Day: setembro 26, 2022

Após derrotas, a Rússia anunciou a mobilização de 300 mil reservistas do exército para apoiar as operações militares na Ucrânia | Foto: Evan Huang/Shutterstock

Revista online | Sete meses de guerra e um sistema internacional em transição

Eduardo Heleno Santos*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)

Há exatos 210 dias teve início a segunda intervenção militar russa em território ucraniano. Marcada por um rápido avanço das tropas russas na Ucrânia, o conflito passou por uma fase de incerteza devido à incapacidade militar russa em se apoderar da capital, Kiev. Após sete meses de combates, a imprensa ocidental anuncia a contraofensiva ucraniana em Kharkiv, com a retomada de território e uma nova linha de fronteira que abarca as cidades de Izyum e Kupiansk, às margens do rio Oskil, no leste do país. 

Nestes últimos dias de setembro, os sinais são desencontrados: o presidente turco, Recep Erdogan, declara para os meios de comunicação que Putin estaria disposto a acabar com a guerra; no dia seguinte,  o líder russo faz o discurso à nação e anuncia a convocação de 300 mil reservistas e ameaça usar armas nucleares. Kiev comemora a contraofensiva enquanto as regiões ucranianas de Donbass, Donetsk e Lugansk, Kherson e Zaporizhzia, de maioria étnica russa, preparam referendos para aprovar a adesão ao território russo.

A guerra entre a Rússia e a Ucrânia evidencia a limitação da arquitetura do sistema internacional. A guerra da Síria e o conflito anterior de 2013 entre a Rússia e a Ucrânia já evidenciavam essa falha estrutural. Na Síria, os russos apoiaram o governo de Bashar Al-Assad ajudando não somente a reconstruir o exército do país como atacando posições dos variados grupos opositores, a partir das bases russas de Tartus e Khmeimim, em solo sírio.

Veja todos os artigos da edição 46 da revista Política Democrática online

Naquela guerra, os russos puderam testar novas armas de seu renovado complexo industrial militar e uma tática voltada a bombardeios de alvos civis, como hospitais e centros de saúde, fato que se repete na Ucrânia. Houve mais de 400 ataques perpetrados pela aviação russa e síria contra hospitais no país asiático. Na Ucrânia, apenas no primeiro mês de conflito, a Organização Mundial da Saúde aponta que 64 hospitais e instalações médicas foram alvo de bombardeio.  

O conflito que Putin proíbe chamar de guerra pode alcançar uma escala que nos traria a terceira guerra mundial. Os Estados Unidos estão dando apoio militar e financeiro para a Ucrânia. Kiev já recebeu até o momento US$ 9 bilhões em ajuda financeira e militar estadunidense. Neste contexto, nota-se uma nova corrida armamentista na Europa.

Desde a reunificação, a Alemanha optou por uma política externa não intervencionista. A diplomacia direcionada às nações do leste europeu, a Ostpolitik, priorizou a reorganização dos países da antiga cortina de ferro em um ambiente de paz. Porém, as tensões entre Moscou e Kiev, acentuadas em 2012, trouxeram um velho dilema para a cultura de defesa na Alemanha: é necessário rearmamento? Essa pergunta não pode ser respondida isoladamente sem levarmos em conta que, paralelamente a Ostpolitik pacífica alemã, tivemos a expansão da OTAN ao longo do mesmo período e a tentativa russa de intervenção na Ucrânia em 2004 e 2013. 

Nas guerras de desintegração da Iugoslávia, a aliança militar havia se tornado a ponta de lança da política externa americana no conflito dos balcãs. A partir de 1999, passam a fazer parte da OTAN a Hungria, a República Tcheca e a Polônia. Em 2004, outros países da antiga cortina de ferro, em especial os países bálticos, entram no grupo. Pouco tempo depois, abre-se a possibilidade de adesão da Geórgia e da Ucrânia, o que sinalizou o caminho para ruptura com a Rússia.

O orçamento de Defesa alemão de 2022 é de cerca de 150 bilhões de euros, o triplo do registrado em anos anteriores. Além de atualizar sua base de defesa, até o momento, o governo alemão enviou aos ucranianos 30 veículos antiaéreos Gepard e 6 mil munições para equipar seus canhões, 13,5 mil munições de 155mm, um sistema de radar, 54 veículos M113, 3 mil armas antitanque Panzerfaust, 14,9 mil minas antitanque, 500 lançadores Stinger 3 e 2700 lançadores Strela, 280 veículos de transporte, entre outros itens.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Estação de metrô na Ucrânia serve de abrigo para milhares de pessoas durante os ataques russos | Foto: Drop of Light/Shutterstock
Mãe segura seu bebê em abrigo antiaéreo na Ucrânia | Foto: Marko Subotin/Shutterstock
Em Varsóvia, na Polônia, uma grande tenda foi instalada para abrigar refugiados ucranianos | Foto: Damian Lugowski /Shutterstock
Mãe refugiada ucraniana atravessa a fronteira para fugir da guerra | Foto: Halfpoint/Shutterstock
Crianças se abrigam em seu porão na cidade de Mariupol, Ucrânia, durante bombardeio pela aviação russa | Foto: Vladys Creator/Shutterstock
Lenço nas cores da bandeira da Ucrânia em fronteira com a Eslováquia | Foto: Vladys Creator/Shutterstock
Famílias ucranianas fogem da guerra por meio de fronteira com a Hungria | Foto: Vladys Creator/Shutterstock
Foto: Dba87/Shutterstock
Alemanha e UE anunciam 'novo Plano Marshalll' para Ucrânia | Foto: reprodução/Flickr
Demonstrators display a banner in the colours of the Ukrainian flag reading "Stop [Russian President] Putin, Stop war" during a protest at Berlin's Brandenburg Gate on January 30, 2022. - Demonstrators criticised Putin's massing of troops near the Ukrainian border and called on Germany to play a more active role in defending Ukraine's interests. (Photo by John MACDOUGALL / AFP) (Photo by JOHN MACDOUGALL/AFP via Getty Images)
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Os 30 países que fazem parte da OTAN se comprometeram a aumentar o investimento em defesa. Com a guerra atual, a União Europeia ampliou em 1250% os recursos financeiros voltados à pesquisa e desenvolvimento no setor de defesa. O Fundo Europeu de Defesa conta com orçamento de € 8 bilhões para o período de 2021 a 2027.  Essa escalada silenciosa afeta principalmente a doutrina militar e já apresenta efeitos na contraofensiva ucraniana. 

A OTAN e a Rússia, que já chegaram a conviver em um ambiente de parceria estratégica contra o terrorismo, voltam-se como inimigos latentes. Desde junho, a aliança militar aumentou para 300 mil os soldados em prontidão. Esse efetivo é o mesmo da última convocação nacional feita agora em setembro por Putin. Longe de criar um anel de nações irmãs para a proteção de seu território, o líder russo se vê cada vez mais cercado em sua frente ocidental. Com perdas em material, não obstante a irresolução do conflito, a ameaça nuclear de seu discurso acaba sendo sinal dessa relativa fragilidade.

Sobre o autor

*Eduardo Heleno Santos é doutor em Ciência Política (UFF, 2015) com tese sobre a extrema direita no meio militar. É professor adjunto do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense.

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.

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Atrás nas pesquisas, Bolsonaro questiona credibilidade das sondagens eleitorais

Eleições 2022: pesquisas 'erraram tudo em 2018' como diz Bolsonaro?

A menos de dez dias do primeiro turno das eleições, os principais institutos de pesquisa do país — como Ipec, Datafolha, Ipespe e Quaest — continuam mostrando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com uma vantagem folgada na corrida presidencial ante seu principal oponente, o presidente Jair Bolsonaro (PL), inclusive com chances de vencer no primeiro turno

O atual mandatário, porém, questiona a credibilidade dessas sondagens e diz que ele que vencerá já no próximo domingo (2 de outubro, dia de votação do primeiro turno). "Essas pesquisas não valem de nada. Erraram tudo em 2018 e agora, obviamente, potencializam o outro lado", disse Bolsonaro na terça-feira (23/09), durante viagem à Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU.

O argumento do presidente e de seus apoiadores para contestar o cenário desfavorável captado pelas pesquisas nesta eleição é dizer que os institutos também não apontaram sua vitória no pleito de 2018. Além disso, também acusam supostos erros das pesquisas em outras disputas daquele ano, como eleições para governos estaduais e vagas no Senado.

Especialistas no assunto ouvidos pela reportagem questionam a argumentação de Bolsonaro, já que as sondagens de 2018 próximas ao dia da votação mostravam a vitória do atual presidente.

Esses especialistas ressaltam ainda que pesquisas não são "prognóstico da eleição", mas apenas um retrato do momento. Isso significa que o resultado das urnas pode ser diferente das sondagens eleitorais, na medida em que a decisão de voto do eleitor pode mudar entre o momento de realização da pesquisa e o dia da votação.

"Mesmo que algumas pesquisas eleitorais divulguem seus resultados no dia anterior à eleição, elas ainda podem não captar certas mudanças ou decisões de voto ocorridas no dia da eleição, no dia anterior ou até mesmo dois dias antes, uma vez que muitas pesquisas começam sua coleta de dados de dois a três dias antes de sua divulgação", reforça o estatístico Raphael Nishimura, diretor de amostragem do Survey Research Center, da Universidade de Michigan.

Um fator, por exemplo, que pode influenciar a decisão de última hora é o chamado "voto útil", quando o eleitor decide votar num candidato que não é sua escolha inicial porque avalia que ele tem mais chances de derrotar um outro concorrente com mais rejeição.

Neste ano, Lula tem tentado atrair para si ainda no primeiro turno os eleitores de outros candidatos como Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) com o discurso de que o voto útil no petista pode garantir sua vitória contra Bolsonaro já no dia 2 de outubro.

Adversários de Lula têm reagido, criticando a iniciativa como antidemocrática, enquanto apoiadores do petista dizem que faz parte da democracia tentar atrair o eleitor dos concorrentes e que seria importante vencer no primeiro turno para enfraquecer possíveis tentativas de Bolsonaro de questionar o resultado das urnas.

Uma das principais bandeiras do presidente tem sido levantar suspeitas infundadas sobre a segurança da urna eletrônica. Para críticos de Bolsonaro, o discurso contra o sistema eletrônico de votação e os ataques contra os institutos de pesquisa fazem parte da estratégia de preparar o terreno para questionar depois o resultado da eleição, em caso de derrota.

Mas o que diziam as pesquisas de 2018?

As pesquisas de 2018 mostram que as sondagens sobre a disputa presidencial realizadas pelos principais institutos de pesquisa captaram com antecedência a vantagem de Bolsonaro no primeiro turno da corrida eleitoral. Na campanha de segundo turno, as sondagens também sempre mostraram Bolsonaro bem à frente de seu adversário, o petista Fernando Haddad (confira os números ao longo da reportagem).

Já antes da votação do primeiro turno, quando os institutos testavam em seus levantamentos possíveis confrontos no segundo turno, as pesquisas mostraram diferentes resultados. Em alguns momentos indicavam que Bolsonaro perderia de Geraldo Alckmin (PSDB) e Ciro Gomes (PDT). Apenas uma pesquisa, divulgada no dia 28 de setembro, mostrou Haddad (PT) na frente de Bolsonaro num cenário de disputa no segundo turno. As outras sondagens após essa data já mostravam Bolsonaro à frente de Haddad em eventual segundo turno.

Após definição do segundo turno entre Bolsonaro e Haddad, pesquisas mostraram atual presidente como favorito na disputa

Apoiadores do presidente usam essa pesquisa que, inicialmente, indicava derrota de Bolsonaro no segundo turno para contestar a credibilidade das sondagens, argumento contestado pelos institutos.

"Cabe esclarecer que as simulações de 2º turno feitas no 1º turno das eleições são hipotéticas e nem sempre refletirão o que acontecerá de fato no 2º turno", explicou à BBC News Brasil Márcia Cavallari, diretora do Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), instituto fundado por parte da equipe que atuava no antigo Ibope.

"O próprio resultado do 1º turno das eleições tem impacto no posicionamento dos eleitores no 2º turno, além da reacomodação das forças políticas. É uma nova eleição. Não se pode comparar as simulações de 2º turno feitas no 1º turno com as do 2º turno de fato. Os eleitores vão se posicionando ao longo da campanha eleitoral", acrescentou.

Já em alguns pleitos estaduais, os resultados das urnas surpreendeu. Para especialistas, isso foi reflexo de uma eleição atípica, marcada por uma forte rejeição ao sistema político, em que uma onda bolsonarista ganhou força muito próximo do pleito, impulsionando a votação de concorrentes até então pouco conhecidos, como Wilson Witzel (PSC) e Romeu Zema (Novo), eleitos, respectivamente, governadores do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

O cientista político Antonio Lavareda, que é presidente do Conselho Científico do Ipespe (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas), ressalta que, embora as pesquisas não tenham apontado a vitória dos dois, elas já apontavam uma tendência de crescimento.

"Nas pesquisas de véspera da eleição, pelo menos, já havia sinalização de crescimento do Witzel, do Zema, etc. Na verdade, o que houve nas últimas 48 horas, 24 horas antes da votação em 2018 — uma eleição crítica, uma eleição de mudança de paradigma de comportamento — foi uma onda bolsonarista que arrastou [para o cargo] alguns candidatos na reta final em alguns Estados", nota Lavareda.

Os números das pesquisas presidenciais

Vamos relembrar a evolução das pesquisas na última eleição presidencial.

Há quatro anos, as sondagens dos institutos brasileiros mais tradicionais indicavam, inicialmente, Lula como favorito para vencer a eleição. No entanto, o petista foi barrado daquela disputa presidencial em 1º de setembro de 2018 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) porque estava condenado em segunda instância (as condenações foram anuladas em 2020).

Assim que o ex-presidente foi substituído por Fernando Haddad como candidato do PT na corrida presidencial daquele ano, Bolsonaro passou liderar as principais pesquisas de intenção de voto para o primeiro turno.

Vejamos os dados de 2018 do Ibope, instituto de longa tradição no Brasil que fechou as portas em 2021 e cujos executivos fundaram o atual Ipec.

No levantamento Ibope divulgado em cinco de setembro, Bolsonaro aparecia com 22% das intenções de voto, seguido por Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT), cada um com 12%. Logo atrás vinha Geraldo Alckmin (PSDB), com 9%, e Haddad, com 6%. Outros concorrentes somavam 11%. Havia ainda 21% de pessoas com intenção de votar branco ou nulo, e outros 7% que ainda não sabiam em quem votar ou não responderam.

Nas semanas seguintes, as intenções de voto de Bolsonaro e Haddad cresceram continuamente, deixando para trás os demais concorrentes. No levantamento Ibope divulgado em 6 de outubro, véspera do primeiro turno, Bolsonaro aparecia com 36% ante 22% de Haddad.

Já Ciro aparecia quase estável, com 11%, Alckmin havia caído um pouco mais para 7%, e Marina havia derretido para 3%. A soma dos demais candidatos também recuou para 8%. O percentual dos que pretendiam votar branco ou nulo também teve queda expressiva (7%), enquanto os que não sabiam em quem votar ficou em 5%.

Ou seja, ao longo da campanha de primeiro turno, Bolsonaro e Haddad conseguiram atrair votos de outros candidatos, assim como eleitores que antes estavam indecisos ou pretendiam anular seu voto.

Considerando apenas os votos válidos (sem contabilizar brancos e nulos, dado que é usado pelo TSE para definir os eleitos), Bolsonaro tinha naquela pesquisa 41%, enquanto Haddad tinha 25%.

Já na pesquisa de boca de urna, que é realizada no dia da votação, o desempenho dos dois candidatos ficou muito próximo do resultado final. O levantamento do Ibope de sete de outubro mostrou o então candidato do PSL com 45% dos votos válidos, e o petista com 28%. Já o resultado do TSE foi 46% para Bolsonaro e 29% para Haddad, ou seja, dentro da margem de erro de dois pontos percentuais da pesquisa de boca de urna.

"A pesquisa não tem o papel de antecipar o resultado eleitoral. A pesquisa eleitoral capta atitudes e as intenções de voto, não mede o comportamento do eleitor. Apenas as pesquisas de boca de urna (feitas no dia da votação, logo que as urnas fecham) podem ser comparadas com os resultados oficiais, pois estas estão medindo comportamento", afirma Cavallari.

Embora as pesquisas não tenham a função de prever o resultado das urnas, elas costumam captar bem qual a tendência da evolução do voto. "Via de regra, observamos que os resultados oficiais são um ponto a mais nas curvas de tendência apontadas pelas pesquisas", ressalta a diretora do Ipec.

Fonte: Ibope

A evolução das intenções de voto para o primeiro turno de 2018 captada nas pesquisas Ibope foi a mesma de outros institutos, como Datafolha e Ipespe.

Para Lavareda, Haddad cresceu e chegou ao segundo turno devido a uma transferência dos votos de Lula para o novo candidato do PT.

Já Bolsonaro foi capaz de catalisar o forte sentimento contrário aos partidos políticos mais tradicionais, em especial o antipetismo, que marcou a disputa de 2018. Na medida em que ele despontou como o o candidato mais forte para derrotar o PT, partido que havia ganhado as quatro eleições presidenciais anteriores, Bolsonaro cresceu na preferência do eleitor que não desejava um novo governo petista naquele momento, analisa o cientista político.

As pesquisas sobre segundo turno

Ao questionar a credibilidade das pesquisas, apoiadores de Bolsonaro costumam dizer que os levantamentos sobre o segundo turno de 2018 mostravam que o atual presidente perderia contra todos os outros principais concorrentes.

Nas redes sociais, o argumento costuma vir acompanhado de uma pesquisa do Datafolha de 28 de setembro de 2018, ou seja, mais de uma semana antes do primeiro turno (7 de outubro).

Essa sondagem mostrava que, naquele momento, as intenções de voto indicavam a derrota de Bolsonaro para Haddad (45% a 39%), Alckmin (45% a 38%) e Ciro (48% a 38%).

As três pesquisas seguintes do Datafolha, porém, já mostravam Bolsonaro numericamente à frente de Haddad em um possível segundo turno, embora empatados dentro da margem de erro. Na última delas, na véspera do primeiro turno de 2018, o então candidato do PSL aparecia com 45% das intenções de voto em um eventual segundo turno contra o petista, que, por sua vez, marcava 43%.

Com o resultado da votação do primeiro turno confirmando a disputa entre Bolsonaro e Haddad, todas as pesquisas realizadas durante a campanha do segundo turno passaram a captar uma larga vantagem do atual presidente sobre o candidato petista.

"Nós fazemos as simulações de segundo turno no decorrer do primeiro turno, elas refletem a opinião do eleitor nesse momento de primeiro turno. O segundo turno é outra eleição, nós começamos do zero, não consideramos os resultados dessas simulações obtidas no primeiro turno", disse à reportagem Luciana Chong, diretora do Datafolha.

Fonte: Datafolha

O último Datafolha, divulgado na véspera do segundo turno, indicava Bolsonaro com 55% dos votos válidos e o petista com 45%. O resultado das urnas contabilizado pelo TSE foi: Bolsonaro eleito com 55,13% dos votos válidos, Haddad derrotado com e 44,87%.

"Pesquisa não é prognóstico, mas a pesquisa deve dar pelo menor uma ideia de ordem de colocação (dos candidatos) e de uma certa distância (entre eles). E as pesquisas de segundo turno (de 2018) apresentaram isso: ordem correta e uma certa distância parecida com o que deu", nota Lavareda, do Ipespe.

Surpresas nas disputas estaduais

A credibilidade dos institutos de pesquisa também tem sido questionada devido a grandes diferenças observadas em 2018 entre o resultado das urnas e as pesquisas de intenção de voto em algumas disputas estaduais.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o governador que acabou eleito, Wilson Witzel (PSC), aparecia na pesquisa Ibope divulgada na véspera do primeiro turno empatado em terceiro lugar com Índio da Costa (PSD), com 12% das intenções de votos válidos, atrás de Eduardo Paes (DEM), com 32%, e Romário (Podemos), com 20%.

Já a pesquisa de boca de urna do mesmo instituto, feita no dia da votação, já mostrava ele em primeiro lugar, com 39% da preferência do eleitor (considerando votos válidos), seguido de Paes (21%), números muito próximos do resultado das urnas (41,28% para Witzel e 19,56% para Paes).

Witzel acabou derrotando Paes no segundo turno, cenário antecipado pelas pesquisas dos principais institutos realizadas após o primeiro turno.

Fonte: Ibope e TSE

Movimento semelhante aconteceu em Minas Gerais, em que o atual governador, Romeu Zema (Novo), também saiu de terceiro na pesquisa Ibope da véspera da eleição para primeiro lugar no resultado do TSE para o primeiro turno. Na etapa final, ele enfrentou e derrotou Antonio Anastasia (PSDB), resultado antecipado pelas pesquisas do segundo turno.

Também chamou atenção a disputa mineira pelo Senado. As pesquisas indicavam que a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) seria eleita. Ela terminou em quarto lugar e foram eleitos Rodrigo Pacheco (DEM) e o Jornalista Carlos Viana (PHS).

Algo em comum entre Witzel, Zema, Viana, e outros candidatos eleitos em 2018, é que eles disputavam um cargo político pela primeira vez e venceram colando suas candidaturas na de Bolsonaro.

Conforme explicou Lavareda, houve uma onda bolsonarista na eleição de quatro anos atrás que impulsionou uma série de candidatos desconhecidos. Além disso, ele ressalta que é mais comum o resultado das urnas divergir das pesquisas para eleições estaduais, que medem as intenções de voto para o governador e Senado, do que das pesquisas para presidente.

Isso ocorre não por causa de "erros" das pesquisas, ressalta Lavareda, mas porque nas eleições estaduais é mais comum que uma parcela maior de eleitores só defina seu voto muito próximo do pleito ou mesmo no dia da votação.

A pesquisa do Ibope para o Senado de Minas Gerais divulgada dia 6 de outubro (véspera do primeiro turno), aquela que dava vitória para Dilma, indicava que 31% dos eleitores não sabiam ainda em quem votar, por exemplo.

Para Lavareda, a eleição de 2022 terá menos surpresas porque neste ano não há mais aquela onda antipolítica que marcou o pleito de 2018.

"Teremos muito menos mudanças abruptas de última hora, mas pode acontecer. Nas eleições para Senado, por exemplo, em que é baixíssima a taxa de interesse do eleitor, o que podemos ver pela intenção de voto espontânea (quando a pesquisa pergunta a intenção de voto antes de apresentar os nomes dos candidatos)", nota Lavareda.

"A intenção de voto espontânea na pesquisa para eleição presidencial é elevadíssima. Já para governador é menos elevado e para senador é baixo. As pessoas vão formar sua preferência na última hora", reforça.

*Texto publicado originalmente no portal da BBC News Brasil.


Imagem : reprodução Horizontes Democráticos

As salsichas e as leis

Ricardo Marinho*, Horizontes Democráticos

Atribui-se a Otto von Bismarck (1815-1898), que foi Primeiro-Ministro da Prússia (1862-1890), Chanceler da Confederação da Alemanha do Norte (1867-1871) e Primeiro Chanceler do Reich Alemão (1871-1890), a famosa frase: “Os cidadãos não poderiam dormir tranquilos se soubessem como são feitas as salsichas e as leis.”

Otto von Bismarck (1815-1898)

Os amantes de expressões idiomáticas conhecem Bismarck como o criador de inúmeras imagens linguísticas de igual naipe. Algumas metáforas são vinculadas a ele (por exemplo “ferro e sangue”). Outras parecem ser efetivamente dele, conforme o texto e o contexto acabam por se encaixar. No entanto, muitas não podemos comprovar.

Um dos bons motes e mais conhecidos é essa atribuição que se encaixa bem em face a longeva distância (e talvez não totalmente imprecisa) de Bismarck em relação aos procedimentos legislativos parlamentares, para o arrepio de Max Weber (1864-1920). Mas, com um olhar para o mundo gastronômico, Bismarck teria dito mesmo essa frase à qual nos reportamos acima.

Existe até uma versão ainda mais dura dela em que se diz que as pessoas não deveriam estar presentes quando as leis e/ou salsichas são feitas, pois, do contrário elas poderiam ficar doentes – a pandemia nos mostrou isso. Ambas as formulações são apontadas e podem até ter vindo de Bismarck, mas a historiografia não pode comprovar.

Tendo em vista a distância historicamente condicionada, é compreensível a muitos de nós que tal frase acabe por ficar registrada como de Bismarck, e com a própria dinâmica do esquecimento o personagem histórico venha diminuindo lentamente ao longo do tempo e dando espaço a divulgação inapropriada de informações conforme “teorias” da conspiração e fake news.

A mídia tem observado recentemente, em nosso contexto – e em quase tudo diferente do século XIX de Bismarck –, que salsichas e outros alimentos à base de carne, independentemente do processo de origem, se tornaram rarefeitos na nossa mesa. Imaginemos, à propósito que mesmo a produção de tofu raramente ganharia prêmios estéticos por sua produção.

Mas essa breve digressão alimentar visa recuperar a frase para o nosso contexto de escassez proteica de origem animal mamífera (e não só) uma vez que seu principal objetivo é dizer que o processo de negociação política, pode ser cheio de misturas grosseiras e que a superfície lisa que mostra, por exemplo, o produto salsicha pode trazer em seu interior qualquer quantidade de vísceras, peles, sobras e cartilagens esmagadas.

A arte de vender salsichas consiste em esconder seu processo de produção aos olhos do público e mostrar apenas o resultado, sem sua gestação inapresentável.

Não é passível a recordação das gerações viventes a existência de uma época na política brasileira em que as misérias da máquina de fazer salsichas fossem tão visíveis publicamente. O governo e seus partidos não têm escrúpulos em mostrar aos leigos o que é esse lado duro da política e como eles o praticam secretamente.

Bolsonaro se reúne e negocia com o Centrão

A variedade de embutidos processados no atual governo é rica e de altíssimo escalão: seus ministros, a candidatura à Presidência da República, colaboradores e ex-colaboradores do chefe de Estado, senadores e ex-senadores, deputados e ex-deputados, um aglomerado de empresários, governadores que entregaram eleitoralmente seu estado, entre outras circunstâncias inconfessáveis.

A lista poderia ser muito ampliada porque não há modéstia no uso da máquina de salsicha, como ficou claro esses dias, na reta final da campanha do primeiro turno das eleições de 2022. Ao contrário, a máquina é usada para fins de visibilidade, como punição para alguns e como advertência para todos. A máquina de fazer salsichas é chamada a politização personalizada.

Não há nada de novo nisso, exceto pelo fato de que a quantidade importa. Algumas salsichas são uma mancha para qualquer governo. Mas quando as salsichas se tornam legião, o governo parece apenas uma delicatesse inapresentável. Que nós possamos pavimentar, pelo voto, a chegada da primavera que tanto almejamos!

Artigo publicado originalmente no portal Horizontes Democráticos