Day: setembro 20, 2022
Revista online | Os desafios fiscais para 2023
Vilma da Conceição Pinto*, especial para a revista Política Democrática online (47ª edição: setembro/2022)
No dia 31 de agosto, o Poder Executivo Federal encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta para o orçamento de 2023. Junto ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) foi enviado a Mensagem Presidencial contendo análise da situação econômica e fiscal do país, bem como o detalhamento dos principais pontos da proposta. Porém, alguns tópicos da Mensagem Presidencial e o próprio cenário econômico traçado no PLOA evidenciam desafios para o próximo exercício, tanto do ponto de vista de política fiscal, quanto em termos econômicos. O objetivo deste artigo é explorar alguns desses pontos do PLOA, que, de certo modo, refletem incertezas para 2023.
A proposta prevê, no ano que vem, crescimento real do PIB de 2,5% e inflação medida pelo IPCA de 4,5%. A meta de resultado primário é um deficit de R$ 66,2 bilhões para o orçamento fiscal e da seguridade social, porém, o primário previsto no PLOA é de R$ 63,7 bilhões para o governo central, sendo um superavit de R$ 201,2 bilhões para o resultado do Tesouro Nacional e o Banco Central e um deficit de R$ 264,9 bilhões para a Previdência Social. Os juros nominais estimados no PLOA para o governo central foram de R$ 658,2 bilhões, levando a um deficit nominal de R$ 721,9 bilhões.
Este cenário, porém, carrega uma série de incertezas quanto à sua efetividade. Por exemplo, no que diz respeito ao programa de transferência social de renda (Auxílio Brasil - PAB), o governo enviou uma proposta de orçamento com dotação capaz de atender a cerca de 21,6 milhões de famílias com um benefício médio mensal de R$ 405 reais (totalizando gastos de R$ 105,7 bilhões). Porém, por conta da Emenda à Constituição (PEC) nº 123, de 2022, hoje os beneficiários do PAB estão fazendo jus a um benefício com valor médio mensal de R$ 600 por família, mas com vigência apenas até dezembro deste ano.
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Em que pese a proposta orçamentária não ter contemplado a prorrogação do benefício social, consta da Mensagem Presidencial que “o Poder Executivo envidará esforços em busca de soluções jurídicas e de medidas orçamentárias que permitam a manutenção do referido valor no exercício de 2023”. Assim, a continuidade deste adicional de R$ 200, aumentaria o custo para a União em R$ 51,8 bilhões, mas as fontes e formas de financiamento ainda são incertas.
Em parte, essa incerteza decorre do atual arcabouço de regras fiscais, em que, caso o benefício adicional seja concedido sujeito a estas regras – a saber, metas para resultado primário e teto de gastos –, poderia provocar problemas no funcionamento de alguns programas de governo e nos investimentos públicos, dado a necessidade de cortes em outras despesas para acomodar o adicional desejado.
Caso não seja concedido dentro das regras fiscais, o incremento pioraria o resultado primário do governo e, consequentemente, o cenário para dívida pública, além de aumentar a percepção de risco por parte dos agentes econômicos. Mas, se por um lado, a ampliação do gasto social pode piorar o deficit fiscal em 0,5p.p. do PIB, por outro, estimularia a demanda agregada, contribuindo positivamente para a atividade econômica.
Além disso, para 2023, a expectativa do governo para o crescimento econômico destoa significativamente das projeções de consenso. O governo projeta um crescimento econômico de 2,5% para 2023, ao passo que as previsões do Boletim Focus do Banco Central – que concentra a projeção de várias instituições – é de apenas 0,5%. Essa diferença, por si só, cria um ambiente de incerteza para o próximo ano.
Confira, abaixo, galeria de imagens:
Na edição de setembro do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da IFI, foram apresentados dois cenários para o crescimento econômico, um cenário sem prorrogação das medidas de estímulos fiscais que estão previstos para encerrar este ano e outro considerando a prorrogação dessas medidas. No cenário base da IFI, isto é, sem as medidas de estímulo fiscal para 2023, o crescimento estimado é de 0,6%, ao passo que, no cenário alternativo, esse crescimento vai para 1,0%. O superavit primário no cenário base da IFI é de 0,1% do PIB, enquanto, no cenário alternativo, o déficit pode chegar a -0,9% do PIB.
Assim, o maior desafio, no ano que vem, será acomodar no orçamento eventuais renúncias de receita e aumentos de gastos ainda não previstos em lei. A depender da magnitude, a viabilidade dessas medidas dependerá da alteração das regras fiscais vigentes, dado o limitado espaço para alocar os impactos esperados.
Sobre o autor
*Vilma Pinto é diretora da Instituição Fiscal Independente do Senado. As opiniões são pessoais e não vinculam a instituição.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (47ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Projeção em prédio da ONU em Nova York chama Bolsonaro de 'vergonha brasileira'
Fernanda Mena*, Folha de São Paulo
Horas antes de o presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL) chegar à sede da ONU em Nova York para o discurso de abertura da 77ª Assembleia-Geral, era possível ver imagens gigantescas suas projetadas na lateral do prédio ladeadas por expressões como "Brazilian shame" (vergonha brasileira).
A intervenção no edifício das Nações Unidas, de 39 andares e 155 metros de altura, foi iniciativa da US Network for Democracy in Brazil (Rede nos Estados Unidos pela Democracia no Brasil), que reúne acadêmicos de mais de 50 universidades americanas, ativistas e organizações da sociedade civil, como a Coalizão Negra por Direitos e a Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), entre outras.
As imagens projetadas nas primeiras horas desta terça (20) trazem palavras como "vergonha", "desgraça" e "mentira" em quatro das línguas oficiais da ONU —inglês, francês, espanhol e mandarim—, além do português.
"Somos opositores ferrenhos desse governo brasileiro por todas as atrocidades que ele representa", diz Mariana Adams, organizadora nacional do US Network for Democracy in Brazil. "Nossa ação comunica ao mundo que Bolsonaro está apoiado em um sistema de fake news para avançar seu projeto pessoal de poder e de enriquecimento, não um projeto nacional de desenvolvimento do Brasil."
Segundo ela, as aparições internacionais de Bolsonaro "desmantelaram, de maneira sistemática, a imagem do Brasil no exterior, seja pela desastrosa política externa brasileira, seja pelas aparições internacionais que visam benefícios políticos eleitorais".
Exemplo recente, afirma ela, foi a passagem do presidente pelo Reino Unido para participar do funeral da rainha Elizabeth 2ª. Em meio às cerimônias solenes, o brasileiro usou a viagem para fazer campanha eleitoral, discursando a apoiadores.
"A ideia é retomar e subverter o palanque de que ele tem feito as instituições internacionais. Para nós, isso é vergonhoso", diz Adams, que afirma que os integrantes da rede atuam de forma voluntária e não são ligados a partidos políticos ou a ONGs. O grupo coletou fundos para a ação a partir da doação coletiva de seus membros.
Os ativistas elaboraram as combinações de imagens com palavras e contrataram um projetor capaz de lançá-las na empena cega do edifício a cerca de 1 quilômetro de distância.
"No momento em que o Brasil está sendo discutido de maneira tão fervorosa no cenário internacional, queremos que a comunidade internacional e os brasileiros que vivem fora do país não sejam enganados pelas tentativas de legitimação que Bolsonaro faz de seu projeto, que não é de país."
A menos de duas semanas das eleições presidenciais, em um momento em que aparece em segundo lugar nas pesquisas, Bolsonaro passará menos de 24 horas em Nova York. Ele chegou à cidade pouco antes das 20h, no horário local (21h em Brasília), desta segunda (19).
Nesta terça, o presidente abre os discursos da Assembleia-Geral antes de almoçar, em uma churrascaria brasileira, com apoiadores que viajaram em esquema de caravana de outras cidades americanas.
Além da intervenção desta madrugada, os arredores do prédio da ONU —projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer e pelo franco-suíço Le Corbusier e inaugurado em 1952—, podem virar campo de batalha entre bolsonaristas e ativistas, que devem protestar contra a passagem e o discurso de Bolsonaro.
Passagens anteriores de Bolsonaro por Nova York para o evento das Nações Unidas também contaram com intervenções com críticas ao presidente. No ano passado, um caminhão com telões o chamou de criminoso climático.
*Texto publicado originalmente no portal da Folha de São Paulo.
Nas entrelinhas: O custo-benefício do funeral de Elizabeth II para Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
As pesquisas irão dizer se valeu a pena a participação do presidente Jair Bolsonaro (PL) e da primeira-dama Michele no funeral da rainha Elizabeth II, que ganhou conotação de ação eleitoral oportunista. A rigor, seria um gesto de grande cortesia, ainda mais porque é um rito de passagem no qual o rei Charles III, simultaneamente, foi consagrado como seu sucessor.
Mas haveria a desculpa da campanha eleitoral para não ir, que seria perfeitamente aceitável. O brasileiro não é uma estrela ascendente da política internacional, principalmente no Ocidente, nem foi um convidado de honra da família.
A morte de Elizabeth II era uma notícia previsível, mas foi inesperada. Ela parecia eterna, principalmente depois de milhares de memes nas redes sociais exaltando sua longevidade. Entretanto, a morte sempre é um fato com grande poder de irradiação e repercussão, apesar da sua previsibilidade, porque só se morre uma vez.
O falecimento concentra e realça todos os acontecimentos de uma vida, emoldurado ainda mais pela longa duração dos funerais, acompanhado em tempo real pela mídia internacional durante 10 dias. Elizabeth II reinou por 70 anos, encabeçando uma monarquia que soube administrar a decadência do Império Britânico e, aliada aos Estados Unidos, manteve sua influência internacional após a descolonização.
A vida de Elizabeth II serve de paradigma para as cortes europeias, com as quais mantinha fortes laços familiares, e atravessou todas as crises internacionais do pós-II Guerra Mundial. Não havia a menor dúvida de que seu funeral seria um grande evento midiático, quando nada porque resgatou um ritual fúnebre sofisticado, que não se via desde a morte de seu pai, o rei George VI, em 1952, reiterando o fascínio exercido pela aristocracia junto ao povo britânico.
Entretanto, Bolsonaro pisou na bola ao se manifestar a apoiadores da sacada da embaixada do Brasil em Londres. Seria apenas mais um chefe de Estado a prestigiar o funeral, cujo cerimonial deu muito mais importância à família real britânica e à realeza europeia do que aos políticos representantes dos regimes republicanos, fantasmas que rondam o rei Charles III e seus descendentes.
A repercussão negativa do encontro de Bolsonaro com seus apoiadores junto à mídia internacional reverberou no Brasil. O efeito é exatamente o contrário do que o presidente esperava ao viajar para o Reino Unido.
Questionado pela imprensa, como de hábito Bolsonaro reagiu irritado: “Você acha que eu vim aqui fazer política? Pelo amor de Deus, não vou te responder. Não tem uma pergunta decente? Compara o Brasil com o resto do mundo”, disse.
Mas misturou a morte de Elizabeth II com a política e as eleições no Brasil: “Todo mundo vai ter um julgamento final. O julgamento vai ser pelas suas ações e omissões. Todo aquele que trabalhou contra o próximo ou que se omitiu, na hora em que poderia ajudar, segundo as escrituras, para quem acredita, vai ter o seu veredito. E lá não tem gente — como alguns do Supremo, já vão falar que eu estou criticando o Supremo — para ‘descondenar’ uma pessoa e torná-la elegível”, acrescentou.
Espírito da coisa
Antes, ao conversar com apoiadores, Bolsonaro também havia atacado o petista Luiz Inácio Lula da Silva, seu principal adversário, que lidera as pesquisas de intenções de voto: “Como está a Europa perto do Brasil? Existe ameaça de fome aqui? Prateleira vazia, aumento de preço… Por que a insistência em querer botar um ladrão de volta na Presidência? Alguém acha que é uma maravilha ser presidente? Botar um ladrão, com aquela quadrilha toda, na Presidência”.
Numa crônica intitulada Semiótica dos Ritos Fúnebres, publicada no livro Banalogias (Objetiva), o filósofo carioca Francisco Bosco tece considerações muito interessantes sobre a morte e os velórios. Segundo ele, qualquer cadáver encerra em si toda a dinâmica do sublime: não é “ser” nem “ente”, nem “sujeito” nem “objeto”. Bosco explica: “O cadáver já não é vida, mas tampouco é a morte em sua condição de certeza encoberta ou fatalidade abstrata. O cadáver é a morte viva. Ora, a morte viva, diante de nós vivos, é precisamente a experiência do sublime”.
O velório seria uma experiência do sublime. A fila dos pêsames, uma espécie de rito de compensação coletiva pela perda. “Oferece-se, em primeiro lugar, a própria dor, como para fazer surgir uma fraternidade, a comunidade dos irmanados pela perda. Chorar a perda do morto é também homenageá-lo: elogio que se dirige aos imediatamente próximos do morto como uma compensação”, explica Bosco. Parece que Bolsonaro não entendeu o espírito da coisa no funeral de Elizabeth II.
Politicamente, o pior não é isso. Bolsonaro tem uma relação esquisita com a morte. Já deu inúmeras provas disso. Durante a pandemia de covid-19, que ontem registrou 685 mil mortos, não demonstrou a menor empatia com os familiares das vítimas, nem mesmo durante a crise nos hospitais de Manaus, quando dezenas de pessoas morreram por falta de oxigênio e foram enterradas em cova rasa. Daí a dúvida sobre o custo-benefício eleitoral de sua ida aos funerais de Elizabeth II..