Day: janeiro 23, 2022
Cristovam Buarque: Mesma falta de indignação no Brasil, 200 anos depois
Se um viajante presente no grito do Ipiranga voltasse 200 anos depois, ficaria abismado o quanto mudou na paisagem e quanto ainda continua igual o Brasil.
Notaria que os seres humanos negros já não são mercadorias compradas para o trabalho forçado, mas perceberia que ainda há um abismo na maneira como eles vivem, trabalham, estudam e moram em comparação aos brancos. Notaria que 200 anos não foram suficientes para acabar o racismo, nem a desigualdade. Não encontraria Casa Grande e Senzala nas fazendas, mas por toda parte distinguiria a extrema diferença entre os condomínios e as favelas. Na verdade, o viajante observaria que a desigualdade se ampliou, quando se considera o conforto que as surpreendentes novas técnicas oferecem hoje aos descendentes sociais dos senhores, em comparação a 200 anos antes.
Da mesma forma, ficaria surpreso com o avanço educacional. A população quase totalmente analfabeta de antes saltou para a realidade atual de quase todos matriculados em escolas, inclusive os descendentes sociais dos escravos; mas logo veria como aumentou a desigualdade escolar. Em 1822, todos eram analfabetos e sem escola, agora, apesar de todos matriculados, surgiu uma desigualdade abismal entre a educação oferecida aos descendentes sociais da Casa Grande, e a educação relegada dos pobres descendentes sociais da Senzala. Ao ponto de, 200 anos depois, somam ainda 10 a 12 milhões os adultos analfabetos plenos, 70 milhões analfabetos funcionais e quase todos analfabetos para o mundo contemporâneo do século XXI.
Ao caminhar pelas cidades, o visitante não acreditaria no que vê: edificações, rodovias, pontes, veículos inimagináveis à época, mas observaria o caos urbanos que caracteriza as “monstrópoles” de hoje; e veria a desigualdade ampliada no conforto, na segurança, na higiene que, apesar de melhorar para todos, melhorou muito mais para poucos, chegando a fazer mais desiguais o condomínio e a favela do que a Casa Grande e a Senzala.
O grande avanço verificado pelo viajante estaria na integração territorial e na potência econômica, construídas nos dois séculos. O território litorâneo produtor de café e açúcar havia-se expandido por todos os 8,5 milhões de quilômetros quadrados, todo ele cortado por estradas e dispondo de aeroportos, para não falar no milagre da telefonia e da internet. O país havia-se beneficiado da revolução industrial que surgia no mundo nas primeiras décadas de sua independência e se transformado em uma das dez maiores potências do mundo.
Mas, ao prestar mais atenção, descobriria que, apesar de mudar para o Centro-Oeste, o principal setor produtivo continua agroexportador, e sua formidável rede de transporte carece de eficiência, ao passo que a indústria até hoje depende de proteção estatal por falta de competitividade e inovação.
Sobretudo, a grande surpresa do viajante, ao conversar com os habitantes de hoje, seria perceber como em nada mudou a aceitação de injustiças e atrasos. Em 1822, teria assistido justificar-se o tratamento dado aos escravos sob o argumento de que “eles são negros”; em 2022, ouviria a justificação do absurdo da desigualdade escolar sob o argumento de que “eles são pobres”, os sem escola. A mesma aceitação com a escravidão, agora com a desigualdade.
A imensa falta de indignação diante da pobreza e da injustiça, o visitante sentiria ao ver na televisão, com naturalidade, simultaneamente notícia de 20 milhões de famintos sem comida em casa e propaganda de comida, publicidade de concursos de alta gastronomia, aulas de culinária e a afirmação de que o país que nasceu 200 anos atrás agora é o celeiro do mundo, mas não alimenta.
*Cristovam Buarque é ex-senador pelo Distrito Federal, professor da Universidade de Brasília (Unb)
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Guilherme Casarões: O xadrez internacional das eleições de 2022
Sob Bolsonaro, desmonte da política ambiental do país foi inclemente
Sérgio C. Buarque: Em ano eleitoral, política de emprego ou assistência social?
Sergio Leo: Após 16 anos, mudou a liderança europeia; e nós com isso?
Karin Kässmayer: Após a COP-26, o que esperar das promessas do Brasil
Luiz Gonzaga Marchezan: A propósito de “A mão de Deus” (2021)
Henrique Brandão: ‘O Canto livre de Nara Leão’ mira no passado e acerta no presente
Lilia Lustosa: Não olhe para cima, não saia da caverna
Ricardo Marinho: Histórias que precisamos contar de um passado distante e recente
André Amado: Uma visão criativa da Segunda Guerra Mundial
Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Quem é quem no ringue da luta interna que sacode o bolsonarismo
Raphael Veleda / Metrópoles
A aliança entre militantes conservadores que serviu de base para a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) na eleição de 2018 está ruindo no início da corrida pela reeleição. Com um mandato marcado pelo esforço para se livrar de uma ameaça de impeachment, Bolsonaro se viu obrigado a cortar laços com os aliados mais radicais, empecilhos para o acordo com o Centrão, que devolveu a estabilidade ao governo.
Alguns dos excluídos, sob a liderança do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, buscam agora uma revanche – mas ficariam felizes se, num acordo, ganhassem algum espaço nos planos eleitorais do presidente.
Esse acordo, que custa a bolsonaristas “raiz” como Weintraub, o ex-chanceler Ernesto Araújo e a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) a exclusão do xadrez eleitoral do presidente, custa bem mais ao país na opinião do cientista político Sérgio Praça, professor e pesquisador na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
“Bolsonaro tinha todos os motivos para ser destituído do cargo. Terminar o mandato ileso é uma vitória, sim, mas a um custo alto para o país, que fica claro especialmente no ‘orçamento secreto'”, afirma Praça, referindo-se aos R$ 16 bilhões do caixa federal que foram escoados para emendas parlamentares com pouca transparência e que geram gastos não necessariamente ancorados em necessidades planejadas via políticas públicas.
No ambiente político-eleitoral, por enquanto, não há trégua à vista, e a militância que se uniu em torno de Bolsonaro há alguns anos, agora, se divide em cantos opostos do ringue em busca de aprovação dos eleitores. Veja quem é quem nessa treta da extrema direita brasileira:
Guilherme Prímola/Metrópoles
O movimento de bolsonaristas raiz que não acham Bolsonaro radical o suficiente na Presidência tem representantes bem extremistas nas redes, mas encontrou como porta-vozes dois ex-ministros que tentam poupar o presidente de críticas diretas, enquanto detonam seu governo.
Fora do país desde junho de 2020, quando seguiu às pressas para os EUA e assumiu um cargo no Banco Mundial por indicação do Brasil, o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub é o protagonista da tentativa de rebelião. Junto ao irmão, o ex-assessor palaciano Arthur, tenta viabilizar uma candidatura ao governo de São Paulo à revelia dos planos de Bolsonaro e tem atacado o Centrão e outros inimigos desde que voltou ao Brasil, na semana passada, e iniciou um périplo por cidades paulistas e por lives na internet.
Cobrado a recuar e dialogar para não desunir a direita, disse que tenta falar com Bolsonaro há mais de um ano, mas não é atendido.
O fiel escudeiro dos Weintraubs nas críticas a uma desradicalização do governo Bolsonaro tem sido o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, que foi demitido em março do ano passado e nunca escondeu a mágoa. Já chamou o governo de “sem alma e sem ideal”, já atacou seu sucessor, Carlos França, e agora acusa os partidos do Centrão de forçarem uma suposta entrega do Brasil para a China.
Antes de virar o que o ainda bolsonarista Mario Frias chamou de “oposição sonsa”, Araújo sonhava disputar uma vaga no Senado por São Paulo ou pelo Distrito Federal com a bênção do ex-chefe – mas ela nunca veio.
Guilherme Prímola/Metrópoles
Célebre na direita desde que ajudou a redigir o pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), a jurista Janaína Paschoal se identificou com o bolsonarismo desde o início e quase foi candidata a vice-presidente na chapa de Bolsonaro (mas não queria se mudar de SP).
Eleita deputada estadual com votação recorde, ela ofereceu uma espécie de apoio crítico ao presidente ao longo desses três anos, o que não foi considerado suficiente. “Muda de comportamento quando lhe convém“, provocou, recentemente, o vereador Carlos Bolsonaro.
Para 2022, decidiu que quer ser senadora, mas está batendo com a cara na porta. Tentou unir os radicais renegados em uma costura política pelo Twitter, mas foi chamada de interesseira pelos Weintraubs, desdenhada por Ricardo Salles e agora vê Bolsonaro indicando que quer ver sua ministra da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, como candidata ao Senado por São Paulo em sua chapa preferida.
Guilherme Prímola/Metrópoles
O ex-ministro do Meio Ambiente e a liderança religiosa mais próxima ao presidente da República também estão indignados com o espaço dado ao Centrão no governo, mas têm atuado para tentar amenizar o clima e justificar as escolhas do presidente. Eles andam juntos aos radicais revoltosos, mas são a esperança de uma solução mais ou menos pacífica para o confronto.
O deputado federal e filho 02 do presidente e o secretário especial de Cultura do governo federal foram os responsáveis por levar a batalha para o campo aberto ao criticar claramente a campanha “difamatória” dos Weintraubs. Eduardo disse que cansou de “engolir sapos” enquanto esperava a dupla “se corrigir”. Antes, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, já havia partido para cima do guru dos extremistas, Olavo de Carvalho, e do jornalista foragido nos EUA Allan dos Santos.
Já o ministro das Comunicações está atuando no flanco jurídico e processando Ernesto Araújo por calúnia e difamação por ter sido acusado de entregar o Brasil para os chineses via contratos do 5G.
O ministro da Infraestrutura nunca mostrou empolgação com a missão de se candidatar ao governo de São Paulo e preferia o Senado por algum estado do Centro-Oeste, mas Bolsonaro insiste em seu nome desde antes da filiação ao PL e impôs essa indicação como uma de suas condições, apesar da má vontade do cacique Valdemar Costa Neto.
Já Damares Alves não esconde a vontade de ser senadora, mas a indicação para concorrer por São Paulo também é uma escolha de seu chefe, que tenta, acima de tudo, montar uma chapa de pessoas nas quais confia pessoalmente. Ela tem ventilado a possibilidade de concorrer no Amapá.
O presidente do PL e o presidente do PP (licenciado desse cargo porque virou o ministro chefe da Casa Civil de Bolsonaro) são os principais avalistas da aliança de Bolsonaro com o Centrão.
No comando de partidos poderosos que compõem a nova base do presidente, eles têm poder para decidir o cardápio que será oferecido aos eleitores nas urnas em novembro.
Alvos preferenciais das críticas dos extremistas que uma dia marcharam com Bolsonaro, porém, eles não parecem dispostos a ceder espaço – decisão que deve fazer o arranca-rabo da extrema direita durar pelo menos mais alguns meses, até a consolidação das candidaturas.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/quem-e-quem-no-ringue-da-luta-interna-que-sacode-o-bolsonarismo
'Elites não têm de concordar comigo, mas não precisam ter medo', diz Gabriel
Andrea Vial Herrera / BBC News Mundo
Prestes a completar 36 anos, idade que o habilita a se sentar na cadeira presidencial no Palácio La Moneda a partir de 11 de março, Gabriel Boric Font fuma um cigarro atrás do outro poucas horas antes de anunciar seu gabinete.
A equipe ao seu lado no governo, que promete profundas transformações sociais, é provavelmente a mais diversa que o país já viu: mais mulheres do que homens, metade oriunda de escolas públicas, membros de sua coligação política; são um símbolo de um Chile que se afasta das elites sociais que governam o país desde o retorno à democracia, nos anos 1990.
"Em um momento em que o mundo muda vertiginosamente, o Chile também precisa mudar e se adaptar. Representamos a força de uma época", disse Boric à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC), na primeira entrevista a um veículo estrangeira após vencer as eleições presidenciais.
Foram quase duas horas de conversa em que ele falou não apenas de uma "nova ordem" para o Chile, mas também de sua relação com a esquerda latino-americana - inclusive com ex-presidente Lula, com quem diz planejar colaborar caso o brasileiro se eleja -, suas referências políticas ao redor do mundo e a violência vista durante a revolta social no país.
BBC News Mundo - O que o sr. acha que representa e o que lhe permitiu chegar ao Palácio La Moneda?
Gabriel Boric - Acredito que representamos uma energia geracional de transformação que aprendeu ao longo do caminho a valorizar a história que nos constitui. Representamos o ar puro, a juventude, a novidade, mas com consciência da cadeia histórica dos processos. Também representamos que o status quo, ou o conservadorismo, é a pior coisa que pode acontecer ao Chile neste momento.
Num momento em que o mundo está mudando rapidamente, o Chile também precisa mudar e se adaptar. Representamos a força de uma era.
- As economias da América Latina mais preparadas para enfrentar 2022
- O que esperar de Gabriel Boric, presidente eleito do Chile
BBC News Mundo - O sr. acaba de anunciar um gabinete com 10 homens e 14 mulheres…
Boric - Que alegria poder falar isso nos dias de hoje. O fato de termos conseguido isso se deve à luta de milhares de mulheres que, por muito tempo, empurraram as barreiras do que era considerado possível, e agora com a última onda feminista ainda mais.
Mas não somos os primeiros a fazer isso. A presidente (Michelle) Bachelet em seu primeiro mandato fez um esforço para ter um gabinete conjunto, e as forças do conservadorismo rapidamente a cortaram.
BBC News Mundo - Por que diz isso?
Boric - Porque teve que mudar. O primeiro gabinete apresentado tinha paridade e ninguém repete o prato, disse; e na primeira mudança de gabinete, ela teve que fazer mudanças por causa de pressões que iam além do que era seu desejo genuíno. Hoje nós trazemos essa experiência também. Não quero nos apresentar como pioneiros, mas estamos colhendo um legado que vai muito além de nós.
BBC News Mundo - E com ministros e ministros que vêm de diferentes realidades educacionais... Qual é a sinalização que o sr. quer dar?
Boric - Que o Chile é diverso, e que a diversidade também deve ser expressa em suas instituições e em sua política. Por muito tempo, a elite chilena foi excessivamente consanguínea e não conseguia enxergar além de seus próprios narizes. Como parte de uma elite, acredito que temos o dever e a responsabilidade de sair de nossos círculos de conforto e pensar em um Chile mais abrangente.
BBC News Mundo - Entre seus ministros há um professor na pasta de Educação que foi formado em escola pública…
Boric - Isso mesmo, em San Miguel, na mesma escola de Los Prisioneros (uma das principais bandas de rock do Chile). Pareceu-nos que este foi um gesto importante, para além da competência e vocação profissional de Marco Ávila. Creio que foi um gesto necessário para o setor.
Por muito tempo tivemos acadêmicos sem sala de aula, engenheiros comerciais dirigindo a educação em nosso país. Acredito que era preciso um choque de sala de aula, que é onde as desigualdades e os desafios da experiência educacional se expressam com mais clareza. Isso não pode ser reforma sem sala de aula, sem meninos e meninas, não pode ser reforma sem professores.
BBC News Mundo - E uma mulher de 35 anos, a ex-presidente da Faculdade de Medicina, Izkia Siches, no Ministério do Interior…
Boric - Que coragem tem Izkia Siches. Mas isso vem sendo amplamente demonstrado há muito tempo. É uma liderança reconhecida pela sociedade chilena pelo papel que desempenhou nos momentos mais difíceis em que a pandemia nos atingiu.
De opiniões firmes, mas ao mesmo tempo aberta a ouvir e convocar de forma transversal para um bem comum acima dos interesses pessoais. Acho que ela conseguiu dar sentido a uma faculdade de medicina que, por muito tempo, só defendia os interesses de um setor muito pequeno. E a partir daí falou com a sociedade.
Não tenho dúvidas de que desempenhará um excelente papel no comando do Ministério do Interior e Segurança Pública, o que é um tremendo desafio, porque é um ministério que tem sido tradicionalmente conturbado. Izkia também está muito interessada em aceitar este desafio e confio plenamente nela.
BBC News Mundo - Que critérios o sr. utilizou para escolher a sua equipe de ministros?
Boric - Os critérios que tivemos em vista foram, por um lado, que teria que ser um gabinete paritário, ou com mais mulheres que homens; que incorporaria a diversidade de realidades, incluindo a presença da educação pública, tanto acerca da formação escolar como universitária; um gabinete que conseguisse ser uma síntese de gerações, por um lado a nossa geração que emergiu na vida pública em 2006 e tem crescido a partir de lutas sociais, mas também outra que administrou o Estado por muito tempo e tem experiências valiosas das quais queremos aprender.
E também um gabinete que representasse a amplitude social que conseguimos reunir na vitória de 19 de dezembro na base da coligação Apruebo Dignidad, mas que vai além dela, com os partidos políticos que nos deram seu apoio no segundo turno e têm representação parlamentar. Além, também, das organizações sociais e das pessoas independentes que mobilizaram e fizeram a diferença com as mulheres.
BBC News Mundo - A sinalização da escolha do atual presidente do Banco Central para administrar o Ministério da Fazenda foi aplaudido por empresários e investidores. Quanto lhe custou convencer o Partido Comunista desta nomeação?
Boric - As nomeações, de todos os cargos, eram discutidas em termos de pessoas com os partidos. Eles me deram total liberdade para designar o gabinete, confinados aos critérios que eu tinha para formar nossa equipe de trabalho. E nisso eu aprecio o nível da visão que todas as partes tiveram.
BBC News Mundo - Foi uma decisão coletiva?
Boric - Foi uma decisão coletiva. Discuti no início do processo com o Apruebo Dignidad a possibilidade de incorporar independentes e militantes de partidos políticos que não faziam parte da coalizão, e eles me deram total liberdade para isso, algo que usei adequadamente.
Além disso, acredito que no caso de Mario Marcel em particular, ele tem uma trajetória e experiência no Estado, na diretoria de orçamento, no Banco Central e também no exterior, no Banco Mundial, na OCDE. Essa trajetória histórica é inquestionável, e que é também uma garantia de seriedade para as reformas que temos de impulsionar, que vão ser difíceis e que vão exigir um amplo consenso. Elas precisavam, penso eu, desta garantia de que uma pessoa como Mario Marcel pode dar, além de suas firmes convicções progressistas, já que ele se define como social-democrata.
BBC News Mundo - O sr. sempre responde no plural, em circunstâncias em que todas as perguntas foram feitas ao sr., provavelmente porque toma suas decisões negociando com o resto de sua equipe. Estou me referindo a essa lógica de assembleia que usa com seu grupo para tomar decisões, que pode ser bem democrática, mas o sr. acha que poderá ser eficiente na hora de tomar decisões?
Boric - Há muito mito em torno das assembleias. Toda organização requer algum tipo de ordem. E o desafio que temos como governo é gerar uma nova ordem.
Eu diria que o problema no Chile hoje é que essa ordem não existe. O contrato social foi quebrado. E, do meu ponto de vista, pelas elites. Portanto, para recuperar a ordem são necessárias novas formas e não repetir as mesmas do passado.
BBC News Mundo - De que maneira o contrato social foi quebrado?
Boric - Quando vemos que, durante a pandemia, por exemplo, as principais riquezas do Chile aumentaram substancialmente seu capital, enquanto a pobreza e a extrema pobreza cresceram pela primeira vez em décadas.
Quando vemos o nível de precariedade e vulnerabilidade que a classe média tem em relação às pessoas mais ricas deste país, o lugar onde se nasce continua a determinar de forma muito substantiva ou preditiva o lugar onde se vai morrer.
Por isso a promessa de igualdade, além do fato de que sem dúvida houve maior acesso a bens básicos, ampliação de matrículas, redução da pobreza… Acredito que a promessa de igualdade e inclusão não foi cumprida e, portanto, esse pacto social está quebrado e precisamos construir um novo.
BBC News Mundo - O sr. pode definir essa "nova ordem"?
Boric - O que aspiramos é poder construir uma sociedade colaborativa, na qual alguns de seus membros não sejam abandonados ou discriminados pelas condições de vida em que tiveram que viver, e na qual o Estado também seja capaz de garantir os direitos sociais de forma universal. independentemente de onde você nasceu, a etnia da qual você vem ou a da cor de sua pele. Isso requer reformas estruturais.
Sabemos que essas coisas não podem ser alcançadas da noite para o dia, sabemos que certamente nosso governo vai construir sobre o que foi construído no Chile nos últimos 30 anos, mas também vamos ter uma virada em relação à lógica política neoliberal de cada um por si na sociedade. Isso é algo que temos que acabar.
Não podemos passar de "não esperávamos" para "nada aconteceu aqui". No Chile, ainda existe um mal-estar profundo que ainda não foi resolvido em questões sociais. Há muita precariedade.
ESTILO DE GOVERNAR
BBC News Mundo - O sr. é um homem de dúvidas ou de certezas?
Boric - Sou um homem mais de dúvidas do que de certezas. É importante acompanhar as convicções que tenho com a possibilidade de duvidar delas, para melhorar. As pessoas que são muito seguras de si me geram um certo distanciamento.
BBC News Mundo - Haverá muitas vezes em que o sr. terá que tomar decisões difíceis sozinho. Quanto estresse essas circunstâncias têm sobre o sr.?
Boric - É super difícil. Não será a primeira vez, você tem que ser muito claro sobre suas convicções e princípios e agir sempre em coerência com eles. Às vezes isso significa ir contra o que pode ser mais popular em um determinado momento ou o que as pessoas mais próximas te dizem. Há algo impossível de se medir, que é a intuição em política, quando se tem convicções firmes não se vai ziguezagueando pela vida. Isso te permite ter uma trajetória previsível nesse sentido.
BBC News Mundo - Quais são as habilidades e competências que um presidente deve ter atualmente?
Boric - Venho formando a convicção de que um bom presidente não é aquele que está mais ocupado, não é aquele que tem mais papéis a sua volta. Um bom presidente é aquele que tem capacidade de ouvir, estar aberto a novas ideias mesmo que não venham de seu círculo mais íntimo. Um presidente que tem capacidade de refletir e convocar.
Sempre disse que a radicalidade da nossa proposta não está em quão forte as defendemos, em quão esdrúxulas são as intervenções, mas sim pela capacidade de convocação e pelo significado que dão às pessoas.
Primeiro você se torna classe dominante antes de ser classe dirigente. Você primeiro faz mudanças culturais antes de ter a chance de dirigi-las. E acho que nossa geração fez exatamente isso.
BBC News Mundo - Você adotou uma nova forma de relacionamento com as pessoas, muito horizontal, próxima, afetuosa, as pessoas lhe contam seus problemas, você as ouve e anota. Não tem medo de gerar expectativas impossíveis de cumprir?
Boric - É uma preocupação, mas também sempre digo às pessoas nessas conversas que não vou conseguir cumprir tudo. E há uma sabedoria popular maior do que supõem as elites.
As pessoas sabem que isso vai ser difícil, sabem que as mudanças não virão da noite para o dia, mas querem que tentemos e que sejamos honestos ao tentar. Uma das coisas que importa para mim é contar a eles sobre os obstáculos que estamos enfrentando e por que há certas coisas que fazemos e outras que não podemos fazer.
E também para envolvê-los no processo de governo, para que eles se sintam parte dele, e nós vamos lá juntos, moldando expectativas com base na realidade. A realidade é mais teimosa do que qualquer ideologia.
BBC News Mundo - E quais são suas expectativas?
Boric - Minha expectativa é que ao final de nosso mandato tenhamos um Chile que se encontre, onde colaboramos mais do que competimos; um Chile que se faz ouvir, e sobretudo um Chile mais justo no sentido de que as enormes desigualdades que hoje marcam o lugar de origem e o lugar da morte se diluem em função da trajetória de vida e das possibilidades que cada um tem como pessoa. E que essas possibilidades sejam cada vez mais iguais.
BBC News Mundo - Não é fácil assumir este país... O que está disposto a perder?
Boric - Essa pergunta é boa porque na política sempre perguntam o que você quer fazer, mas não do que você está disposto a desistir. O que importa para mim é melhorar as condições de vida de forma sustentável e sustentável a tempo para quem habita o nosso país. É preciso, portanto, ter mais do que limites rígidos.
Estou disposto a conversar muito e me preocupo mais em chegar ao porto do que apenas seguir o caminho que tracei para mim no início. Temos um roteiro, mas se descobrirmos que há um precipício no caminho, encontraremos uma maneira de atravessá-lo, mesmo que isso torne a estrada um pouco mais longa.
BBC News Mundo - O sr. disse em muitas ocasiões que quer ser um presidente que no final de seu mandato tenha menos poder do que quando começou. Ao que o sr. se refere especificamente?
Boric - Isso tem a ver de onde eu venho. Sou de Magalhães, nascido e criado nas margens do Estreito e desde que me lembro ouço a palavra descentralização sem que ela tenha tido grandes efeitos na vida cotidiana das pessoas. As decisões acabam sendo tomadas por uma elite de classe alta de Santiago, acima das realidades que se vivem nas comunas, nos bairros. E a figura presidencial está no topo disso.
De fato, a quantidade de expectativas que existem tem a ver com a idealização da figura presidencial que vai muito além das minhas características. É algo que aconteceu muitas vezes na história do Chile. Assim, espero, e isso estará na vanguarda do processo constitucional, que possamos construir um país em que sejamos democráticos, onde uma pessoa não detenha tanto poder e onde o poder seja também mais transparente, não apenas em termos da Presidência da República, mas também dos famosos poderes fáticos que a exercem sem mediar qualquer tipo de decisão ou deliberação democrática.
Sendo mais específico, espero que no final de nosso mandato tenhamos um Chile descentralizado, que nos bairros, nas comunas, nas regiões se possa decidir seu futuro mais do que a partir do Palácio La Moneda ou de um bairro rico de Santiago.
BBC News Mundo - Prefere ser chamado de presidente ou apenas de Gabriel?
Boric - É um desafio, mas tenho entendido que é importante assimilar a instituição presidencial. Porque hoje estou assumindo uma instituição que já existe. Por isso, sem perder a minha essência, acredito que seja importante o que foi construído e o que vem depois. Nesse sentido, penso que nesse momento eu deva se tratado como a instituição que represento.
BBC News Mundo - O sr. passa a sensação de que é muito importante para si demonstrar afeto.
Boric - É que em um país tão agredido ultimamente, tão dividido, é importante que nos amemos de novo. Para mim, a preocupação com a saúde mental foi fundamental no meu desenvolvimento nos últimos anos, e entender que, como chilenos, nos falta afeto. E se alguém pode contribuir um pouco para dar isso, me parece uma boa hora.
Agora, ouvir tem muito de reparar. Quando você ouve uma pessoa, mesmo que não consiga resolver o problema dela, você começa a gerar um vínculo diferente, ciente, insisto, de que provavelmente nem todos os problemas serão resolvidos. Mas vai se tendo um termômetro diferente. Se você se cercar apenas das mesmas pessoas que são iguais a você, da mesma classe social que você, ou que pensam igual a você, você acaba em uma bolha que distorce a realidade. E esse é um problema endêmico da política que temos que tentar mudar.
Não estou dizendo que somos mais virtuosos, ou moralmente limpos, mas que, aprendendo, e vou insistir muito nessa ideia, a partir dos erros e acertos do passado, devemos mudar e melhorar.
Há uma frase que citei recentemente em um discurso e de que gosto muito. É do compositor Gustav Mahler, que diz que "a tradição não consiste no culto às cinzas, mas na preservação do fogo" e que, de uma forma forma, também é um leitmotiv.
BBC News Mundo - Há também muitos que o temem, ou melhor, que não confiam em seu discurso de chamamento... "Lobinho disfarçado de cordeiro", comentam alguns. O que o sr. representa que pode gerar medo em parte da elite?
Boric - Parte da elite é muito egocêntrica, isso ainda é muito inato. Por viverem em uma posição privilegiada por tanto tempo, qualquer mudança gera a incerteza que a maioria dos chilenos vive no dia a dia. E isso gera rejeição. Uma rejeição um tanto atávica.
Espero, por um lado, que as elites deixem de ter medo de nós. Não espero que concordem comigo, mas espero que parem de ter medo de nós.
Mas essa desconfiança não é uma crítica infundada, porque de alguma forma se passou de um político de frases e ações às vezes impetuosas para um político acolhedor, moderado...
No caminho da política, que se cruza com o da vida, há sempre aprendizados, e na minha construção política prefiro ser barro do que pedra. As experiências ou ações nas quais alguns se baseiam para fazer esses julgamentos também são o que me moldou. Porque errando é que eu consegui aprender. Então eu não veria isso como um problema, mas como parte de um processo de aprendizagem.
BBC News Mundo - Outra dúvida é a capacidade de seu setor, muito millennial para alguns, de garantir a governabilidade do país…
Boric - Essa crítica de que somos muito millennials [nascidos entre 1980 e 1996] é como se tivéssemos dito uma vez que os baby boomers [nascidos entre 1946 e 1964] nunca poderiam ter assumido o poder quando são eles que governam o Chile nos últimos 30 anos.
Essa crítica fica aquém da perspectiva histórica quando se vê o que as gerações anteriores foram. No "Balanço Patriótico", (Vicente) Huidobro em 1920 disse muito claramente sobre os primeiros anos da República, tudo de grande no Chile foi feito pelos jovens: (um dos líderes da independência chilena José Miguel) Carrera aos 26, (outro líder da independência chilena Bernardo) O'Higgins aos 36, (o guerrilheiro da independência chilena) Manuel Rodríguez aos 24… Você tem que olhar para a história e ver que não é um fenômeno novo. Não é preciso ter tanto medo disso.
BBC News Mundo - Sua vitória nas eleições representa o triunfo de uma ideia de sociedade ou do olhar de uma nova geração?
Boris - Como tudo em coisas assim, é múltiplo. Tem a ver com o surgimento de uma nova geração, com a necessidade de renovação, com a ideia de uma sociedade que se opõe claramente ao que o atual governo apresentou e à candidatura com que nos deparamos no segundo turno. É o oposto do gestor 24 horas por dia, 7 dias por semana, o self-made man que estudou apenas em universidades estrangeiras, mas também tem a ver com conhecer bem a trajetória do Chile.
BBC News Mundo - Parece que sua vitória se deve mais a seu capital político pessoal e pouco a ver com a formação de uma frente ampla ou com sua identidade comunista. Como o Partido Comunista contribui para o seu governo?
Boric - Muito. Nossa aliança é a Aprovar Dignidade, mas chamamos ao gabinete partidos que fazem parte de outra tradição. Devemos conseguir desmistificar os medos contra o Partido Comunista chileno. Tivemos diferenças táticas e outras mais em determinados momentos.
O dia 15 de novembro [data da assinatura do acordo que prevê uma Convenção Constitucional - órgão encarregado de redigir uma nova Constituição -.e que o Partido Comunista não assinou] é o mais visível, mas o Partido Comunista hoje está comprometido com a implementação do nosso programa. Além disso, foi um partido que, no Chile, foi profundamente democrático e que esteve do lado das lutas sociais e dos oprimidos, e isso é algo que também me inspira.
BBC News Mundo - Dois anos após a eclosão de uma crise social, como você entende o que aconteceu então?
Boric - Acho que foi um momento de muita frustração com as promessas da meritocracia que não estavam sendo cumpridas. E havia uma consciência coletiva de que isso não estava acontecendo em diferentes partes do país.
E esse encontro levou a uma mobilização fora dos canais institucionais que, por sua vez, uniu raiva e esperança. Espero que o que prevaleça nisso seja a esperança.
Paralelamente a isso, enquanto discutimos as regras do futuro, temos que ser capazes de resolver os problemas específicos das pessoas, que foram particularmente afetadas pela pandemia.
BBC News Mundo - Existe a possibilidade de um governo de esquerda comedido e reformista?
Boric - Discordo da obsessão da elite em nos moderar nosso discurso e de nos rotular. É mais um complexo deles do que nosso. Temos uma direção e vamos caminhar rumo a ela. E essa direção é criar um Estado que consagre os direitos sociais universais, com pleno respeito aos direitos humanos, que descentralize o poder, que assuma os desafios ambientais, da crise climática.
BBC News Mundo - Não estamos falando de moderação, então...
Boric - A ideia de ser equilibrado em vez de moderado faz mais sentido para mim. Há alguns fanáticos da moderação que acabam não se movendo, e esses fanáticos causaram danos profundos ao país. Porque, com um medo atávico da mudança, acabaram estourando a panela de pressão.
BBC News Brasil - O sr. está mais próximo da social-democracia ou do comunismo?
Boric - Venho da tradição socialista libertária chilena. Esse é o meu espaço ideológico de referência. Sou democrata e acredito que a democracia tem que mudar e se adaptar e não se petrificar. Acredito que a democracia no Chile carece de maior densidade.
BBC News Brasil - E dentro da América Latina, o sr. se reconhece em algum dos governantes de esquerda?
Boric - Espero trabalhar ao lado de Luis Arce, na Bolívia, de Lula se ele ganhar as eleições no Brasil, de Gustavo Petro, cuja experiência se consolida na Colômbia. Acho que pode ser um eixo interessante.
Entendo que a pergunta está relacionada à Venezuela e à Nicarágua. No caso da Nicarágua, não consigo encontrar nada lá, e no caso da Venezuela é uma experiência que fracassou, e a principal demonstração de seu fracasso é a diáspora de 6 milhões de venezuelanos.
BBC News Mundo - O sr. se sente parte da geração de Jacinda Ardern, Sanna Marin, Emmanuel Macron, até mesmo Alexandria Ocasio-Cortez? Existe algo maior, além de todos terem menos de 45 anos?
Boric - Não sei em detalhes quais são as convicções de cada um deles, e ter a mesma idade não indica necessariamente alguma coisa.
Posso dizer que tenho uma proximidade ideológica com [o político boliviano Álvaro] García Linera, independentemente de sua idade, ou uma clara cumplicidade com o Podemos na Espanha, que não tem nada a ver com uma questão de idade, mas com as convicções que temos. E valorizo muito a experiência de Lula, mas também procuro conhecer a de [Fernando Henrique] Cardoso. Não se pode ter referências estáticas.
O que é certo é que hoje existe uma crise climática global partir da qual acredito que nossa geração vai adquirir uma consciência maior do que as anteriores. E que eu espero seja algo que nos una. Tive a oportunidade de falar sobre isso com [o premiê canadense] Justin Trudeau. Recebi uma carta de Emmanuel Macron [presidente da França], também nesse sentido, sei que [a premiê neozelandesa] Jacinda Ardern teve essa preocupação, então espero que tenhamos um ponto em comum e forcemos a gerações anteriores e os governantes de todos os países, como [a ativista] Greta [Thunberg] disse, a agir agora.
PRIORIDADES ECONÔMICAS
BBC News Brasil - Quais são suas prioridades na economia?
Boric - Que possamos ter uma consolidação da recuperação econômica que seja justa. Que não sejam reproduzidas as desigualdades anteriores. E isso implica dar maiores ferramentas às pequenas empresas para que haja uma desconcentração do mercado. Hoje, 87% das vendas no Chile estão concentradas em grandes empresas e apenas 13% em pequenas e médias empresas. Essa é a pedra angular da desigualdade em nosso país.
Temos que alcançar a combinação entre crescimento e redistribuição. Uma distribuição mais justa da riqueza. Um não é sustentável sem o outro. Todos cresceram, é verdade, mas alguns muito mais do que outros e isso ampliou a fratura da sociedade chilena.
BBC News Mundo - O sr. fala de um pacto tributário e não de uma reforma, uma diferença semântica fundamental, porque a primeira significa um acordo com todos os setores políticos.
Boric - É bom que você perceba isso, porque é ao que aspiramos.
Não se trata de mocinhos contra bandidos. Queremos que todas as forças produtivas do país concordem que é necessária uma melhor redistribuição de riqueza para crescer. E que também seja sustentável em relação ao meio ambiente, e, para isso, esperamos convocar trabalhadores organizados, pequenas e médias empresas e grandes empresários.
BBC News Mundo - O sr. receberá um país com uma das maiores taxas de inflação das últimas décadas, com um déficit relevante. Em que momento pretende comunicar que não será fácil cumprir as promessas do seu programa?
Boric - Estamos fazendo isso permanentemente. Temos o compromisso de respeitar o orçamento aprovado pelo Congresso, que tem redução de 22% nos gastos, e também de avançar em nossas reformas na medida em que estamos garantindo receita permanente para o que é considerado gasto permanente. E essa é uma linha da qual não podemos nos desviar. Não pode haver atalhos irresponsáveis. Estou confiante de que a população vai entender.
BBC News Brasil - Quão complexo é instalar um Estado de bem-estar social em um país que não tem os padrões econômicos ou sociais que os modelos social-democratas mais bem sucedidos têm?
Boric - Precisamos ver como se encontravam os países que desenvolveram Estados de bem-estar social no momento em que optaram por esse caminho.
Os desafios são diferentes. No caso dos países europeus, não apenas os nórdicos, eles decidiram criar Estados de bem-estar que garantissem direitos sociais universais quando tinham um PIB per capita semelhante ou inferior ao do Chile hoje.
Espero que concordemos como sociedade, no sentido de que há metas de longo prazo que não terão resultados antes das próximas eleições e que, portanto, muitas das decisões que tomaremos não podem ser pautadas por uma ansiedade eleitoral e que há frutos que não vou colher [durante o governo].
BBC News Brasil - O que diria que é o nosso calcanhar de Aquiles?
Boric - A desigualdade.
BBC News Brasil - E o seu?
Boric- Há muitas coisas que poderia dizer, mas, se tivesse que escolher uma, mais do que uma minha pessoal, o grande risco para nosso governo é não conseguir ampliar nossa base social de apoio para além de nossas fronteiras atuais.
Se ficarmos apenas com quem somos hoje, não conseguiremos fazer as transformações que queremos. Portanto, se não caminharmos todos juntos, será um desafio muito difícil.
RESPOSTA À VIOLÊNCIA
BBC News Mundo - Como líder estudantil, o sr. esteve nas ruas muitas vezes, mas muitas dessas manifestações terminaram em atos de violência. Vocês mesmos falaram de pessoas que mancharam aquelas marchas, mas disseram que foram poucas... Hoje, elas parecem ser a norma. O que aconteceu?
Boric - Elas não são a norma em relação à maioria. O que acontece é que existem várias explicações, mas primeiro quero deixar claro que continuo acreditando que o caminho não é a violência, quero deixar bem claro isso. Acredito que há uma frustração acumulada ao ver que as mudanças não puderam ser feitas pelos canais institucionais.
Mas a violência é um fenômeno que devemos tentar entender para tentar erradicá-la. Se você quer ter certeza de que seguirá havendo violência, basta deixar as coisas como estão.
BBC News Mundo - Há um setor da esquerda que provavelmente não lhe dará margem para um radicalismo ponderado, e a resposta pode ser mais violência nas ruas. Como pretende lidar com isso?
Boric - Temos o dever de fazer cumprir a ordem pública, isso não é uma opção para o governo. E fazer cumprir a lei. O que esperamos é que, através do processo de transformação que vamos iniciar, da convocação e da forma como falamos com povo do Chile, esses setores sejam cada vez mais minoritários.
BBC News Mundo - Que tipo de Constituição te atrai mais, uma bem regulamentada ou uma mais orientadora?
Boric - Gosto da ideia de uma Constituição orientadora, mas não asséptica. Uma Constituição que consagra os direitos sociais universais, que defende a liberdade e a igualdade, uma Constituição que descentraliza, mas uma Constituição que não abarca todas as questões e todos os problemas.
A Constituição não pode ser concebida apenas a partir de 2021 e 2022. Ela tem que permitir até questões que ainda não temos que enquadrar na Constituição.
VIDA PESSOAL
BBC News Mundo - Na esfera pessoal, do que mais teve que abrir mão além dos cabelos compridos e das camisetas de bandas de rock?
Boric - Ultimamente, sair para um bar, ir a uma livraria, está cada vez mais difícil.
BBC News Mundo - O senhor é conhecido por não usar gravata. Em que circunstâncias usaria?
Boric - A gravata tem dois sentidos. Um é estético e um tanto absurdo, mas também percebi que, quando havia no Congresso um espírito de disciplina e homogeneização por parte de uma elite muito fechada e muito parecida entre si e por isso me mandaram para a comissão de ética, por não usar gravata. Agora, isso está totalmente naturalizado e é totalmente normal andar sem gravata no Congresso.
A propósito, uma vez tive a sorte de conhecer [a cantora americana] Joan Baez, e nós dançamos, ela me perguntou sobre esse assunto, porque eles contaram essa anedota sobre a gravata, e meses depois eu ganhei uma gravata feita por aborígenes australianos. Se um dia eu tivesse que usar uma, com certeza seria essa.
BBC News Mundo - E isso pode acontecer logo?
Boric - Não pensei nisso. Talvez no casamento de um amigo.
BBC News Mundo - Não na posse?
Boric - Não, há limites.
BBC News Mundo - O sr. vem de uma família religiosa, tem uma mãe católica, que reza e tem um altar à Virgem em casa. Nada disso faz sentido para o sr. em momentos de angústia?
Boric - Tenho muito respeito pela fé da minha mãe e, às vezes, sinto falta do dom da fé, mas não é algo que tenho agora, e não acho que seja algo que você só possa recorrer em um estado de necessidade. Tenho uma questão pendente de como trabalhar a espiritualidade. É algo que sempre me interessou, e nunca tive tempo para fazê-lo.
BBC News Mundo - Como controla sua ansiedade?
Boric - Às vezes, comendo, que não é o melhor método. Ler me acalma, quando tenho tempo, pratico esportes, gosto de jogar futebol.
BBC News Mundo - Sente que às vezes perde o controle?
Boric - Aprendi, graças a tratamentos, a controlar isso. Tenho transtorno obsessivo compulsivo, e tomo remédios. Também é algo que consegui domar graças à Ciência, não é só vontade.
BBC News Mundo - Falou-se muito de sua saúde e também do transtorno obsessivo compulsivo de que o sr. sofre e que o sr. tornou público. Houve outras intenções quando essa questão foi levantada durante a campanha eleitoral?
Boric - Sem sombra de dúvida. Há um estigma em torno da saúde mental.
BBC News Mundo - Quais situações o incomodam?
Boric - A mentira intencional me incomoda muito, não o erro, as pessoas que falam mal no jornalismo me incomodam, os intrigueiros me incomodam.
BBC News Mundo - O sr. se mostrou um político muito tolerante com as críticas da oposição, mas e quando isso atinge as pessoas que você mais ama, como sua parceira Irina Karamanos, que assumirá como primeira-dama e foi criticada por isso?
Boric - Devemos distinguir entre a crítica construtiva e o debate político que ocorre dentro do feminismo e que é totalmente legítimo, da crítica oportunista. Parece que já houve o suficiente da primeira e pouco da segunda. Os debates do feminismo são desejáveis. Temos que nos acostumar com o fato de que ter diferenças de opinião não significa uma tragédia. Mas, quando os ataques são pessoais, e particularmente contra meus entes queridos, irmãos, pais, amigos ou Irina, é algo que realmente me incomoda muito.
BBC News Mundo - Qual é a imagem que gostaria de imprimir com seu governo?
Boric - Que, através da política, é possível mudar o mundo. Que a política não é um espaço de corrupção, mentiras e acomodações. A política pode ser um trabalho honesto para transformações sociais, inclusivas, não apenas profissionais.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60100351
Luiz Carlos Azedo: O dragão da inflação está engolindo a reeleição de Bolsonaro
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Há quatro variáveis negativas que podem inviabilizar a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, que está no telhado desde a anulação da condenação do ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva — o líder nas pesquisas de opinião sobre as eleições presidenciais deste ano — pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a disseminação da ideia de que realmente tem ambições ditatoriais; seu negativismo e desempenho na crise sanitária; a perda da bandeira da ética por causa do escândalo das rachadinhas e da hegemonia do Centrão no seu governo; e o fracasso de sua política econômica, principalmente devido à inflação e ao desemprego em massa. Dessas variáveis, porém, somente uma ameaça sua presença no segundo turno das eleições: o fracasso econômico.
As demais estão precificadas e têm alguma forma de compensação, pois há setores reacionários na sociedade que têm saudades do regime militar; o Centrão, que garante governabilidade, é a expressão do velho patronato político brasileiro, sobrevive e se renova eleitoralmente na política regional; a crise sanitária acaba sendo mitigada pela atuação do SUS, dos governadores e prefeitos. Vem daí a sobrevivência eleitoral de Bolsonaro, além do poder centrípeto que o governo federal exerce na vida da sociedade. Entretanto, bateu uma paúra no Palácio do Planalto por causa das projeções do mercado para a alta do petróleo neste ano, que deve chegar a US$ 100 o barril. Com isso, o preço do litro da gasolina saltaria para R$ 8. E ainda haveria uma grande desvalorização do real frente ao dólar, obrigando o Banco Central a manter os juros altos e a vender muitas reservas.
Cobertor curto
Com a PEC dos Combustíveis, Bolsonaro abriria mão, temporariamente, da arrecadação de R$ 57 bilhões com impostos sobre combustíveis, como PIS e Cofins, sem a necessidade de criar impostos ou reduzir gastos para equilibrar receitas e despesas no Orçamento da União. Ou seja, seria mais um rombo no teto de gastos. O problema é mexer com o ICMS, como também pretende, para reduzir ou mesmo zerar o terço do imposto que cabe ao governo federal, deixando governadores e prefeitos com a batata quente na mão, pois dependem do ICMS para fechar as contas. Não existe flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para estados e municípios. Dispensável dizer que esse é mais um retrocesso em termos de política fiscal, essa explicação fica para os especialistas. O que interessa aqui é contexto político.
A legislação tributária atual precisa ser revista, como todos sabem, mas não por casuísmo. Quando o ICMS foi aprovado na Constituinte, no caso dos combustíveis, a decisão de arrecadar esse imposto nos estados de destino foi uma maneira de equilibrar as relações com os estados produtores, que arrecadam na origem o ICMS sobre todos os demais produtos. Nas negociações do capítulo tributário da atual Constituição, havia a preocupação de amarrar o pacto federativo do ponto de vista tripartite: garantir as receitas da União, dos estados e dos municípios. O que Bolsonaro quer fazer, inevitavelmente, mexe com esse pacto federativo e provocará reações. A PEC dos Combustíveis é um cobertor muito curto.
O mercado de petróleo também passa por mudanças, algumas devido à pandemia, outras decorrentes da substituição da economia do carbono pela chamada economia verde. Há uma combinação de cortes de produção por Opep e Rússia, que força a alta de preços, e uma queda na produção nos Estados Unidos e outros países do Ocidente, porque muitas petroleiras investem mais em energia e combustíveis renováveis. A transição para os veículos elétricos no mundo está bem adiantada, inclusive para o transporte de cargas. O preço do petróleo somente cairá quando a Opep e a Rússia quiserem, talvez para inviabilizar a exploração do xisto nos Estados Unidos e manter o controle do que restará do mercado de carbono nos próximos 50 anos.
LGBTfobia na política pode se agravar em 2022
Malu Delgado / DW Brasil
Políticos assumidamente gays também temem que aliados do presidente ressuscitem "pauta de costumes" para agitar eleitorado conservador.
O clima de hostilidade, ataques e ameaças a políticos assumidamente homossexuais ou LGBTQI+ tem ficado evidente em vários episódios recentes dentro das instituições políticas do Brasil, ainda que, para o eleitor médio, a preferência sexual ou a identidade de gênero do candidato afete cada vez menos o voto na urna - pelo menos se considerados os grandes centros urbanos do país.
Políticos LGBTQI+ são alvos preferenciais da extrema-direita e devido ao clima polarizado deste ano de eleição presidencial no Brasil muitos deles já temem que a pauta de costumes e a ideologia de gênero sejam temas ressuscitados no Congresso Nacional pelos aliados de Jair Bolsonaro, o que serviria de munição contra a centro-esquerda e contaminaria o debate eleitoral.
A maior rejeição a Bolsonaro, segundo mostrou sondagem do Instituto Datafolha, feita em dezembro do ano passado, se concentra exatamente em homossexuais e bissexuais: 83% não votarão no atual presidente em hipótese alguma.
Com a crítica situação econômica do país, Bolsonaro tem perdido espaço entre o eleitor evangélico de baixa renda para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e deve utilizar esse debate conservador para tentar segurá-los em seu entorno.
"Bolsonaro tenta assustar esse público evangélico com bizarrices, como dizer que ‘seu filho pode virar mulher com 7 anos'. Hoje existe, entre os evangélicos não ideológicos, um respeito muito maior com a causa LBGTQ, mas é claro que eles são resistentes ao tema”, explica Renato Dorgan, especialista em marketing político-eleitoral, pesquisas qualitativas e quantitativas e sócio-proprietário do Instituto Travessia-Estratégia e Marketing.
Dorgan acredita que o homossexualismo na política tem gradualmente deixado de ser um grande tabu, sobretudo depois de 2015, 2016, algo que observa nas pesquisas qualitativas que conduz com o eleitor brasileiro. Mais da metade da população aprova a união homoafetiva, de acordo com pesquisas recentes.
"Tanto que agora o Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul) se assumiu homossexual, mesmo sendo pré-candidato à Presidência”, pontuou o especialista. Leite perdeu as prévias no PSDB para o governador de São Paulo, João Doria, mas assumiu a opção sexual sem constrangimento no meio de 2021, quando tentava se credenciar como o candidato à Presidência da República.
Logo após a declaração do governador do Rio Grande do Sul, uma sondagem feita pelo Instituto Paraná Pesquisas, em julho de 2021, revelou que 75,9% dos brasileiros não alterariam seu voto se o candidato à Presidência fosse gay: 13,7% admitiram que vontade de votar no candidato diminui, enquanto para 5,8%, aumenta. A pesquisa foi feita em municípios das 27 unidades da Federação, com margem de erro é de 2 pontos percentuais. A sondagem apontou que a maior resistência a um candidato homossexual vem de homens com mais de 60 anos e residentes no sul do país.
Extrema-direita usa homofobia como estratégia por votos, diz Jean Wyllys
"O atual governo se elegeu por meio da homofobia", disse à DW Brasil o ex-deputado federal Jean Wyllys, recém-filiado ao PT. Gay, Wyllys tinha embates diretos com Bolsonaro no período em que ambos eram deputados e chegou a cuspir na cara do hoje presidente quando ele exaltou o torturador Brilhante Ustra ao votar pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. O jornalista e escritor abriu mão do mandato por sofrer ameaças de morte e inúmeros ataques. Wyllys advoga que "parte da extrema-direita usa a homofobia para ascender eleitoralmente”, tema que já abordou em livros e artigos recentes.
Ele explica que renunciou ao mandato por ter sido e ser alvo de ameaças de morte inclusive de membros de sua família, além de uma "pesada e bem financiada campanha de difamação e assassinato” de sua reputação através, "com mentiras sórdidas".
"Estava óbvio para mim que, depois do assassinato covarde e brutal de Marielle Franco, as ameaças não se restringiriam a ameaças. Estava igualmente claro para mim - mas não para a esquerda em geral e muito menos para meu antigo partido, infelizmente, apesar das sucessivas denúncias que eu fiz - que aquele ataque não era apenas a um indivíduo ou ao indivíduo Jean Wyllys. Tratava-se de um ataque brutal a tudo que eu representava e represento”, diz.
O fato de ser um político gay assumido e ativista, complementa Wyllys, o transformou num "catalisador fácil de ódios e ressentimentos de uma sociedade historicamente homofóbica e racista”. Para ele, a esquerda não compreendeu que ataques a pessoas com o seu perfil "obedecem à mesma lógica da tentativa de destruição da imagem de Lula”.
"A hostilidade homofóbica era mais explícita da parte dos homens heteros parlamentares, principalmente os evangélicos neopentecostais e/ou ligados às forças de segurança. O que não quer dizer que não houvesse atitudes homofóbicas por parte de alguns parlamentares de esquerda e por parte de mulheres de direita”, contou.
A despeito dos indicativos de pesquisas de marketing eleitoral, Wyllys assegura que os brasileiros não elegeriam hoje um presidente gay e que os que agora estão no poder querem evitar que isso também seja possível no futuro.
Para senador gay, "é preciso ter coragem para esse enfrentamento”
Foram marcantes algumas cenas, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPI da Covid), no Senado, em que o senador capixaba Fabiano Contarato, na época filiado ao Rede, falou sobre sua opção sexual e sua família. Casado, ele e o companheiro adotaram duas crianças.
"O Brasil precisa começar a reverter séculos de políticas estruturais machistas, racistas e LGBTfóbicas. Entrei na política com a visão de que é preciso ter coragem para esse enfrentamento.”
Contarato, agora filiado ao PT e possível candidato da sigla ao governo do Espírito Santo, enfatiza que todas as conquistas recentes no país para a comunidade LGBTQIA+ foram resultado de decisões judiciais, e não surgiram pela via política.
"O direito de adoção é, sem dúvida, um dos mais importantes. Assegura um direito básico às famílias homoafetivas e possibilita que estas se constituam em pé de igualdade com as demais. O fato, no entanto, de este ainda não ser um direito inscrito na legislação brasileira gera insegurança quanto a uma possível reversão.”
O Congresso, na visão do senador, negligencia o debate sobre proteções e direitos LGBTQI+. "Sou o primeiro senador abertamente gay, e espero ter aberto portas para que outros venham em futuro próximo. Humildemente, espero que o nosso mandato sirva de inspiração para outros homens gays, para mulheres lésbicas, para pessoas transexuais e travestis. A política é para todos e todas, ainda que nós tenhamos que lutar muito mais para chegar lá.”
Como pautas vitoriosas ele cita a aprovação do aumento de pena para quem cometer crime motivado por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional ou orientação sexual. "A Casa também aprovou o projeto de lei 2353/2021, de minha autoria, que proíbe a discriminação de doadores de sangue com base na orientação sexual.”
Resistência é maior na Câmara
Já na Câmara, diz o deputado federal David Miranda (Psol-RJ), suplente que assumiu o mandato na vaga de Wyllys, as pautas LGBTQI+ pouco avançam, sobretudo pela resistência das bancadas evangélicas, armamentista e da ala conservadora do agronegócio. Ele estima que há cerca de 40 projetos de interesse dessa população tramitando na Câmara, sendo 50% com uma abordagem mais progressista, e 50% com visão preconceituosa e pejorativa.
"Essa pauta não anda, e se for para o plenário paralisa o Congresso. Tanto parlamentares progressistas quanto os conservadores tentam usar essas pautas para se promover. Nesse ano vai acontecer isso, com certeza.” Miranda prevê que o grande embate se dará em torno do projeto que determina que banheiros públicos sejam unissex, o que evitaria constrangimentos para as pessoas trans. "Bolsonaro vai tentar usar esse debate do banheiro transgênero para falar mal de um eventual governo Lula”, afirma Miranda.
O deputado é casado com o jornalista Glenn Greenwald, que trouxe à tona no site The Intercept Brasil mensagens do ex-juiz Sergio Moro com procuradores que atuaram na Operação Lava-Jato. A "Vaza Jato”, como o caso ficou conhecido no Brasil, propiciou a desmoralização da Lava-Jato e culminou na decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a suspeição de Moro para julgar Lula.
A Vaza Jato, diz o deputado, o transformou num alvo específico da extrema-direita;. "Recebemos ameaças de morte, eu, meu marido, meus filhos, minha mãe. Fomos atacados em todos os níveis. Fizeram fake news com nossos nomes, nossas vidas. Mas também houve muita defesa, e foi bonito ver um campo acolhedor e de bastante respaldo”, afirmou.
David Miranda anda com escolta de segurança privada, diariamente. Ele diz que não recebeu autorização da presidência da Câmara, comandada pelo deputado bolsonarista Arthur Lira (PP-AL), para contar com a segurança da Polícia Legislativa. "A Câmara parou de me dar segurança, embora tenha um parecer favorável da Comissão Parlamentar em Genebra. Estou pagando com meu dinheiro, não reclamo. Mas exerço uma função pública e sou ameaçado por isso, e não tenho proteção no estado do Rio.”
A DW Brasil solicitou informações à presidência da Câmara sobre o número de parlamentares que contam com segurança da Polícia Legislativa por sofrerem ameaças e questionou o caso de Miranda. "Por questões de segurança, as informações sobre escolta de parlamentares têm caráter sigiloso”, informou, por e-mail, a assessoria de imprensa da Casa.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/lgbtfobia-na-pol%C3%ADtica-pode-se-agravar-com-disputa-presidencial/a-60497597
Lula busca figuras históricas do PSDB e fala em mutirão para governar
Ranier Bragon e Catia Seabra / Folha de S. Paulo
Quase 20 anos após vencer as eleições que o levariam ao seu primeiro mandato presidencial, Luiz Inácio Lula da Silva, 76, busca a volta ao poder tendo ao seu lado boa parte do PT de 2002, mas patrocina uma tentativa de trazer para seu entorno políticos de centro e centro-direita, entre eles, figuras históricas do —por décadas— rival PSDB.
Muito mais do que representar uma nova Carta ao Povo Brasileiro, a possível composição com o ex-tucano Geraldo Alckmin é a face mais visível da convicção de Lula, dizem, de que tão importante quanto a vitória é garantir um arco de apoio político suficiente para governar.
Na sexta-feira (21), Lula encontrou-se com o ex-senador e ex-ministro Aloysio Nunes Ferreira, figura emblemática para o PT por ter sido vice de Aécio Neves (PSDB) na eleição de 2014 e por ter integrado, depois, as fileiras da articulação política que resultou no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016. Foi a segunda vez que eles se reuniram em pouco mais de de dois meses.
Segundo o tucano, Lula listou o que, na sua opinião, são retrocessos produzidos pelo governo Bolsonaro e defendeu a colaboração suprapartidária, à exceção da extrema-direita, para superação desses desafios.
"Ele disse o seguinte: 'Se eu for candidato, e se eu for eleito, preciso de um mutirão para governar'", afirmou Aloysio. Ainda segundo ele, Lula não falou em alianças eleitorais. Mas na reconstrução de um espírito colaborativo.
No encontro, ocorrido a convite de Lula, os dois lembraram momentos em que PT e PSDB se uniram em torno de uma agenda convergente, como na política de transferência de renda, no Código Florestal e no Marco Civil da Internet.
Após uma hora e meia de conversa, o ex-senador manifestou-se a favor da chapa Lula-Alckmin para a corrida presidencial. De acordo com o tucano e também com petistas, Lula tem dito que, se voltar ao poder, terá pela frente a administração de um país em condições mais desafiadoras do que recebida de Fernando Henrique Cardoso em 2003.
E que, para isso, é imprescindível que tenha uma base sólida no Congresso para conseguir governar.
Além de Aloysio, Lula já se encontrou com FHC —ocasião em que trocaram afagos mútuos—, com o ex-governador de Goiás Marconi Perillo e com os ex-senadores Arthur Virgílio (AM) e Tasso Jereissati (CE).
Em uma deferência, Lula foi à casa de FHC, em São Paulo, e ao escritório de Tasso, em Fortaleza. Outros encontros aconteceram em campos neutros, como a casa ou escritórios de amigos em comum.
A grande maioria dos políticos que criaram PT e PSDB militaram contra a ditadura militar. Os tucanos surgiram de uma dissidência do MDB, partido de oposição ao regime. Na redemocratização, houve um ensaio de aproximação entre as duas siglas, mas não prosperou.
Com isso, petistas e tucanos acabaram se tornando rivais e polarizaram as eleições nacionais de 1994 a 2014, com duas vitórias do PSDB (1994 e 1998) e quatro do PT (2002, 2006, 2010 e 2014).
"Eu sou dos que sempre defenderam que foi um azar histórico, na retomada da democracia, se contraporem PT e PSDB. As duas novidades pós-governo militar foram PT e PSDB", afirmou no final de dezembro, em entrevista à Folha, o ex-ministro, ex-governador da Bahia e hoje senador Jaques Wagner.
Ele é um dos defensores da chapa Lula-Alckmin: "Quem quiser montar uma chapa competitiva terá que montar uma chapa em que presidente e vice sejam complementares. Eu entendo que o Alckmin é uma possibilidade porque ele é complementar ao Lula. Não se faz sanduíche de pão com pão, tem que botar um recheio".
Além da busca de alianças e apoios mais ao centro, Lula tem orientado seus emissários a tentar ao máximo fechar federações com siglas de esquerda, como PSB, PC do B e PSOL. De acordo com aliados, Lula diz que esse novo modelo de união, que exige atuação conjunta por ao menos quatro anos, é mais desejável do que coligações eleitorais, que podem ser desfeitas a qualquer momento.
Vinte anos depois de conseguir seu primeiro mandato presidencial, Lula tem em seu círculo mais próximo várias pessoas que já figuravam com destaque na campanha de 20 anos atrás —muitos, assim como Lula, estão na casa dos 60 e 70 anos de idade.
Um dado emblemático é que o PT cresceu nos anos 80 e 90 bastante identificado com a juventude. Hoje a bancada de deputados federais da sigla é a mais velha da Câmara, na média (58 anos).
"Um problema que toda esquerda brasileira enfrenta é uma necessidade de renovação na faixa dos 20 e 30 anos. A gente tem poucas pessoas com destaque mais amplo. A nossa bancada, quando entrei na bancada federal, era a mais jovem da Câmara", diz o ex-ministro e ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, 61.
Jaques Wagner tem opinião semelhante: "Eu sou um cara quase obsessivo com negócio de renovação. Nada contra a terceira idade, até porque eu estou nela, mas acho que não podemos ficar dependendo só de uma geração. Tem que puxar a moçada. Acho que o PT precisa cuidar disso, está cuidando menos do que deveria, na minha opinião", diz ele.
Aos 70 anos e prestes a disputar novo mandato como governador da Bahia, ele brinca, fazendo uma comparação com empresas: "Eu acho que a gente, a moçada da terceira idade, deveria ir para o 'Conselho de Administração', para opinar".
O documentário "Entretatos", que acompanhou a campanha de Lula na reta final da eleição de 2002, tem uma cena simbólica que mostra a porta se fechando para uma primeira reunião decisiva entre o núcleo mais próximo do petista, ainda no hotel de São Paulo em que ele assistiu à sua vitória sobre José Serra (PSDB) no segundo turno.
Na sala estava sete pessoas, além de Lula. Duas delas já morreram --Marisa Letícia, mulher de Lula, em 2017, aos 66 anos, em decorrência de um AVC, e Luiz Gushiken, em 2013, vítima de câncer, aos 63 anos.
Dos outros cinco, um caiu em desgraça dentro do PT. Antonio Palocci, que seria ministro da Fazenda do governo Lula e da Casa Civil do governo Dilma, rompeu com a sigla após ser preso e se tornar um dos delatores da Lava Jato.
Os outros quatro, todos acima dos 65 anos hoje, permanecem no PT, três deles em postos de comando e com certa proximidade a Lula.
Aloizio Mercadante (eleito senador em 2002; viria a ser ministro da Ciência e Tecnologia, Casa Civil e Educação nos governos Dilma), 67, hoje preside a Fundação Perseu Abramo, o órgão de estudos e pesquisas do PT. Ele não foi ministro do governo Lula e é visto com desconfiança por setores do PT, que o consideram em "estágio probatório". Ele é apontado como um dos responsáveis pelo lançamento de Dilma à reeleição ao invés de ceder lugar para Lula.
Gilberto Carvalho (chefe de gabinete da Presidência na gestão Lula e secretário-geral da Presidência na gestão Dilma), 71, hoje é diretor da Escola Nacional de Formação Política do partido. Luiz Dulci (ministro da Secretaria-Geral da Presidência nas gestões Lula), 66, hoje é membro da Executiva nacional do PT. Ele ainda hoje participa das reuniões com Lula.
O sétimo integrante da primeira reunião formal de Lula eleito em 2002, José Dirceu, 75, se tornaria viria ministro da Casa Civil, mas saiu no escândalo do mensalão (2005). Ele sofreu condenações e prisões no mensalão e na Lava Jato e foi solto em 2019 após o STF voltar atrás em entendimento anterior que determinava o cumprimento da pena após julgamento do caso em segunda instância.
Atualmente participa informalmente das discussões internas do PT. Em entrevista em dezembro dada ao jornalista Breno Altman, do site Opera Mundi, Dirceu fez várias considerações sobre campanha e um possível futuro novo governo.
Entre elas, a de que "Lula e o PT precisam de uma política mais ampla que a esquerda para derrotar o bolsonarismo e governar o país" (falando sobre a aliança com Alckmin) e de que o programa de eventual governo tem que se contrapor ao das duas últimas gestões —"O programa nosso será, no fundo, um contraprograma a tudo o que foi feito pelo Temer e pelo Bolsonaro. É só contrapor cada reforma previdenciária, trabalhista ou administrativa que tentaram, teto de gasto, regra de ouro, essa política de concentração de renda e riqueza do país".
De fora daquela reunião no hotel de São Paulo, mas já com militância de destaque no PT e ainda hoje no círculo próximo de Lula, estão, entre outros, Rui Falcão, 78 —que presidiu a sigla em 2011 e 2017 e hoje é membro da Executiva Nacional—, e Paulo Okamotto, 65, amigo de longa data do ex-presidente e fundador do Instituto Lula.
Dos nomes novos que surgiram pós-2002, o principal é o de Fernando Haddad, 58, que despontou para o primeiro time do PT após comandar o ministério da Educação nos governos Lula e Dilma. Muitas vezes chamado de "o mais tucano dos petistas", Haddad é um dos responsáveis pela aproximação com o PSDB.
Ele foi escolhido por Lula para ser candidato a prefeito de São Paulo em 2012 (ganhou) e a presidente em 2018 (perdeu). Hoje é o nome do partido para o governo de São Paulo.
Gleisi Hoffmann (senadora e ministra da Casa Civil na gestão Dilma), 56, ganhou destaque por sua atuação à frente do PT no período da prisão de Lula. Ela preside o PT desde 2017 e é uma das pessoas mais influentes junto ao ex-presidente.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/lula-busca-figuras-historicas-do-psdb-e-fala-em-mutirao-para-governar.shtml
Braga Netto tenta se cacifar para ser vice de Bolsonaro na chapa da reeleição
Jussara Soares / O Globo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro disse na quarta-feira que já escolheu quem ocupará o posto de vice na chapa que disputará a reeleição em outubro. No entanto, ponderou que só divulgará o nome “na hora certa”, porque se anunciar agora “é só complicação e confusão”. Esse mistério tem impulsionado movimentações políticas em torno do Ministério da Defesa. O titular da pasta, o general da reserva Walter Braga Netto, é um dos principais cotados para estar ao lado do presidente na campanha. Caso isso se concretize, já despontam duas opções para ocupar a cadeira do militar: o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, e o comandante da Marinha, almirante Garnier Santos.
Análise: Disputa entre alas ideológica e militar é marca da gestão Bolsonaro
Em mais de uma oportunidade, Bolsonaro já disse que 12 ministros deixarão seus cargos por causa das eleições deste ano. Nessa lista, segundo auxiliares do Palácio do Planalto, está Braga Netto, que conta com a confiança irrestrita do presidente. O chefe do Executivo crê que ter ao seu lado um militar com influência nas Forças Armadas reduz consideravelmente as chances de eventuais pedidos de impeachment prosperarem.
Integrantes do governo dizem que Braga Netto se entusiasmou com a hipótese e tem se articulado para se cacifar como vice. O ministro tem evitado falar sobre o assunto em público, mas reservadamente admite que está pronto para o chamado do presidente. Interlocutores do governo, porém, avaliam que o general só deixará o cargo se de fato for escolhido para vice. Braga Netto já avisou que não tem interesse em sair candidato a outro cargo.
Enquanto esteve no comando da Casa Civil, Braga Netto deu mostras de sua fidelidade e agradou a Bolsonaro por ter adotado uma postura discreta. O general da reserva assumiu a Defesa em abril do ano passado, após o presidente trocar os comandantes das Forças Armadas. Um mês depois, o ministro compareceu a uma manifestação em Brasília com críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em julho do ano passado, ele articulou a divulgação de uma nota assinada pelo Exército, pela Marinha e pela Aeronáutica rebatendo críticas feitas pelo senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da CPI da Covid, contra os militares. Em 7 de setembro, sobrevoou uma manifestação antidemocrática que atacava ministros do STF.
Já no início deste ano, após um mal-estar com Bolsonaro, Braga Netto orientou o Comando do Exército a redigir uma nota explicando a diretriz que recomendava que militares se vacinassem antes do retorno ao trabalho presencial. Diante da repercussão, o comunicado foi suspenso.
Leia também: Peso da pauta identitária na campanha opõe lideranças e evidencia tensão na esquerda
Apesar de Bolsonaro confiar em Braga Netto e considerá-lo um perfil ideal, a ala política do governo tem resistências. Partidos da base do presidente, como PL, PP e Republicanos, não fizeram um convite de filiação ao militar. Em conversas reservadas, o grupo político que assessora o titular do Planalto afirma que as siglas não estão dispostas a fazer um gesto ao ministro da Defesa para não chancelá-lo como uma escolha das legendas. De todo modo, se houver um pedido de Bolsonaro em favor do general, um dos partidos pode ceder e abrigá-lo.
No entanto, o PP, do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, tem se articulado para indicar o vice da chapa, selando assim a aliança com o PL, partido de Bolsonaro. Entre os nomes cotados, está o da ministra Tereza Cristina, da Agricultura, que hoje está no DEM, mas negocia a sua filiação ao PP. A pessoas próximas, Valdemar Costa Neto, presidente do PL, disse que a deputada licenciada é a candidata ideal, pois agrada a classe política, o empresariado e o eleitorado feminino, segmento no qual o presidente enfrenta uma alta rejeição.
Bernardo M. Franco: Por Alckmin, Lula volta a enquadrar rebeldes do PT
Embora digam que a palavra final sobre o vice será exclusivamente de Bolsonaro, integrantes do comitê da campanha presidencial tentam convencê-lo que é mais prudente adiar a decisão e escolher um nome que possa atrair votos em parte do eleitorado em que o presidente precisa crescer nas pesquisas.
Dança das cadeiras
Em paralelo à movimentação pela vice, também há articulações para a eventual sucessão de Braga Netto na Defesa. Ramos, que já passou pela Secretaria de Governo, não esconde o desejo de voltar a ocupar um ministério com maior destaque, relatam integrantes do Planalto. A interlocutores, ele não refuta a ideia de substituir Braga Netto, com quem tem uma relação de proximidade. Já Garnier passou a ser apontado como uma alternativa por mostrar alinhamento irrestrito ao presidente, o que o difere dos comandantes do Exército e da Aeronáutica.
Procurado, Ramos, por meio de sua assessoria, informou que “está feliz onde está, mas também está à disposição do presidente para qualquer missão”. A assessoria do comandante da Marinha negou que o almirante esteja se movimentando pelo cargo. O ministro da Defesa não se manifestou.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/braga-netto-tenta-se-cacifar-para-ser-vice-de-bolsonaro-na-chapa-da-reeleicao-1-25364421
Bolsonaro dobra aposta em Carlos para campanha nas redes sociais
Felipe Frazão / O Estado de S.Paulo
A intenção de profissionalizar o marketing da campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro esbarrou no vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). Ao filho “zero dois” é atribuída a estratégia para as redes sociais da campanha vitoriosa do presidente em 2018. Por influência da ala política do governo, no entanto, Bolsonaro avalia e conversa com marqueteiros sugeridos por ministros e por Valdemar Costa Neto, mandachuva do PL. Um dos cotados para assinar os programas do presidente é o publicitário Duda Lima, homem da confiança de Costa Neto.
Mesmo assim, Bolsonaro já deixou claro que Carlos vai manter a comunicação digital sob seu controle. Enquanto políticos do Centrão que participam do núcleo da campanha defendem contratar um marqueteiro do ramo, os bolsonaristas mais ligados à “direita raiz” e o próprio presidente confiam no tino de Carlos, a quem já respondiam os integrantes do grupo conhecido no Palácio do Planalto como “gabinete do ódio”.
Ministros palacianos dão como certo que, mesmo com um profissional de publicidade do agrado de Bolsonaro, o comando da comunicação será compartilhado com Carlos. A ideia é que o vereador continue desempenhando papel central nas redes sociais do presidente, estimulando a guerra virtual para atacar opositores e desafetos do governo.
Bolsonaro tem 43 milhões de seguidores em perfis e contas oficiais no Facebook, Instagram, YouTube, Twitter, Tik Tok e Telegram. Conta, ainda, com um emaranhado de páginas apoiadoras, batizadas internamente de “satélites”, além de grupos de aplicativos de mensagens no WhatsApp e redes mais recentes adotadas pela direita, como o Gettr, e a Bolsonaro TV.
Com frequência, o monitoramento de adversários políticos e empresas do ramo identifica o uso de contas automatizadas pró-Bolsonaro, os robôs, com disparos de mensagens favoráveis ao presidente ou de conteúdo difamatório contra rivais a partir de países da Ásia ou do Leste Europeu. Essa rede digital chegou a ser alvo de apurações no Supremo Tribunal Federal, na CPMI das Fake News e também no Tribunal Superior Eleitoral.
Mambembe
O presidente resiste a dar poder a um marqueteiro que não seja próximo de seu círculo mais íntimo. Nas conversas com aliados, ele sempre repete que conseguiu chegar ao Planalto, em 2018, a partir de uma estratégia “amadora”. À época, tudo deixava transparecer ações de improviso e estética mambembe. Para Bolsonaro, isso pode dar certo novamente.
Em dezembro, o presidente garantiu que não pretendia contratar um marqueteiro experimentado. “Não vou contratar marqueteiro, não é essa a intenção. Devo ter produtores de imagens. Nós temos imagens para mostrar armazenadas das minhas viagens pelo Brasil todo”, argumentou ele.
A cúpula da campanha bolsonarista, no entanto, deu sinais de que o presidente vai ceder à contratação de um profissional, algo de que seus principais adversários não abrem mão. Além de Costa Neto, insistem nessa tese os ministros Fabio Faria (Comunicações) e Ciro Nogueira (Casa Civil).
A principal justificativa para que um marqueteiro de renome seja chamado é a demanda de produção de programas eleitorais e inserções para rádio e TV. Há agora a previsão de uma aliança com partidos do Centrão, e não mais os 8 segundos da época em que Bolsonaro era filiado ao PSL.
A exposição aumentará ainda mais se o chefe do Executivo disputar o segundo turno. “Vai ter, sim, uma coordenação profissional. O presidente Valdemar tem estudado bastante isso e trabalhado”, disse o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) ao canal CNN, citando o presidente do PL.
Assim como Costa Neto, Duda Lima é de Mogi das Cruzes, mantém duas agências na cidade (RP Propaganda e F.A.R.O.) e tem parentes no PL. Costuma dar cursos e orientar candidatos do partido a cargos no Legislativo e já trabalhou em campanhas para prefeituras paulistas. Em 2016, ele foi marqueteiro do deputado Celso Russomanno (Republicanos-SP), então candidato a prefeito de São Paulo.
Ao Estadão, Duda disse que ainda não foi procurado para tratar da campanha do presidente. “Ninguém do partido falou comigo. Faço trabalhos pontuais para o PL há bastante tempo”, afirmou ele.
Na semana passada, Bolsonaro conversou com o estrategista pernambucano Paulo Moura, da Exata Inteligência Política, levado pelo ministro do Turismo, Gilson Machado. As conversas, porém, não deslancharam. Moura disse ao Estadão que não recebeu nenhuma proposta após o encontro com o presidente.
Sérgio Lima, publicitário da agência S8.Wow, também é lembrado para a função. Lima atuou no projeto do Aliança pelo Brasil, partido que não saiu do papel, mas ainda não teve conversas com Bolsonaro e Costa Neto.
Rivais
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem no comando de comunicação da campanha o jornalista e ex-ministro Franklin Martins, mas o PT ainda negocia a contratação dos publicitários Raul Rabelo ou Sidônio Palmeira, ambos baianos.
O nome de maior cacife e experiência no páreo presidencial é o de João Santana, marqueteiro contratado por Ciro Gomes (PDT). Santana assinou campanhas petistas no passado, como as de Lula e Dilma Rousseff. Após ser preso, virou colaborador da Lava Jato.
Já o governador de São Paulo, João Doria, pré-candidato do PSDB, é orientado pelo marqueteiro Daniel Braga. O publicitário Fernando Vieira, que atende o Podemos, colabora com a campanha de Sérgio Moro. Nada, porém, está fechado, tanto que Moro ainda avalia contratar outro profissional.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,bolsonaro-dobra-aposta-em-carlos-para-campanha-nas-redes-sociais,70003958382