram suas marcas na identidade ucraniana moderna.
A história da Ucrânia mostra que até 1648 a grande maioria dos ucranianos vivia sob jurisdição da Comunidade Polonesa-Lituana, e que a influência social e cultural da nobreza polonesa perdurou no país até à Revolução de 1917. A região da Transcarpátia ucraniana foi parte da Hungria, da Idade Média até 1919, e a Crimeia, conquistada dos turcos otomanos pelo império russo, na época de Catarina II, possui forte tradição islâmica e comunidades tártaras até à época atual. Ignorando o desenvolvimento da identidade ucraniana, Putin alega que a Ucrânia moderna foi produto da era soviética, uma espécie de entidade artificial, fruto da “generosidade” dos bolcheviques, esquecendo-se que a questão nacional era tratada por Lenin segundo os princípios da autodeterminação dos povos, e não por razões de bondade. Putin acusa ainda a Ucrânia de querer reescrever sua história desvinculando-a da Rússia, e isso devido a pressões dos Estados Unidos e da União Europeia. E arremata que “a verdadeira soberania do Estado ucraniano só é possível em parceria com a Rússia”. Putin, dessa forma, trata a Ucrânia como se o país ainda fosse a “pequena Rússia” da periferia do antigo império czarista.
O que Moscou realmente reativou da era soviética foi a escola stalinista de falsificação. Para justificar uma invasão tão transparente, o Kremlin lembrou a relação da Ucrânia com a OTAN, como se aquele país estivesse prestes a ser aceito no bloco; exagerou a importância de grupos ucranianos de extrema-direita, afirmando que a invasão militar tinha também como propósito “desnazificar” um país que é governado por um presidente de ascendência judaica; e muito na lógica usada por Hitler para ocupar em 1938 a região germanizada dos Sudetos, pertencente à antiga Tchecoslováquia, Moscou alegou que a intervenção era necessária igualmente para defender os russos étnicos da região do Donbass, que estariam sofrendo uma política de extermínio por parte do governo do atual presidente Volodymyr Zelensky.
Como um jogador compulsivo de pôquer, Putin apostou todas as fichas em um perigoso jogo geopolítico que pode voltar-se contra ele. O plano inicial de tomar Kiev e derrubar o governo ucraniano falhou, e a Rússia viu-se isolada política e diplomaticamente do mundo desenvolvido, além de sofrer severas sanções econômicas. Sua aproximação com a China, para contrabalançar o isolamento internacional, tem certa limitação, pois o governo chinês, embora tenha criticado as sanções ocidentais, não endossou a invasão da Ucrânia, preferindo abster-se nas votações sobre a guerra na ONU. Pior ainda, se a intenção era evitar a expansão da OTAN, o tiro saiu pela culatra, pois Suécia e Finlândia, países com tradição de neutralidade, solicitaram admissão no bloco militar.
Confira, a seguir, galeria:
A atual estratégia de Moscou parece se limitar a salvar as aparências e declarar que o objetivo da “ação militar especial”, como o alto comando militar russo denomina a invasão da Ucrânia, foi alcançado com a anexação das regiões do Donbass. Mas a julgar pela contraofensiva ucraniana em curso, a guerra vai continuar por tempo indeterminado, solapando os recursos da Rússia e obrigando Moscou a convocar centenas de militares de reservistas, o que pode minar a popularidade de Putin. Sem encontrar saída para o problema que criou, o governo russo faz constantes ameaças de usar o armamento nuclear do país, aumentando desta forma a escalada do conflito com o Ocidente.
O isolamento do país deve acentuar ainda mais o nacionalismo antiocidental na sociedade russa, assim como a guerra afasta a Ucrânia de sua tradicional ligação com a Rússia, empurrando os ucranianos para uma identidade cada vez maior com a Europa ocidental. Se fizermos um paralelo histórico com a situação do Japão e da Alemanha, podemos constatar que, após o fracasso desses países em expandir seu poder através de guerras e ocupações territoriais, ambos se reinventaram e se tornaram nações prósperas, respeitadas e influentes no mundo. A Rússia, ao contrário, continua a agonizar sobre a perda do status imperial e os rumos de sua identidade nacional. Catarina II, ao afirmar que seu império só seria mantido através da expansão, parece ter lançado uma maldição que continua assombrando o país.
Sobre os autores
Paulo César Nascimento é cientista político, formado pela Universidade de Brasília (UnB).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
*Leone Campos de Sousa é socióloga, graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de outubro de 2022 (48ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Fake news: entenda como funciona a fábrica de desinformação política no Brasil
Marina Pinhoni,* g1
Você sabe como as notícias falsas de política são criadas e qual caminho elas percorrem até viralizar nas redes sociais?
Um estudo realizado pelo NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) mostra que a campanha de desinformação no país está cada vez mais complexa e sofisticada, e conta com uma estrutura permanente de produção de conteúdo que é anterior ao período eleitoral.
"O que a gente está vendo em 2022 é bem diferente do que a gente viu em 2018, em termos de complexidade e de estratégia. É lógico que a desinformação sempre foi comum em qualquer eleição, mas com as plataformas, com as redes sociais, isso tem outra escala. Uma capacidade de segmentação", diz a coordenadora do estudo, Marie Santini.
Os pesquisadores apontam que, antes de ser disseminada para um número maior de pessoas, as fakes são testadas em grupos fechados e de nicho. A repetição da narrativa também é capaz de atingir as pessoas além das "bolhas" das redes sociais.
"A desinformação hoje funciona através de uma campanha permanente, onde você vai reduzindo a resistência das pessoas a determinadas narrativas e aumentando a resistência à checagem. A pessoa começa a ser bombardeada por diferentes fontes. Uma narrativa repetida muitas vezes tem o efeito de começar a gerar dúvida em outro público que não seria o segmento principal de uma estratégia de desinformação.”
Veja como funciona a fábrica de fake news:
- Produção da narrativa: Os primeiros conteúdos geralmente são divulgados nos chamados sites de conteúdo duvidoso, chamados "junk news", e em vídeos do YouTube de canais com poucos seguidores.
- Teste de receptividade: A próxima etapa consiste em testar a aderência do discurso em grupos fechados de WhatsApp e Telegram.
- Bolhas e segmentos: O passo seguinte é distribuir o conteúdo em nichos por meio de grupos do Facebook e anúncios segmentados. Uma fake pode ser enviada para um grupo só de religiosos, por exemplo, e outra diferente para um grupo só com mulheres.
- Desinformação audiovisual: Na sequência, a informação falsa é transformada em uma peça audiovisual um pouco mais elaborada. Pode ser um vídeo curto ou mais longo, que será divulgado no Instagram, TikTok e canais médios e grandes do YouTube.
- Campanha "Firehose": Depois que o conteúdo foi testado em diferentes contextos, começa a campanha massiva de distribuição multiplataforma. Ela é caracterizada pelo grande volume, rapidez, continuidade e repetição.
Texto publicado originalmente no portal do g1.
Como Bolsonaro turbinou o uso da máquina pública na eleição
Made for Minds*
Visando ampliar sua chance de reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) vem ao longo do ano abrindo os cofres públicos para criar e ampliar uma série de programas sociais que beneficiam as famílias mais pobres e categorias que integram sua base de apoiadores, como taxistas e caminhoneiros.
O carro-chefe foi a aprovação de uma emenda à Constituição em julho, apelidada "Kamikaze", que decretou o estado de emergência no país para autorizar a criação de novos benefícios em ano eleitoral, pagos à margem do teto de gastos.
Na esteira, o governo aumentou o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, e do auxílio gás de R$ 50 para R$ 110, e criou um auxílio mensal de R$ 1.000 para taxistas e caminhoneiros, entre outras medidas.
A gestão Bolsonaro também já havia zerado a alíquota de tributos federais e limitado a alíquota do ICMS, um imposto estadual, cobrado sobre os combustíveis, o que levou à redução do preço do diesel, da gasolina e do gás, com efeito na redução da inflação.
O uso da máquina pública para a criação de novos benefícios diretos e indiretos seguiu após a realização do primeiro turno, em 2 de outubro, quando Bolsonaro recebeu 43,2% dos votos válidos, ficando atrás do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que teve 48,4%.
A agência Reuters calcula que os benefícios criados e prometidos por Bolsonaro nos últimos meses somam R$ 273 bilhões, com impacto tanto em 2022 como em 2023. Outra conta, apresentada pelo economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, aponta que o custo anualizado das medidas de elevação de despesas e redução de receitas tomadas desde o fim de 2021 chega a cerca de R$ 400 bilhões, ou 4% do PIB (Produto Interno Bruto).
As medidas anunciadas pelo governo neste ano não foram alvo de questionamento da Procuradoria-Geral Eleitoral por possível abuso de poder político e econômico. O órgão é chefiado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, considerado pela oposição um aliado do presidente.
Confira as medidas anunciadas pelo governo após o primeiro turno:
Antecipação do pagamento do Auxílio Brasil e do auxílio gás
Em 3 de outubro, o governo anunciou que o pagamento do Auxílio Brasil e do auxílio gás do mês de outubro seria feito entre os dias 11 e 25, sete dias antes do que no calendário original, que ia de 18 a 31 de outubro. A antecipação do calendário não vale para os meses seguintes.
Cerca de 21,1 milhões de famílias recebem o Auxílio Brasil de R$ 600, e 5,9 milhões são beneficiárias do auxílio gás, pago a cada dois meses no valor de R$ 112.
Inclusão de mais famílias no Auxílio Brasil e no auxílio gás
Em 4 de outubro, o governo anunciou a inclusão de mais 500 mil famílias no Auxílio Brasil já neste mês. Comparado a julho, quando 18,1 milhões de famílias recebiam o benefício, a alta foi de 16,5% no total de famílias atendidas pelo programa.
No mesmo dia, o governo anunciou também a inclusão de mais 200 mil famílias no auxílio gás, elevando o número de famílias beneficiadas de 5,7 milhões para 5,9 milhões no programa.
Promessa de 13º do Auxílio Brasil
Também em 4 de outubro, Bolsonaro prometeu que, se reeleito, pagará uma 13ª parcela do Auxílio Brasil para mulheres chefes de família a partir de 2023, o que beneficiaria 17 milhões de mulheres, a um custo de quase R$ 10 bilhões.
O presidente não especificou qual seria a fonte dos recursos para esse benefício adicional.
Refinanciamento de dívidas
Em 6 de outubro, Bolsonaro anunciou que a Caixa lançaria um programa de renegociação de dívidas de empresas e pessoas físicas. Trata-se da reciclagem de um programa já existente, chamado Você no Azul, que ocorre anualmente desde 2019.
O presidente disse que o programa poderia beneficiar até 4 milhões de cidadãos e 400 mil empresas com dívidas com a Caixa. A iniciativa permite a quitação de dívidas com atraso acima de 360 dias, com descontos de 40% a 90% do valor devido.
Antecipação do auxílio para taxistas e caminhoneiros
Em 7 de outubro, o governo anunciou que pagará uma parcela extra do auxílio taxista no fim do ano, como se fosse um décimo terceiro salário, mas em valor ainda não definido. A justificativa foi de que menos profissionais se cadastraram do que o previsto, e a sobra dos recursos seria utilizada no mesmo programa.
A data do pagamento do auxílio taxista e do auxílio caminhoneiro em outubro também foi adiantada, do dia 22 para 18. As parcelas são de R$ 1.000 mensais, com o objetivo de compensar a alta dos combustíveis.
Início do consignado do Auxílio Brasil
A presidente da Caixa, Daniella Marques, anunciou em 4 de outubro que o banco começaria a oferecer empréstimos na modalidade "consignado" para os beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), com juros de 3,45%, abaixo do teto de 3,5% estabelecido pelo governo. Os empréstimos começaram a ser liberados em 11 de outubro.
O valor máximo da parcela a ser descontada para o pagamento do empréstimo é de 40% do benefício, ou R$ 160 – o valor-base é do Auxílio Brasil é de R$ 400. A juros de 3,5%, o valor máximo do empréstimo é de R$ 2.569,34, pagos em 24 vezes.
Nesta segunda-feira, o ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União (TCU), recomendou a suspensão temporária do empréstimo consignado do Auxílio Brasil, até que o órgão analisasse o possível uso da iniciativa para "interferir politicamente nas eleições presidenciais". Nesta terça-feira, a Caixa anunciou a suspensão da concessão de novos empréstimos nessa modalidade por 24 horas, atendendo à recomendação.
Especialistas em políticas sociais criticaram a possibilidade de obter empréstimos consignados com base no Auxílio Brasil, pois as parcelas comprometeriam os recursos dessas famílias mais pobres para garantir sua sobrevivência nos meses seguintes.
Mais prazo para atualizar dados no Cadastro Único
Em 13 de outubro, o governou prorrogou por 30 dias o prazo para que famílias atendidas por benefícios sociais atualizassem seus dados no Cadastro Único, medida necessária para evitar a suspensão ou cancelamento do recebimento dos programas.
Mais de 1,4 milhão de famílias haviam sido convocadas para atualizar seu cadastro até 14 de outubro, dos quais 757 mil são beneficiárias do Auxílio Brasil. Muitas delas estavam enfrentando filas nos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) ou postos de atendimento dos municípios, que realizam esse cadastro.
Via de regra, as famílias devem atualizar os dados a cada dois anos, ou quando houver alterações.
Financiamento imobiliário com FGTS futuro
Em 18 de outubro, Conselho Curador do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) aprovou o uso de recursos futuros do FGTS para a garantia de financiamentos imobiliários, atendendo a uma sugestão do Ministério do Desenvolvimento Regional.
A iniciativa valerá inicialmente para famílias com renda bruta de até R$ 2.400, e permitirá que financiem imóveis com valor acima do seu limite de endividamento atual.
Nessa modalidade, parcelas futuras depositadas no FGTS do tomador do empréstimo serão automaticamente reservadas para pagar o financiamento. Se o empregado for demitido, porém, ele não poderá sacar o saldo já comprometido.
Essa medida tem potencial para ampliar o acesso à compra de imóveis por meio do Programa Casa Verde Amarela, criado no governo Bolsonaro.
Texto publicado originalmente em Made for Minds.
Bolsonaro chama comandantes militares para reunião ministerial antes de ofensiva contra TSE
Folha de São Paulo*
O presidente Jair Bolsonaro (PL) convocou os três comandantes das Forças Armadas para uma reunião na noite desta quarta-feira (26), na qual foi discutido o relatório da campanha sobre um suposto boicote à propaganda de rádio e televisão do chefe do Executivo.
Após o encontro, o mandatário fez um pronunciamento à imprensa em que anunciou que irá recorrer "às últimas consequências" da decisão do ministro Alexandre de Moraes de arquivar a ação em que a sua chapa alega que houve supressão de inserções de rádio no Norte e no Nordeste.
Bolsonaro disse que Moraes "matou no peito" a ação.
Compareceram os três comandantes militares: o general Marco Antônio Freire Gomes (Exército), o tenente-brigadeiro do ar Carlos Baptista Júnior (Aeronáutica) e o almirante Almir Garnier Santos (Marinha). Também estava presente o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira
Também compareceram ministros de Estado, como Anderson Torres (Justiça), Célio Faria (Secretaria de Governo) e Carlos França (Relações Exteriores).
No momento em que Bolsonaro fez o pronunciamento, voltando a fazer acusações sem provas, estavam ao lado do mandatário apenas Torres e o chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno.
Os eventos da noite desta quarta-feira (26) provocaram rumores de uma ação mais drástica do presidente, que chegou a mudar totalmente o seu roteiro para voltar a Brasília.
Bolsonaro estava em Minas Gerais e seguiria direto para pernoitar no Rio de Janeiro, mas decidiu voltar para a capital federal "diante da gravidade dos fatos".
A Folha apurou que o comandante do Exército não avisou os militares do Alto Comando da força sobre a reunião, como geralmente costuma fazer. Os generais do mais alto escalão ficaram surpresos com a ida e aguardavam ainda durante a noite um retorno sobre os temas tratados.
Existe a percepção entre os militares que as denúncias sobre as inserções nas rádios são graves e devem ser investigadas. Por outro lado, também defendem que o assunto é responsabilidade da Justiça Eleitoral e que as Forças Armadas não devem embarcar em qualquer tipo de tese de adiamento de eleição.
No Ministério da Defesa, aliados de Paulo Sérgio Nogueira avaliam que Moraes tem extrapolado em suas decisões e contribuído para a escalada da crise. Eles citam como exemplo a decisão do presidente do TSE de negar sugestões das Forças Armadas para melhorar a fiscalização no segundo turno das eleições.
O entendimento de militares na Defesa é que Moraes tem cometido ilegalidades, como no caso das inserções e retiradas de conteúdo das redes sociais, que prejudicam o andamento do processo eleitoral.
As Forças Armadas foram incluídas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na lista de entidades fiscalizadoras da eleição. Bolsonaro costuma fazer ataques sem provas às urnas eletrônicas e afirma que irá aguardar relatório dos militares sobre a lisura do pleito para aceitar o resultado da eleição.
Na entrevista, o presidente disse que tem provas "contundentes" de que foi prejudicado por terem sido transmitidas mais inserções de Lula do que dele.
"Certos lugares que achava que iria bem e poderia, até ganhar, nossa análise, pode ter havido outros fatores, vimos que perdemos. Com toda a certeza, as inserções de rádio fizeram a diferença ou poderiam ter feito a diferença. Não existe outro fator que a gente possa levar em conta nesse momento", disse o chefe do Executivo.
O presidente se recusou a responder perguntas dos jornalistas e se retirou após o pronunciamento.
A reunião no Palácio da Alvorada e a fala de Jair Bolsonaro aconteceram horas após Alexandre de Moraes rejeitar a ação apresentada pela campanha do presidente sobre suposto boicote de rádios na veiculação da propaganda eleitoral.
Moraes disse que a ação de Bolsonaro não tem provas e se baseia em levantamento de empresa "não especializada em auditoria".
O ministro apontou possível "cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito em sua última semana" e mandou o caso para ser avaliado dentro do inquérito das "milícias digitais", que é relatado por ele mesmo no STF (Supremo Tribunal Federal).
Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.
Nas entrelinhas: Bolsonaro dobra a aposta contra o TSE e recorre ao Supremo
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O presidente Jair Bolsonaro decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que negou na noite de ontem o pedido para investigar irregularidades em inserções eleitorais por emissoras de rádios, principalmente do Nordeste. O presidente da República voava para o Rio de Janeiro quando soube da decisão do magistrado e mandou o avião voltar para Brasília, onde realizou uma reunião ministerial de emergência no Palácio do Alvorada, após a qual fez um pronunciamento contestando-a e anunciando que recorreria ao Supremo.
Segundo a decisão de Moraes, os dados apresentados pela campanha sobre supostas irregularidades nas inserções de rádio são inconsistentes. O presidente do TSE também determinou que o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apure “possível cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito” por parte da campanha de Bolsonaro. Acionou ainda a Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar eventual desvio de finalidade no uso do Fundo Partidário para a contratação de uma auditoria que embasou as denúncias. O caso foi encaminhado para o STF, no âmbito do inquérito que apura a atuação de uma milícia digital que atenta contra a democracia, do qual Moraes é o relator.
Na segunda-feira, a campanha de Bolsonaro havia pleiteado junto ao TSE a investigação da denúncia do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que as emissoras do Nordeste não estavam divulgando a propaganda eleitoral do chefe do Executivo. Exigiu também que a propaganda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixasse de ser veiculada. Moraes considerou o pedido uma tentativa de tumultuar as eleições, às vésperas da votação: “Não restam dúvidas de que os autores — que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha — apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova”, escreveu o ministro.
Durante todo o dia de ontem, houve muita tensão sobre o assunto, por causa das denúncias de um servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TER-DF), lotado no TSE, de que teria sido demitido sumariamente do cargo que exercia por causa do episódio. Segundo esclarecimento do TSE, o servidor havia sido exonerado por assédio moral. O episódio alimentou as especulações de que realmente teria havido uma tentativa de acobertar as irregularidades na veiculação das campanhas pelas rádios.
Auditorias
Bolsonaro reagiu com irritação e convocou a reunião ministerial, mas aparentemente foi convencido a moderar a reação, no pronunciamento convocado às pressas, às 20h30, na porta da residência do Palácio da Alvorada, no qual voltou a criticar o presidente do TSE: “Nos surpreende, o senhor Alexandre de Moraes simplesmente inverteu o processo. Nos acusar de estarmos gastando dinheiro do Fundo Partidário com empresas para fazer auditoria. Inclusive, temos duas auditorias contratadas e uma terceira em via de contratação. No que depender de mim, será contratada essa terceira auditoria, porque mais uma prova, se bem que eu acho que nem precisava de mais, de que as inserções foram realmente potencializadas e muito para o outro lado. Dezenas de milhares de inserções do outro lado, e, do nosso lado, tinha rádio que pareceu quase zero”.
Para Moraes, as acusações ao TSE não procedem, porque a responsabilidade de encaminhar os programas para as rádios e fiscalizá-los em tempo hábil é dos partidos. Além disso, não foram apresentadas as provas da denúncia: “Os autores nem sequer indicaram de forma precisa quais as emissoras que estariam supostamente descumprindo a legislação eleitoral, limitando-se a coligir relatórios ou listagens de cunho absolutamente genérico e indeterminado”. Relatos das emissoras acusadas, que se colocaram à disposição da Justiça, começam a desconstruir a versão da campanha de Bolsonaro, que teria atrasado a entrega dos programas.
A resposta de Bolsonaro, porém, ao anunciar o recurso ao Supremo, sinaliza para a judicialização do resultado eleitoral de domingo próximo, caso perca as eleições, o que pode resultar numa crise institucional, uma vez que permanecerá no poder por mais dois meses, mesmo derrotado. Na prática, criou-se um fato jurídico cujos desdobramentos dirão se foi mais um tiro no pé da campanha de Bolsonaro ou é um pretexto formal para não aceitar o resultado do pleito, uma vez que o pedido terá que ser julgado pelo Supremo.
A oposição, ao final do dia, avaliava que a montanha havia parido um rato, ao passar a impressão de que Bolsonaro já está se sentindo derrotado e começa a apelar. Entretanto, o episódio na reta final da campanha serve para emular os bolsonaristas, que reproduzem nas redes sociais as alegações de seu líder político.
Diretora de rádio que se "autodenunciou" ao TSE faz campanha para Bolsonaro
Paulo Motoryn e Felipe Mendes*, Brasil de Fato
Citada pelo servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre Gomes Machado em depoimento à Polícia Federal (PF) em uma suposta "autodenúncia" sobre não publicação de inserções de rádio da campanha de Jair Bolsonaro (PL), a rádio JM Online, de Uberaba (MG), está diretamente ligada ao bolsonarismo. A diretora da rádio, Lídia Prata, deixou clara a preferência política ao postar no Instagram fotos com a primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Machado, que foi exonerado do cargo de assessor de gabinete da Secretaria Judiciária do TSE, disse, em depoimento à PF, que "na condição de Coordenador do Pool de Emissoras do TSE, recebeu um e-mail emitido pela emissora de rádio JM ON LINE no qual a rádio admitiu que dos dias 07 a 10 de outubro havia deixado de repassar em sua programação 100 inserções da Coligação Pelo Bem do Brasil", de Jair Bolsonaro (PL).
Porém, em entrevista à CNN, o próprio servidor disse que "estão tentando criar uma cortina de fumaça sobre a exoneração", e afirmou: "em tese, eu não tenho nada a ver com a fiscalização. O meu trabalho é fazer com que as rádios tenham o conteúdo. Eu tinha feito todo o meu trabalho e achei que estava tudo tranquilo".
O próprio TSE, em seu site oficial, explica que não é função do Tribunal distribuir o material a ser veiculado no horário gratuito. As emissoras de rádio e televisão devem se organizar para ter acesso às mídias e divulgá-las, de acordo com as regras vigentes.
Para garantir que as propagandas cheguem aos veículos, foi montado um pool de emissoras que recebe o material encaminhado pelos partidos em formato digital e faz a geração do sinal dos programas. Esse pool está instalado na sede do TSE, mas é formado por representantes de canais de comunicação.
Cabe aos partidos encaminhar o conteúdo e às emissoras buscá-lo junto ao pool. Assim, não faria qualquer sentido a alegação de que algumas emissoras teriam deixado de exibir as inserções da campanha bolsonarista, enquanto outras tiveram acesso ao material.
Rádio JM Online
Citada nominalmente pelo servidor em seu depoimento à PF, a JM Online é um veículo do grupo Jornal da Manhã, fundado em Uberaba pelo pai de Lídia Prata, Edson Prata, depois da aquisição do jornal Correio Católico na década de 1970. Lídia assumiu o controle da empresa nos anos 80, junto da mãe e do marido. A empresária foi responsável por ampliar o trabalho do grupo, criando duas revistas e a rádio, que foi inaugurada em 2009.
Além da foto com Michelle Bolsonaro, publicada no último dia 23, Lídia não esconde a preferência pelos políticos de extrema-direita. Em outra postagem no Instagram, ela fez questão de compartilhar imagem em que aparece ao lado do ex-jogador de vôlei e deputado federal eleito Maurício Souza (PL), uma das figuras mais alinhadas a Jair Bolsonaro no esporte.
Deputado eleito bolsonarista Maurício Souza e a empresária Lídia Prata / Reprodução/Instagram
O Brasil de Fato entrou em contato com o grupo JM por e-mail, mas não recebeu retorno. O espaço segue aberto para manifestações.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Caso de Roberto Jefferson serve de alerta para incitação à violência, diz Rubens Bueno
Cidadania23
O vice-presidente nacional do Cidadania, deputado federal Rubens Bueno (PR) afirmou neste domingo (23) que as autoridades brasileiras precisam ficar em alerta sobre os desdobramentos que o episódio envolvendo o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) e a Polícia Federal podem ter.
De acordo com o parlamentar, o ataque que ele perpetrou contra policias federais, ao ter sua prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é uma demonstração clara do que o extremismo político pode provocar no País.
“A atitude insana do ex-deputado Roberto Jefferson de atirar contra policiais federais e atacar a honra da ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia serve de alerta para a Nação brasileira. Essa escalada de violência não é toa. Já vimos esse filme nas últimas eleições americanas. Não podemos deixar que esse tipo de insanidade se repita aqui no Brasil”, alertou Rubens Bueno.
O aliado do presidente Jair Bolsonaro jogou três granadas e deu tiros de fuzil contra policiais que foram cumprir mandado de prisão em sua casa, na cidade de Comendador Levy Gasparian, no interior do Estado do Rio de Janeiro. Dois policiais ficaram feridos e ele só se entregou após 8 horas da chegada do efetivo policial.
Para Rubens Bueno, o caso revela ainda o perigo do incentivo ao armamento da população.
“Uma pessoa acaba formando um verdadeiro arsenal em casa. E, numa situação que só podemos caracterizar de extrema loucura, resolve colocar em risco a vida de todos. É lamentável que nosso país e atores do meio político tenham chegado a esse ponto”, afirmou.
O deputado ressaltou ainda que Roberto Jefferson é um criminoso contumaz e precisa ser punido com o máximo rigor da lei.
Matéria publicada originalmente no portal Cidadania23
Bolsonaro dobra a aposta contra o TSE e recorre ao Supremo
Luiz Carlos Azedo | Nas Entrelinhas
O presidente Jair Bolsonaro decidiu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) da decisão do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, que negou na noite de ontem o pedido para investigar irregularidades em inserções eleitorais por emissoras de rádios, principalmente do Nordeste. O presidente da República voava para o Rio de Janeiro quando soube da decisão do magistrado e mandou o avião voltar para Brasília, onde realizou uma reunião ministerial de emergência no Palácio do Alvorada, após a qual fez um pronunciamento contestando-a e anunciando que recorreria ao Supremo.
Segundo a decisão de Moraes, os dados apresentados pela campanha sobre supostas irregularidades nas inserções de rádio são inconsistentes. O presidente do TSE também determinou que o procurador-geral eleitoral, Augusto Aras, apure “possível cometimento de crime eleitoral com a finalidade de tumultuar o segundo turno do pleito” por parte da campanha de Bolsonaro. Acionou ainda a Corregedoria-Geral Eleitoral para apurar eventual desvio de finalidade no uso do Fundo Partidário para a contratação de uma auditoria que embasou as denúncias. O caso foi encaminhado para o STF, no âmbito do inquérito que apura a atuação de uma milícia digital que atenta contra a democracia, do qual Moraes é o relator.
Na segunda-feira, a campanha de Bolsonaro havia pleiteado junto ao TSE a investigação da denúncia do ministro das Comunicações, Fabio Faria, de que as emissoras do Nordeste não estavam divulgando a propaganda eleitoral do chefe do Executivo. Exigiu também que a propaganda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixasse de ser veiculada. Moraes considerou o pedido uma tentativa de tumultuar as eleições, às vésperas da votação: “Não restam dúvidas de que os autores — que deveriam ter realizado sua atribuição de fiscalizar as inserções de rádio e televisão de sua campanha — apontaram uma suposta fraude eleitoral às vésperas do segundo turno do pleito sem base documental crível, ausente, portanto, qualquer indício mínimo de prova”, escreveu o ministro.
Durante todo o dia de ontem, houve muita tensão sobre o assunto, por causa das denúncias de um servidor do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TER-DF), lotado no TSE, de que teria sido demitido sumariamente do cargo que exercia por causa do episódio. Segundo esclarecimento do TSE, o servidor havia sido exonerado por assédio moral. O episódio alimentou as especulações de que realmente teria havido uma tentativa de acobertar as irregularidades na veiculação das campanhas pelas rádios.
Auditorias
Bolsonaro reagiu com irritação e convocou a reunião ministerial, mas aparentemente foi convencido a moderar a reação, no pronunciamento convocado às pressas, às 20h30, na porta da residência do Palácio da Alvorada, no qual voltou a criticar o presidente do TSE: “Nos surpreende, o senhor Alexandre de Moraes simplesmente inverteu o processo. Nos acusar de estarmos gastando dinheiro do Fundo Partidário com empresas para fazer auditoria. Inclusive, temos duas auditorias contratadas e uma terceira em via de contratação. No que depender de mim, será contratada essa terceira auditoria, porque mais uma prova, se bem que eu acho que nem precisava de mais, de que as inserções foram realmente potencializadas e muito para o outro lado. Dezenas de milhares de inserções do outro lado, e, do nosso lado, tinha rádio que pareceu quase zero”.
Para Moraes, as acusações ao TSE não procedem, porque a responsabilidade de encaminhar os programas para as rádios e fiscalizá-los em tempo hábil é dos partidos. Além disso, não foram apresentadas as provas da denúncia: “Os autores nem sequer indicaram de forma precisa quais as emissoras que estariam supostamente descumprindo a legislação eleitoral, limitando-se a coligir relatórios ou listagens de cunho absolutamente genérico e indeterminado”. Relatos das emissoras acusadas, que se colocaram à disposição da Justiça, começam a desconstruir a versão da campanha de Bolsonaro, que teria atrasado a entrega dos programas.
A resposta de Bolsonaro, porém, ao anunciar o recurso ao Supremo, sinaliza para a judicialização do resultado eleitoral de domingo próximo, caso perca as eleições, o que pode resultar numa crise institucional, uma vez que permanecerá no poder por mais dois meses, mesmo derrotado. Na prática, criou-se um fato jurídico cujos desdobramentos dirão se foi mais um tiro no pé da campanha de Bolsonaro ou é um pretexto formal para não aceitar o resultado do pleito, uma vez que o pedido terá que ser julgado pelo Supremo.
A oposição, ao final do dia, avaliava que a montanha havia parido um rato, ao passar a impressão de que Bolsonaro já está se sentindo derrotado e começa a apelar. Entretanto, o episódio na reta final da campanha serve para emular os bolsonaristas, que reproduzem nas redes sociais as alegações de seu líder político.
Voto pelo Brasil
Elimar Pinheiro do Nascimento*
Voto nele porque quero ver o salário mínimo aumentar mais do que a inflação a cada ano, ver a fome desaparecendo de nosso mapa e as pessoas conseguindo comer, ter emprego e seus filhos irem à Universidade. Porque não me conformo que, no país de maior produção agrícola, 33 milhões de pessoas passem fome. Voto em Lula porque quero ver meu País voltar a crescer, como em 2010, quando cresceu 7,5% do PIB.
Não voto em Lula porque gosto dele.
Voto em Lula porque julgo a educação como a primeira prioridade de qualquer governo, e defendo que lugar de criança é em escola de boa qualidade, e não na cadeia; porque defendo que a ciência e tecnologia são essenciais ao desenvolvimento de meu País, e quero manter e aumentar a verba para estes setores e não para as emendas parlamentares do “orçamento secreto”, a maior corrupção institucional do mundo.
Não voto em Lula porque gosto dele,
Voto em Lula porque quero um governo que defenda o uso da vacina, e não resista a sua adoção; não quero um presidente que estimule as pessoas a não usarem máscaras e se aglomerarem, pregando falsos medicamentos; quero um governo que respeite a dor das pessoas, seja solidário com seu povo. Voto em Lula porque não quero ver o presidente de meu País zombando das famílias que perderam seus familiares para a covid 19; porque não quero um presidente que mente, dizendo que vacina mata crianças e covid não, quando um órgão do próprio governo afirma que morreram duas crianças por dia durante a covid, um total de 1.860.
Não voto em Lula porque gosto do Lula.
Voto em Lula porque defendo a Amazônia, que entre julho de 2021 e agosto de 2022 teve 81% de aumento no desmatamento e, com Marina, em 2005, iniciou a declinar depois de 10 anos de aumento sucessivo; porque defendo nossos ancestrais, os povos originários, hoje entregues à sanha dos grileiros, narcotraficantes, garimpeiros ilegais e biopiratas. Voto em Lula porque o atual governo está entregando a Amazônia à bandidagem.
Não voto em Lula porque gosto dele.
Voto em Lula porque não quero um presidente que vá a festas religiosas desrespeitar o culto dos outros, e que pregue a violência contra o culto dos afrodescendentes, que vai aos templos pregar o ódio e a violência. Voto em Lula porque quero paz e harmonia no meu País, e quero um presidente que não despreze seus habitantes, sejam eles nordestinos ou sulistas; que respeite as mulheres e não as trate com ofensa e xingamento.
Não voto em Lula porque gosto dele.
Voto em Lula porque quero um governo que respeite as instituições democráticas, que respeite a imprensa livre e ame a democracia. Porque quero um presidente que respeite os ritos republicanos, seja responsável pelas finanças públicas e não utilize dinheiro público para alugar apartamento para “comer mulheres”.
Não voto em Lula porque gosto do Lula.
Voto em Lula porque não quero ter a vergonha de ver o presidente de meu País ir ao funeral da rainha da Inglaterra para fazer, ridiculamente, discurso político na calçada, em desrespeito aos mortos; que vá comer sanduiches nas ruas, proibido de entrar em um restaurante em Nova York porque não tomou vacina. Voto em Lula porque quero meu Pais com uma imagem de civilizado, de prestígio, como tinha nos anos 2003/2010; elogiado pelos principais dirigentes do mundo; atraindo investimentos de todos os quadrantes.
Não voto em Lula porque gosto dele, voto em Lula porque gosto de meu País, amo meus filhos e netos, e quero que eles vivam em um país de prosperidade e harmonia.
Voto pela sobrevivência da democracia e pelo futuro do Brasil.
*Sociólogo e cientista socioambiental, professor universitário
*Artigo publicado originalmente no Blog Democracia Política e novo Reformismo.