Day: fevereiro 23, 2022
Ministério Público pressiona Google e Apple sobre app do Telegram em suas lojas
Patrícia Campos Mello / Folha de S. Paulo
Em uma nova frente de pressão sobre o Telegram, o Ministério Público Federal enviou ofício ao Google e à Apple questionando se as lojas de aplicativos das empresas, a Google Play e a App Store, proíbem a disponibilização de aplicativos que, "de modo notório, não cumprem ordens oriundas de órgãos de controle e/ou do Poder Judiciário".
O aplicativo de mensagens Telegram tem ignorado ordens e pedidos de autoridades brasileiras, inclusive do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal), que fazem tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.
No ofício enviado, o procurador da República Yuri Corrêa da Luz, procurador regional dos Direitos do Cidadão Adjunto em São Paulo, questiona se as lojas já avaliaram ou adotaram medidas de suspensão ou bloqueio de aplicações que violem as leis.
Ele menciona que, seguindo a legislação brasileira, as plataformas não podem se eximir de responsabilidade pelos possíveis danos causados pelos aplicativos que vendem.
No ofício obtido pela Folha, o procurador pergunta também se as lojas têm regras que "proíbam a disponibilização e a comercialização de aplicações que não se adequem à legislação brasileira, ou que causem potencial dano a interesses coletivos (como à saúde pública, ao meio ambiente, à confiança nas instituições democráticas, a um ambiente informacional saudável etc.)".
O Google e a Apple têm prazo de 15 dias para enviar as informações. Um eventual veto do Telegram nas lojas online do país, porém, não impedem que o público acesse contas no exterior para baixá-lo.
A abordagem de pressionar as lojas de aplicativos se assemelha à estratégia das autoridades na Alemanha em relação ao Telegram, que abriga inúmeros canais de extremistas neonazistas e negacionistas do Holocausto e das vacinas.
No ano passado, autoridades alemãs instaram Apple e Google a deixar de oferecer o aplicativo Telegram para download em suas lojas online. A retirada do Telegram das lojas não atinge os aplicativos já instalados em celulares, mas breca o crescimento e serve de aviso.
Na Alemanha, o Telegram também vinha se recusando a conversar com autoridades, mas mudou recentemente de postura com a sinalização de que medidas mais drásticas poderiam ser adotadas, incluindo o seu banimento do país.
Bloqueou mais de 60 canais usados por radicais em atendimento a um pedido da polícia alemã.
Os ofícios ao Google e à Apple fazem parte de inquérito aberto em novembro para apurar eventuais violações de direitos fundamentais, por parte de provedores de aplicação da internet que operam no Brasil, "imputáveis a suas políticas de enfrentamento a práticas organizadas de desinformação e de violência no mundo digital."
No inquérito, as plataformas foram instadas a esclarecer quais políticas de combate a desinformação estão adotando.
O Telegram, com cerca de 50 milhões de usuários no Brasil, é visto como uma das principais preocupações para as eleições de 2022 devido à falta de controles na disseminação de fake news e se tornou também alvo de discussão no Congresso e no TSE para possíveis restrições em seu funcionamento no Brasil.
Amplamente usada pela militância bolsonarista, a ferramenta é hoje um dos desafios das autoridades brasileiras engajadas no combate à desinformação eleitoral.
O aplicativo tem grupos de 200 mil integrantes e canais com número ilimitado —o de Bolsonaro tem quase 1,1 milhão de seguidores.
Segundo revelou a Folha, o Telegram conta com representante no Brasil há sete anos para atuar em assunto de seu interesse junto ao órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no país, ao mesmo tempo em que ignora chamados da Justiça brasileira e notificações ligadas às eleições.
No ofício, Luz aponta que órgãos de controle no país já impuseram multas substantivas a algumas lojas que comercializaram aplicações consideradas danosas aos consumidores ao longo dos últimos anos, o que colocaria em dúvida a legalidade das reivindicações de isenção de responsabilidade das lojas de aplicativos.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/ministerio-publico-pressiona-google-e-apple-sobre-app-do-telegram-em-suas-lojas.shtml
Associação e deputados bolsonaristas apoiam paralisação dos serviços de segurança em Minas
Gabriel Sabóia / O Globo
RIO — Sete deputados alinhados ao bolsonarismo participam diretamente das decisões dos agentes de segurança pública de Minas Gerais que paralisaram suas atividades. Os parlamentares, que ocupam cadeiras na Assembleia Legislativa de Minas (ALMG) e na Câmara dos Deputados, em Brasília, estiveram na reunião realizada nesta terça-feira no Clube dos Oficiais da PM, na qual policiais civis e militares, bombeiros, agentes socioeducativos e policiais penais decidiram os novos rumos do motim. Ficou acordada, por exemplo, a suspensão das visitas íntimas em penitenciárias mineiras. A medida pode desencadear uma série de atos da população carcerária do estado, que é a segunda maior do país. Os profissionais de segurança pressionam o governador Romeu Zema (Novo) e cobram a recomposição salarial das perdas causadas pela inflação.
— Ficou decidido que o movimento de paralisação vai agir constitucionalmente, sem parar por completo, já que policiais não podem fazer greve. Mas, orientamos todos a fazer a "operação tartaruga", reduzir o ritmo das ocorrências. Os policiais penais decidiram hoje pelo cancelamento das visitas íntimas e também de familiares. Isso pode gerar o caos. Será que vai haver uma rebelião? O governador precisa dialogar com a categoria — diz o sargento Marco Antônio Bahia, vice-presidente da Aspra (Associação dos Praças Militares e Bombeiros de Minas Gerais).
Na reunião, estiveram presentes os deputados estaduais Sargento Rodrigues (PTB), Coronel Sandro (PSL), Delegada Sheila (PSL) e Heli Grilo (PSL). Os deputados federais Subtenente Gonzaga (PDT), Junio Amaral (PSL) e Léo Motta (PSL) também participaram dos debates sobre a redução de trabalho. Todos eles estiveram na manifestação realizada nesta segunda em Belo Horizonte e se mostraram favoráveis ao motim.
No site da Aspra também é possível ver mostras de alinhamento ao presidente: em uma publicação de maio do ano passado, a Associação se diz "apoiadora do presidente Bolsonaro e favorável ao voto impresso e auditável". Questionado sobre uma possível influência política nas decisões do movimento encabeçado pela Aspra, Bahia nega qualquer relação do alinhamento ideológico com as falas voltadas contra Zema durante os atos.
— Nesse sentido, de defender a causa dos profissionais de segurança, somos apartidários e independentes, indepente de qualquer manifestação anterior — assegura.
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Um dos parlamentares mineiros mais próximos de Bolsonaro, Junio Amaral diz que os policiais tomarão medidas para reduzir o volume de trabalho e, desta forma, forçar o diálogo da categoria com o governo.
— Os policiais podem, sim, tomar medidas de extrema legalidade que vão prejudicar o serviço rotineiro. O governo de Minas está mostrando uma indiferença à causa muito grande. A reação da categoria não é por semanas de insucessos nas tratativas. São anos de indiferença e desprestígio à segurança pública — afirma.
Negociação antiga
As forças de segurança reivindicam recomposição salarial para corrigir a perda com a inflação alta. Em 2020, Zema havia feito acordo com os policiais e enviou projeto de lei à Assembléia Legislativa que previa recomposição de 41% para os profissionais, a ser paga em três parcelas. No entanto, depois de aprovado pelo Legislativo, somente a primeira parcela foi paga, após Zema vetar as duas últimas. Agora, os servidores tentam fazer com que o governador cumpra o acordo inicial.
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Em nota, o governo de Minas Gerais informou que reconhece a necessidade de reposição salarial. Segundo o governo, o estado se mantém aberto ao diálogo e em busca de uma solução, “mas com responsabilidade e previsibilidade fiscal”. E condiciona a recomposição dos salários à adesão ao regime de recuperação fiscal. O governo diz ainda que acompanha as manifestações dos servidores e “confia que os integrantes da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros, da Polícia Civil e da Polícia Penal não deixarão os mineiros sem a prestação de serviços essenciais para a garantia da ordem e segurança da sociedade”.
Elio Gaspari: A carta chinesa virou um mico
Elio Gaspari / O Globo
Há meio século, o presidente americano Richard Nixon desembarcou em Pequim, coroando uma espetacular reaproximação com a China. Teve de tudo: uma viagem secreta de Henry Kissinger, seu assistente para assuntos de segurança nacional, e convites a equipes de pingue-pongue.
Nixon foi recebido por Mao Tsé-Tung, o Grande Timoneiro da Revolução Chinesa. A fotografia do encontro correu o mundo. Poucos sabiam que Mao estava chumbado, com dificuldade para falar e respirar. (Na sala ao lado, guardava um respirador portátil mandado por Kissinger.)
Nessa reviravolta diplomática, os Estados Unidos jogaram súditos ao mar e acabaram com o isolamento da China. Meses antes, Deng Xiaoping saíra do ostracismo e havia começado uma lenta, segura e gradual ascensão ao poder, transformando a economia chinesa na segunda potência do mundo. Para os americanos, o jogo seria lógico: acabado o isolamento, e aberta a economia, as liberdades democráticas viriam junto. Em 1989, ao ordenar a repressão às manifestações da Praça da Paz Celestial, Deng mostrou que as coisas não seriam bem assim. De lá para cá, a China cresceu e, com ela, a repressão política. Em 1994, pouco antes de morrer, Nixon duvidou de sua política, coisa rara em políticos, raríssima nele:
— É possível que tenhamos criado um Frankenstein.
Bingo. Aos 50 anos da visita de Nixon a Pequim, vê-se que os presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin juntaram-se contra os Estados Unidos na questão ucraniana. Reiteraram uma amizade “sem limites” e condenaram “uma maior expansão da Otan”. A vitória de Nixon em 1972 ajudou a emparedar a União Soviética. Meio século depois, o Frankenstein chinês alinhou-se com a Rússia. O coringa era um mico.
Em 1972, Richard Nixon fazia uma política externa espetaculosa, com reviravoltas imprevisíveis. Tinha a seu lado Henry Kissinger, um mestre da diplomacia cenográfica. Saía com artistas de cinema nas noites de sexta-feira em Nova York e, horas depois, voava incógnito a Paris, onde se encontrava secretamente com negociadores vietnamitas. (Ficava no apartamento do general Vernon Walters, velho conhecido dos brasileiros, que acompanhou das batalhas na Itália em 1945 à conspiração contra o presidente João Goulart, em 1964.)
Nixon era um sujeito dinâmico, audacioso e antipático. O presidente Joe Biden pode ser simpático, mas nada tem de dinâmico, muito menos de audaz. Seu secretário de Estado, Antony Blinken, é uma flor da burocracia anódina de Washington.
No ano que vem, Henry Kissinger completará seus 100 anos. Sua fama já não é a mesma. Afinal, em 1971 ele pediu aos chineses que lhe dessem “um intervalo decente” para sair do Vietnã e, em 1975, a tropa saiu deixando para trás os aliados. Mesmo assim, sabe do que fala. Há dias ele escreveu um artigo valioso por duas frases:
1) “A demonização de Vladimir Putin não é uma política, é um álibi para sua ausência”;
2) “A Ucrânia não deve entrar na Otan”.
Ele ecoa as palavras de George Kennan, o diplomata que desenhou a política americana em relação à União Soviética:
—Uma expansão da Otan será o maior erro da política americana em todo o período posterior ao fim da Guerra Fria.
Kennan escreveu isso em 1997. Morreria em 2005, aos 101 anos.
Fonte: O Globo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/2022/02/a-carta-chinesa-virou-um-mico.shtml
Bernardo Mello Franco: Terceira via dá sinais de desespero pré-eleitoral
Bernardo Mello Franco / O Globo
O fracasso está subindo à cabeça da chamada terceira via. Seus candidatos comem poeira nas pesquisas, mas insistem em se vender como salvadores da pátria. Sem modéstia, sugerem que o país vai acabar se eles não forem ungidos ao poder.
Ontem dois presidenciáveis voltaram a apostar no discurso apocalíptico. Em seminário promovido pelo banco BTG Pactual, João Doria previu uma fuga de empresários caso Lula e Jair Bolsonaro passem ao segundo turno.
“O risco de vocês começarem a pensar em não permanecer no Brasil será enorme. Será que é isso o que a gente quer?”, questionou. Um ouvinte distraído poderia confundi-lo com Mario Amato, o industrial que projetou a debandada de 800 mil empresários se Lula vencesse Fernando Collor em 1989.
Mais cedo, Sergio Moro defendeu uma “união contra os extremos”, desde que não tenha que desistir da própria candidatura. Ele orientou os banqueiros a “tomar cuidado” e disse que o país pode estar a caminho de uma “situação pior”. “Se não for expropriado o BTG...”, gracejou.
Doria e Moro pregaram para convertidos. No auditório de um hotel cinco estrelas de São Paulo, prometeram reformas, austeridade e privatizações. Os dois foram aplaudidos pela plateia de endinheirados. O problema é que ninguém chega ao Planalto com os votos do Leblon e dos Jardins.
Metade do eleitorado brasileiro tem renda familiar de até dois salários mínimos. Em dezembro, 70% desse público se dividiam entre Lula e Bolsonaro. Todos os outros candidatos somavam 18% das intenções de voto no Datafolha. A turma não consegue engrenar porque não sabe o que dizer aos mais pobres. A cartilha liberal pode seduzir viúvas de Paulo Guedes, mas é incapaz de atrair quem está na batalha pela sobrevivência.
O apelo ao terrorismo econômico não é o único sinal de desespero na direita que se desiludiu com Bolsonaro. Nos últimos dias, apóstolos da terceira via tentaram ressuscitar a candidatura de Eduardo Leite. Derrotado nas prévias tucanas, ele viraria casaca e ressurgiria no PSD de Gilberto Kassab. Se o plano se concretizar, já entrará no páreo com a pecha de mau perdedor.
Vera Magalhães: O pior já passou para Bolsonaro?
Vera Magalhães / O Globo
Foi sutil, embora nada trivial, a mudança de rota empreendida no governo e na campanha de Jair Bolsonaro desde o fim do ano passado. Operada de forma engenhosa pelo Centrão, que domou o voluntarismo do presidente e dos filhos, conseguindo até que eles colaborassem com o plano. O resultado parece ser ter estancado a queda livre do capitão. Saber se o pior momento para ele foi definitivamente superado, no entanto, dependerá de alguns fatores.
Os pragmáticos de plantão conseguiram fazer Bolsonaro parar de vociferar todos os dias contra a vacinação de crianças para Covid-19. Ficou evidente, por pesquisas, que a forma desarrazoada com que ele investiu contra a imunização dessa faixa no momento em que a Ômicron avançava, e as famílias estavam aflitas sem poder proteger os pequenos, poderia representar os pregos em seu caixão reeleitoral.
Tirar o presidente (e até Marcelo Queiroga, que seguia cegamente a cartilha do chefe) de cena naquele episódio foi essencial para estancar a sangria.
Mais esse crime do presidente no enfrentamento da pandemia foi então sendo diluído graças a algumas circunstâncias: de fato veio uma onda forte de contaminação pela Ômicron, fazendo com que, por algumas semanas, deixasse de haver distinção entre quem seguiu ou não os protocolos para se proteger do vírus. Depois que “todo mundo pegou” Covid-19, a discussão sobre a responsabilidade de Bolsonaro perdeu ímpeto, para o que a cumplicidade de Augusto Aras arquivando o relatório final da CPI da Covid foi providencial.
De forma inteligente, Ciro Nogueira, Fábio Faria, Rogério Marinho e os novos timoneiros do barco parecem ter feito um acordo providencial com a família: Carluxo pode brincar nas redes, desde que os profissionais tomem conta da comunicação estratégica do governo. E esses ministros passaram a dar rosto e voz ao enfrentamento político do PT e de Lula, o que não vinha sendo feito até então.
Paralelamente a esse movimento na comunicação, o fechamento com o Congresso assegurou o fluxo de recursos rápido e sem controle para as camadas mais necessitadas da população, que os diagnósticos eleitorais mostravam precisar ser conquistadas para que o presidente reagisse nas pesquisas.
Como aprenderam a decodificar Bolsonaro, os profissionais da política parecem ter feito um acordo com ele: nada de falar de vacina de crianças mais, mas liberado para continuar mantendo a massa fanatizada açulada com doses de narrativa sem pé nem cabeça.
Foi o que continuou a ser feito por ele, pelos filhos e pelos repetidores a soldo ou não nas redes sociais em temas como Rússia, riscos das urnas eletrônicas e a agenda mais que batida de Deus, família, armas e fora PT.
A permanência da agenda bolsonarista raiz, de um lado, a dissipação dos horrores cometidos por Bolsonaro deliberada e reiteradamente no curso da emergência sanitária, de outro, e a supervisão de um grupo de sobreviventes de sucessivos governos por cima de tudo de fato estancaram a derrocada.
Bolsonaro apresenta recuperação de até quatro pontos nos dois primeiros meses do ano nas intenções de voto espontâneas de várias pesquisas. Um dado em especial grita: mesmo entre quem acha seu governo ruim e péssimo, é grande o contingente que se declara disposto a votar nele.
Os obstáculos no caminho dessa estratégia são dois: a inflação longe de controle e a rejeição quase impeditiva de Bolsonaro (65% que dizem não votar nele de forma nenhuma). É nessas duas pontas que os profissionais trabalharão.
Não é simples, como evidencia a novela dos combustíveis. Mas, até aqui, todas as dificuldades do governo não vieram da oposição, que parece acreditar, ingenuamente, que Bolsonaro é cachorro morto, mesmo com a caneta e o talão de cheques na mão e gente que não rasga dinheiro no comando.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/o-pior-ja-passou-para-bolsonaro.html
Astrojildo Pereira e os centenários da Semana de Arte Moderna e do PCB
Martin Cezar Feijó / Revista Política Democrática online
Finalmente, as obras do Astrojildo Pereira serão lançadas neste ano de 2022 pela Editora Boitempo, com apoio da Fundação Astrojildo Pereira. A iniciativa tem tudo a ver principalmente com dois centenários: o da Semana de Arte Moderna e o da fundação do PCB, na ordem cronológica.
Mas o que um evento tem a ver com o outro? Foram contemporâneos, mas quem participou de um nada soube do desenrolar do outro, embora ambos se revelariam históricos.
Um, na cidade de São Paulo; o outro, em Niterói, Rio de Janeiro. O único ponto em comum no momento dos acontecimentos, além da proximidade cronológica – fevereiro e março de 1922 -, é que foram obras de grupos pequenos e ousados:
- o de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro, nas dependências do Teatro Municipal, com o apoio de setores dominantes na sociedade paulista, com pequena publicidade através de anúncios e repercussão mesmo que discreta na imprensa local;
- o de Niterói, no dia 25 de março, foi praticamente secreto, clandestino, entre participantes operários e intelectuais de várias partes do país: Os nove de 22, como tão belamente descritos no livro de Ivan Alves Filho (Brasília, Fundação Astrojildo Pereira, 2021), que teve em Astrojildo Pereira (1890-1965) figura relevante.
Meu envolvimento com o tema, mais exatamente com Astrojildo Pereira, objeto de pesquisa por vários anos, gerando até um doutorado em Ciências da Comunicação (ECA-USP) e um livro, O Revolucionário Cordial, começou com um texto que li em uma revista quando ainda cursava minha graduação no Departamento de História na FFLCH-USP: “Temas de Ciências Humanas” (São Paulo, Livraria Editora Ciências Humanas, 1978, v.4, p. 41-67), intitulado “Tarefas da inteligência brasileira”, de autoria de Astrojildo Pereira.
Astrojildo Pereira (1890-1965). Embora nascido em uma pequena cidade serrana do Estado do Rio de Janeiro, Rio Bonito, passou praticamente sua vida adulta na cidade do Rio de Janeiro, onde atuou como militante anarquista nos anos 1910, como um dos principais fundadores do PCB em 1922, e intelectual participante a partir dos anos 1930. Autor de obras fundamentais do período de 1935 a 1965, foi preso quando do golpe militar de 1964, “sob acusação” de ter fundado um partido comunista em 1922. Quando saiu da prisão, afirmou: “Agora prendem fontes históricas!”.
Morreu aos 74 anos, depois de um movimento intelectual e político por sua libertação, que envolveu até a Academia Brasileira de Letras (ABL), que lhe tinha apreço por sua dedicação durante a vida toda à obra de Machado de Assis, desde a adolescência, quando o visitou na noite que antecedeu sua morte, o que deu origem a uma crônica célebre de Euclides da Cunha: “A Última Visita”, mas cuja identidade do “anônimo juvenil” só seria revelada em 1936, em biografia original de Machado de Assis, escrita por Lúcia Miguel Pereira.
Quanto à relação entre a Semana de Arte Moderna e a Fundação do PCB, opto por me utilizar de extrato de texto do próprio Astrojildo Pereira, publicado em seu ensaio citado, “Tarefas da Inteligência Brasileira”, e incluído no livro Interpretações (1944), agora finalmente disponível em nova edição em 2022 pela Boitempo, onde finalmente acontecimentos ocorridos há cem anos parecem se encontrar.
Não sem antes registrar um episódio pouco conhecido, sobre sua relação com poetas modernistas, em particular o poeta Manuel Bandeira, que lhe homenageou em um pequeno livro em sua primeira edição de 1948: Mafuá do Malungo, edição artesanal feita com tiragem de apenas 110 exemplares, numerados na gráfica pessoal de João Cabral de Mello Neto, em Barcelona:
Bananeiras – Astojildo esbofa-se –
Plantaia-a às centenas, às mil:
Musa paradisíaca, a única
Que dá dinheiro neste Brasil
Só que essa raridade não consta da edição comercial do livro, publicado em primeira edição pela Livraria São José (1954). É que, entre a publicação da edição artesanal e a publicação do livro, ocorreu um evento fruto da Guerra-Fria que dividiu intelectuais liberais e comunistas em torno das eleições da ABDE (Associação Brasileira de Escritores), na qual Astrojildo se viu envolvido por causa do sectarismo reinante. Mas, mesmo assim, Astrojildo já havia reconhecido algo em comum entre os revolucionários da fundação do PCB e os modernistas a partir de São Paulo, como registraram no texto citado sobre as tarefas mais importantes da inteligência brasileira em torno do ano 1922, agora celebrado em seus centenários:
“Evoco esses acontecimentos para situar no tempo a Semana de Arte Moderna, que também aconteceu no ano de 1922. Repare-se na importância desta data, que pode muito bem servir para assinalar um divisor de águas em nossa história: foi o ano do primeiro centenário da independência nacional, em cuja comemoração se precedeu um verdadeiro balanço na vida econômica do país; foi o ano em que se deu organização definitiva ao primeiro partido nacional do proletariado brasileiro; foi o ano do primeiro 5 de julho; foi enfim o ano da Semana de Arte Moderna. De toda a evidência, essas coisas não aconteceram simultaneamente por mero acaso: há entre eles um nexo qualquer, determinado por uma série de condições e fatores comuns. E é encarando as coisas assim que podemos ver a Semana de Arte Moderna como algo de muito semelhante a um 5 de julho artístico e literário, ou seja, como a expressão inicial - informe e contraditória, mas já com um alcance decisivo – da revolução intelectual que ia imprimir novo impulso e traçar novos rumos ao desenvolvimento ulterior da inteligência brasileira, acompanhando, passo a passo, em seus movimentos de ação e reação, todo o processo de reajustamento do país às novas condições históricas legadas pela primeira guerra mundial. Seria de todo em todo absurdo enquadrar dentro de qualquer esquema fechado e rígido as manifestações flutuantes da inteligência; mas, feita esta ressalva e vistas as coisas com um senso menos superficial e menos imediato, não será difícil verificar que o melhor de nossa atividade mental (...) leva a marca de 1922.”
E, por que não complementar: não só dos últimos 100 anos, mas também nos próximos?
*Martin Cezar Feijó é doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). É autor, entre outros, de O que é política cultural (1983), Formação política de Astrojildo Pereira (1985) e 1932: a guerra civil paulista (1998, este em parceria com Noé Gertel).Historiador e professor titular-doutor na Facom da Faap (Fundação Armando Álvares Penteado).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Grandes mineradoras têm solicitações para explorar terras indígenas brasileiras
Redação / Folha de S. Paulo
Grandes empresas de mineração buscam se expandir por terras indígenas brasileiras atualmente protegidas na floresta amazônica, impulsionadas por bilhões de dólares de bancos internacionais e empresas de investimento, segundo um relatório publicado nesta terça-feira (22).
Nove mineradoras gigantes, entre elas a brasileira Vale, a britânica Anglo American e a canadense Belo Sun, apresentaram solicitações de autorização para explorar reservas indígenas no Brasil, apesar de atualmente ser ilegal, segundo o relatório da ONG Amazon Watch e da Associação de Povos Indígenas do Brasil (Apib).
O relatório diz que as empresas parecem estar apostando que o presidente Jair Bolsonaro (PL), que pressiona para abrir as terras protegidas para a mineração e a agroindústria, conseguirá fazer com que os projetos apresentados pelo seu governo sejam aprovados, para poder operar em territórios indígenas.
Até novembro, as empresas tinham um total de 225 solicitações de minerações ativas na Agência Nacional de Mineração (ANM), que coincidem em 34 terras indígenas, para uma área total de mais de três vezes o tamanho de Londres, disse o documento.
"Os danos ambientais e as ameaças contra a vida dos povos da floresta pelas atividades mineradoras são brutais e só pioraram sob o governo de Bolsonaro", disse em um comunicado Ana Paula Vargas, diretora do programa para o Brasil da Amazon Watch.
"Com a floresta tropical no ponto de inflexão do colapso ecológico, devemos envolver todos os atores por trás desta indústria."
Os especialistas dizem que preservar as terras indígenas é uma das melhores formas de proteger a maior floresta tropical do planeta, um recurso vital na corrida para conter a mudança climática.
O relatório revela que as mineradoras, entre as quais também estão Glencore, AngloGold Ashanti, Rio Tinto, Potássio do Brasil e Grupo Minsur, receberam um total de 54,1 bilhões de dólares em financiamento de investidores internacionais durante os últimos cinco anos para suas operações no Brasil.
O texto pede aos bancos e empresas financeiras que apoiam essas empresas para se retirarem delas, com o argumento de que muitas também possuem um histórico de violações dos direitos humanos e de destruição ambiental.
Os principais financiadores das nove empresas mineradoras incluem as empresas americanas BlackRock, Capital Group e Vanguard, que investiram 14,8 bilhões de dólares nelas nos últimos cinco anos, segundo o relatório.
Bancos como o francês Crédit Agricole, os americanos Bank of America e Citigroup e o alemão Commerzbank também são importantes financiadores das empresas, com um total de 2,7 bilhões de dólares em empréstimos e seguros, disse o texto.
Muitas das empresas negaram as acusações.
A Anglo American alegou que tinha "solicitações" herdadas para terras indígenas as quais "retirou total e formalmente há vários anos".
Belo Sun, Minsur do Peru e Potássio do Brasil afirmaram que não têm nenhuma atividade relacionada ao território indígena e defenderam seu desempenho social e ambiental.
E a AngloGold Ashanti informou "que não opera e não tem interesse em operar em Terras Indígenas". Em nota, explicou que "na década de 1990, a produtora de ouro solicitou requerimentos de pesquisa mineral em diversas regiões no país. Três dessas áreas posteriormente foram demarcadas como Terras Indígenas (TIs), o que levou a companhia a desistir das mesmas".
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/02/grandes-mineradoras-tem-solicitacoes-para-explorar-terras-indigenas-brasileiras.shtml
FSP: Flávio Bolsonaro mobilizou Receita contra caso da 'rachadinha'
Ranier Bragon / Folha de S. Paulo
A Receita Federal mobilizou por quatro meses uma equipe de cinco servidores para apurar uma acusação feita pelo senador Flávio Bolsonaro de que teria tido seus dados fiscais acessados e repassados de forma ilegal ao Coaf (órgão federal de inteligência financeira), o que deu origem ao caso das "rachadinhas".
Documentos inéditos obtidos pela Folha mostram, pela primeira vez, a ação efetiva da máquina pública federal em decorrência da estratégia de Flávio.
O filho do presidente Jair Bolsonaro e seus advogados buscaram a ajuda de órgãos do governo federal para tentar reunir provas com o intuito de anular as investigações da suspeita de que ele comandou um esquema de desvio de parte do salário de assessores quando era deputado estadual, no Rio de Janeiro.
A Receita jamais confirmou a apuração. A partir de informações internas que indicavam a existência do caso, a Folha apurou o número do processo, 14044.720344/2020-99, e, a partir daí, entrou com um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação.
As 181 páginas do processo mostram que, de outubro de 2020 a fevereiro de 2021, a Receita deslocou dois auditores-fiscais e três analistas tributários para fazer a apuração.
Essa investigação foi objeto de requerimento apresentado por Flávio, por intermédio de quatro advogados —Luciana Pires, Renata Alves de Azevedo, Juliana Bierrenbach e Rodrigo Roca—, ao então secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto.
Na petição, datada de 25 de agosto de 2020, o filho do presidente requisitou apuração "com a máxima urgência" para identificação de "nome, CPF, qualificação e unidade de exercício/lotação" de auditores da Receita que, segundo ele, desde 2015 acessaram seus dados fiscais, de sua mulher, Fernanda, e de empresas a eles relacionadas.
A tese era a de que servidores da Receita no Rio de Janeiro haviam vasculhado de forma ilegal os dados de Flávio e de familiares e, a partir daí, repassado informações ao Coaf, órgão responsável pelo relatório de inteligência enviado ao Ministério Público do Rio e que deu origem à investigação das "rachadinhas" contra o filho do presidente e ex-assessores.
Flávio é taxativo no pedido, detalhando não querer acesso a parte dos acessos feitos, "mas a TODAS [escreve em maiúsculas] as pesquisas de seu nome, de sua esposa e de suas empresas, que tenham sido realizadas desde o ano de 2015".
Na petição entregue a Tostes Neto, ele afirma ainda que a suposta violação da qual teria sido vítima representa um "imenso risco à estabilidade das mais diversas instituições do país", entre elas a Presidência da República e a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
"A crise que vem se instalando no país, como consequência dos fatos ora apresentados, tende a crescer, atingindo como alvo não apenas o autor e seus familiares, mas incontáveis cidadãos, em especial, empresários, funcionários públicos e políticos, independente de ideologia e partido político."
O senador diz também que a averiguação deveria ser realizada não necessariamente pela Receita, mas "diretamente pelo Serpro", a empresa estatal que detém os dados do Fisco. Esse pedido específico de apuração via Serpro foi formalmente negado.
Como a Folha mostrou em junho do ano passado, porém, apesar da negativa oficial, a Receita solicitou uma devassa ao Serpro para tentar identificar investigações, entre outros, em dados fiscais de Bolsonaro, de seus três filhos políticos, de suas duas ex-mulheres e da primeira-dama, Michelle.
A pesquisa custou R$ 490,5 mil à Receita, pagos ao Serpro. O valor foi obtido pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. A defesa de Flávio disse não ter tido acesso ao resultado dessa apuração.
A Polícia Federal também instaurou inquérito para apurar supostos acessos irregulares por parte de auditores da Receita. A apuração foi aberta a partir de um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) que apontou casos do tipo identificados pela própria Receita, um deles envolvendo Flávio.
Em suma, três pontos eram apresentados na petição de Flávio entregue ao então secretário da Receita:
1) a acusação de auditores suspeitos de enriquecimento ilícito de que foram vítimas de devassas ilegais por parte dos órgãos de correição do Fisco do Rio, o que indicaria um modo de operação desses órgãos;
2) a existência de dados do relatório de inteligência do Coaf que só poderiam ter sido repassados pela Receita;
3) e a existência de um "manto da invisibilidade", ou seja, senhas da Receita que não deixariam rastros e tornariam os acessos indetectáveis a apurações internas.
"A Receita Federal do Brasil, por intermédio de sua corregedoria e de sua inteligência, em especial, por intermédio de seus escritórios Escor07 e Espei07, vem, rotineiramente, alimentando informalmente os demais órgãos de controle, com dados sensíveis e sigilosos, para, no momento oportuno, investigar os alvos escolhidos e devassados previamente", afirma Flávio na petição apresentada pelos advogados.
Tecnicamente, o pedido do senador ficou na gaveta de Tostes Neto por dois meses, até que uma reportagem da revista Época relatou que a defesa de Flávio havia se reunido com o presidente Jair Bolsonaro, o diretor-Geral da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, para tratar do caso.
A apuração foi instaurada pela Receita no mesmo dia, 23 de outubro de 2020, por ordem de Tostes Neto. Coube ao coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, deslocar os cinco servidores para realizar análise preliminar do caso, em um prazo de 180 dias.
Ela teve como ponto de partida a reportagem. O requerimento de Flávio foi enviado por Tostes Neto aos servidores no mesmo dia 23 e, na prática, embasou toda a apuração dos meses seguintes.
A comissão de servidores foi presidida por Diogo Esteves Rezende, que segundo documentos do processo integrava o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal, exatamente o órgão que era acusado por Flávio de cometer ilegalidades.
A investigação do Fisco concluiu pela improcedência das três teses do filho do presidente.
Relembrou que a acusação dos auditores-fiscais suspeitos de enriquecimento ilícito não tinha resultado em nenhuma prova de ato ilegal pela corregedoria, apontou que os dados do relatório de inteligência do Coaf não tinha nenhuma informação estranha àquele órgão e disse que "todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado", não existindo, portanto, o alegado "manto da invisibilidade".
"A Receita não possui ou utiliza qualquer tipo de 'senha secreta' ou 'senha invisível. Todo e qualquer acesso aos sistemas e bancos de dados fiscais possuem registros de quem efetuou e de quando foi realizado, independentemente de o servidor estar atuando na Corregedoria ou nos Escritórios de Pesquisa e investigação", afirmou a Cotec (Coordenação-Geral de Tecnologia e Segurança da Informação) do Fisco, durante a investigação.
Por fim, o relatório afirmou que, na análise do histórico de acesso aos dados fiscais de Flávio Bolsonaro, "não foram verificados indícios mínimos de materialidade de possíveis infrações disciplinares que ensejariam a continuidade ou o aprofundamento do feito".
O documento, datado de 25 de fevereiro de 2021, conclui com a afirmação de que "foi possível verificar que nenhuma das alegações contidas (...) [no] requerimento do Senador Flávio Nantes Bolsonaro encontrou aderência à realidade dos fatos apurados, não se vislumbrando, por ora, indícios de eventual autoria e materialidade de possíveis ilícitos administrativos que justificariam a propositura de instauração de procedimento correcional acusatório."
DEFESA DEFENDE PEDIDO, MAS DIZ QUE FISCO INDICOU QUE NÃO FARIA APURAÇÃO
Embora tenha sido procurada desde a manhã de segunda-feira (21), a defesa de Flávio Bolsonaro só se manifestou nesta terça (22), após a publicação da reportagem.
Em nota, as advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach afirmam ter recebido com surpresa a notícia de que a Receita Federal havia realizado a apuração, já que o Fisco teria indicado que não a faria.
As advogadas afirmam ainda não ver nenhuma imoralidade ou irregularidade no pedido, já que havia suspeitas de graves irregularidades internas. A Receita não se pronunciou.
Veja a íntegra da nota das advogadas Luciana Pires e Juliana Bierrenbach:
"A defesa do senador Flávio Bolsonaro recebeu, com surpresa, a notícia de que essa investigação foi realizada mesmo depois de a Receita Federal ter informado que não a faria. Até o momento, a instituição não apenas negou o pedido dos advogados como omitiu a realização de tal procedimento, tanto que o MPF abriu inquérito civil para apurar o motivo da inércia da Receita Federal frente aos indícios apresentados pelos advogados.
Cabe ressaltar que não há nada de ilegal ou imoral na solicitação da defesa. E que, estranho seria se a instituição ignorasse suspeitas de falhas e irregularidades internas e permitisse que essas irregularidades prosperassem.
A defesa lembra ainda que o TCU identificou acesso indevido aos dados do senador Flávio Bolsonaro e de seus familiares, confirmando as suspeitas de que a máquina pública foi usada indevidamente para atacar a reputação do parlamentar."
O senador, seu ex-assessor Fabrício Queiroz e outros servidores foram denunciados pelo Ministério Público do Rio no caso da "rachadinha" em outubro de 2020, mas o caso teve reviravoltas favoráveis ao senador na Justiça e também na Receita Federal.
Ainda em dezembro de 2020, o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio de Janeiro (Escor07), Christiano, Paes Leme Botelho, alvo de Flávio, foi exonerado.
Em junho de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio já havia tirado o caso das "rachadinhas" das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, e enviado para a segunda instância.
Flávio obteria uma vitória mais robusta em novembro do ano passado, quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) anulou todas as decisões tomadas pela primeira instância da Justiça do Rio de Janeiro. A corte entendeu que Itabaiana não tinha poderes para investigar o filho mais velho do presidente.
Um mês depois, o secretário da Receita para o qual Flávio direcionou o requerimento de investigação foi exonerado. José Barroso Tostes Neto vinha sofrendo pressão de Flávio para nomear uma pessoa de sua preferência na corregedoria do órgão.
Em 1º de fevereiro, o ministro Paulo Guedes (Economia) nomeou como novo corregedor da Receita Federal o auditor-fiscal João José Tafner, simpatizante da família Bolsonaro.
ENTENDA O CASO
6.dez.2018 - Surge o caso da "rachadinha"
- O jornal O Estado de S. Paulo revela que um relatório produzido pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) indicou movimentação financeira atípica de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio
25.jun.2020 - TJ tira o caso da primeira instância
- O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro retirar o processo da "rachadinha" das mãos do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Itabaiana, e envia para a segunda instância
25.ago.2020 - Flávio pede investigação especial à Receita
- Por meio de seus advogados, Flávio encaminha ao então secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, requerimento para que fosse realizada, "com a máxima urgência", a apuração. Ele pedia "nome, CPF, qualificação e unidade de lotação" de auditores da Receita que acessaram dados fiscais de Flávio, de sua mulher, Fernanda, e de empresas a eles relacionadas
- A tese é de que acessos ilegais por parte de servidores da Receita no Rio de Janeiro alimentaram o relatório do Coaf que originou a investigação das "rachadinhas"
- Entre os indicativos apresentados nesse sentido, estão alegações de auditores fiscais investigados por enriquecimento ilícito. Eles afirmam que tiveram dados acessados ilegalmente por dois órgãos da Receita Federal no Rio —o Escritório de Corregedoria da 7ª Região Fiscal (Escor07) e o Escritório de Pesquisa e Investigação da 7ª Região Fiscal (Espei07)
23.out.2020 - A Receita instaura a investigação pedida pelo filho do presidente
- Reportagem da revista Época relata que em agosto a defesa de Flávio havia se reunido com o presidente Jair Bolsonaro, o diretor-Geral da Abin, Alexandre Ramagem, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, para tratar do caso. A tese era da existência de uma quadrilha nos quadros da Receita
- Tendo como ponto de partida essa reportagem e o requerimento apresentado por Flávio em agosto, o coordenador do Grupo Nacional de Investigação da Receita, Luciano Almeida Carinhanha, desloca cinco servidores para realizar análise preliminar do caso, em um prazo de 180 dias
19.out.2020 - Ministério Público denuncia Flávio
- O Ministério Público do Rio denuncia Flávio, Queiroz e outros 15 ex-assessores do filho de Bolsonaro (informação é divulgada pelo TJ em 3.nov, na volta das férias do relator). O hoje senador foi acusado de liderar uma organização criminosa para recolher parte do salário de seus ex-funcionários em benefício próprio. Queiroz era apontado como o responsável pelo recolhimento do dinheiro
4.dez.2020 - alvo da defesa de Flávio é demitido da Receita no Rio
- Alvo da defesa de Flávio, o chefe do Escritório da Corregedoria da Receita Federal no Rio de Janeiro (Escor07), Christiano Paes Leme Botelho, é exonerado
25.fev.2021 - Comissão da Receita conclui não ver indício mínimo nas acusações de Flávio
- Relatório assinado pelos cinco servidores (dois auditores fiscais e três analistas tributários) diz que "nenhuma das alegações contidas (...) [no] requerimento do senador Flávio Nantes Bolsonaro encontrou aderência à realidade dos fatos apurados, não se vislumbrando, por ora, indícios de eventual autoria e materialidade de possíveis ilícitos administrativos que justificariam a propositura de instauração de procedimento correcional acusatório"
9.nov.2021 - STJ anula provas da rachadinha
- O STJ (Superior Tribunal de Justiça) anula todas as decisões tomadas pela primeira instância da Justiça do Rio de Janeiro. A corte entendeu que Itabaiana não tinha poderes para investigar o filho mais velho do presidente
7.dez.2021 - Secretário da Receita é exonerado
- O governo exonera o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, que vinha há meses sofrendo pressão de Flávio e que foi o destinatário do requerimento de investigação do caso feito pela defesa de Flávio, em agosto de 2020
- Conforme a Folha informou, o filho do presidente pressionava Tostes Neto a nomear uma pessoa de sua preferência na corregedoria do órgão
24.jan.2022 - Folha revela que Receita arquivou pedido de Flávio
- A Folha revela que a Receita havia arquivado o pedido de investigação feito pela defesa de Flávio
1.fev.2022 - Simpatizante dos Bolsonaros é nomeado na Receita
- O ministro Paulo Guedes (Economia) nomeia como novo corregedor da Receita Federal o auditor-fiscal João José Tafner, simpatizante da família Bolsonaro
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/flavio-bolsonaro-mobilizou-receita-contra-caso-da-rachadinha-mostram-documentos-ineditos.shtml
De olho na reeleição, Bolsonaro prepara pacote de bondades
Ingrid Soares e Raphael Felice / Correio Braziliense
Com a iminente guerra entre Rússia e Ucrânia, que pode impactar o Brasil com a alta de combustíveis, por exemplo, e o consequente aumento da inflação — já em dois dígitos —, o presidente Jair Bolsonaro quer antecipar, para logo depois do carnaval, um pacote de bondades, com o qual pretende criar um clima positivo e turbinar sua campanha à reeleição.
Entre as benesses previstas pelo governo estão liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para quitação de dívidas; linha de crédito de até R$ 100 bilhões para micro e pequenos empresários, com possibilidade de renegociação de débitos em atraso; linha de microcrédito, no valor de até R$ 3 mil, para informais; e ampliação dos subsídios ao programa Casa Verde Amarela para famílias do Norte e do Nordeste com renda mensal de até dois salários mínimos.
No pacote de bondades estão, ainda, isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para taxistas e deficientes; e programa habitacional para profissionais da área de segurança, que deve custar R$ 100 milhões por ano em 2022 e 2023. O chamado Habite Seguro foi aprovado pelo Senado no último dia 16 e deve ser sancionado pelo presidente ainda nesta semana.
Integrantes do governo vêm constantemente enaltecendo as pautas sociais do Executivo. Em coletiva, ontem, no Ministério da Saúde — sobre a vacina 100% brasileira da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) —, o ministro da Cidadania, João Roma, comentou sobre o Auxílio Brasil e o comparou ao programa anterior, o Bolsa Família, cuja marca era fortemente ligada ao PT. "O Auxílio Brasil zerou a fila do antigo Bolsa Família", frisou.
Primeiro vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR) ressaltou impactos que uma eventual guerra entre Rússia e Ucrânia podem causar ao Brasil. "Um conflito nessa região fará disparar o preço do petróleo, provocando uma inflação ainda maior em nosso país, que já convive com o descontrole dos preços e uma situação social extremamente grave por falta de decisões eficazes deste governo", criticou.
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Demagogia fiscal
Na avaliação do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM), as propostas do governo são eleitoreiras, pois, apesar de eficazes a curto prazo, vão prejudicar, justamente, os mais necessitados no futuro. "Nós já experimentamos isso no final do governo Dilma (Rousseff), às vésperas de sua reeleição. Isso é sempre perigoso. Demagogia fiscal sempre cobra a conta muito mais caro no médio e no longo prazos, e a conta sobra sempre para os mais pobres. Não acho esse um bom caminho para enfrentar este momento difícil", ponderou.
Do lado governista, parlamentares defendem a aprovação das pautas sociais, em especial por causa da crise sanitária, como o deputado federal Bibo Nunes (União Brasil-RS), que rechaçou a pecha eleitoreira do pacote de bondades.
"Nós vivemos um momento muito difícil. O momento é de pandemia, e tudo o que pudermos fazer pelo social temos de fazer. Não tem nada de questão demagógica. Tem de ter competência para ver o equilíbrio fiscal e fazer tudo dentro da lei e da norma", sustentou.
Instrumentos
Diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco afirmou que o chefe do Executivo dispõe de dois instrumentos poderosos, que tem demonstrado usar fartamente para uma eventual reeleição: a caneta e o cofre. "Há um grande segmento da sociedade passando por enormes dificuldades e sensível aos benefícios diretos que lhe favoreçam, como a criação do Auxílio Brasil. É possível que a implantação de novos benefícios tenha forte correlação com a popularidade do presidente", afirmou. "Como o presidente compartilha com o Centrão a caneta e a chave do cofre, as medidas são aprovadas com certa facilidade no Congresso, pois os parlamentares também se beneficiam eleitoralmente do pacote de bondades."
Castello Branco apontou, no entanto, o risco de que a ambição eleitoral passe a andar de mãos dadas com a irresponsabilidade fiscal, fato que vai aumentar a desconfiança dos agentes econômicos, agravar a inflação, elevar os juros e manter alto o desemprego.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/02/4987613-de-olho-na-reeleicao-bolsonaro-prepara-pacote-de-bondades-veja-destaques.html
TSE: Fachin promete ser 'implacável' contra desinformação e autoritarismo
Weslley Galzo / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Em seu primeiro discurso no comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Edson Fachin mandou duros recados às milícias digitais e personalidades antidemocráticas do País, avisando que sua gestão será “implacável na defesa da história da Justiça Eleitoral”. Sem citar o presidente Jair Bolsonaro (PL), que não compareceu à cerimônia de posse nesta segunda-feira, 22, mesmo após ser convidado pessoalmente pela nova presidência, o ministro disse que a instituição “não se renderá” a ataques contra o processo eleitoral.
O novo presidente fez um movimento simultâneo de convite ao diálogo a todos os atores envolvidos nas eleições deste ano e alerta a essas mesmas autoridades, com sinalizações de que os integrantes do seu mandato serão firmes na defesa da democracia. “Parece-nos igualmente urgente e imprescindível cessar o esgarçamento dos laços sociais. Uma sociedade quista em comunhão não pode – simplesmente não pode! – flertar com o rompimento”, afirmou.
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“Como sabem, vivemos em um mundo novo, em que o espaço das redes digitais precisa ser defendido dos contra-ataques de criminosos que tentam vilipendiar as instituições”, disse. "A democracia é, e sempre foi, inegociável”, disse.
Além de anunciar o tom “linha dura” que a sua breve gestão deve adotar, Fachin destacou a importância de as autoridades relevantes do processo eleitoral se unirem ao TSE e à sociedade civil no “comprometimento integral” de garantir a “estabilidade democrática”. O ministro-presidente anunciou que uma de suas primeiras medidas à frente do cargo, já no mês de março, será a realização de reuniões com os dirigentes de todos partidos, com o objetivo de firmar cooperação institucional, sobretudo na área de combate às notícias falsas.
“A tolerância, a disposição para o diálogo e o compromisso inarredável com a verdade dos fatos afloram no povo quando, primeiramente, constituem faróis para o labor diário das autoridades de todas as esferas. Aos líderes e às instituições, portanto, toca repelir a cegueira moral e incentivar a elevação do espírito cívico e as condutas de boa-fé que abrem portas ao necessário comportamento respeitoso e dialógico”, disse. “Paz e segurança nas eleições em 2022, eis o que almejamos”, repetiu o slogan da gestão.
Objetivos da gestão
Como mostrou o Estadão, a gestão de Fachin, que deve ter duração de apenas seis meses, tende a representar entraves aos interesses eleitorais de Bolsonaro. Em resposta antecipada, o chefe do Executivo iniciou ataques diretos ao ministro. Apesar de ter se tornado alvo do discurso presidencial e das redes bolsonaristas, o presidente do TSE garantiu que seus objetivos no cargo envolvem o foco no diálogo com as instituições e a formação de alianças estratégicas com entidades “genuinamente interessadas” na manutenção da democracia. Outro pilar da sua atuação será coibir “as formas de expressão violenta da política”.
Fachin anunciou a criação do “Programa de Fortalecimento Institucional da Justiça Eleitoral”, com o objetivo de robustecer a capacidade de resposta do TSE aos ataques recebidos. A Comissão de Transparência Eleitoral e o Observatório de Transparência, criados durante a gestão de Luís Roberto Barroso, terão suas atividades ampliadas e fortalecidas.
Em sinal de comprometimento com o que declarou em entrevista ao Estadão, quando afirmou que a questão cibernética seria uma prioridade, o presidente prometeu apoio ao à Secretaria de Tecnologia da Informação do Tribunal.
“A Justiça Eleitoral é, para todos os efeitos, ao lado das instituições constitucionais, incansável fiadora da democracia e limite às alternativas opressoras do passado. Dentro desse contexto, as investidas maliciosas contra as eleições constituem, em si, ataques indiretos à própria democracia, tendo em consideração que o circuito desinformativo impulsiona o extremismo”, disse.
Além de listar os seus objetivos no cargo, Fachin indicou os principais desafios já identificados pelo TSE. Segundo ele, será necessário “proteger e prestigiar a verdade sobre a integridade das eleições”, garantir o respeito ao “escore das urnas” e combater a “perniciosa desconstrução do legado da Justiça Eleitoral” — eixos sob ataque das milícias digitais que promovem desinformação contra o tribunal nas redes sociais.
“É urgente e imprescindível: a união de atores comprometidos com o sistema democrático, a fim de preservar, mediante suas vozes, o protagonismo da verdade no sistema informativo”, disse. “Impende preservar a união e a concórdia, recusando, a todo o custo e por todos os meios legítimos, as armadilhas da pirataria informativa”, completou. cumpre-nos, assim, preservar o patamar civilizatório a que acedemos e evitar desgastes institucionais”, declarou em outro momento,
Embora Bolsonaro tenha se ausentado da cerimônia, o Palácio do Planalto se fez presente na posse de Fachin com o vice-presidente Hamilton Mourão. Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Betto Simonetti, também compareceram ao evento, assim como o procurador-geral da República, Augusto Aras.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,novo-presidente-do-tse-fachin-promete-ser-implacavel-contra-desinformacao-e-autoritarismo,70003987718
Luiz Carlos Azedo: Doria está derretendo e pode disputar reeleição em São Paulo
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Num encontro promovido pelo banco BTG Pactual para operadores do mercado financeiro, ontem, o governador de São Paulo, João Doria, pela primeira vez, admitiu que pode desistir de concorrer à Presidência da República, em razão da alta rejeição e do fraco desempenho nas pesquisas. “Não vou colocar o meu projeto pessoal à frente daquilo que sempre foi a índole. Se chegar lá adiante e, lá adiante, eu tiver de oferecer o meu apoio para que o Brasil não tenha mais essa triste dicotomia do pesadelo de ter Lula e Bolsonaro, eu estarei ao lado daquele ou de quantos forem os que serão capacitados para oferecer uma condição melhor para o Brasil”, disse.
A declaração de Doria foi comemorada por gregos e baianos, uma vez que seus aliados estão aflitos com o mau desempenho do governador paulista na pré-campanha, e os desafetos tucanos ainda sonham com a candidatura do governador gaúcho, Eduardo Leite, que perdeu as prévias para Doria. A declaração dele abriu a possibilidade de um acordo com os demais candidatos da chamada terceira via, entre os quais Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), que já vinham debatendo a possibilidade de uma candidatura unificada desse campo.
As pesquisas estão mostrando que Doria corre o risco de repetir a trajetória do ex-governador Orestes Quércia em 1994, quando concorreu à Presidência pelo então PMDB. Campeão de votos da legenda desde as eleições de 1974, Quércia tinha um grande acervo de realizações como governador paulista, principalmente obras de infraestrutura, e acreditava que sua administração poderia projetá-lo nacionalmente. Não foi o que aconteceu. Quercia acabou cristianizado pelos caciques do seu partido.
O governador de São Paulo também faz uma administração considerada eficiente por seus apoiadores, conclui a gestão com grande capacidade de investimentos e concedendo aumento salarial para o funcionalismo, mas nada disso alavanca sua candidatura no estado. Seu vice-governador, Rodrigo Garcia, principal responsável pela articulação política do governo, também não tem um bom desempenho nas pesquisas. Por essa razão, seus aliados pressionam Doria para que antecipe a saída do Palácio dos Bandeirantes, abrindo espaço para maior projeção do vice-governador, o candidato que escolheu.
Esse movimento, porém, tem cheiro de cristianização e pode virar um tiro pela culatra. A declaração de ontem é um sinal de que Doria pode concorrer à reeleição. Uma das razões do tucano para desistir da candidatura é a resiliência de Bolsonaro numa fatia expressiva do eleitorado paulista, que está alavancando o nome do ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo.
Doria se elegeu cristianizando Geraldo Alckmin, quando o tucano foi candidato à Presidência da República, seu padrinho político, num caso típico de criatura que rompe com o criador. Agora, o ex-governador paulista dá o troco, ao fazer uma aliança com o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva, do PT, para ser seu vice. Além de Alckmin, outras lideranças do PSDB romperam com Doria, entre as quais Aloysio Nunes Ferreira e José Aníbal. A desistência, em tese, abriria espaço para uma recomposição.
A declaração de Doria, porém, pode ser apenas uma manobra tática para conter as dissidências da legenda, principalmente a saída de Eduardo Leite do PSDB, para ser candidato a presidente da República pelo PSD, de Gilberto Kassab. As negociações entre ambos estão muito avançadas e a consumação da mudança de legenda pode ser um golpe mortal na candidatura de Doria.
Terceira via
Quem está com o mico na mão é o Cidadania, que aprovou a federação com o PSDB por apenas um voto, mesmo sabendo que Doria estava se inviabilizando. O líder da bancada na Câmara, Alex Manente (SP), articula o nome da senadora Eliziane Gama (MA) para vice de Doria, mas a direção nacional da legenda manteve a candidatura do senador Alessandro Vieira (SE) à Presidência. Importantes lideranças do Cidadania consideram a federação com o PSDB um abraço de afogados e já admitem abandonar o partido na janela partidária, como fez o governador da Paraíba, João Azevedo, que voltou para o PSB.
A disposição de Doria em colaborar para unificar o campo da terceira via, porém, renovou as esperanças de que se chegue a um nome de consenso entre essas forças. Além de Leite, Simone e Alessandro, o ex-juiz Sergio Moro (Podemos) e o ex-governador Ciro Gomes (PDT), que estão em melhor situação nas pesquisas, também pleiteiam essa condição, mas esbarram em dificuldades por causa de suas relações pregressas com Bolsonaro e Lula, respectivamente. Um é considerado muito à direita; o outro, muito à esquerda. Isso dificulta união do chamado centro político. O projeto de Doria era esse, a partir de seu posicionamento estratégico mais ao centro, mas falta combinar com os eleitores.
Jairo Nicolau: O efeito inesperado da federação partidária
Jairo Nicolau / O Globo
A federação partidária é a mais badalada alteração da legislação eleitoral que passará a vigorar em 2022. Pela nova regra, dois ou mais partidos federados são obrigados a funcionar como uma organização única por quatro anos. Isso significa que disputarão juntos as eleições deste ano e as municipais de 2024 e que terão uma bancada única no Congresso e nas Câmaras Municipais de todo o país.
Até onde eu saiba, a federação partidária é uma invenção brasileira. Em todas as democracias, as legendas se aliam para disputar uma eleição ou dar sustentação a um governo. Ocasionalmente, partidos próximos no espectro ideológico se fundem e viram uma nova organização. O Brasil inventou a fusão envergonhada: um casamento partidário com respaldo para acabar depois de quatro anos.
Não é fácil fazer uma federação. Os partidos brasileiros têm uma grande autonomia estadual e municipal. Em muitos casos, seus parceiros preferenciais (e adversários) nos estados e municípios não são os mesmos da política nacional.
Em que pese o grande destaque que a discussão em torno de formação de federações partidárias tem recebido, a mais importante mudança da legislação eleitoral que entrará em vigor em 2022 é o fim das coligações nas eleições para deputado federal e estadual.
Entre 1986 e 2018, as legendas puderam coligar-se nas eleições proporcionais sem a obrigatoriedade de que essas coligações fossem as mesmas em todo o país. Se um partido não estivesse coligado a outro na disputa para presidente, ele ficava livre para se aliar a qualquer um nos estados. E os partidos aproveitaram essa liberdade. Não me lembro do caso de duas legendas que tenham feito a mesma coligação em todos os estados para os cargos de deputado federal e estadual.
Sempre fui contra as coligações para cargos proporcionais. Elas distorciam a vontade do eleitor e produziam algumas aberrações na representação dos partidos. Mas nunca acreditei que um dia elas seriam extintas, já que a maioria das legendas se beneficiava de sua existência. Aliás, até hoje não compreendo as razões que levaram os congressistas não só a proibir as coligações, mas também a inscrever a proibição na Constituição.
A Câmara dos Deputados chegou a aprovar uma emenda constitucional que permitia a volta das coligações, mas o Senado não votou a matéria. Sem as coligações, a vida dos pequenos partidos ficará difícil em muitos estados (sobretudo os que têm uma bancada de até dez deputados na Câmara). Provavelmente, o número de legendas que conseguirão eleger representantes deverá ser reduzido drasticamente.
As federações partidárias foram criadas como mecanismo para os pequenos partidos “escaparem” das dificuldades trazidas pelo fim das coligações. Vale a pena lembrar o empenho do PCdoB pela aprovação do dispositivo. Os dirigentes perceberam que, sem a coligação, o partido perderia a representação em diversos estados e não conseguiria atingir a cláusula de 2%. Não é coincidência que o PCdoB tenha sido o primeiro a fazer uma federação com o PT.
O que mais surpreende é as grandes legendas negociarem para formar federações entre si. É o caso do PT e do PSB. Ambos são partidos bem estruturados, com ampla presença no território nacional e razoáveis diferenças ideológicas e conflitos em alguns estados. Sem contar que não teriam muito a ganhar com as alianças nas eleições proporcionais. Por que não preferem o velho modelo de aliança eleitoral para o Executivo?
Talvez esse seja um efeito não antecipado da nova regra. Criada para proteger os pequenos partidos dos efeitos das coligações, as federações podem acabar acelerando o inevitável enxugamento do sistema partidário brasileiro. Aguardemos até o dia 31 de maio, quando vence o prazo derradeiro para serem celebradas a tempo de valerem para a eleição.
*Pesquisador e professor da FGV/CPDOC
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/o-efeito-inesperado-da-federacao-partidaria.html