Day: abril 13, 2022

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Revista online | Com Claude Lévi-Strauss: a arte plumária dos índios 

Ivan Alves Filho* 

“Prezado Senhor, concordo com nosso encontro. Peço apenas que o senhor entre em contato novamente comigo dentro de dois meses. Estou particularmente sobrecarregado de trabalho no Collège de France, devido à retomada de meus cursos. Receba as minhas melhores saudações”. Foi esse o teor da carta que o maior mestre da antropologia do século 20, Claude Lévi-Strauss, me enviara, há mais de quarenta anos, em reposta a uma consulta minha. Meu objetivo era entrevistá-lo para a revista de cultura Módulo, dirigida por Oscar Niemeyer. Para viabilizar isso, vali-me da amizade existente entre o antropólogo e a escritora siberiana radicada na França Lydia Lainé, sua antiga colega de turma na Sorbonne, no curso de filosofia. 

Esperei acontecer os dois meses e fui conversar com o velho sábio. O encontro se realizou em seu gabinete de trabalho, no Collège de France, a principal instituição universitária da Europa. Silenciosa, apinhada de livros e revistas de cultura, a sala de Lévi-Strauss mais parecia um santuário. O velho sábio leu durante alguns minutos as questões que eu levara por escrito e começou imediatamente a respondê-las. “As questões são excelentes. O senhor está de parabéns”, disse ele, gentilmente. Eu tinha apenas 27 anos de idade e não pude disfarçar meu contentamento com seu comentário. Mas ele só aumentava a minha responsabilidade. 

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Lévi-Strauss discorreu sobre tudo – ou quase tudo. Falou da prática artística dos povos ditos primitivos, dos seus mitos. Revelou-se um admirador das sociedades sem classes, ele, um velho defensor do socialismo, formado ainda nos embates ideológicos do final da década de 20. Emocionou-se, ainda, ao descrever sua vida no Brasil, sua convivência com os índios do Mato Grosso. Ao relembrar os nambiquara, sua voz ficou embargada e seus olhos se encheram de lágrimas. Aquilo me comoveu muito: Lévi-Strauss pertence àquela raça de sábios que se envolve emocionalmente com o objeto de seus estudos. 

Porém, o que mais me surpreendeu foi sua firme defesa dos postulados materialistas. Confessou ter dois livros de cabeceira. O primeiro deles, A contribuição à crítica da economia política, de Karl Marx. O outro, Viagem ao Brasil, de Jean de Léry, um relato que praticamente inaugura a antropologia moderna, em meados do século XVI. Aprendi com Claude Lévi-Strauss que os fenômenos da superestrutura – tais como a arte e os mitos – refletem sempre o que se passa na infraestrutura de uma sociedade determinada. Vale dizer, eles têm sempre uma raiz concreta, não se podendo separar o imaterial do material. Para alguém que sofreu a acusação de desenvolver seu sistema de pensamento – o estruturalismo – fora da realidade histórica, isso não é pouco. 

Claude Lévi-Strauss morreu quando completou um século de vida. Quase já não escrevia mais. Guardo com carinho as duas cartas que me escreveu, uma delas manuscrita, devidamente emoldurada por mim. Ao pensar no velho sábio, me vem à mente um belo poema de Worsworth: 

Assim como uma imensa pedra que às vezes vemos encolhida no topo nu de uma montanha...semelhante a uma coisa dotada de sensibilidade, qual um animal marinho...aquecido ao sol; assim parecia este homem, nem completamente vivo nem completamente morto ou de todo adormecido, em sua extrema velhice". 

Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Matheus Alves/WWF-Brasil
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Indígenas aguardam "julgamento do século" - Marco temporal. Foto: Jacqueline Lisboa / WWF-Brazil
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Saiba mais sobre o autor

Foto: reprodução
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*Ivan Alves Filho é historiador e documentarista

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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Nas entrelinhas: Ideias de Lula e Bolsonaro têm raízes profundas

Há um Brasil submerso, cujas raízes históricas nos dão algumas pistas sobre a radicalização política que estamos vivendo, na qual Lula e Bolsonaro lideram a polarização eleitoral

A polarização entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as pesquisas da corrida eleitoral para o Planalto, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem muitas explicações. As mais evidentes são o recall dos dois mandatos do petista como chefe do Executivo, de um lado, e as vantagens estratégicas de uma candidatura à reeleição no pleno exercício do mandato, na qual a inércia do poder favorece o presidente da República, como aconteceu com Fernando Henrique Cardoso, o próprio Lula e Dilma Rousseff.

Decorrem daí as dificuldades dos demais pré-candidatos para romper a polarização, ou seja, de Ciro Gomes (PDT), Sergio Moro (União), João Doria (PSDB) e Simone Tebet (MDB). Mas isso apenas não explica a resiliência de Lula, que chegou a ser preso na Operação Lava-jato, acusado de envolvimento com a corrupção no seu governo, nem a de Bolsonaro, que protagonizou o negativismo antivacina durante a pandemia de covid-19, cujo saldo de 661 mil mortes não foi suficiente para tirá-lo do páreo, assim como a estagnação, o desemprego e a maior inflação da história do real. Há um Brasil submerso, cujas raízes históricas nos dão algumas pistas sobre a radicalização política que estamos vivendo.

Lula

O ex-presidente Lula é protagonista de um processo no qual a redemocratização do país coincidiu com a emergência de um novo movimento operário, mais centrado em grandes unidades de produção e capaz de liderar a numerosa classe média assalariada que surgiu com a forte presença das empresas estatais no modelo econômico adotado pelos militares no período de 1964 a 1985. A formação de uma sociedade civil mais complexa emoldurou essas mudanças na transição à democracia, rivalizando com os partidos.

A criação do PT desvinculou a esquerda brasileira dos modelos soviético e social-democrata, mas agarrou com as duas mãos o nacional-desenvolvimentismo impregnado da ideia de revolução brasileira, inspirada em Caio Prado Junior e outros autores. A velha aliança operário-camponesa se traduziu no apoio de Lula ao MST, que protagonizou a ocupação de terras num momento em que a reforma agrária já não fazia sentido, do ponto de vista do desenvolvimento capitalista no campo, com a emergência do agronegócio produtor de commodities de grãos e proteínas, mas refletia a iniquidade o social que persistia no campo, mesmo em grande parte tendo migrado para as cidades.

Lula pôs em prática uma política de projeção do Brasil na cena internacional, exercendo forte influência em toda a América Latina, a partir de um novo modelo de capitalismo de Estado, no qual grandes empresas brasileiras, as “campeãs nacionais”, foram financiadas pelo Estado para que se tornassem players de cadeias globais de comércio, principalmente de minérios, alimentos e serviços de infraestrutura. Em contrapartida, essas empresas financiariam o seu projeto de poder, o que acabou resultando nos escândalos da Lava-Jato.

O colapso econômico desse modelo arrastou consigo a sustentabilidade política do governo Dilma Rousseff. Do ponto de vista das concepções, havia uma linha de continuidade entre a “nova matriz econômica”, as Reformas de Base de João Goulart e o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. Até que ponto Lula estará disposto a retomar esse fio da história é a grande interrogação de sua atual candidatura à Presidência.

Bolsonaro

As ideias reacionárias de Bolsonaro e dos militares e setores conservadores que o apoiam também não surgiram do nada, são centenárias. Talvez a matriz possa ser encontrada em Oliveira Vianna, um dos ideólogos do Estado Novo, cujo primeiro livro, Populações Meridionais do Brasil, lançado em 1920, viria a influenciar fortemente o movimento tenentista e a Revolução de 1930.

Vianna interpretava a realidade brasileira em duas chaves. A primeira desagregava o país em três formações político-culturais: o sertanejo, o matuto e o gaúcho. Os centros de formação do matuto, as regiões montanhosas do Estado do Rio, o grande maciço continental de Minas e os platôs agrícolas de São Paulo, exerceriam forte influência na organização da vida social e do patriarcado brasileiro. A segunda seria a incompatibilidade entre o liberalismo e a realidade brasileira. As instituições políticas nacionais refletiriam o divórcio entre o Brasil real e o Brasil legal.

Nossas elites dirigentes seriam alienadas da realidade nacional, sob influência do liberalismo de origem francesa e anglo-saxônica, descolado das características do Brasil e desagregador da coesão nacional. O antiliberalismo, o elitismo castrense e o nacionalismo estão disseminados de forma difusa na sociedade brasileira e são catalisados pelo projeto político de Bolsonaro. O regime militar (1964 e 1985) também refletia esses sentimentos. Os generais que presidiram o Brasil nesse período eram jovens oficiais nos anos 1930 e 1940, no auge do prestígio de Oliveira Viana.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-ideias-de-lula-e-bolsonaro-tem-raizes-profundas/

Vladimir Carvalho fala sobre o filme de "Giocondo Dias - O Ilustre Clandestino"

João Rodrigues, da equipe da FAP

Sucesso no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2019, o documentário “Giocondo Dias - O Ilustre Clandestino” foi o tema principal de entrevista do cineasta Vladmir Carvalho ao Canal Brasil.
Na entrevista, Vladmir fala sobre o sucesso do filme, que retrata a vida do líder comunista baiano Giocondo Dias, militante da esquerda que viveu dois terços de sua vida na clandestinidade e liderou o PCB como secretário-geral.
Confira abaixo vídeo da entrevista na íntegra.