Day: junho 27, 2022
FAP realiza debate em lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
Cleomar Almeida, coordenador de Publicações da FAP
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) iniciará, na terça-feira (28/6), a série de três lançamentos presenciais da Coleção Astrojildo Pereira, que leva o nome de um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e que morreu aos 75 anos, no Rio de Janeiro, em 1965. O primeiro evento será realizado no Espaço Arildo Dória, auditório da Biblioteca Salomão Malina, em Brasília, a partir das 16 horas, com transmissão ao vivo pela TV FAP e redes sociais da entidade. A entrada é gratuita.
Confira debate sobre Astrojildo Pereira no 7º Salão do Livro Político
Veja vídeo de lançamento da Coleção Astrojildo Pereira, em Brasília
A coleção foi lançada recentemente pela FAP e Boitempo, que comercializa, em seu site, os seis títulos em uma caixa especial ou avulsos. Confirmaram presença no primeiro evento de lançamento da coleção o diretor-geral da fundação, o sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo; o jornalista e escritor Carlos Marchi e o historiador Martin Cezar Feijó, autor do livro O revolucionário cordial, que é a biografia de Astrojildo Pereira.
Aberto ao público em geral, o primeiro evento da FAP de lançamento da coleção será realizado no auditório, com espaço climatizado, dentro da Biblioteca Salomão Malina. O endereço é SDS, Bloco P, ED. Venâncio III, Conic, loja 52, Brasília (DF). Interessados podem buscar informações por meio do WhatsApp (61 984015561).
Coleção Astrojildo Pereira é lançada com nova edição de seis obras
Outros lançamentos estão previstos para serem realizados em São Paulo e no Rio de Janeiro, nos meses de julho e agosto, com participação de intelectuais e admiradores da história de Astrojildo Pereira. Os eventos serão realizados pela FAP, em parceria com a Boitempo.
A coleção
Na nova coleção, Astrojildo Pereira (1890-1965) teve seus cinco livros revistos, ampliados e reunidos na nova coleção batizada com o seu nome, lançada em celebração aos 100 anos da história do PCB, do qual ele foi um dos fundadores e primeiro secretário-geral. A obra do historiador Martin Cezar Feijó completa o conjunto de seis títulos.
Astrojildo Pereira é considerado um dos grandes intelectuais e entusiastas de uma política cultural pioneira para o Brasil. Com obras de sua autoria, a coleção chega ao público, com nova padronização editorial e atualização gramatical.
Martin Cezar Feijó faz sessão de autógrafos no 7º Salão do Livro Político
Gilberto Maringoni: entre a análise e a militância
Coleção Astrojildo Pereira é recomendada, ao vivo, para mais de mil internautas
Obras
Confira, abaixo, a relação de seis títulos da Coleção Astrojildo Pereira.
URSS Itália Brasil (1935);
Interpretações (1944);
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos (1959);
Formação do PCB: 1922-1928 (1962);
Crítica impura (1963);
O revolucionário cordial, de Martin Cezar Feijó
URSS Itália Brasil
“Em suma, a realidade brasileira é a da exploração econômica e da opressão política em que vivem as classes laboriosas, operários da indústria e da lavoura, colonos e pequenos lavradores, artesãos e intelectuais pobres, todos sem exceção jungidos ao capitalismo estrangeiro — ou diretamente nas empresas imperialistas, ou indiretamente por intermédio do capitalismo ‘nacional’. Realidade axiomática, que dispensa demonstração, porque é sentida e sofrida por 99,9% da população brasileira. Realidade-mater, de cujos flancos nascem todas as realidades de um país riquíssimo habitado por uma gente pobríssima”. (Trecho da obra)
Publicada pela primeira vez em 1935, com textos lançados na imprensa de 1929 a 1934, a primeira obra de Astrojildo foi URSS Itália Brasil. O livro é imprescindível para estudiosos dos anos de 1930. Naquela época, o Brasil passava por uma fase de consolidação do Estado centralizado após a chamada Revolução de 30. O comunismo e o fascismo eram poderosas forças que se contrapunham no contexto geopolítico.
Os textos de Astrojildo Pereira registram importantes depoimentos do período e levam ao leitor um rico material de informação e análise sobre a formação do Estado soviético, as condições do fascismo italiano e as contradições intelectuais e políticas do Brasil da primeira metade do século 20.
Interpretações
“Sem dúvida, nem tudo são misérias e desgraças no Nordeste; nem é só no Nordeste que existem misérias e desgraças. Elas existem em todas as regiões do Brasil, de Norte a Sul; existem igualmente em todos os países do mundo, em grau menor ou maior. Já sabemos disso. Mas o de que se trata, nessa questão dos romancistas do Nordeste, é que eles são por vezes acusados de nos seus livros só retratarem a cara feia e dolorosa da miséria nordestina. Demais de injusta, semelhante acusação a meu ver peca pela insensatez e pelo pedantismo”. (Trecho da obra)
A obra Interpretações inclui textos redigidos entre 1929 e 1944, ano em que foi lançada. Com positiva repercussão pela crítica e pelas instituições culturais, o livro foi incluído no Summary of the History of Brazilian Literature, programa de divulgação cultural que colocava Astrojildo ao lado de autores consagrados como Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda.
Interpretações está dividido em três partes: Romances Brasileiros, História política e social e Guerra após Guerra. Obras de diversos romancistas nacionais estão abordadas na primeira parte. Entre eles estão Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Joaquim Manuel de Macedo, Lima Barreto e Graciliano Ramos.
A segunda parte analisa as mudanças históricas da formação brasileira, como o debate sobre a abolição da escravatura, durante o Segundo Reinado. Na terceira e última parte, Astrojildo aborda as questões internacionais, como a ascensão do nazismo e a Segunda Guerra Mundial, além de refletir sobre os deveres do intelectual brasileiro diante do conflito mundial.
Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos
“Assim como o coração tem razões que a razão desconhece, poderíamos talvez dizer que a razão ou o gênio tem sentimentos que o coração desconhece. E nisto reside, ao que suponho, a essência do problema do ‘bom’ e do ‘mau’ Machado de Assis. Era Machado de Assis um homem bom, um homem mau? O ponto preliminar a esclarecer neste caso é o seguinte: o fato de botar a nu a crueldade, a dissimulação, a hipocrisia, as pequenas vaidades e os secretos apetites de homens e mulheres observados na sociedade, e revividos em contos e romances, significa que o psicólogo, que estuda e desnuda o caráter alheio, seja ele próprio portador das taras e defeitos que analisa?” (Trecho da obra)
Lançado pela primeira vez em 1959, o livro Machado de Assis: ensaios e apontamentos avulsos é considerado um dos trabalhos mais importantes e conhecidos de Astrojildo Pereira. Nelas, o intelectual analisa a vida e obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira, revelando um escritor perspicaz, crítico atento e sensível e um romancista com forte sentido político e social.
No ano do centenário de fundação do PCB, a obra é relançada, também, com a inclusão de alguns textos. As introduções das edições passadas foram suprimidas, e novos foram incorporadas, com exceção no caso do escrito de José Paulo Netto.
Quase 30 anos depois da redação de Astrojildo: política e cultura, Paulo Netto retomou o seu texto e preparou uma nova versão que abre a presente edição como seu prefácio. O historiador Luccas Eduardo Maldonado assina a orelha. As ilustrações de Claudio de Oliveira utilizadas na terceira edição foram mantidas na atual.
Alguns anexos foram incorporados, como a crônica A última visita, de Euclides da Cunha (1866-1909), na qual relata a visita de Astrojildo Pereira ao leito de morte de Machado de Assis. Outro incremento foi Machado de Assis é nosso, é do povo, do fundador do PCB, publicado em novembro de 1938 na ocasião dos 30 anos do falecimento do Bruxo do Cosme Velho.
O texto apareceu originalmente na Revista Proletária, periódico vinculado ao PCB que tinha uma circulação extremamente restrita devido à ditadura do Estado Novo. Um artigo do militante comunista Rui Facó (1913-1963), intitulado Em memória de Machado de Assis, foi anexado.
Esse texto apareceu originalmente em 27 de setembro de 1958 no Voz Operária, jornal oficial do comitê central do PCB, e fazia uma homenagem ao fundador da Academia Brasileira de Letras (ABL) no cinquentenário de sua morte. Por fim, inclui-se também uma resenha de Machado de Assis de Astrojildo, escrita por Otto Maria Carpeaux, intitulada Tradição e Revolução.
Formação do PCB
“O Congresso de fundação do Partido não foi coisa realizada de improviso, mas resultou de um trabalho de preparação que durou cerca de cinco meses. Por iniciativa e sob a direção do Grupo Comunista instalado no Rio a 7 de novembro de 1821, outros grupos se organizaram, nos centros operários mais importantes do país, com o objetivo precípuo de marchar para a fundação do Partido. Tinha-se em vista estabelecer certos pontos de apoio nas regiões onde havia alguma concentração de massa operária. Compreendia-se, por outro lado, que o Partido devia ter desde o início um caráter definido de partido político de âmbito nacional” (Trecho da obra)
Principal articulador da fundação do PCB em março de 1922, Astrojildo Pereira escreveu, ao longo dos anos, para jornais e revistas, uma série de textos sobre os fatos que marcaram a fundação do partido. Em 1962, quando se comemorava os 40 anos da fundação do partido, reuniu os melhores artigos e notas sobre a história da legenda e os publicou com o título Formação do PCB 1922/1928.
Nesse conjunto de textos, Astrojildo Pereira apresenta as lutas operárias desde os últimos anos do século 19 e a criação das bases que possibilitaram a fundação do partido. Reúne também muitas de suas memórias daqueles anos e uma série de contribuições às revistas Movimento Comunista, A Classe Operária e A Nação, veículos dos quais ele esteve à frente e com que colaborava regularmente.
Crítica impura
“Lima Barreto não era um marxista, longe disso, e nem se pode vislumbrar nos seus escritos nenhum pendor para trabalhos e estudos teóricos que o levassem a uma adesão plena às concepções filosóficas do marxismo. Desde jovem se afizera ao trato dos livros, mas sua formação sofria do mal muito comum do ecletismo, uma certa mistura de materialismo positivista, de liberalismo spenceriano, de anarquismo kropotkiniano e de outros ingredientes semelhantes. Nascido, no entanto, de família pobre, vivendo sempre na pobreza e no meio de gente pobre, fez-se escritor por vocação — escritor honesto e consciente da sua condição”. (Trecho da obra)
Editado originalmente, em 1963, Crítica impura foi o último livro publicado por Astrojildo. É uma das cinco novas edições de obras lançadas em vida pelo fundador do PCB. A obra reúne textos publicados originalmente em diferentes jornais e revistas e selecionados para compor três eixos temáticos.
A primeira parte é dedicada à literatura, com estudos sobre a vida e obra de autores como Machado de Assis, Eça de Queiroz, Monteiro Lobato, José Veríssimo e outros. Nesse momento, pode-se ver a produção que colocou Astrojildo Pereira entre os principais críticos literários brasileiros.
A segunda parte aborda a China comunista. Nela, Astrojildo Pereira analisa uma série de relatos de viagens sobre o país asiático feitos durante os anos 1950 e 1960. Apresenta-se, então, um militante comunista atento ao processo revolucionário chinês que havia ocorrido há pouco. O último eixo aborda as vinculações entre política e cultura, contextos de intervenção pública que marcaram a trajetória política do intelectual em diversos debates centrais do Brasil na metade do século 20.
O revolucionário cordial
“Astrojildo, aos 37 anos de idade, atravessou de trem o centro do país até a cidade de Corumbá, no Mato Grosso, para depois então, de automóvel, se encontrar nas proximidades da fronteira com o líder tenentista – na verdade capitão que havia em pouco tempo se transformado em general – Luís Carlos Prestes, também conhecido como o ‘Cavaleiro da Esperança’. Astrojildo foi bem recebido pelo revolucionário, que queria notícias do Brasil, e deu uma entrevista para o jornal tenentista que promoveu o encontro. Prestes também ficou com os livros sobre teorias revolucionárias que o líder trazia em suas bagagens. O revolucionário exilado, após ter atravessado o país com uma coluna de soldados dispostos a transformarem o quadro de miséria e atraso do Brasil, leu com atenção aqueles livros todos, e considerou aquele visitante um mensageiro que trazia uma nova possibilidade para seu anseio de transformar o mundo e não apenas derrubar um governo. E este encontro levou Astrojildo a receber uma das maiores e mais fortes críticas dentro do partido, de ser “prestista”. Esta foi uma das justificativas de sua expulsão do PCB, depois de ter sido destituído do cargo de secretário-geral, em 1931”. (Trecho da obra)
A obra O revolucionário cordial é uma tentativa de interpretação da trajetória do intelectual Astrojildo Pereira por meio de seus escritos e sua comunicação, principalmente aquela impressa em livros. O trabalho do historiador Martin Cezar Feijó busca apresentar os escritos militantes do fundador do PCB, marcados por profunda tensão entre a revolução e a modernidade, no período que compreende a Primeira Grande Guerra (1914-1918) e o fim da Segunda Guerra (1939-1945).
O livro analisa a proposta de construção de uma política cultural levantada por Astrojildo Pereira. O projeto de alfabetização proposto por ele levava em conta a cultura popular e preferia chamar à luta um setor da sociedade civil rebelde às imposições do Estado: os intelectuais. Investimento na formação intelectual, moral e estética de todas as pessoas, em condições iguais e democráticas. É a origem de um projeto de política cultural de um revolucionário que leva em conta a memória dos afetos e das dores do país, apontando para um futuro melhor, apesar das adversidades.
Polícia investiga garoto de 13 anos e circunstâncias de estupro de menina de 11 em SC
Barbara Brambila, Giulia Alecrim, Thiago Félix, Tiago Tortella e Vinícius Tadeu, CNN Brasil*
À CNN, delegado afirma que depoimentos confirmam relações sexuais entre os jovens; especialistas se amparam no ECA para justificar aborto
A Polícia de Santa Catarina confirmou que um garoto de 13 anos está sendo investigado no caso da menina de 11 anos que realizou aborto na quarta-feira (22).
O delegado Alisson Rocha, titular da Delegacia de Tijucas, confirmou à CNN que existe um procedimento para apuração de ato infracional em curso pela unidade, e que depoimentos confirmam que os jovens tiveram relações sexuais e que elas teriam sido consensuais.
Ainda estão sendo feitos exames de elementos biológicos, dentre outros procedimentos, para apuração genética, não sendo possível afirmar que o bebê que a menina esperava era do suspeito.
Segundo o artigo 217-A do Código Penal, uma das classificações para estupro de vulnerável é “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos”.
“O que saltou aos olhos foi que, no geral, houve uma relação de afeto entre os dois, houve uma premeditação para o lado da atividade sexual, em comum acordo, havia consentimento. Em regra, os dois praticaram as condutas com um ato infracional análogo ao crime de estupro de vulnerável do artigo 217-A do Código Penal”, diz o delegado.
Ariel de Castro, presidente da Comissão de Direito à Convivência Familiar de Crianças e Adolescentes da OAB-SP e integrante do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, observa que estupro de vulnerável se configura quando as vítimas têm menos de 14 anos, independentemente do consentimento ou não.
“É uma violência presumida pela legislação, com entendimento de que pessoas de menos de 14 anos não devem manter qualquer tipo de ato libidinoso”, afirma.
Um primeiro relatório de apuração foi encaminhado pela Polícia Civil para o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) há doze dias, porém, o MPSC pediu que a investigação faça mais diligências. Só ao término desta nova fase o delegado analisará se existe responsabilidade de ato infracional análogo ao estupro de vulnerável.
O delegado estima que as diligências devem ser concluídas até a próxima terça-feira (28). Depois disso, o relatório será novamente encaminhado ao MP, que também deve se manifestar sobre o assunto.
Punições possíveis?
Com a possibilidade de a gravidez ter sido causada por relações sexuais entre uma criança e um adolescente menor de 14 anos, juridicamente o caso ganha nova complexidade, de acordo com especialistas ouvidos pela CNN.
“Quando a relação é entre dois adolescentes, um adolescente e uma criança, só o caso a caso vai poder falar. O contexto é importante”, afirma Isabella Henriques, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB-SP, ressaltando que é uma definição delicada.
Henriques também destaca que, em casos gerais, existem medidas socioeducativas prevista para os atos infracionais, mas que o caso deve ser julgado por uma justiça especializada pelo fato de o adolescente “também estar em um momento peculiar de desenvolvimento”.
Thales Cezar de Oliveira, procurador de justiça do MP-SP e professor da Faculdade Piaget, pontua que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), quando algum maior de 12 anos pratica um ato infracional ele pode ser passível de medidas socioeducativas até internação, desde que seja comprovado o ato.
O ECA considera crianças as pessoas com até 12 anos incompletos, e são considerados adolescentes aqueles entre 13 anos de idade e 18 anos incompletos.
Ariel de Castro destaca ainda que, se temos “um adolescente de 13 e uma menina de 11”, ambos são considerados vulneráveis.
“Caberiam medidas de proteção para ambos, de inclusão social, educacional, acompanhamento e atendimentos de saúde e psicológicos”, complementa.
Ele pontua também que, se for comprovado que não houve violência ou ameaça contra a vítima, o adequado, na avaliação dele, seria não aplicar uma medida de privação de liberdade para esse adolescente.
“Em casos assim, se não houve violência ou grave ameaça, no processo de apuração do ato infracional do adolescente, os juízes da infância concedem remissão (espécie de perdão judicial), a pedido da promotoria. Essa tese jurídica que tem sido aplicada no Brasil e internacionalmente é chamada de Lei Romeu e Julieta”, explica.
“Precisam ser aplicadas medidas de proteção. Ele precisa ser orientado sobre questões de sexualidade e deve se verificar se ele vive em situação de negligência familiar, abandono etc”, finaliza.
Isabella Henriques defende que o tema da violência sexual contra crianças seja discutido pela sociedade, tendo em mente os impactos na vida das crianças, e que tanto “sociedade e sistema de justiça estejam preparados para acolher as nossas crianças”.
Ariel de Castro ressalta que quando um caso como o da menina de Santa Catarina ocorre, “todos somos co-responsáveis, pela lei. A família, o Estado e a sociedade”, reforçando a importância da educação sexual.
Legalidade do aborto
Uma das exceções para a interrupção da gravidez no Brasil — visto que o aborto é criminalizado no país — é o estupro.
“No caso de uma criança com menos de 14 anos, vítima de estupro de vulnerável, não há dúvida do ponto de vista jurídico que ela pode abortar”, diz Henriques.
Castro, por sua vez, afirma que o caso de Santa Catarina é “sim, um estupro de vulnerável, porque uma menina de 11 anos está grávida”.
Isabella Henriques ressalta que os responsáveis legais precisam dar autorização para o procedimento, mas que o melhor interesse do menor de idade se sobrepõe aos interesses dos responsáveis.
“Se o responsável legal não tomar a decisão no melhor interesse da criança, no sentido de garantir os direitos da criança, o Ministério Público, a Defensoria Pública podem promover, provocar os direitos da criança”.
Thales de Oliveira também destaca que “independente da idade, a gravidez, sendo provocado por uma violência, tem o direito de abortar”. Não está claro, no caso específico, se a suposta relação da menina foi ou não consensual.
“É preciso que você tenha o consentimento da gestante e do representante [para o aborto]. Mas o Estatuto da Criança e do Adolescente confere tanto à criança e ao adolescente o protagonismo do seu direito. Há a prioridade à vontade da criança e adolescente. A menos que perceba que é uma vontade viciada”, pontua o procurador.
Em 21 de junho, a OAB de São Paulo publicou uma nota ressaltando o artigo 128 do Código Penal, que dita que “não se pune o aborto no caso de gravidez resultante de estupro”.
Caso teve repercussão nacional
Em maio, a mãe da menina de 11 anos a levou ao hospital universitário de Florianópolis (SC) logo após constatar que ela estava grávida. Na ocasião, a menina tinha 10 anos de idade.
O hospital constatou que o feto tinha 22 semanas e se recusou a realizar o procedimento, ao dizer que as equipes médicas não realizariam abortos após 20 semanas.
Após a negativa do hospital, a mãe da menina recorreu à Justiça para conseguir autorização para interromper a gravidez, mas não obteve o aval judicial.
O caso tramita em segredo de Justiça e veio a público após o site The Intercept e o portal Catarinas divulgarem trechos da audiência em que a juíza Joana Ribeiro Zimmer, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), faz uma série de perguntas à criança. A CNN entrou em contato com a advogada da família, Daniela Felix, que confirmou as informações da reportagem dos dois veículos.
No vídeo, a juíza questiona a garota se poderia “suportar mais um pouquinho” para, assim, permitir que o feto pudesse ser retirado com vida. Em outros momentos da audiência, Joana Ribeiro ainda perguntou à criança se ela gostaria de “escolher o nome do bebê” e se ela achava “que o pai do bebê concordaria com a entrega para adoção”.
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina informou, em nota, que a Corregedoria abriu um procedimento investigatório sobre a condução do processo.
Zimmer autorizou a ida da menina para um abrigo, justificando em um dos despachos o “risco” da mãe efetuar “algum procedimento para operar a morte do bebê”. A menina já foi retirada do abrigo.
Juíza e promotora envolvidas no caso afirmaram à CNN que não iriam se pronunciar.
*Texto publicado originalmente em CNN Brasil
Por que investigação sobre Milton Ribeiro e pastores foi parar no STF?
BBC News Brasil*
A operação prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro em um caso que investiga se houve a prática de tráfico de influência e corrupção no período em que ele comandou a pasta.
Na quarta-feira (22/6), ele chegou a ser preso, mas foi liberado no dia seguinte após um pedido de habeas corpus ser aceito pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
O caso, no entanto, mudou de patamar na quinta-feira (23/6) após o surgimento de suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na investigação.
O esquema investigado pela Polícia Federal envolvendo Milton Ribeiro foi revelado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.
Segundo as reportagens, pastores evangélicos cobravam propina de prefeituras para terem verbas da Educação liberadas.
À época, o então ministro Milton Ribeiro negou envolvimento em irregularidades, e Bolsonaro chegou a dizer que colocaria seu rosto "no fogo" por ele. Apesar disso, Ribeiro acabou pedindo demissão do cargo.
As suspeitas de interferência nas investigações sobre o ex-ministro foram levantadas pelo Ministério Público Federal (MPF), que acompanha o caso.
Segundo o órgão, foram interceptadas ligações de Milton Ribeiro ao longo das investigações em que ele revela o temor de ser alvo de uma operação da PF.
Em uma chamada com um familiar, Ribeiro menciona uma conversa em que alguém teria manifestado essa preocupação.
"Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom, isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né...", diz em um trecho do áudio interceptado pela PF.
Por causa dessas suspeitas, o MPF pediu que parte dos autos fosse enviada ao STF para apurar se houve interferência de Bolsonaro no caso.
O MPF pediu que parte do caso fosse enviado ao STF porque, por ser presidente e pela suposta interferência ter ocorrido durante o seu mandato, o foro para que Bolsonaro seja investigado é o STF.
As suspeitas são de que informações sobre a investigação podem ter sido vazadas para Ribeiro.
A transcrição do diálogo faz parte da decisão do juiz federal Renato Borelli, responsável pelo caso na primeira instância, ao atender o pedido do MPF.
As suspeitas de interferência levantadas pelo MPF no caso envolvendo Ribeiro não foram as únicas desde a deflagração da operação.
Na quinta-feira, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem apontando que o delegado da PF responsável pela investigação sobre o ex-ministro, Bruno Calandrini, teria enviado uma mensagem de texto a colegas da corporação dizendo que não teria tido autonomia e independência para conduzir o caso.
Segundo a mensagem, o fato de Milton Ribeiro não ter sido levado diretamente a Brasília após a prisão, como estava previsto, mostraria que teria havido interferência.
Após a publicação da reportagem, a PF divulgou uma nota informando que abriu um procedimento para investigar as alegações feitas pelo delegado.
Suspeitos soltos
Na quinta, o TRF1 ordenou que o ex-ministro da Educação e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura fossem soltos.
A informação do habeas corpus concedido pelo desembargador Ney Bello foi confirmada pela BBC News Brasil.
Na decisão, Bello afirmou que o Ministério Público defendeu que fossem adotadas medidas cautelares que não fossem a prisão.
"O próprio órgão acusador ofereceu parecer contrário às prisões, o que demonstra claramente a desnecessidade, pois quem poderá oferecer denúncia posterior ou requerer arquivamento acreditou serem desnecessárias e indevidas as detenções", diz o texto.
Bello disse ainda que o ex-ministro não teve acesso ao processo judicial e que isso torna a prisão ilegal.
"Num Estado Democrático de Direito ninguém é preso sem o devido acesso à decisão que lhe conduz ao cárcere, pelo motivo óbvio de que é impossível se defender daquilo que não se sabe o que é."
"Assim, a defesa - para ser ampla - precisa ser efetiva durante a instrução processual e isto só é possível se ela tiver conhecimento daquilo que já conhece o órgão acusador e foi utilizado na construção da própria imputação penal pelo magistrado a quo."
O ex-ministro foi preso pela Polícia Federal (PF) na manhã de quarta-feira. Além de Ribeiro, os dois pastores são suspeitos de operar um "balcão de negócios" no Ministério da Educação (MEC) e na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A operação foi batizada de Acesso Pago.
Todos os investigados negam qualquer envolvimento em irregularidades.
O FNDE é um órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do chamado "Centrão", bloco político que dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro. Esse fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.
A ação investiga a prática de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE.
No mandado de prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, enumera os crimes investigados e que teriam sido cometidos pelo ex-ministro: corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.
CPI
O senador Randolfe Rodrigues (Rede) afirmou que reuniu as assinaturas necessárias para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MEC.
"Vamos passar a limpo o #BolsolaodoMEC e demais escândalos de corrupção desse governo na Educação!", disse ele em sua conta no Twitter.
No entanto, a base governista no Senado vai atuar para travar a CPI. O principal argumento usado até agora é que existem outras investigações aguardando para ser iniciadas e que esta fila não pode ser desconsiderada.
*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil
Revista online | Top Gun: Maverick – um voo de nostalgia
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Recentemente, uma sequela (sequel, em inglês) vem arrasando quarteirões e dando o que falar justamente por despertar na plateia aquela sensação gostosa de reviver o passado, de voltar no tempo, de reencontrar ídolos ou crushes da juventude. Top Gun: Maverick é uma explosão de nostalgia, com direito a Tom Cruise, Val Kilmer, Danger Zone (música de Kenny Loggins) e aquele sentimento de anos 1980 que invade por completo tela e mente.
Trinta e seis anos depois do sucesso de Top Gun: Asas Indomáveis (1986), longa-metragem que lançou Tom Cruise ao estrelato e garantiu seu lugar na cultura pop mundial, o novo Top Gun veio ainda melhor, mostrando que o tempo, às vezes, pode aprimorar uma obra, assim como faz com bons vinhos.
Veja todos os artigos desta edição da revista Política Democrática online
Para dirigir essa sequela de peso, Joseph Kosinski foi o escolhido. Conhecido por sua aptidão no uso da computação gráfica – Tron: O Legado (2010) e Oblivion (2013) –, desta feita, o diretor americano optou por manter a estética e o estilo de seu predecessor, Tony Scott, filmando in loco, sem fundo verde. As cenas de abertura são exatamente como as do primeiro filme, incluindo a fonte utilizada para apresentar os créditos. Kosinski parece não ter querido deixar dúvidas sobre a filiação de seu Top Gun, prestando, ao mesmo tempo, bela homenagem ao diretor britânico que tirou sua própria vida em 2012. Kosinski agrega, porém, verniz de modernidade ao filme, aliando o que há de melhor na tecnologia atual ao realismo do cinema daqueles tempos. Em Top Gun: Maverick, os atores voam mesmo! Não é CGI. E mais, eles filmam também, já que nem diretor nem cinegrafista podiam acompanhá-los nos voos.
Para que os atores pudessem enfrentar tantos desafios, o próprio Maverick – ops! Tom Cruise – preparou um boot camp de três meses para deixar todos no ponto para subir nos aviões. Kosinski, por sua vez, instalou quatro câmeras dentro de cada jato, duas viradas para os atores e duas para fora, e ainda lançou mão de drones e aviões com a equipe de filmagem voando ao lado dos protagonistas. Uma proeza de realização e, sobretudo, de montagem, ponto alto do filme. As sequências de voos são de tirar o fôlego. Super-realistas e editadas à perfeição para fazer os espectadores voarem junto naqueles caças supersônicos.
O roteiro, talvez, seja o ponto mais fraco do longa. Mas isso já era no original. Afinal, a trama de Top Gun 1 é bem simples: piloto rebelde, com muito talento, mas que não gosta de obedecer às ordens. Entra para a equipe de elite da Marinha americana, a Top Gun. Por seu temperamento, vai acumulando inimigos e perdendo oportunidades na carreira. Para piorar a situação, em um momento de rebeldia aérea, acaba perdendo seu melhor amigo e parceiro de voo, Nick “Goose” Bradshaw (Anthony Edwards). Uma ferida difícil de cicatrizar e que vai apagar um pouco a chama de rebeldia de Pete “Maverick” Mitchell.
No filme atual, o capitão Maverick é um piloto de testes, estagnado na carreira e na vida. Ele é chamado para treinar a equipe escolhida para uma missão quase impossível. Os seis pilotos selecionados da Top Gun terão que eliminar um inimigo que não tem cara (russos, chineses?). Entre eles está Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho de seu amigo Goose. Maverick vai viver um dilema: treinar o rapaz para que ele participe dessa missão suicida ou eliminá-lo do grupo, protegendo sua vida, mas impedindo-o, com isso, de alcançar seus sonhos?
Top Gun 2 traz à tona velhos sentimentos, fantasmas e medos, além de propor uma reflexão sobre a maturidade e a passagem do tempo. Não que Maverick tenha perdido a rebeldia, mas agora ela é mais pensada, contida, controlada. As transformações físicas também têm destaque. Nesse quesito, um momento especial é a aparição de Tom “Iceman” Kasansky (Val Kilmer), antigo inimigo de Maverick, que, por seu talento e conformação às regras, chega à diretoria da Top Gun. Na vida real, sabe-se que Val Kilmer passa por um momento difícil, tendo perdido a voz depois de um câncer de garganta. Mas a tecnologia do século 21 torna sua participação possível e emocionante.
Quem ficou de fora mesmo foi a música-tema do primeiro Top Gun, Take My Breath Away, interpretada pela banda Berlin. Para seu lugar, Hold My Hand foi especialmente composta, interpretada por ninguém mais, ninguém menos que Lady Gaga. Será que ela também leva o Oscar, como fez sua predecessora?
Mas o melhor de Top Gun: Maverick é que ele prescinde de conhecimento prévio do filme de 1986, sendo assim um excelente entretenimento também para os jovens de hoje. As explicações necessárias estão todas ali, permitindo que todos desfrutem dessa aventura banhada de sol oitentiano. Mas, se der, vale assistir ao primeiro Top Gun e, também, ao documentário Val (2021), dirigido por Ting Poo e Leo Scott. Eles podem acrescentar um tom de sépia às emoções do presente, fazendo tudo ganhar mais alma e sentido.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia também
Revista online | “Bolsonaro é um bom exemplo de degradação”, diz Carlos Melo
Revista online | Povos quilombolas: invisibilidade, resistência e luta por direitos
Revista online | Guerra às drogas e a insistência no fracasso
Revista online | A reinvenção da democracia brasileira e as eleições de 2022
Revista online | O que o Brasil pode ganhar com o novo mercado regulado de carbono
Revista online | Apoie mulheres
Revista online | As implicações da educação domiciliar
Revista online | Cenário eleitoral e guerras de narrativas
Revista online | Voltaremos a Crescer?
Revista online | O que nos dizem aquelas tatuagens nazistas do batalhão Azov
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Revista online | "Bolsonaro é um bom exemplo de degradação", diz Carlos Melo
Equipe da Revista e, como convidado especial, Luiz Sergio Henriques | (44ª edição junho/2022)
O cientista político, mestre e doutor pela Pontifícia Unidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Carlo Melo disse que “as lideranças em vários partidos estão calcificadas”. “A crise de liderança política afeta a todos”, afirmou. Ele, que é professor de Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), é o entrevistado especial desta 44ª edição da revista Política Democrática online deste mês (junho de 2022).
Na avaliação de Melo, o cenário eleitoral deste ano reflete o problema apontado por ele. “O fato de a gente chegar a esta altura da disputa eleitoral diante do dilema Lula ou Bolsonaro é revelador da crise de liderança política por que estamos passando”, destacou ele, que diz ter buscado contribuir com o debate político, econômico e social do Brasil, por meio de uma análise conjuntural isenta e reflexão desapaixonada.
Analista político, com participação ativa em vários veículos de comunicação, palestrante e consultor de empresas nacionais e estrangeiras, Melo também faz um alerta ao centro, que, segundo ele, “não se dispõe a assumir claramente um projeto, uma visão de mundo”.
Na entrevista, Melo também defende “ajuste fiscal”. “Isso é importante, fundamental, embora ainda não suficiente”. Além disso, segundo ele, “independentemente do resultado da eleição a crise haverá de continuar a partir de janeiro de 2023”. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática Online (RPD): Há quase três anos, tivemos uma bela conversa em que você explorou com o brilho habitual a conjuntura política nacional. Hoje, talvez conviesse centrar-nos na grande crise institucional brasileira, que é antes de mais nada uma crise de representatividade dos partidos. Um estranhamento radical entre representantes e representados. Você concorda?
Carlos Melo (CM): Acho ótimo evitar falar de conjuntura. Nosso problema não é exatamente a conjuntura, nossos problemas são estruturais. Diria mais, nossos problemas são estruturais e não são só no Brasil. O mundo todo está passando por um momento complicadíssimo. Outro dia, participei de um evento com a grata presença do embaixador Rubens Ricupero, que disse: “O mundo me preocupa mais que o Brasil, e não é que o Brasil me preocupe pouco”.
A verdade é que estamos vivendo uma revolução, cujo início vem lá dos anos Reagan e Thatcher, quando o mundo virou de cabeça para baixo, ao perder algumas referências do pós-guerra. O Estado de bem-estar social, por exemplo. Aquela política tributária que tirava dinheiro dos ricos para distribuir para a sociedade e fazer o bem-estar morreu e começa a concentrar nos ricos. De fato, os ricos investem, geram um baita processo tecnológico. Os Estados também investem pesadamente nisso. Aos poucos, a gente vai mudando completamente. Costumo brincar com meus alunos e dizer que troquei canal de televisão no seletor. Todos nós trocamos assim os canais de televisão. E não foi de um século para o outro, parece ter sido para outro milênio, considerando o longo tempo que faz. No mundo de hoje, a reza diária, a Bíblia que uma pessoa lê, o primeiro que se pega é, de fato, o celular, onde se concentram as notícias.
Devo registrar que troquei o canal de televisão no seletor, usei máquina de escrever, usei máquina de tirar fotografia, vi telex e, depois, muito mais à frente, vi o fax. Hoje, tudo isso está no celular. Essas mudanças afetaram terrivelmente a sociedade, em particular o mundo do trabalho, ao deslocar milhões, bilhões até de pessoas para uma situação de abandono, afetando a política.
A política e o Estado não reagiram a esse fenômeno. Sejamos justos, porém: não seria muito fácil. Tínhamos de compreender esses processos a quente, o que me faz lembrar de anedota atribuída a um político chinês, que, perguntado sobre a Revolução Industrial, disse: “Bom, só se passaram três, quatro séculos. É, portanto, muito cedo para avaliar”.
Eu diria que as mudanças que estamos enfrentando ainda não nos deram tempo, nem distância, para serem avaliadas. Daí talvez porque a política não tenha podido oferecer respostas, dando origem ao sentimento de desamparo de muita gente em nossos dias. O que se vocaliza é a demagogia. Não vou dizer que seja o populismo, porque o populismo, com todos os seus defeitos, tem uma qualidade superior a essa demagogia em voga na fala das lideranças políticas que conhecemos. Não surpreende, assim, que, diante dessa confluência de fatores e da multiplicidade de demagogos, o sistema político esteja absolutamente perdido, sem capacidade de resposta.
Derrota de Bolsonaro é essencial para o Brasil, analisa Marco Antonio Villa
Bolsonaro tenta justificar suas posições sobre Amazônia, eleições e Rússia
Os partidos, não só do Brasil, mas da maioria dos países democráticos, padecem desse mal. O grande historiador Tony Judt antecipou em um livrinho, cujo título O mal ronda a Terra já tudo revelava, um processo da década final do século passado, invadindo o atual, de mal-estar que já adoecia o sistema político. Ele defendia a volta de uma visão capaz de reunir as pessoas que, como ele, estivessem tão absolutamente desoladas. A morte precoce privou-o de aprofundar seu pensamento e de contribuir para, quem sabe, influir nos partidos, nos intelectuais, e dar as respostas reclamadas por esse processo extraordinário de transformação.
Há pouco tempo, um ano antes da pandemia, fui convidado a falar sobre a política brasileira. Contrapropus falar não do Brasil, mas do mundo. É o cenário por onde se aceleram esses processos tecnológicos que causam mal-estar. Foi quando um senhor da plateia me interpelou: “Mas o que tem de errado em adotar avanços tecnológicos para reduzir custos de produção?”. Respondi: “Não sei se é certo, ou se é bom, saberemos dentro de um século, mas, agora, vivemos uma transição, que é custosa”. Sérgio Abranches amplia essa discussão com particular brilho, em seu belo livro A era do imprevisto.
Essa discussão não é nova, mas segue importante. Zygmund Bauman, por exemplo, recupera o sentido do conceito de transição desenvolvido por Antonio Gramsci, chamando de “interregno” este processo. Antonio Scurati, de sua parte, escreveu M, o filho do século, sobre Mussolini e o mundo do primeiro pós-guerra, um período claramente de transição, de interregno, parecido com o mundo pós-Guerra Fria, com todo este sentido de transição. Os partidos têm perdido essa perspectiva do processo histórico. Há partidos sérios e há partidos picaretas, que não se atualizam, seguem na mesma toada, como parasitas do sistema político.
Senti necessidade de explorar essas digressões para melhor situar o debate sobre o papel dos agentes políticos na tarefa de compreender o mundo em transformação e, ao mesmo tempo, traduzi-lo no conteúdo das metas prioritárias das ações dos governos. De novo, reconheço que se trata de um desafio tão difícil transpor como fundamental enfrentar.
RPD: No rastro de decisões que o Congresso vem tomando com insistência, não se enxerga com clareza o interesse nacional; antes, interesses patrimonialistas. Limito-me a mencionar que agora se cogita de um projeto declarar estado de calamidade pública nacional, que, entre outros efeitos, liberaria o governo para fazer o que lhe aprouvesse, incluindo um estado de emergência, vale dizer um golpe de estado, sob pretexto de fazer frente à calamidade pública de turno. Isso remete ao paradoxo imaginado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de que partidos fracos favoreceriam um Congresso forte. O que pensa a esse respeito?
CM: Essa tentativa de decretar uma calamidade pública justamente para tirar proveito da ocasião de fato, passa por um problema sério. Algo precisa ser feito. Levantamento da Fundação Getúlio Vargas (FGV) por esses dias revela que ultrapassamos a média mundial em relação à fome, a partir de uma pergunta simples: “Nos últimos 12 meses, você passou algum dia com fome, sem poder comer?”. As respostas afirmativas superaram 36%, acima da média mundial (35%), dado inédito na História do Brasil.
Posso estar enganado em algumas cifras, mas não muito. Na última pesquisa realizada, 31% das mulheres, hoje são 47%, responderam que sim, ao passo que os homens variaram um pouco menos: eram 27% dos homens, hoje são 26%. Essa calamidade está pesando muito mais sobre as mulheres. Renato Meireles, do Instituto Locomotiva, mostrou-me recentemente dados impressionantes. Hoje, temos 14,6 milhões de mães solo, o que significa famílias desestruturadas, mulheres tocando sozinhas a vida de seus filhos, suas próprias vidas, não raro carregando toda uma família, mãe, pai...
É uma situação calamitosa, e algo precisa ser feito. Só que não pode ser feito dentro de um espírito oportunista. Aliás, não poderíamos ter chegado a esse ponto. Alguns colegas dizem, tentando mascarar ou simplesmente evitar o debate, ou por mera insensibilidade, que a situação está, de fato, ruim, mas as instituições estão funcionando. As instituições estão funcionando porcaria nenhuma, algumas estão resistindo. Se elas estivessem realmente funcionando, não estaríamos onde estamos. Se as instituições estivessem funcionando, não teríamos o Bolsonaro. Simples assim. Existe, sim, oportunismo no sistema político brasileiro.
Além de todos os problemas comentados, não vamos esquecer de acrescentar problemas estruturais de âmbito mundial, bem conhecidos desde sempre. Tomemos como exemplo o próprio patrimonialismo. Uma coisa é passar por uma crise estrutural de mudança de paradigma num país democrático; outra bem diferente é passar pela mesma crise em um país com pouca tradição democrática e extremamente patrimonialista. Os sanguessugas, aqueles parasitas que matam o hospedeiro, correm para se aproveitar disso.
Sem dúvida, há motivos, sim, para ações emergenciais. Vários setores da sociedade, como o mercado financeiro, precisam saber que a pauta mudou. Nada pode ser feito se não tiver ajuste fiscal, se não tiver equilíbrio fiscal. Isso é importante, fundamental, embora ainda não suficiente. O equilíbrio fiscal demanda políticas públicas eficazes para resolver esse problema emergencial, mas não só se limitando a garantir que os compromissos assumidos e os contratos celebrados devam ser honrados. Não é esse o ponto. Impõe-se, na emergência, adotar políticas públicas eficazes, bem concebidas, que não desperdicem recursos públicos e se destinem a resolver, ou pelo menos mitigar, as questões estruturais, elidindo o patrimonialismo, o oportunismo e a picaretagem que há décadas assolam a trajetória das políticas públicas no Brasil. A sociedade tem de ter consciência do que está acontecendo no país e dar um basta nisso. Esse é o grande problema.
RPD: Com relação às eleições que se aproximam, temos, de um lado, um candidato buscando a reeleição, apoiado em uma corrente de opinião radical, extensa, ampla, embora minoritária, e que prescinde de siglas partidárias. De outro, como o nome mais bem posicionado nas pesquisas até este momento, um candidato ancorado em um partido estruturado, sólido, também dependente da vocalização de um único líder. Está claro que a democracia necessita mais do que isso. O que nos falta?
CM: O fato de a gente chegar a esta altura da disputa eleitoral diante do dilema Lula ou Bolsonaro é revelador da crise de liderança política por que estamos passando. Essa crise, aliás, não atinge só o Brasil. Se compararmos a liderança política do mundo nos anos 1980, época da queda do muro de Berlim e, depois, da unificação da Europa, com a liderança que temos hoje, é desolador. É verdade que algo tem também a ver com o processo de transformação da era Reagan/Thatcher. Lembremos que Thatcher declarou que esse negócio de sociedade não existe, o que existe são os indivíduos e suas famílias. Outro dia, comentei essa opinião com o ministro Delfim Neto, que se limitou a dizer: “Foi um equívoco”. Equívoco ou não, a sociedade acreditou que ela não existia e voltou-se para um individualismo hedonista, consumista.
O enfraquecimento da liderança tornou-se evidente. Sentimos falta de um Adenauer, de um Kohl, de uma Angela Merkel, reduzidos como estamos a um Putin, figura terrível, deletéria. No Brasil, no lugar de um doutor Ulysses ou de um Nelson Jobim, gente do que se poderia chamar alto clero, ou José Genoíno, Gastone Righi e José Lourenço, temos agora gente de todos os matizes, conformando um baixíssimo clero que se tornou hegemônico. Dos remanescentes daquela época – o período da redemocratização – sobraram-nos Fernando Henrique com 93 anos de idade e Lula, com 76 anos.
Voltando ao processo como um todo, um homem não substitui um partido. Tenho dito há mais de um ano, quando me perguntam da possibilidade da candidatura do Lula, que, apesar de todos os problemas com a justiça, ele estava cercado por um estado-maior de altíssima qualidade. Pode-se gostar ou não, mas, olhando para o passado, ele podia contar com José Dirceu, Luiz Gushiken, uma pessoa extraordinária, responsável pela indicação do Palocci, Márcio Thomaz Bastos, Duda Mendonça, um staff capaz de livrá-lo de um monte de frias. Hoje isso não acontece. Enquanto conversamos, Lula terá voltado a errar em algo. Ficou, às vezes, quase irreconhecível, na comparação com aquele homem que dava regularmente provas de sapiência, de sagacidade política. Era bem aconselhado, muito bem assessorado. Diante do vazio dos partidos – PT, incluído –, as lideranças políticas decaíram em qualidade de forma estrondosa. Restou o Lula. Então, tudo bem, é com esse que a gente vai. Tem méritos? Tem méritos, mas está longe de ser aquele quadro de 2002, quando tinha um grupo.
A crise de liderança política afeta a todos. Olhemos para a direita, temos em Bolsonaro um bom exemplo de degradação. Lembremos que a direita radical teve figuras pelo menos mais bem formadas. Do Plínio Salgado ao Carlos Lacerda, ao próprio Paulo Maluf, com todos os seus problemas, eram políticos mais bem equipados do ponto de vista intelectual, inclusive. Com o ocaso do malufismo no começo dos anos 2000, a direita debilitou-se, caiu no vazio terrível. O PSDB tentou abraçá-la, mas não conseguiu. Faltava-lhe um ingrediente, um princípio ativo ao Serra e ao Alckmin. Esse princípio ativo apareceu nesse genérico Jair Bolsonaro, que também é uma degradação no sentido da liderança mesmo de uma direita radical, extremista.
Parodiando a música do Pedro Caetano, é com esse que eu vou. É isso que a gente tem. Infelizmente é isso, com todo o respeito ao Lula, porque não cabe compará-lo a Bolsonaro. Essa é a verdade. Mas mesmo o Lula é um homem de ontem, não é um homem de amanhã. É um homem de ontem. Só que a gente está em uma situação tão complicada que talvez seja necessário recuperar o ontem para colocar os pés no presente de novo e, quem sabe, daqui a quatro anos, poder olhar para o futuro.
RPD: A gente está lidando entre o estrutural e o conjuntural, no mundo e no Brasil. Passamos aí pela extrema truculência da direita atual e, também, pela velhice do padre eterno da esquerda. Os sintomas de envelhecimento do Lula se mostram até no vestuário. Não sei se vocês têm reparado que ele se apresenta ainda hoje, depois de 20 anos, com o mesmo terninho bolivariano nas apresentações públicas, para um público sempre exaltado. São sinais do passado, signos melancólicos. Mas talvez convenha passar a conversa para a questão central, a de examinar a série de partidos, desde a União Brasil, pela centro-direita, até o Cidadania, pela centro-esquerda, passando pelo PSD, do Kassab, PSBD, MDB, frações de um centro democrático que há décadas – não é um fenômeno recente – não consegue se articular, se coordenar, minimamente. Por que a prevalência dessas forças centrífugas no território do centro? Isso tem conserto?
CM: Gostei muito da imagem do “terninho bolivariano”. Percebi isso semanas atrás em um evento na PUC, São Paulo, mas não tinha elaborado dessa forma brilhante. É perfeito.
Quanto à questão do centro, existe uma série de questões de conceituação. Primeiro, falar de centro no Brasil é falar de muita coisa. Fala-se de um centro fisiológico ou de um centro democrático? Geraldo Alckmin, em 2018, foi vítima da crítica ao centro fisiológico. Seu maior erro foi deixar-se abraçar pelo Centrão. Aliás, o governo do Temer foi um governo de centro, o Temer sendo um primus inter pares. Durante algum tempo, não se usava o termo centrão, era “peemedebização”, referindo-se à lógica peemedebista de abandonar candidaturas majoritárias, para aderir a quem se estimava fosse ganhar a eleição e engordar suas bancadas, para beneficiar-se, assim, de um butim maior da máquina pública.
Segundo, tem também um centro democrático, que, sendo justo, inclui parcelas do MDB, de fato preocupadas com a democracia. O problema é que ambos os tipos de centro se confundem. Veja, por exemplo, o caso do PSDB. Depois de tantas idas e vindas, depois de perder sua principal característica fundadora – a ideia da social-democracia, de ser um partido de centro-esquerda –, pouco a pouco, perdeu a identidade de centro-esquerda, para se tornar um partido de centro por excelência. Ele tem setores que são centro democrático e setores que são centro fisiológico. A luta do PSDB, hoje, é para não ter um candidato à presidência da República, para ficar liberado à adesão fisiológica nos estados, à lógica do partido estadual, à lógica da federação de partidos estaduais em um só partido.
Urge separar o joio do trigo, o que é centro democrático e o que é centro fisiológico, fenômeno que contagia todos os partidos chamados de centro. Veja o União Brasil: a candidatura do Bivar é uma caricatura desse processo. O Bivar, presidente do PSL, há quatro anos deu guarida a Jair Bolsonaro. O PSL foi o partido do Bolsonaro por um bom tempo e agora se apresenta como partido de centro democrático. O primeiro problema é separar o joio do trigo e não jogar o trigo fora. É isso.
Falemos do centro democrático. Carece, também, de renovação de lideranças. É impressionante verificar como as lideranças em vários partidos estão calcificadas. São lideranças de ontem, algumas até com mérito, é verdade, mas também é verdade que de ontem, com imensa dificuldade de olhar para o futuro. E, assim, retoma-se o problema mais conjuntural: como definir esse centro. Para além de ser centro democrático, como se define? Nem Lula nem Bolsonaro? O que qualifica o centro é estar equidistante de dois polos? Isso lá é forma de definir algo?
Isso é pouco. É o que venho defendendo, sem êxito, há algum tempo. O centro não se dispõe a assumir claramente um projeto, uma visão de mundo. Talvez um certo oportunismo: surrupiar forças da direita e da esquerda, para engordar, mas sem engrossar nem fortalecer a musculatura. Atua num espaço do nem-nem. Não conseguiu se qualificar a ponto de, aí sim, surgir como uma força de centro capaz de aglutinar os outros. Os candidatos de centro que apareceram eram todos candidatos com esse perfil indefinido. Basta a proposta do nem Lula nem Bolsonaro. Qual projeto de futuro, qual crítica ao patrimonialismo, onde está uma verdadeira visão moderna de mundo? Surgiu alguém com capacidade política, intelectual, moral, para efetivamente conduzir esse projeto?
O que aconteceu com o centro pode ser uma reedição extemporânea do jogo “resta-um”. De início, eram 11 jogadores, passou-se para 10, depois nove e, assim, sucessivamente, até chegar a dois, Ciro e Simone Tebet. E ainda pode se reduzir a um ou uma. Pena que não se enxergue que não existe mais esse negócio de nem-nem, encoberto por uma cortina de fumaça que ofusca uma aposta cega na ambiguidade de perfis, de identidade política. A expectativa – equivocada – é a de que cerca de 25% do eleitorado, que não pretendem votar nem no Lula nem no Bolsonaro, terminarão migrando, por gravidade, para o centro. Quem acredita nisso é melhor voltar para a casa.
Ou, ainda, será possível que Eduardo Leite volte a encarnar o sonho peessedebista de concorrer à eleição para presidente? Tudo no Brasil é possível, pois, como ensinava Ulysses Guimarães, a política brasileira é sempre movida por “sua excelência, o fato novo”. Por isso, ainda há tempo. Mas por que não se construiu uma identidade? Será ele, finalmente, candidato à governança do Rio Grande do Sul, depois de ter rejeitado a proposta de Kassab para concorrer nacionalmente pelo PSD, ter sido deslocado da disputa presidencial pela vitória de Doria, na prévia do PSDB, e, em seguida, pela perda de espaço junto ao MDB, de Simone Tebet? Sem esquecer que este partido está fraturado, se equilibrando entre apoiadores de Lula ou de Bolsonaro. Esse é apenas um reflexo sobre a estratégia na campanha eleitoral da ausência de projeto de governo dos candidatos alternativos. Seguimos atraídos por nomes, não por programas, menos ainda por lideranças.
A falta de definição de segmentos do eleitorado revela a grande crise de liderança. Quando falo de liderança, não estou falando de uma liderança unipessoal. Estou falando de um grupo capaz de conduzir processos, preocupantemente ausente no universo político-partidário do país, que reúne homens de ontem que não sabem separar o joio do trigo e um centro que mescla centro democrático e centro fisiológico.
O exemplo mais eloquente disso é o PSDB. Três ou quatro facções brigam entre si, mas todas se indignaram com a declaração de Lula de que o PSDB morreu. Embora politicamente infeliz, a assertiva sobrevive a uma análise objetiva no sentido de que o partido, se não morreu, está na UTI, e precisa de alguma forma ser resgatado. Foi um partido importantíssimo. Basta lembrar o legado dos governos Fernando Henrique, que tiveram entre tantas outras realizações o Plano Real. Mas, já em 2002, na primeira campanha sem FHC, José Serra saiu-se com essa: “Continuidade sem continuísmo”. Em 2006, Geraldo Alckmin, sendo criticado pela esquerda por conta das privatizações, tirou aquela foto ridícula com um bonezinho do Banco do Brasil e a blusa da Caixa Econômica, exibindo seu afastamento do projeto do Fernando Henrique. Não vejo ninguém, hoje, do PSDB discutindo o problema da gasolina, dos combustíveis, etc. Bolsonaro cometeu essa patacoada de querer privatizar a Petrobras, e ninguém do PSDB resgatou a ideia das agências de regulação, da importância da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), da importância de todas essas agências, projetos vencedores do governo Fernando Henrique. Ninguém resgata isso. Quem se der ao trabalho de ler meus artigos nesses dois últimos anos verá que defendi a ideia de que o centro democrático deveria tentar a formação de uma frente ampla até mesmo com o PT de Lula. Mas isso não ocorreu, e temo dizer que, independentemente do resultado da eleição – e sabe-se lá que resultado teremos e com quais consequências –, a crise haverá de continuar a partir de janeiro de 2023.
Sobre o entrevistado
*Carlos Melo é cientista político e professor senior fellow do Insper.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de maio de 2022 (43ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.
Leia também
Revista online | Guerra às drogas e a insistência no fracasso
Revista online | A reinvenção da democracia brasileira e as eleições de 2022
Revista online | O que o Brasil pode ganhar com o novo mercado regulado de carbono
Revista online | Apoie mulheres
Revista online | As implicações da educação domiciliar
Revista online | Cenário eleitoral e guerras de narrativas
Revista online | Voltaremos a Crescer?
Revista online | O que nos dizem aquelas tatuagens nazistas do batalhão Azov
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online