Day: março 10, 2022

José Serra: Grilagem na Amazônia. É preciso dar um basta

José Serra / O Estado de S. Paulo

Num dos meus últimos artigos, busquei chamar a atenção para os desafios e oportunidades em torno da Amazônia. Nosso mais simbólico bioma, relevante por tantos motivos, passou a estar associado nos últimos anos ao retrocesso brasileiro. Num momento em que governos e sociedades se mobilizam em várias instâncias – como nas Conferências das Partes ou COPS, no âmbito das Nações Unidas – para conter o agravamento do aquecimento global, o Brasil frequenta a imprensa internacional por caminhar na direção contrária: o desmatamento amazônico.

Para que o leitor tenha dimensão do que falo: de agosto de 2020 a julho de 2021, segundo os dados oficiais do Inpe/prodes, 1,32 milhão de hectares de florestas foi derrubado na região amazônica. O equivalente a mais de 5% de todo o território do Estado de São Paulo. Ou seja, mantidos os números, em menos de 20 anos teremos desmatada na Amazônia uma área equivalente a todo o nosso Estado.

Inclusive, o desmatamento amazônico é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa (GEES) no Brasil. A floresta retira carbono da atmosfera e tem função crítica na regulação do regime de chuvas não apenas da região, afora sua biodiversidade.

Conhecer a dinâmica do desmatamento no bioma é essencial para o desenho de políticas ambientais efetivas. Um diagnóstico incorreto apenas por sorte conduzirá a um tratamento eficaz.

Conforme estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a dinâmica do desmatamento vem passando por mudanças. Se antes a derrubada de vegetação em propriedades e posses rurais era o principal componente de desflorestamento, em anos recentes o principal vetor de desmatamento é a grilagem em terras públicas, em especial no que se denomina de florestas públicas não destinadas (FPNDS). As FPNDS ocupam superfície de 60,7 milhões de hectares do bioma amazônico (14% da área total), o equivalente a quase duas vezes e meia o território do Estado de São Paulo.

A falta de destinação das FPNDS pelos entes responsáveis (Estados e, em especial, União) tem aberto caminho para um processo crônico e crescente de grilagem de terras públicas, seguido por desmatamento. São ilícitos sobrepostos: a apropriação de patrimônio público combina-se com a devastação ambiental. De acordo com dados do Inpe, em 2020 as FPNDS responderam por 32% do desmatamento no bioma; no primeiro trimestre de 2021, por 33%.

Paradoxalmente, o desmatamento de FPNDS tem se apoiado no uso fraudulento de um instrumento criado pelo Código Florestal de 2012: o Cadastro Ambiental Rural (CAR). O CAR é um instrumento cuja finalidade exclusiva é integrar as informações ambientais de imóveis rurais, servindo de base de dados para controle, monitoramento, planejamento econômico-ambiental e combate ao desmatamento. No entanto, o CAR tem sido empregado por grileiros para comprovação de posse ou propriedade de terras públicas, embora não tenha natureza fundiária ou validade legal para isso.


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Segundo o Ipam, o registro ilegal no CAR precede a invasão de terras públicas e seu desmatamento, compondo um ciclo: o CAR, ao dar aparência de regularidade à posse ilegal de terras públicas, facilita a obtenção dos recursos financeiros que serão usados no desmatamento, verdadeiro investimento predatório; derrubada a floresta, por vezes em associação com a pecuária extensiva, os grileiros aguardam a próxima rodada de regularização da ocupação ilícita; ao fim, legalizada a invasão, a área torna-se um ativo no mercado fundiário, com o que se estimulam novas rodadas de invasões e desmatamento.

Os números são alarmantes! Até 2020, 18,6 milhões de hectares de FPNDS foram declarados ilegalmente como imóveis particulares no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), ou 30,6% da área total de FPNDS na Amazônia Legal, um aumento de 232% em relação a 2016. Adicionalmente, o Ipam informa que 44% dos cadastros sobrepostos a FPNDS abrangem grandes áreas, o que indica a prática da atividade ilegal por agentes com poder econômico. No período de 2016 a 2020, tanto o desmatamento quanto os focos de incêndio em FPNDS foram mais frequentes nas áreas com registro no CAR.

O problema, pois, requer intervenção da parte de diferentes atores. Antes de tudo, o desmonte do aparato de fiscalização ambiental e fundiária, em especial no âmbito da União (Ibama, Incra, Inpe, ICMBIO etc.), precisa ser revertido. Os projetos de regularização fundiária geral e irrestrita, tão recorrentes nos Legislativos, estimulam a indústria da invasão e do desmatamento, verdadeiros prêmios à grilagem. As FPNDS deveriam ser transformadas em unidades de conservação, terras indígenas ou áreas de uso sustentável dos seus recursos, por meio de concessão florestal ou uso pelas populações tradicionais, vedada sua conversão para usos alternativos e predatórios. O uso fraudulento do CAR deve ser criminalizado, e todos os registros sobrepostos a terras públicas devem ser cancelados.

O Brasil demonstrou, num passado nem tão distante, que sabe fazer política ambiental. Podemos e devemos retomar essa história.

*Senador (PSDB-SP)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,amazonia-fraudes-e-grilagem-em-terras-publicas,70004003324


Maria Hermínia Tavares: O funeral do PSDB

Maria Hermínia Tavares / Folha de S. Paulo

A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980. Indistinguível de outras de igual porte, a legenda continuará à disposição dos que ambicionam fazer da política uma profissão.

Na sua origem, o PSDB foi a agremiação centrista de construtores da democracia; de reformadores moderados da economia e das estruturas do Estado; e de inovadores no terreno das políticas sociais. Sustentou com o PT, embora apenas no plano nacional, competição eleitoral centrípeta, que tornou possível a estabilização das regras democráticas e significativo progresso social.

Aproximava-os o compromisso com a democracia; com a garantia das liberdades; e a busca de maior equidade. Distanciavam-se na importância atribuída à moderação fiscal; às atribuições do setor público e dos mercados; e às formas de obter reconhecimento no exterior.

Quando, no poder, o PT conseguiu dominar todo o território do centro à esquerda, o PSDB foi deslizando para a direita, recrutando ali quadros e a maioria do seu eleitorado, ao tempo em que mudavam suas bandeiras e valores. Até 2014 —mas só nas disputas presidenciais— o partido foi o desaguadouro dos votos antipetistas de todos os matizes da direita: ultraliberais ou conservadores; republicanos ou patrimonialistas; democratas ou nostálgicos da ditadura.

Os tucanos começaram a minar seu próprio chão assim que, no dia seguinte à derrota de 2014, Aécio Neves contestou o resultado das urnas —pedra de toque do sistema do qual era um dos fiadores.

O partido continuou a fazê-lo ao aceitar, com malandro entusiasmo, a apropriação da Lava Jato contra seu principal adversário e ao embarcar alegremente na operação —para sempre sujeita a controvérsias— de destituir Dilma Rousseff, dando sustentação ao professor Michel Temer —um substituto com legitimidade contestada e apoio popular zero. A sigla morreu em 2018, quando seus eleitores tradicionais migraram em massa para Jair Bolsonaro, uns a contragosto, outros exultantes por encontrar, enfim, o chefe de suas afinidades.

O PSDB foi a principal vítima da crise política que ajudou a dar à luz e a nutrir, abrindo as portas para o que há de mais primitivo e cruel no país. Deixou órfãos —e a reboque dos ultras— políticos e eleitores que poderiam dar sustentação a uma direita civilizada como as democracias sempre comportam. Mas que nenhum dos candidatos da chamada terceira via parece, por ora, ser capaz de agregar.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/maria-herminia-tavares/2022/03/o-funeral-do-psdb.shtml


Maria Cristina Fernandes: Gás para começar outra vez

Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico 

O almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira chegou à presidência do Conselho de Administração da Petrobras junto com o governo Jair Bolsonaro. O estatuto prevê que seu mandato, de até dois anos, poderia ser renovado três vezes consecutivas.

O almirante poderia, portanto, atravessar o próximo mandato presidencial inteiro, mas deixará o cargo sem que apresente óbices a seu exercício.

Se aprovado pela mesma assembleia, o engenheiro Rodolfo Landim poderá, no limite, manter o cargo até 2030, atravessando os dois próximos mandatos presidenciais.

A escalada dos combustíveis é tão danosa que a troca é associada ao impulso do presidente em meter a mão na política de preços da estatal.

Cálculos independentes já apontam defasagem no preço determinado pela política de paridade internacional, de 25% a 30%. A vontade do presidente já tem sido, de alguma forma, contemplada. Para atendê-lo mais ainda seria preciso enfrentar o câmbio, os projetos de lei que tramitam no Congresso, além do superveniente Vladimir Putin.

O conselho para cuja presidência Landim foi indicado supervisiona a política de preços, mas quem a gere é a direção da empresa. O general Joaquim da Silva e Luna é seu titular desde fevereiro de 2021, quando substituiu Roberto Castello Branco, executivo indicado pelo ministro Paulo Guedes.

Ao longo dos 13 meses de coabitação entre Leal Ferreira e Silva e Luna, almirante e general convergiram. São oficiais que continuaram a se desincumbir de suas funções, como em postos pregressos, o comando da Marinha, no caso do almirante, e o Ministério da Defesa e a presidência de Itaipu, no caso do general. Ambos com pouco domínio sobre a indústria do petróleo mas obedientes às regras estabelecidas e à preservação de seus currículos.

São duas as principais regras de que cuidam, as políticas da empresa, entre as quais a de preços, e aquelas da governança estabelecidas depois da Lava-Jato. Se os combustíveis estão a exigir flexibilidade no mundo inteiro, pela pandemia e, agora, pela guerra, sobre a governança não há fatos da conjuntura a impor mudanças.

Nas três vezes em que Silva e Luna foi convocado ao Congresso em 2021 ficou clara a escalada da investida sobre sua gestão. Mais do que a política de preços, foi o abastecimento das termelétricas pela Petrobras que municiou as audiências públicas.

Por ali desfilaram os defensores das termelétricas. De Uruguaiana a Manaus, passaram pelas dificuldades de empresas em todo o país. Na titularidade das termelétricas cujas agruras foram ali compartilhadas, estão tradicionais empresários do setor, como Carlos Suarez, o S da OAS, ou grupos como o JBS, de Wesley e Joesley Batista, e Eneva, que tem no BTG de André Esteves, seu principal acionista.

Essas agruras se acumulam desde que as termelétricas, planejadas para serem abastecidas por gás abundante e barato, viraram mico - pelo preço e pelas exigências ambientais que movem energias alternativas para as quais o Brasil é vocacionado.

Esses micos têm sido empurrados à Petrobras por todas as gestões do PSDB ao PT, passando - e como - pelo MDB de Michel Temer. Com a Petrobras sob a rédea do departamento de justiça americano, as termelétricas buscaram o velho abrigo da Eletrobras na MP que resultou na privatização do interesse público e socialização de prejuízos privados.

Aos R$ 84 bilhões que foram empurrados goela abaixo do consumidor de energia pela contratação obrigatória de termelétricas em lugares onde não há gás para abastecê-las, planejava-se um acréscimo de R$ 33 bilhões. Este era o valor calculado para a construção de gasodutos que deixaria de ser custeado pelas empresas para onerar o contribuinte.

De um único parlamentar, Elmar Nascimento (União Brasil -BA), Silva e Luna ouviu 14 perguntas. Depois de comandar a Comissão Mista que elaborou o Orçamento de 2021, o parlamentar recebeu a relatoria da MP da Eletrobras, prestígio que só aliados incondicionais do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, podem almejar.

Tal foi o empenho parlamentar na reparação das agruras do setor, que os vigias da moralidade pública acordaram do sono eterno e resolveram barrar o brinde adicional embutido em outra MP.

Foi sob este clima que o Congresso encerrou os trabalhos em 2021. Sem ter como tirar mais da Eletrobras ou do consumidor de energia, restava buscar uma alternativa na boa e velha Petrobras. Seria preciso achar um jeito de compensar os acionistas minoritários e penhorar o majoritário. A trilha sonora já estava pronta - “Começaria tudo outra vez”, de Gonzaguinha.

Os trabalhos mal haviam sido retomados este ano no Congresso quando veio a notícia de que Rodolfo Landim havia sido indicado para presidir o Conselho de Administração da Petrobras. Engenheiro da estatal por 26 anos, Landim, se aprovado pelos acionistas, chegará ao conselho na condição de único, no colegiado, a entender, de fato, do negócio de petróleo e gás.

Desde o governo Fernando Henrique Cardoso, foi gerente-executivo da unidade de gás natural, presidente da Gaspetro, integrante do Conselho de Administração da TGB, que transporta gás da Bolívia para o Brasil e, finalmente, no governo Dilma Rousseff, chegaria à presidência da BR Distribuidora.

Foi a mesma época em que outros gerentes da empresa ganhariam o estrelato, como Nestor Cerveró e Paulo Roberto Costa. Landim enfrentou, ainda, os lobbies sindicais da estatal.

A experiência acumulada no setor o levou para o grupo de Eike Batista, titular de termelétricas, entre as quais a Termoceará, um dos micos empurrados para a Petrobras, e a Eneva, hoje com o BTG.

Landim move processo contra Eike e é alvo de ação penal por suposta gestão fraudulenta envolvendo recursos do fundo de pensão da Petrobras por parte de sua gestora de investimentos.

Ninguém duvida de que o cartola do Flamengo tem competência técnica para submeter a atual direção da Petrobras a permanente escrutínio. O estatuto confere este poder ao conselho. Tampouco se duvida que, se Bolsonaro perder a reeleição, o sucessor pressionará pela troca de Silva e Luna. Já Landim conhece tudo e a todos.

Sua indicação, a 10 meses do fim do governo, é o gesto até aqui mais ousado do parlamentarismo branco. Ainda que à sua revelia, há uma aposta de seus padrinhos. A de que mesmo que não seja preciso, nem desejável, daria para começar tudo outra vez.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/gas-para-comecar-outra-vez.ghtml


Eugênio Bucci: A guerra mundial contra os fatos

Eugênio Bucci / O Estado de S. Paulo

Vladimir Putin é um tirano bonapartista, típico do século 19. Para ele, a prosperidade só vem com o alargamento dos domínios territoriais. Exibicionista, proclama que seus armamentos são maiores que os dos outros. Aboletado no Executivo, atropela o Legislativo, subjuga o Judiciário e banca o pai forte do povo, passando por cima das mediações da democracia.

Outra faceta do autocrata de Moscou é sua obsessão por idolatrar o passado. O futuro dos sonhos dele é a restauração de uma fantasiosa glória pretérita (a sua “grande Rússia” parece o decalque de um mapa mistificado do século 18). Na verdade, mais do que bonapartista, seu ideário tem marcas de fascismo bruto.

Já se disse que a ambição do presidente russo poderia ser sintetizada no bordão “make Russia great again”. A boutade procede. O sujeito tem ares de um Trump em cenários de KGB, um Trump sem freios nem contrapesos. Aliás, ele faz tudo o que Trump gostaria de fazer e não consegue. Para trazer a conversa um pouco mais aqui para o nosso lado, ele é tudo o que Jair Bolsonaro gostaria de ser e jamais conseguirá ser. O russo parece um destes vilões trilionários de filme de 007, enquanto o presidente brasileiro nunca passou de lobisomem chinfrim de comédia de Mazzaropi. Vai daí que, tolerado pela China, bajulado pela Venezuela e elogiado discretamente por Trump, Putin é secretamente invejado pelo inquilino do Palácio da Alvorada.

Em resumo, quando o assunto é Vladimir Putin, figuras que parecem não ter nada em comum, como Maduro e Bolsonaro, entram num balé sincronizado. Por que será? O que faz vibrar na mesma frequência o trumpismo dos terraplanistas e o confucionismo maoísta do Partido Comunista Chinês? Por que os autocratas de Caracas, que enchem a boca para falar em “guerra anti-imperialista”, ganham eco no Palácio do Planalto, cujos ocupantes discursam em nome de “Deus” e da “família”? Que eixo transcontinental é este, tortuoso e rijo, que alinha corpos terrestres tão díspares?

As respostas para tais perguntas costumam denunciar equívocos nas análises de uns e outros, como se o apoio ao tirano russo decorresse de um defeito da razão ou de equívocos involuntários. Essas respostas têm sentido, claro, mas talvez não sejam a melhor explicação. É mais provável que o eixo libidinal do putinismo não tenha nada que ver com a razão – nada que ver com Otan, com fertilizantes, com petróleo, agronegócio ou geopolítica –, mas com o desejo. Os fãs de Putin, por mais arestas que tenham entre si, cultivam o mesmo ódio apaixonado e selvagem contra o que a civilização nos legou de melhor: o pensamento crítico, a liberdade em feitio de fraternidade e o primado da verdade de fato, também conhecida como verdade factual.

Eis por que estes brucutus que não sabem a diferença entre Crimeia e cremalheira se excitam diante das atrocidades milimetricamente calculadas pelo artífice da invasão armada da Ucrânia, que já matou aproximadamente 500 civis e já provocou a fuga de 2 milhões de pessoas. Putin angaria os fãs que tem – amuados ou ruidosos – não apesar de assassinar inocentes, mas justamente por não ter hesitação em dizimar quem quer que seja. Seu poder de atração não vem de um cálculo estratégico frio, mas do arrojo tanático, do manejo inescrupuloso do terror, da ausência de princípios e da desumanidade.

Agora, o ditador deflagrou uma guerra mundial contra a verdade de fato e contra a imprensa. Na sexta-feira, 4 de março, a Duma (o Parlamento russo), manietada por ele, aprovou uma lei proibindo o uso de palavras como “guerra” ou “invasão” para descrever os ataques russos contra a Ucrânia. Conforme estabelece a nova legislação, a guerra deve ser chamada de “operação militar especial”. Twitter e Facebook foram bloqueados. Os sites da BBC, da Voz da América e da Rádio Free Europe, interditados. O acesso à Deutsche Welle foi limitado. Ameaçadas, agências internacionais suspenderam ou reduziram as atividades no país. A guerra mundial contra a verdade dos fatos faz vítimas no mundo todo.

No lugar dos fatos, entram em cena as mentiras oficiais. Segundo a semântica do Kremlin, a “operação militar especial” foi deflagrada para libertar o povo ucraniano do “neonazismo”, e ninguém pode falar contra. Desde o dia 24 de fevereiro, estima-se que mais de 13 mil pessoas foram presas em protestos contra a guerra. Somente no domingo, dia 6 de março, as autoridades prenderam 4,3 mil manifestantes em Moscou e outras cidades, segundo números da ONG OVD-INFO.

Putin sabe que seu triunfo, cada vez mais incerto, depende de um nível planetário de desinformação industrializada e profunda. Seus apoiadores, velados ou descarados, sabem que estão no mesmo barco: se a verdade factual prevalecer, estão perdidos. Passa por aí a identidade dos estranhos que o admiram e a ele juram “solidariedade”. São “solidários” no repúdio às liberdades e aos direitos, são “solidários” na indústria internacional das fake news. Não é por ignorância que aplaudem o novo senhor da guerra – é por ódio.

*Jornalista, é professor da ECA-USP

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-guerra-mundial-contra-os-fatos,70004003298


Míriam Leitão: A Câmara deu um tapa na cara do país ao aprovar urgência do tema que tem que ser debatido

Míriam Leitão / O Globo

A Câmara deu um tapa na cara do país com a aprovação da urgência do PL 191. Foi exatamente no dia do Ato da Terra. E não pense o leitor que isso é coisa de artista e de ONGs. O projeto de mineração em terra indígena interessa a meia dúzia de mineradoras e aos garimpeiros e eles não estão atrás de potássio, e sim de ouro e outros metais nobres. O risco para o país é gigante.

Tenho conversado com especialistas de diversas áreas, tanto de agricultura, quanto de mineração e de proteção ambiental. Eles são unânimes. Não é necessário invadir Terra Indígena para aumentar a produção de potássio no Brasil. Pelo contrário, as ocorrências não são lá. São predominantemente em Sergipe, Minas, Amazonas, em terras fora das TIs. Na Amazônia inclusive é antieconômica, porque as minas estão em grande profundidade e perto da calha dos grandes rios. A exploração é de alto custo e além disso há riscos de inundação da mina. É por isso que a Petrobras tem há tanto tempo direitos de lavra e não levou os projetos adiante. E por isso que a Vale também não está lá.

Conversei com João Paulo Capobianco da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e ele disse que os empresários do agronegócio, que estão na Coalizão, acham que esse projeto pode provocar ainda mais barreiras aos nossos produtos, porque o desmatamento e a questão indígena são supersensíveis.

Dois terços das reservas brasileiras estão fora da Amazônia. A Agência Nacional de Mineração tem quase 500 processos ativos de exploração de potássio em andamento e fora das Terras Indígenas. Dentro das TIs há uma quantidade ínfima.

Tenho conversado também com especialistas em agricultura, como Eduardo Assad, da Embrapa, e o que eles dizem é que há alternativas para reduzir a demanda por fertilizantes já desenvolvidas pela Embrapa e pelas universidades. O Brasil poderia cortar à metade a demanda por fertilizantes porque é o maior consumidor do mundo.

O governo sabe tudo isso, mas o que está acontecendo é que o presidente Bolsonaro e presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estão mentindo ao país. O problema é real, a falta de fertilizantes a curto prazo é um fato, mas a solução é falsa e ainda é perigosa. Bolsonaro em qualquer crise vende uma falsa solução que tem muitos efeitos colaterais. É a síndrome cloroquina, como tenho dito aqui.

O PL 191 atende a uma minoria de mineradoras, garimpeiros e maus empresários do agronegócio. A voz que se ouviu através de Caetano Veloso e outros artistas é que representa o interesse real do país.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/camara-deu-um-tapa-na-cara-do-pais-ao-aprovar-urgencia-do-tema-que-tem-que-ser-debatido.html


William Waack: “Bênção” e “maldição”

William Waack / O Estado de S.Paulo

O Brasil não é parte em qualquer conflito internacional agudo de cunho geopolítico, religioso, étnico ou mesmo comercial. Não ameaçamos nem somos ameaçados por nossos vizinhos. Não temos querelas ou questões graves com ninguém lá fora. É uma “benção” mas também uma “maldição”.

Ao conforto dessa realidade corresponde uma grande dificuldade da sociedade brasileira de se preocupar com problemas de segurança internacional e defesa nacional. Quando surgem no debate político eleitoral, questões de política externa ou defesa são de curtíssimo prazo e de cunho estritamente partidário-ideológico.

O Brasil já foi descrito como uma grande ilha de costas para o mar, dada nossa condição geográfica (em termos geopolíticos) de relativo isolamento. Nas relações internacionais geografia é destino, mas mesmo esse destino manifesto de potência regional com muitos vizinhos parece pouco nos interessar.

Falta ao Brasil qualquer capacidade relevante de projetar poder além de suas fronteiras. Mesmo a defesa de nossos ativos estratégicos (como o pré-sal, por exemplo) depende de projetos (submarino de propulsão nuclear) que se desenvolvem sem sentido de urgência (nem de emergência). 

Fala-se com muito ímpeto sobre a defesa da “soberania da Amazônia” mas o que realmente ameaça essa inigualável riqueza não vem de fora. A maior ameaça à Amazônia é nossa própria incapacidade de fazer valer nossas leis e gerir nossas riquezas.

Mesmo o poder de uma potência regional depende de base industrial, expansão da produtividade e da atividade econômica. A indústria brasileira encolheu nas últimas 2 décadas e a produtividade está estagnada há mais tempo ainda. O agronegócio, no qual o Brasil se tornou um campeão mundial, é visto mais pelos outros (como China e Estados Unidos) como fator do jogo global geopolítico do que por nós mesmos.

A guerra na Ucrânia importa tremendamente não só pelas consequências imediatas na bomba de gasolina e no supermercado. O conflito já transformou profundamente o sistema da ordem internacional que o Brasil já teve uma vez pretensões de alterar e resistir ao que lhe pareciam restrições impostas pelas grandes potências (como acesso a tecnologias bélicas, nucleares e de exploração espacial).

O mundo que terminou agora nasceu na queda do Muro de Berlim a 9 de novembro de 1989. A grande manchete dos principais jornais brasileiros (o Estadão foi exceção) no dia seguinte foi “Silvio Santos não é candidato”. Eram as eleições que terminaram com Collor derrotando Lula.

Parabéns a Lula e Silvio, que continuam (cada um na sua) tão ativos.

*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bencao-e-maldicao,70004003567


Merval Pereira: Estado laico?

É um absurdo que um presidente da República diga a um grupo religioso que vai levar o país para onde eles quiserem. Fossem de qualquer religião, Bolsonaro não poderia assumir esse compromisso, como fez com os evangélicos. Não estamos num governo teocrático, nem num país que se submete a qualquer religião. É um absurdo duplo: campanha eleitoral e declaração pública de que o governo está à disposição de um grupo religioso em troca de votos. Um retrocesso terrível para o país.

O presidente Bolsonaro usa até mesmo ardis políticos para tentar enganar os evangélicos, quando se apresenta uma situação em que seus interesses pessoais ou políticos colidem com os deles. É o caso do projeto de aprovação do jogo no Brasil. Apesar de afirmar aos evangélicos que vai vetá-lo, o projeto é de interesse de sua família. Seu filho Flavio já esteve nos Estados Unidos para reuniões com grandes financiadores dos jogos de azar.

É um perigo, porque sabidamente, no mundo todo, o jogo é ligado à máfia. E aqui no Brasil a máfia são os milicianos, especialmente no Rio, onde os Bolsonaros fazem política há muitos anos. A ligação entre jogos de azar, milícia, máfias e aprovação no Congresso é uma mistura explosiva. Já está combinada com o presidente da Câmara, Arthur Lira, a derrubada do veto.

Não será a primeira vez. O presidente vetou em setembro de 2020 o perdão da dívida das igrejas a pedido da equipe econômica, mas sugeriu a parlamentares da bancada que derrubassem o veto. Foi o que aconteceu. O artigo que havia sido vetado por Bolsonaro concede às igrejas isenção do pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e das multas por não quitação do tributo.

Na ocasião, o Ministério da Economia, que era contra o perdão da dívida, estimou um impacto nas contas públicas da ordem de R$ 1,4 bilhão. Bolsonaro já havia amenizado, a pedido dos evangélicos, as obrigações fiscais das igrejas. O cadastro do CNPJ passou a ser obrigatório apenas para matrizes, e o piso de arrecadação para que uma igreja seja obrigada a declarar suas movimentações financeiras diárias passou de R$ 1,2 milhão para R$ 4,8 milhões.

Quando anunciou que faria mudanças na área cultural “para preservar os valores cristãos”, Bolsonaro defendeu que o novo presidente da Ancine deveria ser um evangélico que conseguisse “recitar de cor 200 versículos bíblicos, que tivesse os joelhos machucados de tanto ajoelhar e que andasse com a Bíblia debaixo do braço”. Nomeou para o Supremo Tribunal Federal (STF) um ministro “terrivelmente evangélico”, seu ex-ministro da Advocacia-Geral da União, o pastor presbiteriano André Luiz Mendonça.

Rui Barbosa promoveu, desde o governo provisório (Decreto 119-A, de 7/01/1890), a separação de Igreja e Estado e a laicidade do Estado, consagrada na Constituição de 1891 e nas Constituições subsequentes. Como diz o ex-chanceler brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras Celso Lafer, a partir daí implantou-se uma nítida distinção entre as instituições, motivações e autoridades religiosas e as instituições estatais e autoridades políticas, “de tal forma que não haja predomínio de religião sobre a política”.

A laicidade significa que “o Estado se dessolidariza e se afasta de toda e qualquer religião, em função de um muro de separação entre Estado e Igreja, na linha da Primeira Emenda da Constituição norte-americana”. Num Estado laico como Rui Barbosa institucionalizou no Brasil, esclarece Lafer, “as normas religiosas das diversas confissões são conselhos e orientações dirigidas aos fiéis, e não comandos para toda a sociedade”.

Quando ainda se falava na possibilidade de nomeação de um ministro do STF “terrivelmente evangélico”, Lafer destacava que a contribuição de Rui para a consolidação e para a vigência do espaço público e das instituições democráticas em nosso país é da maior atualidade, pois “contém o muito presente risco do indevido transbordamento da religião para o espaço público”.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/estado-laico.html


Em derrota para o governo, comissão do Senado adia análise de projeto que flexibiliza acesso a armas

Julia Lindner / O Globo

BRASÍLIA — Em derrota ao governo Jair Bolsonaro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado adiou novamente a deliberação sobre o projeto de lei que altera o Estatuto do Desarmamento. A proposta flexibiliza o acesso a armas de fogo a caçadores, colecionadores e atiradores desportivos – os chamados CACs.

Em alteração feita pelo relator, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), foram ampliadas as categorias autorizadas a ter o porte de armas para membros do Congresso, defensores públicos, agentes de segurança, policiais de assembleias legislativas, peritos criminais, agentes de trânsito, auditores e advogados públicos.

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As modificações foram questionadas por membros da oposição, que passaram a exigir um novo prazo para a apreciação da matéria, alegando se tratar de um novo parecer. Há duas semanas, a votação da primeira versão do texto também foi adiada para cumprir esse prazo regimental.

Mesmo com atuação em peso de governistas, que estavam empenhados em fazer com que a votação ocorresse ainda hoje, o pedido de vista (mais tempo para análise) foi aprovado pela CCJ por 15 votos a 11. O pleito pelo adiamento foi solicitado pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), líder da bancada feminina.

A articulação para acelerar a tramitação contou com a coordenação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que, conforme mostrou o GLOBO, atua como um líder informal do governo no Congresso. O Palácio do Planalto está sem representante formal no Senado desde o final do ano passado, com a saída de Fernando Bezerra (MDB-PE).

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Os vice-líderes do governo, Carlos Viana (MDB-MG) e Jorginho Mello (PL-SC) também estavam presentes. A todo momento eles se mostravam otimistas com o resultado e defendiam que o assunto fosse decidido no voto.

— Não adianta querer fazer acordo. A ideia é sempre protelar mesmo. Então, já que acabou o acordo, a minha sugestão é que volte a ser o projeto original, com tudo que tem direito, sem as concessões, e vamos para o voto — disse Flávio Bolsonaro.

E acrescentou, sobre o pedido de vista:

— Coloca o recurso da Senadora Eliziane para votar, se for vencedora a senadora Eliziane, será concedida vista; se não for, a gente vai votar o relatório de uma vez por todas. Está sendo adiada há anos essa votação.

— Vamos para o voto. Votamos. Até a questão do pedido de vista, vamos votar. Essa é a decisão. Agora, adiar ainda mais é deixar milhões de brasileiros que confiam neste Parlamento sem uma resposta devida, porque é a nossa função aqui dizer com clareza que eles podem permanecer dentro da lei — reforçou Luiz do Carmo (MDB-GO).

Na ausência do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), quem presidiu a sessão foi o vice, Lucas Barreto (PSD-AP). Ele era favorável à tese dos governistas e defendia que a votação ocorresse ainda nesta quarta-feira.

Conforme mostrou a coluna de Malu Gaspar, Barreto é, ele próprio, um atirador. À equipe da coluna, ele confirmou ter 3 espingardas e um rifle. Nas duas ocasiões em que ele disputou o governo do Amapá, circulou na internet um vídeo gravado em 2007 em que aparece em um safári na África, abatendo antílopes e exibindo as munições utilizadas.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/em-derrota-para-governo-comissao-do-senado-adia-analise-de-projeto-que-flexibiliza-acesso-armas-25425287


Governo Bolsonaro ignora Ato pela Terra e aprova tramitação do PL 191

Cristina Ávila / Amazônia Real

Brasília (DF) – O rolo compressor do governo Bolsonaro passou por cima da opinião pública e aprovou, nesta quarta-feira (9), que o Projeto de Lei 191, que liberará a mineração em terras indígenas, passe a tramitar em regime de urgência no Congresso. O presidente da Câmara, o agropecuarista Arthur Lira (Progressistas-AL), costurou as condições para a votação do requerimento do deputado federal Ricardo Barros (Progressistas-PR), líder do governo, enquanto o cantor Caetano Veloso, acompanhado de dezenas de artistas e lideranças da sociedade civil, liderava o Ato pela Terra no gramado da Esplanada dos Ministérios. Em votação chamada de “covarde” por parlamentares da oposição, a Câmara Federal aprovou, às 21h46, a urgência da tramitação do PL 191 poucos minutos após o encerramento do ato. O 1º vice-presidente Marcelo  Ramos (PSD-AM) anunciou a aprovação do requerimento por 279 votos favoráveis, 180 contra e 3 abstenções. 

Em visita ao Congresso, Caetano Veloso discursou e pediu ao Poder Legislativo “responsabilidade de impedir mudanças legislativas irreversíveis” contra os projetos de lei que mudam a política ambiental no Brasil. “O desmatamento na Amazônia saiu do controle. A violência contra indígenas e outros povos tradicionais aumentou. (…) Uma série de projetos de lei ora em pauta no Congresso Nacional podem tornar a situação ainda mais grave. Se aprovadas, podem permitir o desmatamento, o garimpo em terras indígenas e desproteger a floresta contra a grilagem”, alertou Caetano Veloso, que afirma ter sido escolhido como porta-voz do ato por ser o organizador mais velho.

O Ato pela Terra começou pontualmente às 15 horas, quando representantes de movimentos sociais de negros e negras, quilombolas, indígenas e centrais sindicais começaram a subir no carro de som, que serviu de palco. Mas minutos antes já circulava no Legislativo a notícia de que o líder do governo havia conseguido as assinaturas necessárias para votar o requerimento de urgência para o PL 191/2020.

Cerca de 30 minutos depois de Caetano subir ao palco, e enquanto ele ainda cantava, terminava a reunião de líderes na Câmara com a perspectiva de que o PL 191 fosse votado ainda na quarta-feira. No plenário, Arthur Lira anunciou a criação de um grupo de trabalho por 30 dias com a composição de 20 parlamentares, 13 da base de governo e 7 da oposição. Antes da aprovação do requerimento de urgência, o líder de governo garantia que o atual texto do PL 191 será “descartado” e o GT ficará encarregado de elaborar uma nova versão para a lei. De acordo com Lira, a proposta de um novo texto será analisada em abril, conforme acordo entre líderes da base do governo e da oposição, mas já nesta sexta-feira (11) será formada a composição do GT.

A decisão da presidência da Câmara revoltou o público e artistas, que participavam do Ato pela Terra, e também os parlamentares da oposição, que não se contiveram. Ainda durante a sessão deliberativa para o Programa Nacional para Pessoas com Câncer de Mama (PL 4171/21), tema amplamente defendido pelos congressistas, os deputados federais iniciaram as críticas.

“Objetivamente a liberação vai levar à tomada das terras dos povos originários, e isso é uma guerra que já acontece todos os dias. A votação da urgência hoje é inoportuna e vai parecer provocação a esse grande ato de hoje”, disse Alice Portugal (PC do B-BA). Sua colega da oposição, Erika Kokay (PT-DF), acrescentou: “Nenhuma guerra pode servir para que se destrua a Constituição ou os direitos dos povos originários. Numa guerra temos que proteger a população. O que se faz aqui? Foi publicado um estudo que a maior parte das minas de potássio não está em terras indígenas. Então não me venham com mentiras. Esse projeto é uma violência contra a Constituição e os povos indígenas.”

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“Espetáculo de cinismo”

O presidente Jair Bolsonaro (PL) apelou para a guerra da Rússia contra a Ucrânia como forma de acelerar a tramitação do PL 191, de autoria do próprio Executivo. No falacioso argumento, o Brasil enfrentará dificuldades se não permitir a mineração em terras indígenas, uma vez que se refere à presença do mineral no rio Madeira. O País importa da Rússia cerca de 20% do potássio necessário para a fabricação de fertilizantes. Porém, a maior parte não se encontra nas terras indígenas.

“É um espetáculo de cinismo votar esse projeto dos fertilizantes (PL 191). É fazer coisa inconstitucional para garantir fertilizantes por causa da crise russa. O Brasil tem potássio para cem anos, mas só 10% estão em terras demarcadas. O que eles querem é invadir as terras indígenas. O agronegócio troglodita quer avançar sobre as terras indígenas”, disse Ivan Valente (PSol-SP).

A deputada indígena Joenia Wapichana (Rede-RR) também criticou o rolo compressor do governo Bolsonaro, lembrando que as principais minas de potássio estão localizadas em São Paulo e em Minas Gerais, e não na Amazônia. “O mercado financeiro já se manifestou que está até contra o PL 191, porque vai bloquear recursos para o País. É ele (o PL 191) quem vai resolver o problema dos fertilizantes? Não. Ele vai levar a morte. Não é às custas de vidas indígenas que vamos resolver essa situação”, protestou.

Do lado do governo, deputados usaram o mesmo argumento do presidente Bolsonaro para defender a urgência do PL 191, isto é, que a guerra da Rússia contra a Ucrânia prejudicará o fornecimento de fertilizantes. Mas quem deixou claro o particular interesse do governo foi o líder Ricardo Barros: “Mineração em terra indígena estava na plataforma de governo do candidato Bolsonaro”. Procurando se colocar como um legalista (“posso assegurar que estamos apenas com 30 anos de atraso regulamentando a Constituição brasileira”), o líder governista garantiu que considera “horrorosas as cenas de rios da Amazônia que são explorados por garimpeiros ilegais”, deixando claro que o objetivo é abrir espaço para a exploração de grandes mineradoras na Amazônia. 

Mobilização civil

Imagem do palco para o Ato pela Terra
Caminhão de som serviu de palco para o Ato pela Terra, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (Foto: Mídia Ninja)

Milhares de pessoas participaram do ato na Esplanada dos Ministérios. Em clima festivo, mas também combativo, os artistas faziam suas apresentações e passavam alguns recados do sentido do evento em Brasília. “Até a última gota de sangue eu vou lutar por um país decente”, protestou o cantor Emicida, antes de iniciar sua apresentação, já na noite de quarta. Artistas como Baco Exu do Blues, Criolo, Lázaro Ramos, Nando Reis, Leona Cavalli e Christiane Torloni também participaram. Muitos puxaram um “Fora Bolsonaro”, como a cantora Daniela Mercury e as atrizes Cissa Guimarães e Zezé Polessa. O Ato pela Terra foi idealizado por Caetano Veloso e pela esposa, Paula Lavigne, que convidaram os artistas e as organizações sociais para o protesto.

Por volta das 21h20, já perto do fim do ato, Caetano Veloso cantou a música Um Índio, ao lado de lideranças indígenas como Célia Xabriaba e Txai Suruí. Sonia Guajarara, coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), sintetizou o sentido da manifestação: “Estão virando as costas para o nosso Ato pela Terra, estão virando as costas para a vida, para o meio ambiente. Mas estamos aqui com Caetano e todos os artistas que tiveram coragem para juntos dizer que vamos continuar lutando, que vamos continuar na resistência, porque nós somos a luta, nós somos os povos originários, e estamos aqui que nossa luta é pela vida”, disse  Em seguida, Caetano cantou a música Terra

De tarde, o cantor já havia cantado essa música no fim de um encontro com o presidente da Senado, Rodrigo Pacheco (PSD). Momentos antes, ele e um grupo de mais de 20 artistas se reuniu no gabinete da ministra do Supremo Tribunal Federal Cármen Lúcia e contou com a presença dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. 

Pacote de destruição

Deputados aprovam tramitação do PL 191
Deputados aprovam tramitação do PL 191 (Foto: Agência Câmara)

Pela manhã, o pacote de maldades expressas em leis anti-ambientais que tramitam no Legislativo entrou na pauta de debates da Comissão de Meio Ambiente do Senado. Aproveitando da manifestação que ocorreria de tarde, a comissão  recebeu convidados como a indígena Txai Suruí e as atrizes e ativistas ambientais Leticia Sabatella e Maria Paula. 

A audiência pública foi provocada pelo senador Fabiano Contarato (PT/SP), que Bolsonaro deseja acabar com o Ministério do Meio Ambiente ainda antes de assumir o mandato. “Não conseguiu na lei, mas está acabando na prática. Acabou com a Secretaria de Mudanças Climáticas, com o plano de combate ao desmatamento e queimadas nos biomas, com o departamento de educação ambiental, criminaliza as organizações sociais, boicota a participação da sociedade nas decisões sobre políticas públicas, já autorizou a liberação de 1.200 agrotóxicos. Uma tragédia anunciada”. 

“Não podemos continuar apenas reativos. Precisamos ser proativos”, exclamou o senador petista, citando os principais projetos de lei considerados “genocidas” que tramitam no Congresso, como o PL 2159/2021, que flexibiliza o licenciamento ambiental, o PL 2633/2020 e o PL 510/2021, que incentivam a grilagem de áreas públicas, e o PL 6.299/2022, mais conhecido como “PL do Veneno” e que revoga a atual Lei de Agrotóxicos. “O governo arma grileiros e incentiva a usurpação de terras.” Contarato ainda citou o marco temporal (PL 490/2007), defendido por ruralistas que pretende espoliar terras indígenas para o agronegócio, estabelecendo a data da promulgação da Constituição como limite ao direito de ocupação. 

“Vivemos uma guerra”

Indígenas participam do Ato pela Terra
Indígenas participam do Ato pela Terra na Esplanada dos Ministérios em Brasília (Foto: Mídia Ninja)

A audiência pública no Senado teve a participação de Txai Suruí, ativista que foi destaque na COP26 em Glasgow no ano passado e por isso se transformou em alvo de mensagens de ódios e ameaças de bolsonaristas. “Vivemos uma guerra. Quando serão retirados os 20 mil garimpeiros que estão no território Yanomami, as 6 mil cabeças de gado que estão na terra Uru-Eu-Wau-Wau e os garimpeiros que estão na minha terra, Sete de Setembro, em Rondônia?”, questionou. Ela enfatizou as contaminações por mercúrio na exploração de garimpos no país e as ameaças de morte enfrentadas pelos povos que resistem na manutenção de seus direitos constitucionais. “Esses projetos que tramitam no Congresso têm como objetivo beneficiar os criminosos ambientais.”

A síntese dos projetos que podem levar à destruição da Amazônia e de outros biomas que tramitam no Legislativo foi refletida na voz de um dos ambientalistas mais atuantes do país, João Paulo Capobianco, vice-presidente do Instituto Democracia e Sustentabilidade e ex-secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente. Usando números do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), ele denunciou  à Comissão de Meio Ambiente a destruição da Amazônia, que já chega a nível de risco irreversível, impulsionado pelo governo Bolsonaro.  

Capobianco enfatizou que quase 30% dos imóveis registrados no Cadastro Rural Ambiental (CAR) são ilegais e usados como ferramenta para a grilagem de terras públicas. O cadastro foi criado em 2012 para garantir a conservação de reservas legais e áreas de proteção ambiental e faz parte do Código Florestal. Tem informações em tempo real por meio de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ele afirmou que até abril de 2021 apenas 2% dos polígonos de desmatamento identificados pelo Deter (o Sistema de Detecção de Desmatamentos em Tempo Real) nos biomas brasileiros e 5% da área total desmatada e identificada entre 2019 e 2021 haviam sido embargados ou foram autuados pelo Ibama.

Ato pela Terra em Brasília (Foto: Mídia Ninja)

*Cristina Ávila fez comunicação na PUCRS e iniciou o jornalismo em pequenos diários de Porto Velho, em Rondônia, onde foi atraída por coberturas sobre meio ambiente, questões indígenas e movimentos sociais. Por mais de duas décadas trabalhou em redações de jornais, especialmente no Correio Braziliense. Em Brasília, entre 2009 e 2015 trabalhou no Ministério do Meio Ambiente, responsável por assuntos como mudanças climáticas e políticas públicas relacionadas a desmatamento. Nesse período teve oportunidade de prestar algumas consultorias ao PNUD. Atualmente atua na imprensa alternativa.

Fonte: Amazônia Real
https://amazoniareal.com.br/bolsonaro-ignora-ato-pela-terra/


Juristas discutem alterações na Lei do Impeachment; veja o que pode mudar

Adriana Ferraz e Gustavo Queiroz / O Estado de S.Paulo

Desde que assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro já foi alvo de 143 pedidos de impeachment. Mais de 1,5 mil pessoas e 500 entidades subscreveram o conjunto de requerimentos, o que, segundo juristas, revela a necessidade de se rever as condições estabelecidas hoje para o afastamento de presidentes da República. E por um motivo principal: é preciso deixar claro qual o papel do presidente da Câmara dos Deputados no processo. Em três anos, só sete pedidos foram analisados e descartados.

Vigente desde 1950, a atual lei é, desde meados de fevereiro, objeto de uma comissão de estudos formada por juristas e criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o objetivo de atualizá-la. O grupo tem 11 integrantes e é comandado pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi ele quem presidiu a sessão que determinou o impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016.

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Ao instituir a comissão, Pacheco afirmou que a revisão deve ser completa. “Os problemas da lei já foram apontados em diversas ocasiões pela doutrina e jurisprudência como fonte de instabilidade institucional, demandando sua completa revisão”, disse. Mas há divergências. As classes jurídica e política concordam que é preciso rever aspectos da lei, mas não sua totalidade. 

Redator do “superpedido” de impeachment de Bolsonaro apresentado em junho do ano passado, o advogado Mauro Menezes defende uma mudança “cirúrgica”, que abarque apenas os temas mais relevantes. “Não estamos num momento constituinte. Temos de tentar melhorar a lei diante de situações que geram perplexidade, quando o sistema é bloqueado, por exemplo”, afirmou Menezes, que é ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência.

O advogado sustenta que deve ser mantido o poder nas mãos do presidente da Câmara, como já define a lei. “Mas o texto pode ser mais explícito ao mostrar que o ato de recebimento da denúncia deve atender a um paradigma formal. Tem de haver um prazo, no mínimo, para que ele se manifeste”, disse. “Hoje, os pedidos são engavetados simplesmente, sem uma avaliação prévia.”

Plenário

A jurista e ex-procuradora da República Deborah Duprat observou que a Constituição de 1988 mantém as condições da Lei do Impeachment e que cabe ao plenário da Câmara decidir sobre a admissibilidade da acusação recebida. “A Constituição não reserva nenhum papel ao presidente da Câmara. Ela diz que quem faz essa análise é o plenário, não uma figura singular. É absurdo imaginar que tenha tantas denúncias, inclusive vindas de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI da Covid) contra o presidente da República, e isso possa se concentrar em uma única pessoa. É uma disfuncionalidade.”

O que se perpetuou como regra – a decisão exclusiva de o presidente da Câmara decidir sobre os pedidos de impeachment – é resultado da interpretação do regimento interno da Casa, que paralisa o processo enquanto o responsável não se manifesta. Desde 2019, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) recebeu 97 pedidos de impeachment de Bolsonaro, e o atual, Arthur Lira (Progressistas-AL), outros 77 (veja infográfico). Nenhum deles foi aceito.

Para o professor associado da Faculdade de Direito da USP Rafael Mafei, autor do livro Como remover um presidente, a prioridade deve ser acabar com os superpoderes do presidente da Câmara. “É preciso colocar regras no papel para que haja alguma possibilidade de que uma minoria minimamente qualificada exija uma manifestação do presidente. Me parece um contrassenso que, para combater uma autoridade potencialmente abusiva, você dependa de uma outra que possa abusar de seus próprios poderes”, afirmou.

Mafei disse que o segundo ponto mais importante a ser debatido se refere à estrutura dos recursos dentro do Legislativo. Segundo o professor, a lei deve trazer, em detalhes, se é possível recorrer em caso de arquivamento do pedido e quem poderia fazer isso.

Ex-ministro da Justiça e advogado de Dilma durante o processo que culminou em seu afastamento, José Eduardo Cardozo concordou que é preciso delimitar melhor os prazos de recursos. “Discricionariedade é sempre um perigo”, disse Cardozo.

Para ele, “vaga uma incerteza” em torno do impeachment que não se coaduna com a dimensão e a relevância do processo. “Tem um constitucionalista estadunidense (Richard A. Posner), que diz que o impeachment é um terremoto político. Essa expressão é importante para verificar que tem que ser tratado com solenidade, com rigor, com precisão. É necessária uma lei que recomponha esse instituto no lugar devido.” 

A Constituição de 1988 “abraçou” a Lei do Impeachment, mas pouco procurou adequá-la aos novos parâmetros. Por isso, alguns pontos precisaram ser elucidados posteriormente pelo Supremo. Cardozo citou, por exemplo, a questão da inelegibilidade. 

No entendimento do Supremo, a perda dos direitos políticos em caso de afastamento não é automática. Foi o que ocorreu com Dilma, que sofreu o impeachment, mas não foi considerada inelegível. Já Fernando Collor de Mello, em 1992, teve os direitos políticos cassados mesmo tendo renunciado. “Essa revisão da lei pode precisar esse ponto.”

Crimes

Há uma série de outros pontos que carecem de revisão, segundo analistas ouvidos pelo Estadão. Há quem defenda uma ampliação do rol de crimes hoje considerados de responsabilidade e, portanto, passíveis de serem analisados em um processo de afastamento. O doutor em Direito Constitucional Lucas Paulino disse que é preciso preparar uma estrutura legal capaz de impedir arroubos antidemocráticos. 

“O presidente pode, por exemplo, disseminar fake news contra o Poder Judiciário? Será que não vale a pena criminalizar esse tipo de conduta de forma mais explícita? Hoje, essa prática pode até ser enquadrada no dispositivo que fala sobre proceder de modo incompatível com o decoro. Mas esse dispositivo é muito genérico”, afirmou.

Paulino acredita que a comissão deve aproveitar a oportunidade para prever novas condutas de posturas de presidentes da República que ameacem a democracia, o Poder Legislativo, o Poder Judiciário, a imprensa e a sociedade civil. “O impeachment tem uma vocação de ser um instrumento de reação de democracia militante. Isso quer dizer que é um instrumento de direito constitucional disciplinar para punir o presidente que ameaça a Constituição, a democracia e o estado de direito.”

Ex-juíza do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Ana Blasi levantou outra questão: como reduzir o uso político do impeachment. Segundo a advogada, crimes de responsabilidade deveriam se basear em um rol que fosse taxativo, e não exemplificativo.

Estados

Ana defendeu a vice-governadora de Santa Catarina, Daniela Reinehr (PL), nos dois processos de impeachment movidos contra o governador Carlos Moisés (sem partido), em 2020 e 2021. Ambas as tentativas não obtiveram sucesso em Santa Catarina, mas, após décadas de intervalo, o Brasil afastou oficialmente um governador, no ano passado: Wilson Witzel (PSC), eleito em 2018 para comandar o Rio. Ele foi o segundo a sofrer impeachment no País – Muniz Falcão, de Alagoas, perdeu o mandato em 1957 em ação que foi marcada por um tiroteio dentro da Assembleia Legislativa do Estado. 

Witzel caiu por desvios na utilização de recursos públicos durante a pandemia de covid-19. Denúncia semelhante também ameaçou a permanência do governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), e colocou sob pressão quem exercia o cargo de prefeito, como Marcelo Crivella (Republicanos), no Rio, e Nelson Marchezan (PSDB), em Porto Alegre. 

Outros casos

A revisão da lei, agora, pode abarcar mudanças também em relação a governadores e prefeitos, assim como ministros do Supremo. Entre 2021 e 2022, um total de 25 pedidos contra magistrados da Corte foram apresentados ao presidente do Senado – neste caso, é dele o poder de abrir ou não o processo. Com exceção do pedido feito pelo presidente Jair Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, negado por Pacheco em agosto do ano passado, nenhum outro foi analisado.

A utilização mais frequente do instrumento, desde de o início da pandemia, expôs a necessidade de se definir melhor os sujeitos ativos no processo, segundo a ex-juíza Ana Blasi, “a fim de se evitar que um vice ou um ministro sejam arrastados para uma denúncia sem nunca terem praticado um ato de responsabilidade ou assumido o cargo em questão”. 

Em ano de eleições, Ana questionou ainda se um chefe do Executivo reeleito pode ser julgado por atos cometidos em sua primeira gestão no cargo. “A reeleição foi trazida depois da Constituição e a Lei do Impeachment não deixa claro se aqueles atos praticados no primeiro mandato teriam consequências no segundo.”

‘Problema não está na lei, está no sistema’, afirma Arthur Lira

Alvo de questionamentos por não colocar em análise nenhum dos 77 pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro protocolados em sua gestão na Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) afirmou ao Estadão que “o problema não está na lei, está no sistema”. Para o deputado, o que define se um processo de impeachment caminha é sempre a política e não falhas na legislação.

“Como (os ex-presidentes) Lula e Fernando Henrique Cardoso, o Bolsonaro tem sustentação no Congresso”, disse Lira. “Quando não há conjugação de fatores políticos e sociais não há impeachment.”

Na avaliação do deputado, a criação da comissão pelo Senado é “inadequada”. Ele também se diz contra a criação de um prazo para o presidente da Câmara avaliar as denúncias. “Você pode entrar com um pedido, teu vizinho pode entrar com outro, qualquer um no Brasil pode entrar com um pedido de impeachment. A Câmara vai ficar fazendo só isso o tempo todo.” 

Lira diz que vai propor a retomada da discussão sobre o semipresidencialismo, modelo que defende. “Com isso, essa questão do impeachment perde até o efeito. Fica uma coisa obsoleta.

Principais pontos que devem ser reavaliados

  • Rol de crimes: A lista de crimes de responsabilidade que incidem sobre o presidente da República precisa ser mais específica, na avaliação de alguns juristas, e não exemplificativa, o que abre brecha para diferentes interpretações.
  • Dolo: Também se discute a criação de divisões na tipificação do ato criminoso, como ocorreu na nova Lei de Improbidade. Nesse caso, o dolo poderia ser interpretado como “eventual”, ou seja, sem intenção, o que resultaria em uma sanção mais branda. 
  • Admissibilidade: É quase consenso que a decisão sobre aceitar ou não um pedido de impeachment não pode caber apenas ao presidente da Câmara dos Deputados e que deve haver um prazo para uma resposta sobre a sua admissibilidade.
  • Recursos: Juristas concordam que a lei precisa detalhar melhor quais as possibilidades de recurso contra decisões de arquivamento de uma denúncia ou de pedidos feitos pela defesa já no andamento do processo. A intenção é retirar os superpoderes concentrados nos presidentes da Câmara e do Senado.
  • Direitos políticos: Não está claro que a cassação dos direitos políticos deve ser um ato automático em caso de afastamento. É por isso que tanto Fernando Collor como Dilma Rousseff foram julgados especificamente sobre esse ponto pelo Senado e em função de uma decisão do Supremo. Juristas discutem se a lei pode determinar uma regra.
  • Supremo: Assim como ocorre na Câmara no caso de pedido de impeachment contra o presidente da República, cabe exclusivamente ao presidente do Senado resolver sobre a admissibilidade de ações contra um ministro do STF. Há quem defenda que a reforma da lei amplie o leque de responsáveis neste caso e estipule prazos.
  • Reeleição: Dúvidas sobre a continuidade dos crimes em um segundo mandato também podem ser debatidas pela comissão na revisão da lei. 

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,juristas-mudancas-lei-do-impeachment,70004003706


Orçamento secreto: Sistema pode manter sob sigilo autor de emendas de relator

Julia Lindner e Patrik Camporez / O Globo

BRASÍLIA — A Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso definiu nesta quarta-feira que não será obrigatório divulgar todos os nomes dos parlamentares beneficiados com emendas de relator, que deram origem ao escândalo do orçamento secreto. Caberá aos deputados e senadores decidirem se informam ou não se são os autores da destinação da verba para os seus estados.

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Pelo sistema adotado, será possível que as indicações de recursos fiquem registradas sob responsabilidade do relator-geral do Orçamento do respectivo ano ou de outras entidades, e não necessariamente em nome dos parlamentares.

Além dos congressistas, o novo sistema também permitirá o registro de pleitos feitos por governadores, instituições privadas e cidadãos comuns. No fim do ano passado, o Congresso aprovou projeto de resolução que instituiu as novas regras.

Em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que exigiu mais transparência no processo, deputados e senadores definiram nesta quarta-feira que será adotado um sistema eletrônico para o recebimento das indicações de despesas feitas pelo relator-geral do Orçamento em 2022, classificadas como RP9. Até então, não havia controle dos autores dos pedidos.

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— Aquelas emendas que serão atendidas de entidade, ou seja, de ente, município A, B ou C... Se a proposta for atendida, vai constar 'atendida pelo relator'. E lá vai gerar um número também do parlamentar que indicou, mas no desejo da pessoa que queira indicar. No desejo da pessoa que queira indicar. Esse campo  não tem incidência obrigatória — explicou o relator-geral do Orçamento deste ano, Hugo Leal (PSD-RJ). 

Leal explicou que as solicitações serão atendidas individualmente e cada uma delas irá gerar o respectivo número no sistema, referente ao autor do pedido. Haverá, ainda, um status para os pleitos, dividido entre rejeitadas, acolhidas e indicadas (quando vai para indicação de um ministério).

O novo sistema está acessível a deputados e senadores na próxima semana. Também será possível acessá-lo, a partir de abril, por qualquer pessoa cadastrada no e-Gov, aplicativo do governo federal.

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A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) criticou o fato de que será facultado aos parlamentares a inclusão dos apoiamentos às indicações ao relator-geral.

— Isso tem de ser obrigatório, não tem que ser facultativo, põe quem quer. Isso, para mim, mostra que o orçamento está capturado por forças estranhas. Mostra que não há transparência. Estamos falando de dinheiro público e tem que ter transparência de cada centavo. Continua parecendo um eterno balcão de negócios. Acho que tem que ser obrigatório, sim. Estamos falando de emenda parlamentar. É um campo obrigatório — declarou.

Em reposta, Leal afirmou que há um "critério parlamentar" para as indicações, assim como o governo possui seus próprios critérios para a destinação de recursos pelos ministérios.

— Temos um critério aqui, é um critério do Parlamento. Como o governo define os critérios dele? O critério é qual, é político? Aqui também tem um critério, o critério é político, e obviamente ele vai guardar as proporcionalidades, as diferenças regionais, sociais, porque aqui têm todos os segmentos da sociedade.

Em seguida, ele acrescentou:

— Talvez, é essa transparência que faltou em 2021, 2020, que seja, estamos aqui fazendo a avaliação disso, seja essa oportunidade que teremos agora. E os dados mostrarão que essas emendas chegarão onde devem chegar e serão executadas onde devem ser executadas. Por isso acho que é um aprendizado.

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O senador Marcelo Castro (MDB-PI), vice-líder do MDB no Senado, demostrou preocupação com o fato de as emendas de relator-geral dos orçamentos de 2020 e 2021 não terem sido divulgadas. Por meio de um Ato Conjunto, as mesas da Câmara e do Senado se comprometeram a dar publicidade às chamadas emendas RP-9 dos dois últimos anos.

Em novembro de 2021, uma decisão liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu as emendas de relator-geral e solicitou que o Congresso e o Governo Federal tornassem transparente essa modalidade de despesa.

— Até agora, os dados solicitados pelo STF não foram apresentados nem pelo poder legislativo, nem pelo poder executivo. Eu temo que, no julgamento do mérito da decisão liminar, a ministra Rosa Weber questione o não cumprimento do que foi acordado, colocando novamente em risco a execução das emendas — disse Castro.

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ESPECIALISTAS CRITICAM DECISÃO

A gerente de projetos da Transparência Brasil e coordenadora do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Marina Atoji, criticou da Comissão.

– Basicamente, é uma solução para ‘inglês ver’. O STF determinou a total transparência e isso que estão fazendo definitivamente não é um cumprimento da decisão. Vão manter a falta de transparência. É um absurdo – diz.

Ainda segundo Marina, a decisão pela continuidade do sigilo impede que o cidadão possa cobrar do parlamentar a boa aplicação dos recursos públicos por ele destinado aos municípios.

– O cidadão e a sociedade civil não conseguem fazer o caminho completo da verba. E tem uma dificuldade de saber quando e como o dinheiro chega na ponta e como ele vai ser usado – completa.

Mestre em Gestão Pública pela Universidade de York, Bruno Brandão, integrante da Transparência Internacional no Brasil, faz coro:  –No momento em que o país mais precisaria de transparência para garantir o bom uso dos recursos públicos, para compensar toda tragédia humanitária da Codiv-19, as perdas humanas e econômicas, o Congresso Nacional anda no sentido contrário. Por estabelecer uma opacidade sem precedentes na distribuição do orçamento público federal.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/orcamento-secreto-congresso-lanca-sistema-que-pode-manter-sob-sigilo-autor-de-emendas-de-relator-25426380


Ato em Brasília une milhares de vozes contra destruição ambiental

Cristiane Noberto e Taísa Medeiros / Correio Braziliense

Artistas e ativistas foram, ontem, ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF) protestar contra cinco projetos, em tramitação no Parlamento, que modificam leis ambientais e impactam, também, povos indígenas. A mobilização, classificada como "Ato pela Terra contra o pacote da destruição", foi liderada pelo cantor e compositor Caetano Veloso.

A carta-manifesto entregue a políticos alerta para as propostas consideradas nocivas ao meio ambiente. O documento lista os projetos de lei sobre grilagem de terras, licenciamento ambiental, exploração de terras indígenas, agrotóxicos e marco temporal de terras indígenas.

No encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), Caetano Veloso foi incisivo: "O país vive, hoje, sua maior encruzilhada ambiental desde a redemocratização. O desmatamento na Amazônia saiu do controle, a violência contra os indígenas e outros povos tradicionais aumentou e as proteções sociais e ambientais, construídas nos últimos 40 anos, vêm sendo solapadas. Nossa credibilidade internacional está arrasada. O prejuízo é de todos nós", enfatizou, no discurso.

O ator Lázaro Ramos reiterou que as consequências ambientais da aprovação desses projetos serão sentidas por toda a população. "Aqui, foi assumido um compromisso de, ao chegar no Senado, se avaliar com qualidade, porque isso é muito sério. Esse é só o começo da conversa", disse. O artista destacou ter fé de que a mobilização surtirá efeito. "Houve palavras e informações muito importantes, e essa sensibilização é feita, também, com informação", ressaltou.

O músico Nando Reis frisou que a presença dos artistas na manifestação é uma forma de pressionar os parlamentares a olharem mais para a sociedade. "É para lembrá-los de que as consequências da aprovação desses projetos serão devastadoras, não somente para a minha classe artística e para a classe política, mas para todos nós do Brasil e do mundo", comentou. "É fundamental que haja dentro do jogo político um freio que impeça essa barbaridade na iminência de acontecer sob responsabilidade dos senhores e senhoras aqui do Senado. O peso dessa desgraça se abaterá sobre vocês, mas será pouco perto do sofrimento desses povos."

Entre os artistas presentes estavam, também, Letícia Sabatella, Maria Gadú, Emicida, Seu Jorge, Mariana Ximenes, Christiane Torloni, Daniela Mercury.

Após ouvir as manifestações, Pacheco prometeu que nenhum projeto capaz de estimular a degradação do meio ambiente será pautado no plenário do Senado sem que seja analisado criteriosamente nas comissões temáticas da Casa. Segundo o parlamentar, "se o Brasil se apartar dessa pauta do meio ambiente, estará fadado ao insucesso econômico".

"Ainda que tenha muito poder, não posso tudo. Antes de tudo, sou um democrata. Eu respeito a maioria, mas tenho as minhas prerrogativas de dar a cadência a cada um desses projetos para que sejam amadurecidos", afirmou. "Devemos reconhecer quantas vezes tivemos projetos demonizados e que, no final, foram grandes propostas legislativas. Devemos achar pontos de convergência, para o bem do Brasil."

Pacheco afirmou que o meio ambiente se tornou preocupação do capitalismo mundial e, hoje, a questão não é mais romantizada pelos países como antes. "E o Brasil, para sua sobrevivência como uma grande economia, tem a obrigação de ter a preocupação com o meio ambiente. Esse discurso, antes poético, tornou-se, de fato, uma preocupação."

Mais cedo, os artistas levaram ao STF outro documento, listando 11 ações pendentes de julgamento sobre o meio ambiente. No texto entregue à vice-presidente da Corte, ministra Rosa Weber, o grupo destacou haver uma guerra socioambiental, especialmente na Amazônia, que tratora a floresta e os povos indígenas, além de outras comunidades. A carta enfatiza o grave risco de irreversibilidade, em especial no processo de degradação da Amazônia.

Os artistas citaram, também, o desmantelamento de órgãos federais e o número de projetos em trâmite no Congresso. De acordo com o grupo, o avanço dessas propostas "levará ao acirramento da guerra socioambiental, com quadros irreversíveis de degradação ambiental e de violações de direitos sociais". Os ministros Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes estavam presentes no encontro.

PLs contestados

PL 510 — grilagem de terras públicas
O projeto modifica o marco temporal para a comprovação da ocupação, que deverá ser feita pelo interessado ao demonstrar “o exercício de ocupação e de exploração direta, mansa e pacífica, por si ou por seus antecessores, anteriores a 25 de maio de 2012”. Atualmente, para regularizar a terra, o ocupante tem de comprovar que está na área (com até 2,5 mil hectares) desde antes de 22 de julho de 2008.

PL 490 — marco temporal das terras indígenas
A proposta muda a demarcação de territórios dos povos originários. Também estabelece o marco temporal, segundo o qual, uma terra indígena só poderia ser demarcada se for comprovado que os índios estavam no local requerido na data da promulgação da Constituição, ou seja, em 5 de outubro de 1988.

PL 191 — mineração em terras indígenas
O texto prevê o garimpo em terras dos povos originários. Autoriza atividades de mineração, agronegócio e de qualquer tipo de obra de infraestrutura dentro das áreas demarcadas.

PL 6.299 — agrotóxicos
O projeto, chamado de PL do Veneno, flexibiliza a entrada de novos agrotóxicos no Brasil. O texto prevê o enfraquecimento da atuação do Ministério da Saúde, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama no controle e na autorização dessas substâncias. A prerrogativa passar a ser do Ministério da Agricultura.

PL 2.159 — licenciamento ambiental
Dispensa licença para projetos como obras de saneamento básico e manutenção em estradas e portos. Também repassa a estados a prerrogativa de analisar os empreendimentos que precisam de aval para liberação e cria uma espécie de licença autodeclatória.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/03/4991861-ato-em-brasilia-une-milhares-de-vozes-contra-destruicao-ambiental.html