Day: julho 25, 2022
Bolsonaro estudou Trump e parece preparar caminho para questionar eleições, diz ex-embaixador
Ricardo Della Coletta*, Folha de São Paulo
Ex-embaixador no Brasil e referência nos Estados Unidos para temas da América Latina, o diplomata Thomas Shannon, 64, diz à Folha que Jair Bolsonaro (PL) parece preparar o caminho para questionar o resultado das eleições de outubro.
Segundo ele, o presidente brasileiro e sua equipe estudaram a estratégia adotada pelo ex-líder americano Donald Trump, que em 6 de janeiro de 2021 insuflou uma invasão do Capitólio para tentar reverter a derrota no pleito presidencial.
Hoje aposentado da diplomacia, Shannon argumenta que Washington não teria problema em trabalhar com um eventual novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje líder nas pesquisas, e diz que o Brasil ficaria isolado no caso de uma ruptura institucional.
O que o sr. achou da reunião de Bolsonaro com embaixadores para propagar mentiras sobre o sistema eleitoral?
Não entendo por que o presidente escolheu falar com o corpo diplomático sobre esse tema, mas acho que ele indicou um desejo de explicar para essa comunidade em Brasília —uma das maiores no hemisfério Ocidental, portanto ele falou para o mundo— por que não confia no sistema eleitoral.
Acho totalmente surpreendente que um presidente, eleito por esse sistema e que chefia um governo que representa a vontade popular, coloque em questão o sistema eleitoral do próprio país. E fazer essa argumentação para uma audiência diplomática transforma o surpreendente em perigoso. Ele parece estar preparando o caminho para não aceitar o resultado das eleições.
Acredita que isso confirma a análise de que Bolsonaro está imitando a estratégia de Trump?
Acredito que Bolsonaro e sua equipe estudaram muito atentamente os eventos de 6 de Janeiro [de 2021] e chegaram a uma conclusão. Primeiro, que Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha apoio institucional —de lideranças partidárias, tribunais, Forças Armadas. Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional.
No entanto, na eleição de Joe Biden, embora no voto popular tenha ocorrido uma diferença de 7 milhões de votos, no Colégio Eleitoral houve um resultado bem apertado, o que permitiu que Trump argumentasse que houve fraude. No Brasil as pesquisas indicam no momento que a disputa não está apertada. Então a pergunta a ser feita é: qual o plano do presidente Bolsonaro? Esperar a votação ocorrer e declará-la inválida? Ou impedir que a eleição ocorra ao desqualificar todo o processo agora?
O fato de Bolsonaro ter algum apoio institucional lhe dá mais chances de ser bem-sucedido numa eventual tentativa de ruptura?
Depende muito das instituições brasileiras e como elas vão responder. Recai sobre elas a tarefa de deixar claro que têm confiança no sistema eleitoral brasileiro.
E o sr. vê essa reação institucional ocorrendo?
Está ganhando corpo, à medida que as pessoas entendem a gravidade da situação. Eu não sou brasileiro, não vou votar. Cabe aos brasileiros e às instituições brasileiras decidir o caminho que o país vai tomar. O sistema eleitoral brasileiro guiou o país no período democrático desde a década de 1980, ajudou o país a atravessar eleições presidenciais, dois impeachments, foi capaz de garantir transições pacíficas.
É um sistema que ganhou o respeito do mundo, e é chocante que nesse momento não tenha o respeito do presidente. É um erro criticar o processo eleitoral brasileiro porque abre espaço para que as pessoas tentem questionar a eleição por meio da violência, não pelos canais normais e pelos tribunais. Isso não deveria ser aceito num líder político.
A embaixada americana publicou uma nota em que manifesta confiança no processo eleitoral brasileiro. Como interpreta esse texto?
Os EUA têm grande respeito pelo Brasil e pela democracia do país e estão preparados para trabalhar com qualquer liderança que o povo brasileiro escolher.
O comunicado afirma que o relacionamento dos dois países tem como fundamento compromissos democráticos e valores comuns. Também coloca que os EUA respeitam as instituições brasileiras e o processo eleitoral e, nesse sentido, não concordam com as alegações de Bolsonaro.
Há no Brasil analistas que argumentam que a reação internacional seria suficiente para impedir uma ruptura institucional. O sr. concorda?
Cabe aos brasileiros protegerem sua democracia, assim como cabe aos americanos protegerem a nossa. Não podemos depender de britânicos, franceses ou japoneses. Mas o que o mundo está dizendo é que é falso o argumento de que o sistema eleitoral brasileiro é fraudulento.
Quando você pensa no que poderia ocorrer no caso de ruptura, estamos falando sobre consequências contra ações que não são democráticas. O que a comunidade diplomática está tentando fazer é garantir que o Brasil não chegue a esse ponto.
Que tipo de consequências uma ruptura poderia gerar? Há no governo quem diga que o Brasil é grande demais para ser isolado do mundo?
Na minha experiência, o Brasil não aceita ameaças. É um erro ameaçar o Brasil. É por isso que países não estão abordando o tema para falar de consequências em caso de ruptura. O que os países estão fazendo é dizer aos brasileiros: seu sistema eleitoral funciona bem e temos confiança nele. Estão oferecendo seu apoio.
Mas se a argumentação no governo Bolsonaro é que o Brasil é importante demais ao ponto de poder fazer o que quiser, isso simplesmente não é verdade. Veja o que está ocorrendo com a Rússia. É uma economia enorme, o maior território do mundo, um país em que os EUA gastaram 30 anos construindo uma relação econômica. E tudo acabou num instante devido ao comportamento [da Rússia, que invadiu a Ucrânia]. Se houver ruptura constitucional no Brasil, o colapso da ordem democrática, o Brasil ficaria isolado, ao menos no hemisfério Ocidental e na Europa. Sob muita pressão política e econômica.
No recente encontro entre Bolsonaro e Biden, a imprensa reportou que o líder brasileiro retratou Lula como uma ameaça aos interesses americanos. Esse tipo de mensagem é efetivo?
Enquanto o líder brasileiro for escolhido livremente pelo sistema democrático, os EUA trabalharão com quem o povo brasileiro escolher. No caso de Lula, ele foi presidente por oito anos; sua sucessora [Dilma Rousseff] esteve no cargo por quase seis. São 14 anos de governo do PT. Os EUA conhecem bem e estão familiarizados com Lula e seu partido. Foi desenvolvida uma relação de trabalho muito boa, assim como com todos os presidentes eleitos democraticamente no Brasil. Até agora, claro.
O quão preocupado o governo Biden está com a instabilidade institucional causada por Bolsonaro?
O fato de a embaixada ter divulgado um comunicado, seguido de manifestação do porta-voz do Departamento de Estado [Ned Price], significa que o governo dos EUA está muito preocupado.
Republicanos no Senado barraram a aprovação da embaixadora indicada para o Brasil, Elizabeth Bagley. Isso limita a capacidade do governo dos EUA de, nas eleições, manifestar suas posições?
Temos uma excelente embaixada no Brasil, e nosso encarregado de negócios [Douglas Koneff] é um servidor muito bom. Ele tem relatado a situação a Washington e expressado as visões dos EUA [ao governo Bolsonaro]. Dito isso, num mundo definido pelo protocolo, um embaixador é melhor do que um encarregado de negócios. Elizabeth Bagley era uma boa escolha. O fato de o Comitê de Relações Exteriores não ter aprovado seu nome foi lamentável. E tem um impacto muito negativo em razão da importância da relação [dos dois países] e do momento. Os republicanos sabiam disso.
*Texto publicado originalmente na Folha de São Paulo.
Revista online | Veja lista de autores da edição 45 (julho/2022)
*Guilherme Casarões é o autor do artigo Bolsonaro nos Estados Unidos: a normalização diplomática como narrativa de campanha. Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).
*Henrique Brandão é o autor do artigo O falso moralismo do neosertanejo. Jornalista e escritor.
*Neure Rejane Alves da Silva é a autora do artigo A gaiola invisível do abuso. Psicóloga (CRP 18/06733), gestora e consultora.
*Raul Valle é o autor do artigo 10 anos do Código Florestal: retrocessos e pouco a comemorar. Advogado, mestre em Direito Econômico e coordenador de incidência política do WWF Brasil.
*Márcia Rocha é a autora do artigo Uma construção de direitos. Empresária, advogada eleita a primeira Conselheira Seccional trans da OAB/SP, com assento no Comitê de Direitos Sexuais da World Association for Sexual Health, pós-graduada em Educação Sexual e fundadora do Projeto Transempregos.
Primeira pessoa trans a ter o nome social em um documento federal no Brasil, bem como a primeira advogada autodenominada “travesti” a fazer sustentação oral no Tribunal de Justiça de São Paulo.
*Nicolas Nascimento, Paloma Gomes e Rafael Modesto são autores do artigo Os reflexos do atraso no julgamento do marco temporal e a política anti-indígena do governo federal.
Advogados e compõem a Assessoria Jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). O Cimi é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas.
*Simone Tebet é a entrevistada por Caetano Araújo, Arlindo Fernandes, Eumano Silva, Luiz Sérgio Henriques e João Rodrigues advogada. Professora, escritora e política brasileira, filiada ao Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Atualmente, ocupa o cargo de senadora da República pelo estado de Mato Grosso do Sul e é pré-candidata à Presidência da República.
*Ricardo José de Azevedo Marinho é o autor do artigo Em busca do Exército cidadão na república democrática. Professor do Instituto Devecchi, da Unyleya Educacional e da UniverCEDAE.
* JCaesar é o autor da charge Urna eletrônica. Pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
* Ivair Augusto Alves dos Santos é o autor do artigo O racismo estrutural e a eleição de candidatos negros. Professor e cientista político.
Revista online | Confira charge de JCaesar sobre urna eletrônica
* JCaesar é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA. É autor da charge publicada pela Revista Política Democrática Online.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de junho/2022 (45ª Edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha completa 30 anos de luta por igualdade
Fernanda Paixão*, Brasil de Fato
Este 25 de julho marca os 30 anos do Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana, Caribenha e da Diáspora, data impulsionada pelo movimento de mulheres negras da região em sua luta pelos direitos humanos e o bem viver. No Brasil também se comemora o Dia Nacional de Tereza de Benguela.
A articulação entre as mulheres afrodescendentes da América Latina e do Caribe consiste em uma importante ferramenta de combate ao racismo estrutural e à opressão da branquitude e do sistema capitalista sobre as mulheres afro em toda a região. Em 1992, o primeiro encontro de mulheres da América Latina e do Caribe, na República Dominicana, teceu uma rede para dar visibilidade e denunciar o racismo não apenas na região mas em todo o mundo. Dele, surgiu a Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-Caribenhas.
"Celebramos as conquistas, e também seguimos em luta", afirma a médica e ativista haitiana Daphnee Joseph, integrante do Comitê Democrático do Haiti. "Temos que superar o medo que nos freia e ser mais participativas, estar na política, conquistar espaços que nos negaram durante séculos e assumir cargos de tomada de decisões. Assim poderemos realizar ações concretas para melhorar nossas condições sociais e o acesso aos nossos direitos", enfatiza.
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A população afrodescendente na América Latina e no Caribe representa cerca de 21% da região, sendo a mais afetada pelo racismo, a xenofobia e a discriminação relacionada a razões de gênero, orientação sexual, idioma, religião e origem social. Em todos esses aspectos, os efeitos são mais amplos para as mulheres afrodescendentes.
A herança da escravidão africana na região se reflete em números atuais. Segundo um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as mulheres afrodescendentes da região são as que recebem o salário médio mais baixo em relação pessoas não afro e inclusive em relação a homens afro, independente dos níveis educacionais e das horas trabalhadas.
Também são as que aparecem em primeiro lugar nos índices de pobreza em famílias monoparentais comandadas por mulheres afro, o dobro em relação às mulheres não afro no Brasil, Equador e Peru e o triplo no Uruguai.
Além disso, como a região foi a mais impactada pela pandemia de covid-19, as consequências econômicas e sociais foram mais severas para as mulheres afro. A pandemia representou um retrocesso de 18 anos na economia das mulheres e uma sobrecarga nas tarefas de cuidado não remuneradas. No Brasil, das mulheres que passaram a ter que cuidar de familiares nesse período, 54% eram afrodescendentes, além de contarem com menos ajuda externa para realizar essas tarefas.
Em termos de trabalho doméstico remunerado, a maior parte é realizado por mulheres afro em toda a região, representando 63% no caso do Brasil. A este aspecto se agrega a informalidade como característica também majoritária neste perfil.
Mulheres pretas no poder
A chegada de Francia Márquez à vice-presidência representou um novo capítulo na história da Colômbia mas também da região. A participação das mulheres afrodescendentes na política é escassa, resultado de uma série de obstáculos estruturais como a falta de acesso a saúde e educação. A subrepresentação de mulheres afro na política também se reflete em uma postergação de suas pautas mais urgentes.
Assim, a necessidade de iniciativas que promovam a participação de mulheres afro em espaços de tomada de decisões foi destaque no resultado da pesquisa lançada pelo Escritório Regional da ONU Mulheres para as Américas e o Caribe no marco deste 25 de julho.
"As mulheres afrodescendentes experimentam múltiplas formas de discriminação dada sua condição étnica, racial e de gênero", afirmou a diretora regional da ONU Mulheres, María Noel Vaeza, a respeito da pesquisa. "Em paralelo, a ausência de políticas destinadas a atender as desigualdades estruturais que as mulheres afrodescendentes e suas comunidades enfrentam expõe o racismo, o sexismo e os estereótipos raciais que limitam os direitos humanos das mulheres afro."
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Outros temas importantes levantados na pesquisa são o cumprimento pleno de seus direitos humanos e o acesso à saúde e à educação como forma também de que as necessidades das mulheres afro na região sejam levas em conta pelos poderes públicos.
Mobilização na região
Como uma data de grande relevância política, os movimentos de mulheres afro da região se mobilizam nesta segunda-feira (25) em toda a região. No Brasil, a Marcha das Mulheres Negras no Poder voltará a acontecer em Salvador após a pausa nos anos de pandemia. "O momento é de falar sobre as insurgências das mulheres negras, formar alianças e voltar às ruas depois de inúmeras atividades online", afirma Suely Santos, da Rede de Mulheres Negras da Bahia. A concentração será partir das 14h na Praça da Piedade. A agenda completa deste e dos próximos dias pode ser conferida aqui.
Em São Paulo, a Marcha das Mulheres Negras realiza um ato no centro histórico da cidade. A concentração será às 17h30, na praça da República, seguida de ato político-cultural com participação do bloco afro Ilú Obá de Min e outras atividades. Outras atividades acontecem como parte do Julho das Pretas, mês de mobilizações e atividades organizado em todo o país. Veja aqui a programação completa, incluindo atividades neste 25 de julho.
Em Belém também ocorre a 7ª Marcha das Mulheres Negras, a partir das 17h. Partindo da escadinha da Estação das Docas, a edição deste ano traz como mote a luta por justiça ambiental e racial das mulheres negras amazônidas. A previsão é que o protesto siga até o Quilombo da República.
Na Argentina, um encontro com mulheres afro foi realizado na província de Córdoba, durante o último fim de semana, no marco do 25 de julho. Foi a 8ª Jornada da Mesa Afro Córdoba, intitulada "Fazedoras de Memória", em referência ao resgate ancestral na construção da memória e da visibilidade de suas trajetórias e existências em um país onde o debate sobre racismo e afrodescendência é recente.
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No Equador, a data foi declarada como Dia da Mulher Afro-equatoriana, Negra e Afrodescendente pela Assembleia Nacional. A cerimônia, que aconteceu na semana passada, contou com a presença de cerca de 100 mulheres afro, que demandaram políticas públicas contra o racismo e a exploração e em defesa de seus territórios ancestrais.
O Chile atravessa o 25 de julho após a apresentação do texto de uma nova Constituição construída com paridade de gênero e com uma perspectiva antirracista e antipatriarcal. A contribuição das mulheres afrodescendentes no processo da constituinte define a necessidade de "consagrar materialmente os princípios de igualdade e não discriminação", uma vez que as vivências das mulheres afro são particulares, exigindo uma perspectiva interseccional sobre as causas da opressão e seus efeitos. Essa abordagem visa diminuir a precarização da vida das mulheres radicalizadas e promover a participação na criação de propostas públicas.
O coletivo de Mulheres Afrodescendentes Luanda, que contribuiu com estas reflexões no processo da constituinte, convocou um diálogo de concentração para esta segunda-feira simbólica de celebração e luta na Praça "Vivas Nos Queremos", praça renomeada no ano passado em ocasião desta mesma data, no centro de Santiago do Chile.
Edição: Nicolau Soares
*Texto publicado originalmente no Brasil de fato.
Nas entrelinhas: Bolsonaro aposta no discurso do bem contra o mal
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não é à toa que a farra com o Orçamento da União que move o Centrão na campanha de reeleição de Jair Bolsonaro está programada para acabar em 31 de dezembro, inclusive o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. São apostas para turbinar a sua campanha de reeleição, não são políticas estruturantes de combate à miséria, à fome e ao desemprego. O projeto de Bolsonaro deve ser anunciado na próxima semana, foi coordenado pelo general Braga Netto, que hoje será indicado candidato a vice. Não é um programa de governo, é um projeto de regime iliberal. Entretanto, ambos estão convencidos de que as eleições serão fraudadas para garantir a volta do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder.
“Na lei ou na marra” era a palavra de ordem das Ligas Camponesas, lideradas por Francisco Julião, que reivindicavam a reforma agrária. Essa foi uma das causas do isolamento do governo de João Goulart, que anunciou, no famoso comício de 13 de março, que decretaria as reformas de base à revelia do Congresso. O resto da história todos sabem. Quanta ironia, agora, com sinal trocado, Bolsonaro passa a impressão de que pretende continuar no poder na marra, ao atacar as urnas eletrônicas e os ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Edson Fachin, atual presidente, e Alexandre de Moraes, que o substituirá no momento da eleição.
Há uma esquizofrenia na campanha de Bolsonaro à reeleição, cuja candidatura será formalizada hoje, numa grande convenção do PL, no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro. O núcleo político da campanha — formado pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira; o presidente do PL, Valdemar Costa Neto; e o presidente da Câmara, Arthur Lira, — aposta todas as fichas no impacto da PEC das Eleições na vida das famílias de baixa renda, que ainda têm saudades do governo Lula, e na eficácia das emendas secretas do Orçamento da União, em manter e turbinar eleitoralmente as bases governistas, principalmente no Nordeste. Acreditam que a diferença entre Bolsonaro e Lula deve cair para cinco pontos percentuais até 16 de agosto, quando começa a propaganda de televisão e rádio.
Entretanto, o monitoramento do humor dos eleitores mostra que Bolsonaro dá um tiro no pé quando ataca a urna eletrônica e os ministros do Supremo, passa a ideia de que vai perder a eleição e não aceitará o resultado. Quem comanda a campanha é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ladeado pelo ex-secretário de Comunicação da Presidência Fábio Wajngarten, que voltou a ser um interlocutor privilegiado de Bolsonaro. São responsáveis pelo discurso maniqueísta do bem contra o mal. “Bolsonaro, pelo bem do Brasil” é o slogan de campanha, para suavizar o discurso do ódio contra Lula e o PT. A narrativa também se apoia nas bandeiras da liberdade individual absoluta, principalmente dos mais fortes, e na fé cristã, que mira as mulheres.
Onde mora o perigo
A estratégia é manter a polarização com Lula, explorar seus pontos fracos e trazer de volta para Bolsonaro os antipetistas que garantiram sua eleição em 2018. Na geopolítica da campanha, a batalha será decidida no Triângulo das Bermudas — São Paulo, Rio de janeiro e Minas Gerais — e no Nordeste, onde a vantagem de Lula ainda é avassaladora. O marqueteiro Duda Lima, indicado por Valdemar Costa Neto, é um velho adversário do PT nas eleições paulistas.
Bolsonaro, porém, tem sua própria narrativa e está convencido de que venceu as eleições passadas no primeiro turno, mas foi garfado. Desconfia da idoneidade dos ministros do TSE e intensifica seus ataques à Corte, que também são fomentados por seu novo vice, o general Braga Netto. O silêncio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), endossa os ataques. As queixas do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra o Supremo Tribunal Federal (STF), que teria “usurpado” os poderes do Executivo e do Legislativo, também pilham Bolsonaro. É uma narrativa política perigosa, porque pressupõe um novo projeto institucional, de fortalecimento do Executivo e subordinação dos demais Poderes, com Bolsonaro tendo superpoderes. É aí que entra a ideia de um regime iliberal, cuja chave seria uma reforma que aumentasse o número de ministros do STF, para que Bolsonaro indique a maioria e controle a Corte, no embalo da reeleição.
Mas não há uma via única. Ontem, o ex-embaixador norte- americano no Brasil Thomas Shannon, em entrevista à Folha de S. Paulo, nos advertiu de que Bolsonaro e sua equipe preparam o caminho para questionar o resultado das eleições e reverter eventual derrota no pleito. Segundo ele, Bolsonaro “estudou atentamente os eventos de 6 de janeiro do ano passado”, quando o ex-presidente Donald Trump tentou impedir que Joe Biden fosse declarado vitorioso pelo Congresso norte-americano. E chegou à conclusão de que “Trump fracassou porque dependia de uma multidão pouco disciplinada e não tinha um apoio institucional – de lideranças partidárias, Forças Armadas”. Segundo ele, “Bolsonaro e sua equipe avaliaram que, na hipótese de tentar algo parecido, precisariam de apoio institucional”. É recado de quem falou “de mando” e tem informações de inteligência.