Day: fevereiro 11, 2022
Pedro Doria: Nazistas do pão e circo
Pedro Doria / O Estado de S. Paulo
Esta é uma coluna sobre o Partido Nazista — mesmo que não pareça.
Toda filosofia que temos para refletir a respeito de liberdade de expressão parte do pressuposto de que há uma barreira de entrada para alcançar um público grande. Fosse para publicar um texto e distribuir ou, mais recentemente, falar na TV aberta, sempre foi difícil chegar lá. Hoje, exige apenas a compra de um aparelho celular. E quem decide o alcance de uma mensagem não é um ser humano. É um programa — e esse programa é um editor de imprensa marrom de quinta que privilegia incentivar conflitos.
Nos séculos XVIII, XIX e XX, o tempo de existência das democracias, levar sua opinião a muita gente era uma corrida de obstáculos. Conseguiam falar com muitas pessoas apenas aqueles que desenvolvessem uma ou mais capacidades. Estudavam muito ou sofisticavam suas habilidades políticas ou desenvolviam um carisma quase mágico. Fundamentalmente, tudo isso demorava tempo e incluía convencer muita gente de que valia a pena levar sua voz a muitos. O século XXI não tem nada disso.
Se, até aqui, o argumento parece nostálgico ou conservador, não é. As coisas mudam.
Só que, quando as coisas mudam, precisamos nos readaptar. Porque, afinal, a filosofia que temos para refletir sobre a liberdade de expressão se baseia numa premissa que não existe mais. Não adianta falar que maus argumentos serão derrotados por bons argumentos. Isso era no tempo em que havia tempo. Hoje maus argumentos ficam, contra-argumentos não chegam e nos distraímos com o primeiro biquíni após o segundo nazista. Não há mais o mercado em que ideias disputam espaço. Foi substituído por um mercado de distrações de um minuto ou menos.
O que não mudou foram as democracias. Elas continuam necessitando de um debate público que incite reflexão, que dê tempo ao amadurecimento de ideias, que convoque as melhores mentes a argumentar na praça pública perante toda a sociedade.
Quando todos estão distraídos, onde é que discutimos ideias?
Porque, convenhamos. Passamos a última semana discutindo sobre a possibilidade de o Partido Nazista ser legal no Brasil. Há algum nazista requerendo tal autorização? Não. O que há é um gamer bêbado que gosta de chocar e fala com milhões. Um ex-BBB elevado a comentarista político que decidiu fazer a saudação romana em rede nacional. E um deputado que, apesar da boa atuação parlamentar, fora da Câmara brinca de MBL, aquele movimento de trintões de direita que fingem adolescência na tela do celular.
O que isso tem a ver com o Brasil? Nada. Os problemas do Brasil são que matamos jovens pretos numa proporção abominável, a fome voltou e arde nas ruas, a inflação atingiu pela primeira vez desde o Real níveis preocupantes e, ora, há um fascista de verdade na Presidência da República. Uma lei que proíbe suásticas não evitou seu discurso ou sua eleição. (E, ora, a lei já existe.)
Nada disso é acidente. O gamer bêbado e o ex-BBB sabem que terão muitos likes, muitos compartilhamentos, que virarão trending topics se provocarem o bastante. Não sabem é que aqui, como em qualquer canto do Ocidente, não se cruza a segunda regra de ouro. Holocausto e pedofilia são temas com que não se mexe. Fora dessas duas categorias, a internet perdoa qualquer rompimento daquela primeira regra de ouro, a original, do rabino Hillel: aquilo que não gostaria que fizessem com você, não faça com os outros. Não vale pras redes sociais. Nelas, dá audiência.
Não é um debate sobre liberdade de expressão. Nosso problema é outro: a praça pública, onde discutimos as questões da sociedade, se perdeu num mar de distrações. Na perda da ágora ateniense, voltamos à Roma imperial. Neste tempo de pão e circo, periga descobrirmos que o século XX era mais moderno que o XXI.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Míriam Leitão: Recuo democrático do Brasil é comandado de dentro do Planalto
Míriam Leitão / O Globo
O Brasil vive um recuo democrático? Afinal as instituições seguem funcionando, dizem muitos. A revista "Economist" diz que a nota da democracia brasileira diminuiu e que América Latina foi a região em que houve o maior recuo democrático. Eu concordo com a revista. A democracia corre riscos no Brasil.
Quero usar um exemplo que está hoje publicado neste jornal: "A Polícia Federal afirmou ao Supremo Tribunal Federal que uma milícia digital atua contra a democracia e as instituições usando a estrutura do chamado gabinete do ódio”, assim abre a matéria do Aguirre Talento e Mariana Muniz, hoje no "O Globo".
Isso significa que dentro do Palácio do Planalto, essa é a suspeita da PF e há muitos indícios disso, funcionários públicos que, como todos sabem, trabalham sob o comando informal do vereador e filho do presidente, Carlos Bolsonaro, disparam mensagens de ódio contra as instituições brasileiras. Entre os alvos, o principal é o Supremo Tribunal Federal. que é colocado como inimigo da atual administração. A imprensa é outro alvo.
Esse gabinete tenta tirar a credibilidade dos órgãos e dos jornalistas, e para abalar a confiança dos brasileiros no Supremo Tribunal Federal. E o que são essas milícias as quais o gabinete do ódio está ligado? São perfis falsos em sua maioria, amplificando o que alguns influenciadores financiados e apoiados pelo governo fazem: produzem mentiras e as divulgam. Foram importantes para a eleição de 2018, e serão mais fortes agora porque estão ligadas ao gabinete que está dentro do Planalto com funcionários pagos com os nossos impostos.
A mentira é usada como método por esse núcleo que nasce no Palácio do Planalto e se espalha nas redes sem qualquer impedimento. Um dos investigados por crimes digitais fugiu para o exterior e de lá é visitado por integrantes do governo. Isso é um dos exemplos. Há outros, diários e constantes.
Jair Bolsonaro é o primeiro presidente antidemocrático que assumiu o poder desde a redemocratização. E ele usa os poderes da presidência nesse combate às instituições. Ele executa um plano de enfraquecimento da democracia através de várias fórmulas, como a intervenção em instituições que deveriam ser independentes. A própria Polícia Federal ainda resiste, mas perdeu muito da sua autonomia com perseguição explícita a delegados e a nomeação de um diretor submisso, que se reporta ao presidente. O procurador geral da República dá sinais explícitos de vassalagem ao presidente. O Congresso foi comprado com as emendas do relator. As Forças Armadas ele tentou atrair para servir ao seu governo e não ao estado brasileiro.
E o governo liberou armas, e tirou o controle sobre armamento inclusive pesado, para que seus seguidores se armem porque ele quer ter à mão armas para intimidar adversários políticos e quem denuncia seus desmandos. Outra frente de enfraquecimento da democracia são as suas lives semanais nas quais fez todo o tipo de ataque à confiança no sistema eleitoral brasileiro. O presidente sempre quis que o brasileiro perdesse a confiança no processo eleitoral porque isso é parte do projeto autoritário. E usou inclusive informações sigilosas da Polícia Federal, que ele manipulou de forma leviana e irresponsável, para tentar desmoralizar a Justiça Eleitoral.
O país tem resistido, mas não tem sido fácil. Até quando a resistência manterá a democracia funcionando? Essa é a pergunta que nos ronda principalmente neste ano.
Alon Feuerwerker: Um duplo recall
Alon Feuerwerker / Análise Política
O sistema político-eleitoral brasileiro vem organizado para impedir que o presidente escolhido na urna eleja com ele uma maioria parlamentar partidária. O problema está na base da nossa crônica instabilidade e de presidentes precisarem passar todo o mandato às voltas com a ameaça de impeachment.
E está na raiz de o chefe do Executivo precisar fazer concessões em série no orçamento e na ocupação de estruturas ministeriais e empresas estatais, o que torna o governo potencialmente mais vulnerável. E mais refém, portanto, do Congresso Nacional. E o círculo se fecha.
Teria como resolver, mas não há interesse. Para manter o presidente no cabresto curto.
Eis por que de vez em quando os flutuantes “partidos de centro” ganham o rótulo depreciativo de “centrão”, mas outra hora, quando convém, é oferecido ao útil "centrão" renomear-se como “partidos de centro”.
Uma maneira de resolver seria calcular as bancadas dos estados na Câmara dos Deputados não pelos votos dados aos candidatos a deputado federal, mas aos candidatos a presidente. E calcular as bancadas nas assembleias legislativas pela votação dos candidatos a governador. E nas câmaras municipais pela votação dos candidatos a prefeito.
Mas a simples menção à possibilidade de presidentes terem maioria parlamentar partidária desencadeia por aqui advertências apocalípticas sobre o risco de “populismo”, “cesarismo”, “bonapartismo”. O Brasil deve ser o único país em que a dificuldade estrutural de o chefe do Executivo formar maioria parlamentar é embalada como qualidade.
Mas, se esse problema é de difícil solução, há outro caminho. Talvez seja saudável então aumentar o preço a ser pago pelos legisladores em caso de impeachment. O modelo em vigor, aliás, prevê apenas estímulos ao Congresso Nacional quando se trata de remover o presidente.
Estímulos especialmente aos presidentes das duas Casas, que andam uma casa (sem trocadilho) para adiante na linha de sucessão.
É mamão com açúcar.
Não é normal que a nossa "taxa de mortalidade política” dos presidentes escolhidos na urna ande tão alta. Por que, apenas por hipótese, não estabelecer que remover um presidente deve ser decidido em última instância num referendo? Dando ao eleitor que colocou a autoridade no palácio a última palavra.
Melhor ainda: por que não oferecer a esse mesmo eleitor a possibilidade de decidir também sobre a dissolução do Congresso Nacional e a convocação de novas eleições para o Legislativo federal? Duas perguntas na urna eletrônica em vez de uma. Um duplo recall. Querem remover um presidente? Então que se ofereça ao eleitor a possibilidade de um reset, ou um Ctrl+Alt+Del.
E o método deveria ser replicado nas assembleias estaduais e câmaras municipais.
Há com certeza outras ideias. Uma que ensaia voltar é o parlamentarismo, mas ele sofre de duas moléstias: 1) já foi rejeitado em dois plebiscitos; 2) não é razoável achar que um presidente eleito com 60 milhões de votos vá aceitar ser peça decorativa num governo comandado por algum deputado ou senador só porque ele tem apoio nos pares.
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Publicado na revista Veja de 16 de fevereiro de 2022, edição nº 2.776
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/02/um-duplo-recall.html
Para Greenpeace, desmatamento na Amazônia está fora do controle
Rosana Hessel / Correio Braziliense
O Greenpeace Brasil fez novo alerta para o desmatamento na Amazônia, que bateu novo recorde em janeiro, com aumento de mais de 400% na comparação com o mesmo mês de 2021, apesar das chuvas na região. Para a entidade, a destruição da maior floresta tropical do mundo “está fora de controle” diante da falta de fiscalização nas florestas.
Em comunicado divulgado nesta sexta-feira (11/2), a entidade destacou os dados do sistema Deter, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), de hoje, apontando que, entre os dias 1 e 31 de janeiro, os alertas apontam para um total de 430 km² desmatados, aumento de mais de 418% em relação a janeiro de 2021, mesmo com as chuvas acima do normal na região. Esse novo recorde de desmatamento Amazônia, informou o Greenpeace, “reafirmam que o desmatamento na deterioração da maior floresta tropical do planeta está fora de controle”. O dado também foi a maior área com alertas para o mês desde 2016, quando foram iniciadas as medições do Deter-B. Os alertas de desmatamento se concentram principalmente nos estados de Mato Grosso, Rondônia e Pará.
“Os estímulos para o desmatamento têm sido tão evidentes que mesmo em janeiro, quando o desmatamento costuma ser mais baixo por conta do período chuvoso na região amazônica, a destruição disparou. De fato, esse é um momento de ouro para quem desmata e/ou rouba terras públicas, já que existe uma falta proposital de fiscalização ambiental e expectativa de alteração na legislação para regularizar a invasão de terras públicas”, disse a porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Cristiane Mazzetti, no comunicado da entidade.
De acordo com análise do Greenpeace Brasil, 22,5% da área com alertas de desmatamento entre 1º e 21 de janeiro deste ano se concentraram nas florestas públicas não destinadas, alvo frequente de grilagem de terras. A organização destacou ainda que o Senado Federal discute duas propostas preocupantes (PL2.633/20 e PL 510/21) que visam regularizar a grilagem de terras, o que pode aumentar ainda mais o desmatamento que é recorde, prejudicando a economia e contribuindo para as mudanças climáticas extremas.
“Quanto mais desmatamento, maior é a contribuição do país com a ocorrência de extremos climáticos, a exemplo das fortes chuvas que afetam drasticamente as vidas de milhares de brasileiros. Além disso, o descaso do governo com as florestas e com o clima, estampados nos dados de janeiro, vão na contramão de sinalizações que mercados consumidores e entidades internacionais têm dado, exigindo cada vez mais o controle do desmatamento”, destacou a porta-voz.
A exemplo disso, destacou a entidade, a União Europeia tem discutido uma legislação que proíbe a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas, ao passo que a falta de medidas para conter o desmatamento pode ser utilizada para barrar a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) .
Fonte: Correio Braziliense
https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/para-greenpeace-desmatamento-na-amazonia-esta-fora-do-controle/
‘Não sei se Guedes seguiria no cargo em um segundo governo’, diz Flávio
Jussara Soares / O Globo
BRASÍLIA – O senador Flávio Bolsonaro, coordenador do comitê de campanha à reeleição do presidente, colocou em dúvida a permanência do ministro da Economia, Paulo Guedes, em um eventual segundo mandato de seu pai. Em entrevista ao GLOBO, o parlamentar reconheceu que o papel exercido pelo chefe da equipe econômica é "cansativo", mas que só depende de Guedes "continuar dando a sua contribuição" ao governo.
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O senador elogiou “as orientações” de Guedes na política econômica, mas deixou claro que há um cardápio eleitoral que o ministro precisará seguir:
– Ele (Guedes) tem o senso de responsabilidade de buscar o meio-termo para que a política econômica não degringole o Brasil de vez, a médio e longo prazo, mas sabe da importância, em ano eleitoral, de ter um remédio mais amargo para segurar a inflação, reduzir o preço do dólar e gerar mais emprego. Eu não sei se ele seguiria no cargo em um segundo governo. Depende da disposição dele, que é cansativo. Você vê que o presidente Bolsonaro envelheceu muito, o Paulo Guedes também. É muito desgastante. Se ele quiser continuar dando sua contribuição, o presidente Bolsonaro vai indiscutivelmente topar na hora, mas não sabemos os planos pessoais dele.
Em conversas reservadas, Paulo Guedes já disse que, em caso de vitória de Bolsonaro em 2022, ele não descarta deixar o governo ou mesmo migrar de pasta.
Nos últimos meses, o presidente e o ministro da Economia têm trilhado caminhos opostos ao traçado nas eleições em 2018, quando a agenda liberal era uma bandeira prioritária de Bolsonaro. Um exemplo desse distanciamento ocorreu nos últimos dias. Sob a bênção do presidente e com o apoio de Flávio, a Casa Civil articulou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, se aprovada, pode gerar um impacto de R$ 100 bilhões aos cofres públicos. A medida, apelidada pela equipe de Guedes de 'PEC Kamikaze', prevê a concessão de um auxílio a caminhoneiro na compra de diesel e a redução de impostos nos combustíveis.
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Questionado sobre por que assinou a PEC Kamikaze que contariava a orientação de Guedes, Flávio disse que apenas seguiu a orientação da liderança do governo na Casa. Disse ainda que há um consenso para uma redução do preço do combustível o mais breve possível:
– Eu estava em Belo Horizonte, e quando eu saio eu vi a notícia que eu tinha assinado a PEC. No Senado, a assessoria faz tudo eletrônico. Não tinha conseguido me consultar na hora e como havia a orientação da liderança do governo de que seria favorável à PEC eles fizeram a assinatura digital. Então, a responsabilidade é minha. A PEC tem coisas positivas e negativas.
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– Em função dessa PEC acendeu um alerta no governo para acelerar quais as propostas do governo para reduzir o preço do combustível, atender toda a cadeia produtiva, caminhoneiros, o pessoal que usa transporte coletivo, quem tem carro etc. O importante é que todos estão imbuídos de reduzir o preço de combustível que está muito alto – completou.
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Em entrevista ao GLOBO, duas semanas atrás, o chefe da Casa Civil disse que passou a ser "para-raio do Posto Ipiranga", ao justificar a nova atribuição. De acordo com Ciro, a mudança se deu para preservar Guedes, apelidado de "Posto Ipiranga" por Bolsonaro, em referência à propaganda de uma rede de posto de combustível onde o cliente podia sanar qualquer dúvida.
– Essa situação foi criada em comum acordo com o ministro Paulo Guedes. Achamos que era muito melhor tanto para ele quanto para a Casa Civil. Levamos esse pleito ao presidente. O que acontece é que o Paulo Guedes sempre ficava encarregado de dar o "não" para alguns pleitos dos ministérios. Além de amortecedor, agora eu sou um para-raio do Posto Ipiranga. Divido com Guedes a responsabilidade de dizer o “não” e o “sim" – afirmou Ciro na ocasião.
‘O PSDB não é mais uma referência nacional’, diz Aloysio Nunes
Eduardo Kattah e Pedro Venceslau / O Estado de S. Paulo
Tucano histórico, o atual diretor da SP Negócios, Aloysio Nunes Ferreira, foi um dos líderes tradicionais do PSDB procurados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em aceno ao centro neste ano eleitoral. Em entrevista ao Estadão, Aloysio defendeu como prioridade impedir a reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Ex-senador e ex-ministro da Justiça e das Relações Exteriores, Aloysio disse ver potencial na candidatura do governador João Doria ao Palácio do Planalto, mas destacou que, se o tucano “não decolar”, não há opção viável na “terceira via”.
Ao analisar a crise interna do partido – uma ala contrária à candidatura própria à Presidência tem pressionado a pré-campanha de Doria –, o ex-chanceler afirmou que o PSDB “não é mais uma referência nacional”.
O ex-presidente Lula teve uma série de encontros com líderes históricos do PSDB – o sr. foi um deles. Qual é o simbolismo desses encontros?
Durante o processo de impeachment (de Dilma Rousseff), o antipetismo acabou se transformando em uma segunda natureza do PSDB. Isso nos fez andar em muito má companhia. Agora, diante do desastre que foi a eleição do Bolsonaro – um desastre até previsível – e do seu governo de destruição sistemática, vem a ideia de que é preciso retomar um diálogo que houve ao longo do tempo com forças de esquerda, como o PT. Talvez o PT tenha sido anti-PSDB, e a campanha Fora FHC é um exemplo disso, mas nós, do PSDB, antes desse processo de radicalização, sempre tivemos a compreensão da importância do PT na vida política brasileira como expressão do movimento popular. Ainda que não houvesse um papel escrito, houve convergência em muitas coisas importantes.
Quais, por exemplo?
No tema dos direitos humanos houve toda uma legislação que nós aprovamos. Lei da Imigração, Comissão da Verdade, Lei de Proteção de Dados, Marco Civil da Internet. Houve um diálogo das forças democráticas, e não só PT e PSDB. O Código Florestal foi um mutirão envolvendo gente do MDB, do PT, do PSDB e do PFL. Mesmo na política externa, fui presidente da Comissão de Relações Exteriores (do Senado), e meu vice era o Jorge Viana (do PT), que fazia constantemente a ligação entre a pauta do plenário e da comissão. A luta contra a pobreza extrema e a transferência de renda. Tudo isso foi feito com uma colaboração não formalizada, mas existente na vida real. São duas vertentes da social-democracia brasileira: uma mais à esquerda, representada pelo PT, e uma mais direita, cada uma com seu sistema de alianças. Aí chega Bolsonaro e destrói isso. Nesse processo de radicalização, que vem de antes do impeachment, uma parte do nosso eleitorado foi embora. Perdemos um componente importante dos nossos eleitores, de uma direita civilizada e moderada.
O antipetismo foi uma “muleta” para o PSDB? Esse sentimento ajudou a eleger os únicos governadores do partido em 2018...
O PSDB não é mais uma referência nacional como foi. Na época em que o PSDB teve posições fortes na eleição nacional, com Fernando Henrique, (José) Serra e (Geraldo) Alckmin, o partido era uma referência que se opunha ao PT no campo eleitoral. O PSDB trazia consigo um eleitorado mais liberal e progressista, e também de direita conservador, mas do campo democrático. Isso foi explicitado na chapa FHC-Marco Maciel.
O governador João Doria representou a ascensão desse “extremismo” dentro do PSDB?
A eleição do Doria surfou nessa onda no movimento “Bolsodoria” no segundo turno (da disputa à Presidência em 2018), que foi entre Bolsonaro e (Fernando) Haddad, e dele contra o Márcio França (do PSB, em São Paulo). A campanha do Doria entrou na mesma corrente que votava no Bolsonaro e forçou um pouco a mão ao apresentar o Márcio França como comunista. O Márcio França é tão comunista quanto eu sou hare krishna. Mas ele (Doria) se redimiu depois com uma oposição consistente e corajosa, como governador, ao Bolsonaro.
O Doria deve levar sua candidatura até o fim, independentemente das perspectivas eleitorais?
Se você não tem uma candidatura forte, ou uma corrente política com um mínimo de coesão interna, cada um vai buscar a sua sobrevivência. A vida partidária está muito desorganizada, caótica, em razão de vários fatores, como o Fundo Partidário gigantesco, as emendas de bancadas e a perda da agenda presidencial diante do Congresso. Tudo isso é resultado da desorganização política do Brasil. Hoje, quem não tem uma candidatura forte de partida, casos de Bolsonaro e Lula, nem é apoiado em um partido minimamente coeso, vê as pessoas tentadas a buscar a própria sobrevivência. É salve-se quem puder. Por isso vamos ter nesta campanha a generalização dos dois palanques, como ocorreu em São Paulo na reeleição do Fernando Henrique. Um era Fernando Henrique e (Paulo) Maluf, e o outro, Fernando Henrique e (Mario) Covas, para desespero do Andrea Matarazzo, que era coordenador da campanha do FHC. Esse movimento é generalizado. Muitos vão ressuscitar o “voto camarão”, quando muita gente votava na chapa completa, mas não para Presidência da República.
Quando o sr. e outros quadros históricos do PSDB se encontram com o ex-presidente Lula e estabelecem com ele um diálogo público não passam um sinal de que a pré-candidatura de Doria é vista no partido como pouco viável?
Em 2018 não houve, da parte do Fernando Haddad, nem um gesto semelhante ao que o Lula está fazendo hoje. O impeachment estava recente e havia muitos ressentimentos. O Lula estava preso. 2018 foi uma eleição muito aberta, tanto que foi eleito um sujeito que ninguém imaginava que podia ser presidente da República. O PSDB estava desbaratado por conta da Lava Jato. O (Michel) Temer estava acuado pelo lavajatismo. O Ciro era o mesmo. Ainda é hoje e será amanhã. Não houve na época uma consciência clara do perigo do Bolsonaro. Essa movimentação do Lula hoje é absolutamente legítima. É da natureza dele. O extremista dessa campanha é o Bolsonaro, e é ele que temos que derrotar. Temos que tentar tirá-lo inclusive do segundo turno.
O sr. acredita na viabilidade da candidatura do governador de São Paulo?
O Doria vai crescer nas pesquisas. Ele faz um bom governo. Curiosamente, muita gente que detesta o Doria por razões quase antropológicas – a identificação dele como elite paulista no imaginário – reconhece o governo dele, que teve bons resultados em todos os índices, inclusive nesse que é decisivo para o desgaste do Bolsonaro, que é a vacina. Doria tem um excelente candidato a governador, que é o Rodrigo Garcia.
A direção do PSDB deve se posicionar contra esse movimento público de dissidência contra a candidatura de Doria?
Não adianta tomar medidas administrativas contra isso. Há um descontentamento com o Doria devido aos atritos que ele criou e ao seu voluntarismo na luta interna do PSDB, como essa obsessão de expulsar o (deputado) Aécio (Neves). As prévias são o resultado da dissolução orgânica do PSDB e da incapacidade de ter mecanismos internos de composição para escolher um candidato. Por isso se abandonou o terreno natural, que é a convenção nacional. Tudo isso gerou ressentimentos. Mas o Doria tem feito gestos para aproximar as pessoas.
O PSDB corre o risco de não alcançar a cláusula de barreira?
Não. O PSDB tem condições de ultrapassar com folga.
Então por que buscar uma federação partidária com o Cidadania?
Essa união interessa ao Doria, porque é o primeiro gesto para escapar daquilo que pesa mais negativamente sobre a candidatura dele hoje do que as pesquisas de intenção de voto: o isolamento político. Já para o Cidadania, a federação é uma questão de sobrevivência. A hesitação do Cidadania, aliás, é um sinal preocupante de isolamento.
A terceira via na disputa ao Palácio do Planalto tem viabilidade?
Muito difícil. A única hipótese de a terceira via vingar é tirando votos do Bolsonaro. O voto do Lula está muito consolidado. Acho difícil alguém desistir para apoiar o outro. Doria e Ciro não desistem. O (Sérgio) Moro talvez.
Mas como enxerga a candidatura de Sérgio Moro? Ele é uma alternativa a Bolsonaro?
Não. Moro é o bolsonarismo do B. Qual credencial ele tem para ser presidente da República? É um juiz de primeira instância, com sentenças altamente contestadas e que se valeu do seu cargo para galgar posições políticas. A plataforma dele foi para a conquista do poder. Não sabe nada do Brasil. É uma coisa fake, mas é um abrigo para o bolsonarismo desiludido.
Como avalia a provável escolha de Geraldo Alckmin como vice de Lula?
É um movimento correto do ponto de vista político, tanto da parte do Geraldo Alckmin quanto do Lula. O Lula sabe que precisa caminhar para o centro. É por onde ele tem que crescer para ganhar no primeiro turno. Para isso, há essa tentativa de ter o apoio de um grande partido nacional estruturado que é o PSD.
Como vê a possibilidade de Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, migrar do PSDB para o PSD para disputar o Planalto?
Vejo com certo constrangimento. Se ele disputou as prévias (do PSDB) e aceitou as regras, deveria se sentir moralmente obrigado a acatar o resultado. Eduardo é um quadro que tem futuro, mas esse caminho o desqualifica.
Qual a avaliação do sr. sobre a Operação Lava Jato?
Teria sido positivo se ela tivesse sido conduzida por magistrados e procuradores respeitosos aos direitos dos acusados. Mas, do jeito que ela transcorreu, foi a destruição da reputação de muitos políticos e pessoas respeitáveis e empresas mediante procedimentos que se revelaram ilegítimos.
Que leitura faz da viagem de Bolsonaro à Rússia neste momento?
A viagem presidencial à Rússia está programada há bastante tempo. Isso não se resolve de um dia para o outro. Isso vem antes de agudizar a crise com a Ucrânia. Somos parceiros da Rússia nos Brics. Cancelar essa viagem agora seria simplesmente uma adesão à tese dos Estados Unidos e da Otan. Tem que manter a viagem.
Qual o saldo do governo Bolsonaro para as relações internacionais?
O isolamento do Brasil. O afastamento de uma tradição diplomática que foi construída ao longo dos tempos. O Brasil tinha o perfil internacional de um país pacífico e que preza a negociação. Afastamos nossos vizinhos da América do Sul. O Brasil cometeu o erro brutal de agarrar no (Donald) Trump, e continua agarrado a uma corrente internacional de extrema direita pela militância dos filhos do presidente. O Brasil perdeu sua autoridade e o capital de confiança, o que demora muito para construir e semanas para destruir.
O sr. atuou como motorista de Carlos Marighella. Como avalia o filme sobre ele?
Eu dirigi o automóvel algumas vezes, mas ele não tinha um motorista só. Marighella era itinerante. Ia trocando de carros e interlocutores. Viajei com ele uma vez para a Praia Grande. Não vi o filme porque essas coisas me fazem mal. Não vi Batismo de Sangue (filme de Helvécio Ratton sobre a trajetória de Frei Tito de Alencar). Vi algumas polêmicas sobre negritude, mas esse não era um tema do Marighella. O que importava era a luta de classe, não racial. É um filme de ação, e o resultado dessa ação foi trágico. Essa opção política da qual eu participei foi trágica e não tinha a menor perspectiva de ter sucesso.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,o-psdb-nao-e-mais-uma-referencia-nacional-diz-aloysio-nunes,70003975924
Benito Salomão: Crises políticas, eleições e economia
Diferentemente de anos anteriores que prometiam, de início, serem "anos de retomada", o Brasil entrou neste 2022 com previsões econômicas já bastante pessimistas.
Desde 2019, quando teve início o governo Jair Bolsonaro (PL), estão disponibilizados dados do PIB brasileiro para 11 trimestres, dos quais em 5 o crescimento foi negativo —ou nulo. Não se trata apenas dos efeitos da pandemia de Covid-19 sobre a economia. Destes 5 trimestres recessivos, 2 deles ocorreram antes da pandemia e outros 2 se deram em 2021, quando o processo de vacinação já estava em curso, e as medidas de isolamento social, mais relaxadas.
Nestes últimos três anos, não dá para desconectar o mau desempenho da economia brasileira das crises políticas que acometeram o Brasil desde a última década e se intensificaram sob a figura de Bolsonaro.
Embora crises políticas sejam difíceis de se quantificar em dados e quase sempre estejam ausentes dos modelos macroeconômicos tradicionais, o que se passa na política influencia na economia —e vice-versa. É impossível, portanto, dissociar o que acontecerá na economia brasileira em 2022 e 2023 do processo eleitoral que se aproxima.
As eleições de 2022 pintam no horizonte como um plebiscito, cuja pergunta é se o governo Bolsonaro deve ou não continuar. A ausência de uma terceira candidatura relevante, há menos de dez meses das eleições e com robustez para quebrar o tom plebiscitário do pleito, indica que em outubro o Brasil deverá fazer uma escolha entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro. Como economista, discordo do programa econômico do PT —estatizante, atrasado, insustentável em termos macroeconômicos. Resta saber se Lula vai abraçar o velho programa partidário de inspiração soviética ou se será o Lula de 2003, do tripé macroeconômico, da reforma da Previdência, da desdolarização da dívida pública e de tantas outras pautas que ajudaram a construir o ciclo de crescimento dos anos 2000.
No que se refere às práticas políticas, o presidencialismo brasileiro requer sintonia entre Executivo e Legislativo. Lula foi capaz de costurar amplo apoio no Congresso sob bases pragmáticas —o popular "toma lá dá cá" predominou no seu período. Não era o melhor modelo, mas era funcional. Com Bolsonaro, no entanto, o Brasil assiste a algo inédito: esvaziado de projetos, o Executivo terceirizou o governo para o Legislativo, que hoje pauta o país a ponto de fazer política orçamentária à revelia do que se passa no "Superministério da Economia". Atualmente, no Brasil, é a Câmara dos Deputados (particularmente setores do centrão), e não o Executivo, que aloca parte dos parcos recursos discricionários disponíveis na União.
Essa distorção nas relações entre Executivo e Legislativo só ocorre em função do tom ameaçador que Bolsonaro adotou contra os Poderes em boa parte do seu governo. Isso inclusive ajudou a minar as bases da confiança e a atirar a economia brasileira neste péssimo desempenho econômico. Para 2022, os democratas devem focar em duas metas: finalizar o governo Bolsonaro e reduzir o tamanho do centrão no Congresso.
*Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/02/crises-politicas-eleicoes-e-economia.shtml
PF cita atuação de Bolsonaro e afirma ao STF que milícia digital usa gabinete do ódio
Fabio Serapião e José Marques / Folha de S. Paulo
A delegada Denisse Ribeiro afirma em despacho ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que coletou no inquérito das milícias digitais elementos de uma ação orquestrada de bolsonaristas na difusão de desinformação e ataques às instituições.
A atuação, diz a PF, seria por meio do "autodenominado gabinete do ódio", que produz conteúdos para atacar pessoas previamente escolhidas pelo grupo.
O modelo orquestrado teria como finalidade criar e deturpar dados para "obter vantagens para o próprio grupo ideológico e auferir lucros diretos ou indiretos por canais diversos".
O documento enviado a Moraes faz um um resumo da investigação e foi feito para informar sobre o início da licença-maternidade da delegada. Ela indica a necessidade de continuidade nas investigações e sugere um investigador substituto.
No entendimento de Denisse, há "lacunas que precisam ser preenchidas, indicadoras da necessidade de realização de novas diligências voltadas à individualização dos fatos praticados, com indicação de autores e partícipes".
Entre as diligências estão a oitivas de pessoas, cruzamentos de dados, indiciamentos e interrogatórios, diz a delegada.
A manifestação da delegada vem na mesma semana em que Moraes autorizou que o presidente Jair Bolsonaro passe a ser investigado no inquérito por causa do vazamento da apuração sobre o hacker do Tribunal Superior Eleitoral.
Ela afirma no despacho que esse caso, assim como o da live em que Bolsonaro atacou sem provas as urnas e os apurados no inquérito das fake new, possui "correlação e revelam semelhança no modo de agir" do grupo investigado no inquérito das milícias digitais.
Segundo a delegada, o material coletado até agora na investigação aponta para "existência de eventos que, embora não caracterizem por si tipos penais específicos, demonstram a preparação e a articulação que antecedem a criação e a repercussão de notícias não lastreadas ou conhecidamente falsas a respeito de pessoas ou temas de interesse",
"Como exemplo, entre outros, pode-se citar a questão do tratamento precoce contra a Covid-19 com emprego de hidroxicloroquina/cloroquina e azitromicina", diz trecho do despacho.
Além desses casos, diz o relatório, há menção entre os investigados de "elaboração de dossiês contra antagonistas e dissidentes, inclusive com insinuação de utilização da estrutura de Estado para atuar investigando todos".
Sobre um caso específico, em uma nota de rodapé do relatório, a delegada cita trechos extraídos pela PF de conversas de Otávio Fakhoury, empresário bolsonarista, e Angela Masília Lopes em que há citação de uma pessoa que era o cão farejador no PSL de São Paulo e que fazia levantamentos e dossiês.
Segundo o diálogo, cuja data não é revelada, a dupla também estaria atrás de informações sobre Sergio Moro (Podemos) e Rosângela, sua esposa, e teria comemorado o fato do delegado Alexandre Ramagem ser colocado no comando da Abin (Agência Brasileira de Inteligência)".
"Bendito dia em que puseram esse Ramagem na ABIN! Eh o jeito de fazer esse país andar. Investigar todos e pôr todo mundo na parede", diz trecho da conversa transcrita no relatório.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/02/pf-diz-ao-stf-que-milicia-digital-usa-gabinete-do-odio-e-delegada-se-licencia.shtml
Lilia Lustosa: Alice, uma documentarista no país de Fidel Castro
Lilia Lustosa / Revista Política Democrática online
Não, não estou falando aqui da personagem de Lewis Carroll. Tampouco “apenas” da filha de Joaquim Pedro de Andrade, cineasta brasileiro, autor de clássicos como Macunaíma (1969), O Padre e a Moça (1966) e tantos outros que enriquecem nossa cinematografia. Refiro-me à Alice de Andrade, documentarista de mão cheia, uma apaixonada por Cuba, país onde fez seus estudos no início dos anos 90 e para onde retorna amiúde, com o sempre objetivo de entender aquela ilha tão amada por uns e tão questionada por outros.
Alice estudou na utópica escola EICTV - Escuela Internacional de Cine y TV, localizada em San Antonio de los Baños. “Escuela de Tres Mundos” em sua origem, hoje “Escuela de Todos los Mundos”. Instituição criada em 1986 pelo Comitê de Cineastas da América Latina, do qual faziam parte o argentino Fernando Birri e o colombiano Gabriel Garcia Márquez. Uma filial da Fundación del Nuevo Cine Latinoamericano que contava com o apoio de Fidel Castro. Seu objetivo era formar cineastas do chamado terceiro mundo – América Latina, Ásia e África –, que se tornassem replicadores daquele ofício em seus países. O método de ensino era o “aprender fazendo”, no caso “filmando”. Para compor o corpo docente, profissionais da ativa, originários dos mais diversos países, eram chamados. Entre eles estava o paulista Sérgio Muniz, membro do grupo de documentaristas que ficou conhecido como Caravana Farkas e autor do importante Você Também Pode Dar Um Presunto Legal (1971). Sérgio participou não apenas da idealização da EICTV, como ocupou ali o cargo de Diretor Acadêmico de 1986 a 1988. Já o crítico e cineasta baiano Orlando Senna foi diretor geral de 1991 a 1994, ambos deixando belo legado brasileiro na Escuela.
Mas voltando à Alice… Formada em roteiro, encontrou na convocatória de série SOUTH, do Channel Four, os recursos para realizar seu primeiro documentário, o curta-metragem Luna de Miel, para o qual entrevistou uma série de casais que estavam na iminência de contrair matrimônio e ganhar assim o direito de alugar vestido, comprar bolo, bebidas, enxoval, “fotos iluminadas” e ainda de passar três dias em um hotel 5 estrelas. Era uma espécie de treat que o governo da ilha concedia a seu povo, em uma surpreendente contradição à austeridade do “Período Especial Em Tempos de Paz”, iniciado com o fim da URSS e de seu apoio à Cuba.
Na ocasião, Alice entrevistou 40 casais com o objetivo de selecionar os que lhe pareciam mais adequados para seu filme. Acabou ficando com apenas dois. Ela sabia, porém, que o material filmado dava para muito mais. E foi o que aconteceu. Alguns anos depois, a cineasta retornou a Cuba e realizou Vinte Anos (2016). Desta feita, um longa-metragem em que revisita um dos casais de Luna de Miel e mais dois outros, excluídos antes por falta de espaço. Nesse meio tempo, Alice fez ainda Memória Cubana (2010),em que deixa de lado as histórias das “bodas” e investe na história da Revolução e da criação do ICAIC - Instituto Cubano de Arte e Industria Cinematografica, responsável pelo nascimento do Noticiero ICAIC Latinoamericano, cinejornal semanal que mostrava ao povo cubano a realidade da ilha e da América Latina. Imagens hoje declaradas “Memória do Mundo” pela Unesco.
Para realizar essa obra, a ex-aluna da EICTV seguiu as premissas da escola e partiu em busca dos companheiros cineastas espalhados pelo mundo. Eles foram aonde Alice não podia chegar: Espanha, Venezuela, Bolívia… Uma prova de que o sonho de Birri-Márquez-Muniz-Fidel talvez não fosse tão utópico assim!
Narrados em primeira pessoa, tanto os filmes como a série de Alice não escondem nunca seu amor pela ilha e por sua gente, ainda que a cineasta não enxergue ali só maravilhas. E é aí que está a grande beleza de seu trabalho, já que, ao mesmo tempo que exalta as conquistas da agora distante revolução de 1959, não se furta a lançar um olhar crítico às restrições e à falta de oportunidades presentes na vida de seus amigos cubanos. Uma gente que sofre, ri, se orgulha, se revolta, mas que nunca desiste de lutar. Sua obra é intimista, pessoal e até mesmo física. Marcas de um cinema afetivo, feito no peito, na raça e no coração. Alice às vezes até endurece, “pero sin perder la ternura jamás”.
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíca.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Novo ano, vidas negras continuam sendo interrompidas pelo racismo
Kelly Quirino / Revista Política Democrática online
Ano Novo. Vida Nova. Só que não! Para as pessoas negras no Brasil, ano novo, problemas antigos e vidas interrompidas. A vida de Moise Mugenyi Kabagambe, congolês, foi interrompida após ser violentamente agredido por 3 homens em um quiosque no Rio de Janeiro. 39 pauladas por taco de beisebol interromperam os sonhos que este jovem projetou para 2022.
Outra vida interrompida foi a de Durval Teófilo Filho. Morador de um condomínio fechado no Rio, o vizinho disparou três tiros contra ele, achando que era bandido. Sabe o que estes dois homens tinham em comum? Eram negros em um país racista. Eram negros em um país que mata a cada 23 minutos um jovem negro. Eram negros e ser negro no Brasil é ser suspeito. É ser ladrão. É ser alvo.
Estas mortes não podem ser individualizadas. Não é culpa apenas dos três homens que mataram Moise ou do militar da Marinha que matou Durval. O Estado e a Sociedade Brasileira são culpados por estas mortes.
Só que fica complicado o Estado se responsabilizar, se alguns programas de televisão não avaliam como racismo a morte do Durval, por exemplo. Afirmo isto, porque estava de férias com a minha família quando soube do assassinato do Durval por meio do Programa Balanço Geral. O apresentador Reinaldo Gottino estava fazendo enquete entre as pessoas que estavam no palco, indagando se era racismo a morte do Durval. Ele mesmo exprimia a opinião dele: “Não é racismo”. Se o objetivo era impedir um assalto no condomínio, um tiro apenas seria suficiente para imobilizar o infrator enquanto a polícia é acionada. Quando o militar disparou três tiros, ele proferiu por ser um corpo negro.
Para o apresentador, um homem branco, classe média e privilegiado, não é possível enxergar o racismo neste crime. Porque ele não deve ter sido abordado por um segurança em uma loja e não deve ter sentido as pessoas atravessarem a rua por medo, ao vê-lo e associá-lo a bandido.
São situações assim que homem negro vive no Brasil. É uma desumanização construída por séculos de animalização destes corpos, que podem sofrer todo tipo de violência e inclusive morrerem, porque não são seres humanos.
Enquanto as mortes de pessoas negras forem consideradas problemas individuais no Brasil, não avançaremos em políticas públicas de combate ao racismo. Só que o racismo no Brasil não é debatido amplamente. Ainda que as manifestações em âmbito mundial do Black Lives Matter, em 2020, tenham fomentado a discussão do racismo no país, ainda é um fenômeno tímido perto dos 500 anos de naturalização de violência e morte dos corpos negros.
Ocorre que o brasileiro tem preconceito de ter preconceito, como já dizia Florestan Fernandes, gerando negacionismo permanente sobre a existência do racismo no Brasil, e, assim, o fenômeno continua interrompendo as vidas de pessoas negras.
E pelo fato de as pessoas brancas não viverem situações constrangedoras por causa da cor da pele e de nem terem suas vidas e sonhos interrompidos por causa do racismo, se sentem à vontade para questionar a morte do Durval como uma consequência do racismo em um programa de televisão.
Depois de nomear, temos que compreender porque acontece. O processo de escravidão, a colonização, o sistema de hierarquia que classificou as pessoas em brancas, negras, indígenas. Não faltam autores que abordam estes temas, e elenco alguns nomes como Abdias do Nascimento, Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Maria Beatriz Nascimento, Guerreiro Ramos, Oracy Nogueira, além de sociólogos clássicos como Florestan Fernandes, Octavio Ianni e Carlos Hasenbalg.
Depois de nomear e entender o processo, precisamos nos engajar na luta antirracista. Se queremos um projeto de país democrático e com menos desigualdade, toda população brasileira precisa aceitar que há racismo no Brasil (nomear e aceitar), estudar sobre o tema (letramento racial), compreender que não é um problema individual, ao contrário é complexo e multifatorial e, por fim, propor soluções para as diferentes áreas da sociedade para combater e erradicar o racismo.
Não é uma solução simples. É gradual, processual e urgente. Não podemos aceitar que outros Moise e Durval morram por causa do racismo. E é justo que estas pessoas possam ter expectativas com um Ano Novo e concretizar sonhos de uma Vida Nova sem racismo.
*Kelly Quirino é doutora em Comunicação pela Universidade de Brasilia (UnB), Mestre em Comunicação Midiática e Jornalista Diplomada pela Universidade Estadual Paulista. Pesquisa jornalismo, relações raciais e diversidade.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro/2022 (40ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Luiz Carlos Azedo: Melhor legalizar o lobby e fazer tudo às claras no Congresso
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Uma das características da política em Brasília é o fato de que o outro lado do balcão não muda muito em matéria de lobbies no Congresso. O que muda é a composição da Câmara e do Senado, a cabeça de quem manda na pauta das duas Casas e a correlação de forças a favor e/ou contra os interesses em jogo. Nos bastidores, os lobistas que atuam a favor desses interesses são muito conhecidos. Quando são flagrados fazendo coisa errada, são rapidamente substituídos por outros.
Há todo tipo de lobistas. Os mais sérios atuam com competência na discussão de mérito e na articulação política. Os bandidos engravatados são os que operam as malas da propina. Como não há regulamentação da prática de lobby, todos acabam estigmatizados pela opinião pública. Por isso, talvez a mãe de todas as prioridades do Centrão deveria ser a regulamentação do lobby, como acontece nos Estados Unidos e muitos países da Europa. Haveria mais responsabilidade e transparência na tramitação das propostas.
O sociólogo alemão Max Weber, na célebre palestra A política como vocação, divide os políticos em duas categorias: os que vivem para a política e os que vivem da política. Na primeira categoria estão aqueles que veem a política como bem comum, ou seja, não são financeiramente remunerados pelos projetos que votam em favor de interesses privados ou corporativos. Na segunda, os que têm a política como verdadeiro negócio, na acepção da palavra, pois se beneficiam financeiramente das leis que aprovam. Muitas vezes são empresários do ramo ou agentes remunerados diretamente pelo engajamento em projetos empresariais. O Centrão é formado por parlamentares que veem a política como negócio.
Todos são políticos profissionais, mas há uma diferença nada sutil entre ser remunerado com um salário de parlamentar ou ter esse salário multiplicado pelo fato de representar grandes interesses privados. A existência de salário é a forma encontrada para garantir a sobrevivência de quem defende o bem comum. Entretanto, no Brasil, todos os políticos dizem representar o bem comum, embora não seja isso que aconteça muitas vezes, na prática. O bem comum geralmente é difuso e universal, tem apoio social disperso na sociedade. O negócio, não. É focado numa atividade econômica, num determinado espaço geográfico ou num segmento da sociedade. Seu lobby é mais concentrado e direcionado. A regulamentação do lobby, para uns e para outros, possibilitaria mais transparência e paridade de meios de atuação entre os que defendem os interesses públicos e os agentes dos interesses privados nos bastidores da nossa política.
Regras do jogo
Por exemplo, vejamos a pauta anunciada pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), de comum acordo com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Não é nenhuma novidade para quem acompanha a vida do Congresso, muitos projetos dormem nas gavetas da mesa da Câmara ou das comissões há anos, mas, agora, existe uma conjunção zodiacal que favorece a aprovação dessas matérias até então consideradas prejudiciais à sociedade, à economia popular, à saúde pública, aos direitos humanos ou ao meio ambiente.
Como aconteceu na quarta-feira, com a nova Lei do Agrotóxico. Os deputados ligados ao agronegócio, muitos deles fazendeiros, articularam a aprovação trocando apoio com outros segmentos interessados em matérias dessa “pauta suja”, como a chamada “bancada da bala”, interessada na liberação da venda e compra de armas e na chamada “exclusão de ilicitude”, que legitima a violência policial indevida.
Com apoio do presidente Jair Bolsonaro, a “bancada da bala”, da qual seu clã faz parte, nunca teve tanto poder. Os lobistas das indústrias de armamento circulam à vontade nos corredores do Congresso. Nas redes sociais, têm forte apoio de atiradores, milicianos, caminhoneiros, fazendeiros, garimpeiros, grileiros, os embrutecidos e violentos de um modo geral.
Essa aliança entre o agronegócio e a “bancada da bala” não é nova, mas nunca teve tanta influência na pauta de votação do Congresso, em razão dos acordos feitos por Lira para se eleger presidente da Câmara. O esquema se reproduz com os políticos ligados às grandes empresas interessadas no novo marco da mineração, na flexibilização do licenciamento ambiental, no fim da demarcação das terras indígenas e na PEC dos Combustíveis, para citar o que o Congresso deve debater nas próximas semanas.
Existe uma Associação Brasileira de Relações Institucionais Governamentais (Abrig), que reúne executivos das principais empresas do país, e luta pela regulamentação do lobby faz algum tempo. Na cartilha da entidade, a atividade é conceituada como aquela “por meio da qual os atores sociais e econômicos impactados por proposições legislativas (Parlamento), por políticas públicas (Executivo), por demanda da sociedade civil organizada (terceiro setor) e/ou pelo mercado (consumidores) fazem chegar aos tomadores de decisões estratégicas (privado) e políticas (autoridades) a sua visão sobre a matéria”. Que isso seja feito com transparência e regras claras.
Mourão confirma que não será vice de Bolsonaro nas eleições de 2022
Mariana Costa e Flávia Said / Metrópoles
O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão (PRTB), confirmou nesta sexta-feira (11/2) que não será candidato a vice ao lado de Jair Bolsonaro (PL) para tentar a reeleição. Ele informou que disputará o cargo de senador pelo estado do Rio Grande do Sul.
Durante conversa com jornalistas, Mourão disse que, durante entrevista ao jornal O Globo, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) teria dito que ele é candidato ao Senado no Rio Grande do Sul. Mourão completou: “Foi o que o senador Flávio andou falando. [A decisão] Será comunicada brevemente, mas já me decidi”, disse o general.
O vice-presidente usava uma máscara do estado do Rio Grande do Sul e foi questionado se seria um indicativo. Ele retrucou: “Lógico, né”. “Isso, é por aí mesmo. Agora, é só a questão de partido”, completou.
Segundo Mourão, ele dialoga com dois partidos, mas não falou quais são as legendas. Atualmente Mourão é filiado ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), sigla na qual ele se registrou em 2018, para compor a chapa do presidente Jair Bolsonaro.
O general ainda ventilou a possibilidade de “casar” com algum dos candidatos da base bolsonarista que disputarão o governo do estado, o atual ministro do Trabalho e Previdência, Onyx Lorenzoni, e o senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS).
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Na quarta-feira (9/2), em entrevista à CNN Brasil, Mourão afirmou que o atual ministo da Defesa, Walter Braga Netto, é “extremamente capacitado” para ser o novo vice de Bolsonaro.
“A escolha do vice é sempre feita, na minha visão, tomando por base dois grandes eixos: composição política, que vai fortalecer a chapa, e o outro é o nome da confiança daquele que é o cabeça da chapa. Julgo que o ministro Braga Netto tem um excelente relacionamento com o presidente Bolsonaro e é uma pessoa extremamente capacitada a ser o novo vice-presidente, junto com o presidente Bolsonaro”, afirmou Mourão.
Futuro político
Para concorrer ao Senado neste ano, Mourão não precisa se desincompatibilizar do cargo de vice, mas não poderá assumir o posto de presidente da República interino nos seis meses que antecedem o pleito de outubro.
No Rio de Janeiro, o general teria problemas para ser apoiado por Bolsonaro, pois o candidato do presidente ao Senado no estado é, ao menos por enquanto, Romário (PL). Já no Rio Grande do Sul, teria mais chance de contar com o apoio, pois pode tentar ocupar a vaga que hoje é de Lasier Martins (Podemos).
Relação com Bolsonaro
Entre altos e baixos, a relação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) chegou ao ano eleitoral ainda sem definição sobre o futuro da chapa.
Em 2021, o chefe do Executivo federal expressou quatro vezes que não queria mais Mourão como companheiro nas urnas. O general, por outro lado, afirmou em ao menos nove ocasiões que esperaria o veredito do mandatário do país, por meio de uma conversa formal, antes de decidir se concorrerá a outro cargo em outubro.
Segundo falas de Mourão, ele trabalhava com três opções: terminar o mandato ao lado do presidente Jair Bolsonaro e depois se aposentar da vida pública; desincompatibilizar-se do cargo seis meses antes do pleito para concorrer a uma vaga ao Senado; ou esperar uma sinalização do titular do Planalto para tornar a compor a chapa da reeleição.
Segundo levantamento feito pelo Metrópoles, ao longo do governo, o presidente Jair Bolsonaro falou mal direta ou indiretamente de Mourão, em público, ao menos 17 vezes.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/mourao-confirma-que-nao-sera-vice-de-bolsonaro-nas-eleicoes-de-2022